SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.1 número3A interação social e o desenvolvimento humanoA interação social e solução de problemas por, crianças: questões metodológicas, resultados empíricos e implicações educacionais índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. v.1 n.3 Ribeirão Preto dez. 1993

 

Interação social na escola: professor e aluno construindo o processo ensino-aprendizagem

 

 

Maria Stella C. A. Gil1

Universidade Federal da Paraíba

 

 

Durante anos, o estudo das interações professor-aluno quase só falou do professor (Amidon e Simon, 1965). Quando os alunos eram mencionados apareciam apenas como alvos das ações de outros. Foram necessárias algumas décadas de investigações sobre como ocorria o ensino, para se atingir o ponto de poder examinar, mais atentamente, o que acontecia com os alunos. A partir de estudos sobre liderança e sobre a relação mãe/filho mostrando a importância dos liderados e dos filhos no estabelecimento destas relações, a Psicologia e a Educação passaram a buscar a possível influência dos alunos naquilo que o professor fazia (Fiedler, 1975). Neste sentido, "influência" significava supor que um dado evento contribuía, em consonância ou interação com outros, para a tomada de decisão do professor ou para as alterações das avaliações feitas por ele a seu próprio respeito ou a respeito de seus planejamentos e aulas.

Os estudos começam, então, a delinear os alunos com maior nitidez (Jenkins e Deno, 1969; Klein, 1971). Passa-se a reconhecer a sua influência na sala de aula, aumentando a quantidade de propostas visando conhecer o seu papel nas relações com o professor (Noble e Nolan, 1976). Os resultados das investigações tornam possível considerar que se o desempenho do aluno varia em função do desempenho do professor, o inverso também acontece.

Aproximadamente na mesma época, as pesquisas sobre controle de estímulos chegam à "aprendizagem-sem-erro". As evidências experimentais na área de Análise do Comportamento implicavam pensar a aprendizagem como um evento na esfera do "tudo ou nada", ao contrário do velho e conhecido processo gradual, descrito nas curvas de aprendizagem. Em decorrência dos resultados obtidos, acrescenta-se à tradicional relação causal do tipo professor competente implica bom desempenho do aluno, uma outra: aluno erra, professor muda sua técnica, aluno acerta (Sidman, 1985). Este segundo tipo de relação reafirma a concepção de que as ações do aluno seriam um dos determinantes do desempenho do professor.

À medida em que se verifica ser o desempenho do aluno a base a partir da qual o professor definiria e reorganizaria as suas ações, trabalha-se para a consolidação, conceitual e metodológica, da idéia de influência recíproca presente na interação professor-aluno.

Como é esperado do esforço de pesquisa, o reconhecimento da troca de influências entre professor e alunos abre outras questões a serem consideradas. A despeito da constatação de influências mútuas entre professor e aluno, apenas se pôde evidenciar a sua existência e a sua direção. Pouco se conhece, portanto, da qualidade e do peso da reciprocidade de influências no estabelecimento das relações adulto-criança na escola.

De um lado, temos por certa a prevalência das ações do professor no estabelecimento tanto das condições de trabalho acadêmico, a ser desenvolvido por ele e por seus alunos, como na construção do que se poderia chamar de "clima afetivo" da sala de aula, indicado menos pelo conteúdo das ações dos participantes do que por sinais paralingüísticos como tom de voz, postura, gestos etc. (Marturano, 1988).

Por outro lado, os resultados de alguns trabalhos não deixam dúvida quanto ao fato do desempenho do professor ser influenciado pelo desempenho dos alunos, independentemente de estar ele ciente das alterações sofridas pelas suas próprias ações.

Ora, se a influência do aluno sobre o professor é reconhecida e se ocorre a despeito do que o professor conheça sobre ela, então onde se coloca a questão da reciprocidade de influências? Ela aparece quando se toma a reciprocidade nas interações professor-aluno como sinônimo de bidirecionalidade implicando, portanto, simetria. Nestas interações, soma-se ao desequilíbrio característico das situações onde alguém ensina e alguém aprende, aquele próprio das relações adulto-criança.

Admitindo a assimetria das interações professor-aluno, é possível deslocar o eixo da discussão para a qualidade da influência exercida por professores e alunos, uns sobre os outros. À velha maneira, tão empregada nas incontáveis discussões sobre ensino, volta-se ao que está implícito acima: a responsabilidade do professor no estabelecimento das condições nas quais dar-se-á o processo ensino-aprendizagem na sua sala de aula. É possível que exatamente por ter estas condições em mãos, espere-se do professor sensibilidade e permeabilidade àquilo que faz o aluno, desde o desempenho acadêmico até as manifestações afetivas. Apenas e somente se levar em consideração o aluno, como base de suas decisões e ações, é que o professor poderá ampliar a esfera de influência do aluno naquilo que se faz em sala de aula.

Na perspectiva dos estudos sobre ensino e aprendizagem, autores de diferentes áreas e abordagens da Psicologia, apesar de terem posições epistemológicas pouco conciliáveis, apresentam idéias convergentes a respeito do papel de professores e alunos na aprendizagem escolar. Tanto os autores ligados à Análise do Comportamento (Keller, 1972; Skinner, 1972), como aqueles vinculados à Escola de Genebra (Coll, 1985; Coll, 1987) enfatizam a necessidade de um aluno ativo e responsável pelo seu desenvolvimento escolar, e de um professor competente, na organização de contingências ambientais para os primeiros, e no arranjo de um ambiente propício ao desenvolvimento operatório, para os segundos. Nos trabalhos sobre ensino-aprendizagem é possível depreender, ainda, a necessidade de considerar o caráter relacionai desse processo (Neri, 1980).

Considerando, portanto, que o processo ensino-aprendizagem escolar é constituído de interações entre professores e alunos, que trabalham pelo objetivo comum da aprendizagem do aluno, uma questão que se põe é a do que acontece com o aluno enquanto ele aprende. O problema assim colocado implica procurar saber quais são as diversas modificações do desempenho do aluno à medida em que ele se relaciona com seus professores.

As alterações do desempenho dos alunos podem ser tomadas como indicadores objetivos das aprendizagens que ocorrem. Trata-se de alguma coisa bastante concreta, a ser examinada e avaliada tendo por base as contribuições ao desenvolvimento da criança. Vale reafirmar que estas aprendizagens são aprendizagens sociais. O caráter "social" sendo dado pelo conteúdo, ao mesmo tempo um produto da cultura e do que uma sociedade toma como necessário à formação dos seus integrantes e, também, no sentido de serem aprendizagens realizadas pela intermediação de uma outra pessoa, no caso, o professor.

Nossa intenção, aqui, é apresentar uma tentativa de considerar, simultaneamente, os desempenhos de professores e alunos, e de fazê-lo levando em conta a aprendizagem dos alunos. Para isso, contaremos algumas coisas de uma sala de aula da qual participamos fazendo pesquisa. Começaremos descrevendo duas situações em que estavam sendo realizadas atividades denominadas "seqüências" e "escrever o cabeçalho". Nessas atividades, parte do desempenho dos alunos indicava que a professora e eles haviam atingido alguns objetivos. Em seguida, apresentaremos a descrição da primeira vez em que estas atividades foram realizadas naquela sala.

Interessa-nos principalmente, nesses relatos da sala de aula, o fato de permitirem reconstruir o percurso da professora e dos alunos, para atingir alguns objetivos, tais como: estar em silêncio em determinadas ocasiões; estar atento à professora; identificar o motivo de uma seqüência; reproduzir o motivo identificado formando uma seqüência; escrever o seu nome completo, o dia, o mês e o ano, sem copiar de um modelo.

Buscando clareza ao falar de eventos complexos, tentaremos trabalhar com os dois tipos de situações descritas: as "seqüências" e o "cabeçalho". Optamos por selecionar algumas das descrições dos diversos episódios da atividade de "seqüências" e da atividade de "escrever o cabeçalho", assumindo os riscos implícitos nesta decisão. As descrições escolhidas serão tomadas como exemplos, permitindo indicar o modo como se dá a interdependência dos desempenhos da professora e dos desempenhos dos alunos, e a consecução simultânea de mais de um objetivo nas salas de aula.

Depois de aproximadamente um mês e meio de aula a situação na sala é a seguinte: os alunos estão sentados, alguns seguram os lápis, outros têm as mãos sobre as mesas; há silêncio da parte deles. No quadro, a professora escreve um exercício que diz: " 1 - complete a seqüência", seguido de um desenho com um círculo, um triângulo, um quadrado, um círculo, um triângulo dispostos uns depois dos outros e, por fim, sinal de reticências. À medida em que coloca o exercício no quadro, a professora lê o que escreve, em voz alta, e diz aos alunos para completarem o desenho até o final da linha e que para isso devem descobrir o motivo da seqüência e dar continuidade a ela. Em uma outra circunstância, aparentemente diferente desta, os alunos em sua maioria estão sentados nas respectivas cadeiras e têm sobre as mesas um caderno. Alguns alunos em pé ou de joelhos pegam seus cadernos nas mochilas. A professora diz então: "Escrevam o cabeçalho. Ponham nome e data. Nome completo". Pouco tempo depois há silêncio na sala de aula, todos os alunos escrevem e a professora anda entre as mesas dos alunos, olhando-lhes os cadernos.

Os eventos descritos mais se assemelham a algum trecho de manual de treinamento de professores, ilustrando prescrições sobre a sala de aula ideal. O relato acima, no entanto, é uma pequena parte de um registro condensado de observação das atividades de uma primeira série do primeiro grau. Sala de aula caracterizada tanto pela intensa movimentação dos alunos, consentida e incentivada pela professora, como pela participação permanente dos alunos, não apenas cumprindo as determinações dela, mas também, tendo aproveitadas as suas sugestões formuladas claramente ou apenas esboçadas a partir de uma intervenção.

As atividades de "seqüência" e de "escrever o cabeçalho" começaram no segundo dia de aula. Aprofessora havia distribuído folhas de papel sulfite entre os alunos e pedia-lhes que prestassem atenção à maneira como ela segurava a folha. Os alunos estavam dispersos e havia burburinho na sala. Aprofessora então colocou a folha sobre a mesa, andou até a frente da classe, voltou-se para os alunos e começou a bater palmas (uma seqüência de uma palma e uma pausa), Todos os alunos voltaram-se em direção à professora, fizeram silêncio e metade da classe passou a bater palmas junto com a professora, enquanto os demais permaneceram orientados para ela.

Ao longo deste epidódio, a professora alterou o modo de bater palmas, tornando-o mais complexo. Ela aumentou, ao mesmo tempo, a quantidade de informações que dava aos alunos sobre como reproduzir as palmas e o nível de exigência na excecução da reprodução. Os alunos deviam repetir corretamente os modelos de batidas de palmas apresentados pela professora e deveriam fazê-lo em uníssono, começando todos ao mesmo tempo.

Terminadas as palmas, foram feitas, sem sucesso, algumas tentativas de realização de outras atividades, diferentes destas e, então, aconteceram mais dois episódios da atividade de "seqüência", antes da introdução da atividade "escrever o cabeçalho".

O último destes episódios de seqüência constou da apresentação, pela professora, de séries de modelos de movimentos dos dedos e das mãos que os alunos deveriam reproduzir em silêncio. Durante a apresentação dos últimos modelos a professora instruiu os alunos sobre como fazer o cabeçalho. Ao mesmo tempo em que ela apresentava uma das séries de movimentos das mãos, reproduzida pela classe, falava sobre a necessidade de silêncio e atenção para poderem trabalhar. A professora disse aos alunos que escreveria algumas coisas no quadro, que as leria e que, em seguida, eles deveriam copiá-las. Ela falou da importância de tentarem copiar, mesmo que escrevessem torto ou que a letra ficasse feia e lhes informou que "escrever na linha" e "letra feia" seriam coisas a serem trabalhadas posteriormente. Depois, pegou o giz e escreveu o primeiro cabeçalho a ser copiado pelos alunos naquele ano. Os alunos, sentados nas respectivas cadeiras, escreveram nas suas folhas em silêncio. Este primeiro cabeçalho tinha como modelo escrito no quadro as palavras Eu sou: seguidas de espaço em branco e a palavra DATA: seguida dos números correspondentes ao dia, ao mês e ao ano.

A insersão das seqüências no conjunto de atividades da sala e o modo como se desenvolveram permitem pensar em dois níveis de influência do desempenho dos alunos sobre o desempenho da professora. No primeiro, a dispersão e o burburinho dos alunos, nas atividades anteriores às palmas, determinou a introdução de uma atividade de "seqüência", cujo resultado das ações (palmas) se sobrepunham ao ruído produzido pelos alunos. No segundo, o desempenho deles, durante a reprodução dos modelos, contribuiu para a mudança dos modelos desde que, progressivamente, aumentou o número de alunos que acertava a reprodução. O critério de mudança de modelos é o grau de correção com que a classe os reproduz. Vale dizer que o termo classe usado aqui refere-se ao conjunto dos alunos.

No curso destes e de outros episódios verifica-se que são os acertos e os erros dos alunos que regulam o desempenho da professora, indicando-lhe avanços e retrocessos no nível de exigência e na quantidade e qualidade da estimulação fornecida.

Inicialmente, a professora apresenta o modelo sem nenhuma instrução oral relativa à qualquer aspecto do desempenho dos alunos. Progressivamente, a medida que eles correspondem ou não aos critérios de reprodução e que os modelos se tornam mais complexos, a professora introduz sinalizações diversas: indica condições de emissão do desempenho dos alunos; sinaliza o início da reprodução do modelo; pede atenção; indica erro ou os elogia; pede a identificação dos motivos que determinam as seqüências e emprega estes motivos na composição de outros modelos. Todos estes recursos são utilizados pela professora de acordo com as ações dos alunos e com o nível de complexidade do modelo, o qual, mais uma vez, é dado pelo desempenho dos alunos.

Indicando que esta interpretação é correta, outros episódios mostram que nas ocasiões em que um ou dois alunos não acompanham o desempenho dos demais a professora dedica-lhes atenção especial. Ao mesmo tempo em que refaz, com estes alunos, os procedimentos adotados com a sala, toma os outros como fonte de estimulação para aqueles com os quais trabalha de modo especial. Apenas quando todos reproduzem corretamente o modelo, ela o altera ou muda de atividade.

É interessante notar, como foi indicado acima, que além da reprodução exata das seqüências existem outros produtos em termos do desempenho dos alunos. Durante todo o espisódio, a professora obteve o silêncio dos alunos e a orientação da classe para ela. Garantidos silêncio e orientação para a professora, criaram-se condições para que os alunos tivessem acesso às suas instruções e aos seus feedbacks, ou seja, às indicações dos estímulos relevantes para a execução dos modelos.

De acordo com a descrição do episódio de movimentos manuais, o tipo de modelo e a sua execução pelos alunos criaram condições para que a professora os instruísse sobre uma atividade bastante complexa para o segundo dia de aula: "escrever o cabeçalho". O silêncio dos alunos durante as reproduções possibilitou a sobreposição das falas e movimentos da professora. A sobreposição parece importante, pois revela a transferência de controle de estímulos propiciada pelo procedimento. Durante a apresentação exclusiva dos modelos, os alunos eram controlados pelos movimentos, ao passo que durante a parte final deste episódio eles estavam, simultaneamente, sob o controle dos movimentos e das instruções orais da professora, visto que reproduziam os modelos corretamente e escreveram o cabeçalho.

Na sucessão de diversos episódios de seqüência, o que se observa é uma série de mudanças graduais. Mudanças graduais no desempenho dos alunos na direção desejada - silêncio, atenção para a professora e reprodução correta dos modelos, e procedimentos de mudança gradual nas características dos modelos apresentados pela professora - começar do mais simples e/ou já aprendido.

Um outro exemplo da situação desta sala é o fato da professora usar a contagem das palmas, feita em voz alta por ela e pela classe, como estratégia para os alunos identificarem o motivo das seqüências. Esta contagem, verificada em diversos episódios, é um tipo de desempenho já presente no repertório da maioria deles.

É possível afirmar que, pela sua ocorrência sobreposta a desempenhos, ora novos, ora conhecidos, a contagem tenha adquirido funções discriminativas que passaram a controlar repertórios múltiplos. Este procedimento parecia oportunizar a repetição de repertórios recém-adquiridos, isto é, facilitar, pela estimulação suplementar, a reprodução de modelos aprendidos sem contagem e ainda não estabilizados. Uma outra função parecia ser a de facilitar a aquisição de um novo repertório, isto é, o de verbalizar as características dos modelos. Um terceiro papel seria o de facilitar a emissão de modelos novos e complexos que exigiam múltiplas respostas.

A contagem das palmas mostra ainda outros aspectos da sala de aula. Em diversas ocasiões os alunos tomaram a iniciativa de fazer a contagem. Quase sempre acontecia nas vezes em que parte dos colegas estava errando a reprodução dos modelos e o uso desta contagem resultava no aumento sistemático do número de alunos que acertava as seqüências. Isto reforça a idéia da eficiência do procedimento e aponta algumas características do clima da sala. A professora acata a iniciativa dos alunos fazendo ela também a contagem junto com eles e, neste sentido, indica a sua flexibilidade em recorrer ativamente às sugestões dos alunos. Por outro lado, os próprios alunos percebem a correção ou não do desempenho dos seus pares e lançam mão de procedimentos que lhes permitiram executar corretamente as seqüências quando havia dificuldade ou erro, criando a ocasião para que os colegas acertassem a reprodução dos modelos.

Quanto à reprodução dos modelos apresentados pela professora ao longo dos episódios, nota-se a complexificação tanto dos desempenhos requeridos dos alunos, quanto da qualidade da estimulação fornecida por ela.

Os modelos que começam com uma batida de palma e uma pausa, um desempenho conhecido dos alunos, progressivamente modificam-se. Há acréscimo dos mesmos elementos, as palmas, ou uma alteração do ritmo mantendo o mesmo número de elementos. Há também a introdução de novos elementos, inicialmente mais próximos do desempenho cotidiano do aluno como os estalos produzidos com os dedos, batidas na mesa etc. e, progressivamente, mais distantes como os estalos produzidos com a língua. No inicio, a exigência é de reprodução literal dos modelos e, depois, de reprodução não literal. Por fim, introduz-se uma nova fonte de produção dos modelos (um outro aluno ao invés da professora).

Cabe lembrar que a instalação de um repertório de reproduções literais e arbitrárias é bastante importante. Inúmeras atividades escolares exigem que os alunos ou reproduzam os desempenhos da professora ou o produto destes desempenhos, como por exemplo, as palavras e frases ditas e repetidas, escritas e copiadas, escritas e lidas e ditas e escritas.

Um bom exemplo disso é a atividade "escrever o cabeçalho" onde inicialmente o aluno deve reproduzir o modelo gráfico apresentado no quadro pela professora. Durante esta atividade, a professora introduz gradativamente uma série de informações sobre os dias do mês e da semana, os meses do ano e os anos anteriores e posteriores àquele em que estão.

No transcorrer dos episódios do "cabeçalho" os alunos passam, de início; a identificar os momentos em que devem copiar os seus primeiros nomes ou os seus nomes completos e, finalmente, escrevem os seus nomes no lugar apropriado, sem modelo disponível.

Também em relação à data, os alunos começam por indicar o dia do mês, o dia da semana, o mês do ano e o ano em que estão desenvolvendo a atividade. Terminam por indicar os dias da semana e do mês, anteriores e posteriores aos em que estão, ocorrendo o mesmo para os meses e o ano. Por fim, além de dizerem todos os dias da semana e os meses do ano, na respectiva ordem, lhes atribuem os numerais correspondentes, escrevendo-os nos cadernos.

Ainda desta vez, é o desempenho dos alunos a base para as decisões da professora. Somente quando a maioria dos alunos copia corretamente o cabeçalho do quadro e, ao mesmo tempo, enuncia os dias da semana e os meses do ano na ordem correta é que a professora deixa de escrever, no quadro, o modelo dos cabeçalhos, passando a dizer apenas "Escrevam o cabeçalho" ou ainda, "Nome e data".

Voltando às seqüências, é interessante notar que ao longo das ocorrências desta atividade aumenta, progressivamente, o número de alunos que se dedica a cumprir uma determinada tarefa, indicada pela professora, deixando de reproduzir o modelo apresentado. Isso se dá, principalmente, em relação ao modelo de uma palma e pausa. Embora a professora bata palmas, os alunos escrevem nos seus cadernos, em silêncio. Esta alteração do desempenho dos alunos, radical nos últimos episódios por atingir a classe toda, acontece gradualmente.

Ao longo das ocorrências das atividades, tanto as palmas como as outras modalidades de seqüências implicaram silêncio por parte dos alunos. Enquanto eles estavam calados e voltados em direção à professora, ela dava novas instruções ou sobre localização e postura dos alunos, ou sobre a realização de tarefas em curso ou de tarefas futuras. Terminada a seqüência os alunos ou iniciavam uma nova atividade ou davam continuidade a alguma tarefa anterior. Aos poucos, sem que a professora o dissesse, ou o indicasse através de gestos ou da sua localização e postura, os alunos tomavam seus lugares e cumpriam suas tarefas tão logo a professora começava a bater palmas.

É importante salientar que neste período a classe reproduzia corretamente diferentes modelos, mesmo aqueles que lhes eram apresentados apenas com estimulação sonora, pois as mãos da professora estavam encobertas com um anteparo. Os alunos eram capazes de identificar os motivos das diferentes seqüências e de usar adequadamente o termo "motivo" para designar as relações entre os elementos de um modelo.

O modelo mais simples, o de uma palma e uma pausa, foi o mais empregado. Poder-se-ia dizer que a escolha deste modelo pela professora estaria sob o controle de duas fontes distintas mas relacionadas: a eficiência do modelo em controlar diferentes aspectos do desempenho do aluno e a existência de condições na sala de aula que tornavam necessário restabelecer o controle sobre o desempenho dos alunos. Neste segundo caso, estariam as ocasiões em que o modelo funcionava para restabelecer a ordem, o silêncio e/ou a orientação dos alunos (circunstâncias necessárias para o exercício de certas atividades) e as ocasiões em que ele funcionava para a introdução de instruções orais acerca de novas atividades ou para a introdução destas.

Ambas as fontes referem-se ao controle exercido pelas ações do aluno sobre as ações da professora: a primeira refere-se ao desempenho passado deste aluno, a segunda refere-se ao seu desempenho futuro, planejado pela professora. O suposto "planejamento" teria contribuído na decisão não só do tipo de atividade (neste caso envolvendo seqüências) mas também no tipo de modelo escolhido. Seria preciso, portanto, supor possíveis comportamentos encobertos da professora projetando, no futuro, tanto as atividades a serem desenvolvidas quanto as condições necessárias para tal (Simão, 1982).

A par das alterações coordenadas dos desempenhos da professora e dos alunos, apontadas acima, vale enfatizar, ainda, que à progressiva diminuição da quantidade de estimulação oferecida pela professora correspondeu um aumento na qualidade do desempenho dos alunos durante as atividades.

É possível dizer, então, que as relações de contingência que se estabelecem entre os desempenhos da professora e dos alunos resultam na diferenciação contínua do desempenho de ambos. Em conseqüência, as mudanças alteram estas mesmas relações de contingência. Considerada deste modo, a variação no desempenho da professora poderia ser um indicador de atualizações sucessivas do seu desempenho, desde que se modificava em função do desempenho dos alunos e, simultaneamente, produzia modificações no desempenho deles. Por outro lado, as mudanças cumulativas observadas no desempenho dos alunos poderiam ser tomadas como indicadores seguros de aprendizagem. Estaria assim caracterizada a construção permanente do que se tem chamado de processo ensino-aprendizagem.

 

Referências Bibliográficas

Amidon, E. e Simon, A. (1965) Teacher-pupil intcracüon. Review of Educational Research, 35(2), 130-139.         [ Links ]

Coll, CS. (1985) Acción, interacción y construcción dei conocimiento em situaciones educativas. Anuário de Psicologia, 33(2), 59-70.         [ Links ]

Coll, CS. (1987) As contribuições da psicologia para a educação: teoria genética e aprendizagem escolar. Em Leite e Medeiros (Org.). Piaget e a Escola de Genebra. São Paulo: Cortez Editora.         [ Links ]

Fiedler, M.L. (1975) Bidirectionality of influence m classroom interaction. Journal of Educational Psychology, 67(6), 735-744.         [ Links ]

Jenkins, J.R. e Deno, S.L. (1969) Influence of student behavior on teacher's self-evaluation. Journal of Educational Psychology, 60(6), 439-442.         [ Links ]

Keller, ES. (1972) Adeus mestre! Ciência e Cultura, 24(3), 207-212.         [ Links ]

Klein, S.S. (1971) Student influence on teacher behavior. American Educational Research, 8(3), 403-421.         [ Links ]

Marturano, E.M. (1988) Padrões de comunicação em uma classe de primeira série. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 40(1), 79-99.         [ Links ]

Neri, A.L. (1980) O modelo comportamental aplicado ao ensino. Em W.M.A. Penteado (Org.). Psicologia e Ensino. São Paulo: Papelivros.         [ Links ]

Noble, C.G. e Nolan, J.D. (1976) Effect of students verbal behavior on classroom teacher behavior. Journal of Educational Psycliology, 68(3), 342-346.         [ Links ]

Sidman, M. (1985) Aprendizagem-sem-erros e a sua importância para o ensino do deficiente mental. Psicologia, 11(3), 1-15.         [ Links ]

Simão, L.M. (1982) Relações professor-aluno: estudo descritivo através de relatos verbais do professor. Dissertação de Mestrado apresentada no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.         [ Links ]

Skinner, F.B. (1972) Tecnologia do Ensino. São Paulo: Herder e EDUSP.         [ Links ]

 

 

(1) Departamento de Psicologia.

Creative Commons License