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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.2 no.1 Ribeirão Preto abr. 1994

 

Comprometimento organizacional: seus antecedentes em distintos setores da administração e grupos ocupacionais1

 

 

Antonio Virgílio Bittencourt Bastos2

Universidade Federal da Paraíba

 

 

INTRODUÇÃO

O comprometimento no trabalho, especialmente o comprometimento com a organização empregadora, é um dos construtos mais intensivamente estudados no campo do comportamento micro-organizacional desde os anos oitenta. O conceito de comprometimento envolve alguma forma de laço psicológico entre pessoas e aspectos do seu ambiente de trabalho. No caso do comprometimento organizacional, esse vínculo seria um produto do "contrato psicológico"(Schein, 1982) estabelecido ao ingressar na organização e pode envolver, como apontado por Buchanan (1974), uma aceitação dos valores e objetivos organizacionais, sentimento de lealdade, intenções de permanecer e trabalhar para a organização. O construto de comprometimento organizacional insere-se, sobretudo, no conjunto de pesquisas que buscam explicar e predizer fenômenos como absenteísmo e rotatividade.

São múltiplas as definições e instrumentos para avaliar o comprometimento organizacional, podendo-se identificar, neste campo, cinco grandes vertentes de investigação, como já caracterizadas anteriormente (Bastos, 1992), às quais correspondem conceituações próprias do construto, formas específicas de mensurálo e, consequentemente, eleição de conjuntos diferenciados de variáveis antecedentes.

Como nas demais tradições de estudos sobre atitudes e comportamento no trabalho, a pesquisa sobre comprometimento organizacional lida com um conjunto amplo de variáveis como antecedentes que podem ser agrupadas em: variáveis pessoais, características do trabalho (ocupacionais), experiências no trabalho e características organizacionais. A literatura aponta, ainda, fatores extra-organizacionais tais como alternativas de emprego e grupos de referência fora da organização (Dornstein e Matalon, 1989). A multiplicidade de modelos teóricos e formas de medidas geram pouca consistência entre os resultados da pesquisa (Mottaz, 1988). Sínteses importantes dos achados nesta tradição de pesquisa encontram-se nas meta-análises de Mathieu e Zajac (1990), Cohen e Lowenberg (1990) e Randall (1990).

Do exame da literatura podemos concluir, como o fez Guest (1991), que dois conjuntos de antecedentes parecem ter claras implicações para a gestão ou políticas organizacionais que procurem gerar ou ampliar o comprometimento. Primeiro, a importância de trabalhos que se ajustem às expectativas dos indivíduos. Isso implica que a gerência deve ter grande cuidado com as etapas de recrutamento, seleção e socialização. O segundo conjunto de variáveis aponta para o "desenho" do trabalho pois o comprometimento parece ser mais elevado entre os que ocupam cargos com maior escopo, que envolvem maior responsabilidade e possibilidade de auto-expressão.

O presente estudo, inserido na tentativa de ampliar o conhecimento desse fenômeno na realidade brasileira, envolvendo dados de múltiplas organizações, busca identificar fatores que expliquem níveis diferenciados de comprometimento organizacional entre trabalhadores de distintos grupos ocupacionais e entre os que atuam nos segmentos público e privado da administração. Assim, estas duas variáveis contextuais serão objeto, a seguir, de algumas considerações específicas.

COMPROMETIMENTO NOS SETORES PÚBLICO E PRIVADO

Especificamente sobre a distinção entre o comprometimento na administração pública e privada, a literatura internacional não se detém. Os estudos são desenvolvidos, sobretudo, nò setor privado; na área pública são encontrados alguns trabalhos entre militares, o que dificulta a generalização dos seus resultados para a força de trabalho civil. No Brasil, os estudos publicados foram desenvolvidos em uma empresa pública (Borges-Andrade, Cameschi e Xavier, 1990) e em uma autarquia pública (Brandão, 1991), inexistindo dados comparativos acerca do comprometimento nos setores público e privado.

Cherniss e Kane (1987), destacando que a ampliação e diversificação das funções de governo tomaram o profissional do setor público um ator significante da sociedade moderna, apontam que servidores de maior status se revelam menos comprometidos e que maior comprometimento associa-se a níveis mais elevados de aspiração por auto-realização através do trabalho.

Para Romzek (1990), as agências públicas têm pouca influência no desenvolvimento de vínculos que se baseiam em "trocas/investimentos" do servidor (não existe liberdade para estabelecer benefícios ou recompensas que ampliem o seu vínculo com a organização, por estes serem fixados legalmente). Todavia, os gerentes podem ter uma influência sobre este processo de comprometimento através de fatores como a cultura do órgão, os processos de socialização e a capacidade para realizar as expectativas do empregado em relação ao emprego.

No contexto brasileiro a questão do trabalho no setor público X privado parece adquirir importância maior, face à distinta configuração histórica desses dois segmentos da administração e a consequente distinção em termos do tratamento dado aos seus 'recursos humanos'. Kuenzer(1991)(3) apresenta algumas destas diferenças: as burocracias públicas, distintamente das privadas, tendem ao consumo improdutivo da força de trabalho; sua eficiência é definida preponderantemente pelos grupos informais; inexistem mecanismos de controle da qualidade e produtividade; os sistemas de informação são ineficientes. Contrapondo-se à inexistência de uma pçlítica de recursos humanos no setor público, no setor privado existe um maior controle do desempenho e produtividade o que vem, normalmente, associado a maiores investimentos no trabalhador.

COMPROMETIMENTO ENTRE CATEGORIAS OCUPACIONAIS

Os estudos que relacionam comprometimento organizacional e categorias ocupacionais assumem duas características básicas: (a) tratam da relação entre comprometimento organizacional e profissional (Aranya e Ferris, 1983; Aryee, Wyatt e Min, 1991), destacando-se resultados que ora fortalecem a hipótese de um antagonismo entre os dois comprometimentos, ora mostram que eles não são, necessariamente, incompatíveis, (b) analisam a associação entre níveis educacionais e comprometimento organizacional (Mottaz, 1986), destacando-se a questão do grau de "profissionalização" como um determinante de comprometimento organizacional. Ambas as vertentes possuem raízes nos clássicos trabalhos de Gouldner (1957,1958) que distinguiu empregados "cosmopolitas" e "localistas". Para o autor, "cosmopolitas" são profissionais com baixa lealdade à organização e alto comprometimento com a sua especialização, tendo um grupo externo como referência (padrões da sua comunidade de especialistas). Ao contrário, os "localistas" apresentam alto comprometimento com a organização e baixo comprometimento com a profissão, tendo um grupo interno como referência.

Entre os estudos identificados, alguns limitam-se à análise de algumas categorias ocupacionais. Aryee et al. (1991) examinam em uma amostra de contadores públicos, os antecedentes de comprometimento organizacional em contextos "profissionais" e "não profissionais". Aranya, Kushnir e Valency (1986) controlam o tipo de ocupação ("contadores") para analisar o efeito da diferença de gênero sobre o comprometimento organizacional, encontrando níveis mais moderados entre as mulheres. Grover (1992) examina o comprometimento com a profissão entre enfermeiras de diferentes níveis educacionais, tomando o comprometimento organizacional como uma variável de controle.

Há, contudo, pesquisas que lidam com amostras mais diversificadas de ocupações. Mottaz (1986) trabalhou com quatro grupos ocupacionais: profissionais, gerentes, apoio administrativo e serviços, que foram agrupados, para efeito de análise, em "alto nível" (as duas primeiras) e "baixo nível" (as duas restantes), tendo concluído que educação tem um efeito positivo indireto sobre comprometimento através das recompensas no trabalho, porém tem um efeito negativo direto quando estas recompensas são mantidas constantes na análise, em ambos os grupos ocupacionais.

Mathieu e Hamel (1989) trabalharam com uma amostra de profissionais (engenheiros, entre outros) e não profissionais (agente administrativos, por exemplo) de três distintas organizações, testando um modelo de antecedentes de comprometimento organizacional. Encontrou-se que, embora muitos antecedentes fossem comuns (um alto grau de paralelismo entre os dois grupos), algumas diferenças são observadas nos dois grupos quanto ao efeito de variáveis individuais, como estado civil, sexo, idade e nível educacional.

Tais resultados justificam o interesse de analisar, com dados brasileiros, os determinantes de comprometimento organizacional em distintos grupos ocupacionais, considerando-se, ainda, o setor da administração em face das diferenças estruturais que marcam o setor público e privado.

 

METODOLOGIA

MODELO TEÓRICO-DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO

Na figura 1 encontra-se o conjunto de variáveis - pessoais, funcionais, de personalidade, ocupacionais e organizacionais - que foi tomado para análise dos determinantes do comprometimento entre os trabalhadores. O modelo, atendendo ao pressuposto de que a compreensão do comportamento humano nas organizações requer múltiplos níveis de análise, inclui um vasto número de variáveis com o objetivo de se explorarem possíveis relações, mais do que de se testarem hipóteses específicas.

 

 

Comprometimento Organizacional foi mensurado através de uma versão reduzida da escala proposta por Mowday, Porter e Steers (1982), previamente validada com escore de confiabilidade elevado (alpha de Cronbach de 87), que consta de nove itens e escores variando de 1 (baixo comprometimento) a 7 pontos (alto comprometimento). A definição das demais variáveis que integram o modelo, assim como o instrumento utilizado para mensurá-las encontra-se, sinteticamente, apresentado na Figura 2 (ver página seguinte).

 

 

CARACTERÍSTICAS DA AMOSTRA

Os dados foram coletados em 20 organizações (4 empresas públicas prestadoras de serviços de infra-estrutura e financeiros; 7 órgãos da administração pública, de diferentes Secretarias e de duas autarquias; e 9 empresas privadas, três indústrias do setor metal-mecânico, três do setor químico-petroquímico, duas empresas de serviços de saúde e uma de revenda de máquinas) totalizando 1028 participantes. Desse total, 55.4% são do sexo masculino, 57,2% possuem escolaridade de segundo grau, 29,2% ocupam cargo de chefia, 64,1% são sindicalizados. A idade média ficou em 35,1 anos e o tempo de serviço médio de 9,2 anos na organização. Quanto ao setor da administração, 47,2% trabalham em empresas públicas, 18,4% em órgãos da administração pública direta e 34,4% em empresas privadas; 51,9% dos participantes possuem ocupações técnicas/científicas, 33,5% ocupações administrativas e 14,7% ocupações industriais.

PROCEDIMENTO

Trabalhou-se com um questionário com itens basicamente fechados, que foram respondidos no próprio ambiente de trabalho, durante o horário de expediente, na maioria dos casos sob assistência de um auxiliar da pesquisa.

Os dados foram codificados e preparados para análise estatística, tendo-se utilizado o SPSS para calcular freqüências, correlações e, finalmente, análises de regressão múltipla, através da técnica stepwise.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste segmento, após os dados descritivos sobre o nível de comprometimento, nos deteremos nos resultados das análises de regressão múltipla que permitiram identificar dentre as variáveis do modelo teórico as que se revelam preditoras de comprometimento no plano empírico, tanto na amostra global como por setor da administração e grupos ocupacionais.

O COMPROMETIMENTO DO TRABALHADOR COMA ORGANIZAÇÃO

O nível de comprometimento observado na amostra global de trabalhadores revelou-se moderado. A distribuição revelou-se ligeiramente deslocada para o extremo positivo da escala, o que é confirmado pelos seguintes dados descritivos: média=4.59, moda=4.6, skewness=-.42.

A tabela 1 apresenta os escores médios de comprometimento organizacional entre os grupos ocupacionais e setores da administração.

 

 

Existem variações estatisticamente significativas do nível de comprometimento entre alguns segmentos da amostra. Escores médios mais elevados de comprometimento estão associados ao sexo masculino, ao estado civil "casado", a menor escolaridade (2º grau), a estágios avançados da carreira (fase de manutenção), ao exercício de cargos de chefia.

As diferenças observadas entre os setores da administração revelam-se altamente significativas (F=54.83, p=.0000), destacando-se, sobretudo, o nível mais baixo de comprometimento entre os servidores públicos da administração direta. Entre os grupos ocupacionais, a diferença, embora significativa estatisticamente (F=3.64, p=.02) não é tão acentuada, com a tendência do comprometimento revelarse mais elevado entre as ocupações industriais, seguidas das administrativas. Quando analisamos os subgrupos ocupacionais discriminando-se o nível de escolaridade, todavia, as diferenças se mostram mais acentuadas (F=5.06, p=.005), mostrando as profissões de nível superior com escores mais reduzidos de comprometimento organizacional, dado congruente com os apresentados por Mathieu e Zajac (1990). Na Tabela I, podemos observar, ainda, que as diferenças entre categorias ocupacionais não são significativas na administração pública direta, assim como, nas empresas privadas, o pessoal técnico de nível superior revela maior comprometimento do que o de nível médio, ao contrário do que acontece nas empresas públicas.

OS DETERMINANTES DO COMPROMETIMENTO NA AMOSTRA GLOBAL

A figura 2 mostra os resultados da primeira análise de regressão, considerando-se a amostra global de trabalhadores, tendo aparecido no modelo empírico, pelo menos uma variável de cada classe integrante do modelo teórico.

No total, as variáveis que integram o modelo explicam 58% da variância, o que torna o modelo significativo para F=55,86 e p=.0000. A maior parte da variabilidade de comprometimento é explicada pelo conjunto de variáveis organizacionais, de onde se destaca com maior valor explicativo política de promoção, representando 32,9% da variância. Isso sugere que o nível de comprometimento aumentará na proporção direta em que a organização implemente uma política de promoção considerada "justa", que oferece oportunidades de crescimento e sinaliza o desejo de manter o trabalhador nos seus quadros. As políticas organizacionais de treinamento e remuneração são importantes preditores de comprometimento, explicando, respectivamente 3,7 e 3,6% da sua variância. Três outras variáveis aparecem no modelo: a coordenação (uma relação positiva entre o grau de articulação das equipes e comprometimento); formalização e centralização - os níveis de comprometimento diminuem em contexto com menor participação, maior hierarquia e maior formalização. Em síntese, esse conjunto de preditores sinaliza que o comprometimento é fortemente determinado pela percepção, pelo trabalhador, de que a organização busca garantindo-lhes condições para trabalhar e crescer profissionalmente e tem iniciativas de romper o modelo altamente centralizado, hierarquizado e formalizado de gestão da força de trabalho.

O segundo grande conjunto de determinantes do comprometimento inclui as características do trabalho executado. Coerente com a literatura, "escopo do trabalho" (definição clara das atividades, autonomia e caráter não rotineiro das tarefas) é o segundo maior preditor, explicando 7/3% da variância de comprometimento. Na meta-análise apresentada por Mathieu e Zajac (1990), a correlação entre estas duas variáveis fica em torno de 50. Em menor proporção, porém ainda significativa, encontra-se a relação negativa entre comprometimento e o índice de "tensão do trabalho" ( o quanto o trabalhador vivência ambigüidade, sobrecarga e conflito no desempenho do seu papel).

 

 

Do conjunto de variáveis funcionais/carreira do trabalhador, quatro variáveis permaneceram no modelo geral de regressão: o estágio de carreira apresenta uma correlação negativa - quanto mais iniciante (fase de experiência), menor os escores de comprometimento, confirmando dados da literatura de que níveis elevados de comprometimento são observados entre trabalhadores mais velhos, com maior tempo de trabalho. Quanto à ocupação, o comprometimento é maior entre as ocupações "industriais" quando comparadas comas técnico-científicas e administrativas. Ocupações científicas ou técnicas, especialmente de nível superior, caracterizam-se por escores mais reduzidos de comprometimento com a organização, o que tem sido atribuído a índices mais elevados de comprometimento com à profissão.

Integram o modelo duas variáveis relativas ao processo de seleção / ingresso na organização. O grau em que o trabalhador ingressou na organização possuindo informações realísticas acerca das suas responsabilidades e suas oportunidades de progresso, maior o seu nível de comprometimento. Quanto mais o trabalhador percebe como tendo sido fácil o seu ingresso, menor o seu comprometimento. O peso dessas variáveis relacionadas com o "ingresso" na organização é congruente com resultados apontados por Caldwell, Chatman e O'Reilly (1990) que, num estudo com trabalhadores de diversas empresas, encontraram que procedimentos rigorosos de recrutamento e seleção, assim como a existência de um sistema forte e claro de valores, são associados a elevados níveis de comprometimento.

Dentre as variáveis pessoais, destacam-se quatro indicadores dos valores relativos ao trabalho. A "centralidade do trabalho na vida" explica 1,5% de comprometimento, em uma relação direta. Esse dado corrobora os encontrados por Dubin, Champoux e Por ter (1975) que apontaram que os trabalhadores para os quais o trabalho ocupava um lugar mais central nas suas vidas, apresentavam maior nível de comprometimento organizacional. Embora em níveis mais reduzidos, o produto valorizado do trabalho aparece, em três aspectos, como preditores significativos de comprometimento: maior valorização de rendimento associa-se negativamente a comprometimento (esse é maior entre os que valorizam, no outro extremo desta variável bipolar, o trabalho que, em si, é interessante); maior valorização da "auto-realização" (em oposição ao trabalho que permite o contato e atividade) implica maior comprometimento; essa mesma relação encontra-se entre os que valorizam o status que o trabalho permite alcançar.

Os resultados encontrados na presente pesquisa tomam-se difíceis de serem comparados com os demais estudos já publicados no Brasil, devido ao conjunto de variáveis antecedentes que integram o modelo teórico serem diferenciados. Há, contudo, alguns pontos de contato importantes: como apontam Borges-Andrade et ai. (1990) e Brandão (1991), na maioria dos modelos de regressão apresentados, variáveis organizacionais apresentam o maior peso, sobretudo a variável "concordância de que existe oportunidades de crescimento na carreira e progresso profissional" que apareceu como o mais forte preditor de comprometimento; essa variável se aproxima da definição de "política de promoção", a de maior peso no presente estudo.

OS DETERMINANTES DE COMPROMETIMENTO - NOS SETORES PÚBUCO E PRIVADO.

Quando se analisaram os determinantes de comprometimento por setores da administração, trabalhou-se com três estratos amostrais: o pessoal que trabalha em empresas públicas, em órgãos da administração pública direta e em empresas privadas. A separação das empresas públicas dos órgãos da administração direta deveu-se às evidências de que são realidades bastante diferenciadas, inclusive no grau de autonomia para concepção e implementação de políticas de recursos humanos bastante próximas das empresas privadas (por exemplo, os benefícios indiretos, a ênfase na qualificação).

Os resultados obtidos nas análises de regressão encontram-se na Tabela II. Nas empresas públicas, o modelo gerado pela análise explica 47,8% da variância de comprometimento, sendo integrado por onze variáveis. O principal preditor, como na amostra global, é a avaliação da "política de promoção" (26,7% da variância); escopo do trabalho, embora permaneça no modelo, deixa de ser o segundo maior preditor, cedendo a posição para uma nova variável: o "nível em que as expectativas que tinha ao ingressar na organização foram atendidas". Outra variável nova neste grupo é "idade do primeiro emprego", tendo-se encontrado que quanto mais cedo o indivíduo ingressa no mercado de trabalho, maiores os níveis de comprometimento. Entre as variáveis, apenas a "centralidade do trabalho" permanece no modelo.

 

 

Nos órgãos da administração pública (modelo explica 67% da variabilidade) aparece com maior peso, ao contrário dos demais estratos, a avaliação da política de treinamento (49,3%), caindo a promoção para a segunda posição em termos de poder preditivo. A "coordenação" dos trabalhos intra e inter-equipes aparece como o terceiro melhor preditor de comprometimento; ao contrário das empresas públicas, quanto mais cedo o trabalhador ingressa no mercado de trabalho, menor o seu nível de comprometimento. Como se constata, o conjunto de determinantes de comprometimento na administração pública apresenta algumas diferenças importantes em relação aos demais estratos; o maior peso da política de treinamento pode significar ser este o canal mais importante de crescimento profissional neste setor, devido à inexistência ou pouco eficácia das políticas de promoção. Destaquese, também, que as características do trabalho realizado (tanto o seu escopo como a tensão a ele associadas) não integram o modelo explicativo neste segmento da amostra.

Finalmente, nas empresas privadas (o modelo explica 57,6% da variância de comprometimento), encontramos alguns pontos singulares importantes de assinalar. A "política de promoção" é, ainda, o maior preditor agora seguida pela "política de remuneração". Aparecem com maior peso alguns valores relativos ao trabalho (maior valorização do rendimento associa-se a menor comprometimento; maior valorização do serviço prestado à sociedade associa-se a maior comprometimento); aparece a "tensão do trabalho" com uma relação negativa, a condição de chefia, numa relação positiva assim como o estado civil ( os casados como mais comprometidos). Esse conjunto de variáveis, de alguma forma, oferecem maior suporte para as explicações que postulam as "trocas indivíduos-organização" como determinantes do compromisso.

OS DETERMINANTES DE COMPROMETIMENTO - NOS GRUPOS OCUPACIONAIS

Duas estratégias foram utilizadas ao se identificarem os antecedentes do comprometimento organizacional em distintos grupos ocupacionais. Inicialmente, trabalhou-se com três grandes categorias ocupacionais, dentre as estabelecidas pelo Catálogo Brasileiro de Ocupações (CBO): ocupações técnicas/científicas, ocupações administrativas e ocupações ligadas à produção/indústria. Num segundo momento, introduziu-se o nível de escolaridade, diferenciando-se subgrupos dentro da primeira grande categoria ocupacional. Os resultados obtidos no primeiro momento encontram-se na Tabela III (ver página seguinte).

 

 

Entre os três grandes grupos ocupacionais algumas diferenças importantes podem ser destacadas quando são comparados com os preditores da amostra global. Nas ocupações técnicas/científicas (R2=.626) encontrouse um modelo bem próximo ao da amostra global, com as políticas organizacionais (promoção, treinamento e remuneração) e o escopo do trabalho realizado, destacando-se como os principais preditores. Variáveis relativas ao processo de seleção e ingresso na organização não integram o modelo que, por sua vez, apresenta um maior número de variáveis relacionadas com o significado do trabalho para o indivíduo - peso do lazer na vida, valorização do trabalho que garante rendimentos necessários, status e prestígio. Variáveis organizacionais tais como coordenação e descentralização também integram o modelo desse subgrupo. Duas variáveis de carreira, distintas das encontradas no modelo geral aparecem como preditores de comprometimento neste grupo ocupacional: tempo de serviço (numa relação positiva, confirmando dados apresentados por Mathieu e Zajac, 1990) e idade do primeiro emprego - quanto mais tarde ingressou no mercado de trabalho, maior o comprometimento.

O grupo das ocupações administrativas ( R2=548 ) apresenta perfil bastante diferenciado: a política de promoções deixa de ser o principal preditor, lugar ocupado pela política de treinamento. O escopo do trabalho diminui a sua importância como preditor, substituído pelo rendimento auferido pelo trabalho (quanto maior o salário, maior o comprometimento). A idade com que ingressou no mercado de trabalho tem uma relação negativa com comprometimento, ao contrário do subgrupo anterior - ingresso mais cedo associa-se a maior comprometimento. O peso de valores relativos ao trabalho é bem menor que no grupo anterior, permanecendo na equação apenas a valorização do trabalho que permite a auto-realização.

Nas ocupações industriais (R2=.608), embora a política de promoções continue sendo o principal preditor, o peso da política de treinamento é menor e a avaliação da política de remuneração não entra na equação de regressão. Tensão do trabalho é o terceiro melhor preditor de comprometimento (numa relação inversa), superando o escopo do trabalho. Aparece, nesse subgrupo, a variável estado civil, sendo os casados mais comprometidos.

Quando a categoria de ocupações técnicas /científicas é desdobrada por nível de escolaridade, verificam-se algumas diferenças importantes no peso e na composição das variáveis explicativas, como se vê na Tabela IV(ver página seguinte).

 

 

Os técnicos de nível superior (R2=.671) têm o seu nível de comprometimento determinado, sobretudo, pelas políticas organizacionais, escopo de trabalho e pelo conjunto de valores relativos ao trabalho. Entre os técnicos de nível médio, apenas a política de promoção permanece em primeiro lugar, explicando uma proporção menor da variância de comprometimento; as demais políticas e escopo do trabalho permanecem com pesos bem menores. Variáveis como "tensão", salubridade, expectativas prévias realísticas e estágio na carreira passam a integrar o modelo explicativo de comprometimento nesse grupo, distintamente do anterior. Tais diferenças fortalecem a evidência de que o nível de escolaridade é uma variável importante na determinação do comprometimento, sobrepondo-se, inclusive às categorias ocupacionais, como assinalado por Mottaz (1986)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Duas evidências apresentadas ao longo da sessão anterior devem ser retomadas: a) o nível de comprometimento organizacional varia significativamente entre trabalhadores de distintos setores da administração e categorias ocupacionais, de forma congruente com dados apontados na literatura; b) nesses subgrupos, apesar das similaridade encontradas, existem diferenças no conjunto de variáveis preditoras do nível de comprometimento observado, o que tem claras implicações para a formulação de políticas que visem ampliar comprometimento no trabalho.

O caminho mais longo a percorrer no sentido de prover a organização com níveis significativos de comprometimento do trabalhador encontra-se na administração pública direta. Sabe-se que a trajetória da administração pública com seus estilos autoritários e clientelistas, com a ausência de uma política de pessoal pautada no mérito e de uma política salarial gera a incapacidade de reter pessoal melhor qualificado e reflexos negativos na motivação e atitudes frente ao trabalho dentre os que permanecem, como detectado no presente estudo.

Quanto ao menor nível de comprometimento entre os trabalhadores com escolaridade superior, sobretudo nas ocupações técnicas/científicas - dado consistentemente apresentado na literatura - estudos mais específicos devem ajudar a compreender as relações entre os comprometimentos com diversos aspectos do contexto de trabalho, especialmente a profissão X organização.

No tocante aos resultados relativos aos conjuntos de preditores identificados, pode-se constatar que a percepção da oferta de oportunidades de crescimento e progresso funcional (quer através da política de promoção, quer de treinamento) associa-se fortemente com níveis mais elevados de comprometimento, em todas as esferas da administração e grupos ocupacionais. Esse, certamente, seria o eixo prioritário para intervenções que busquem manter ou ampliar o comprometimento do trabalhador. Apolítica de remuneração é importante, sobretudo nas empresas privadas e entre as ocupações técnicas/científicas.

Um segundo eixo importante de intervenções que ampliem o comprometimento seria a definição do próprio trabalho executado, existindo espaço significativo para rever o grau de significância, variedade e autonomia para a execução das tarefas, enriquecendo os cargos e diminuindo fatores que geram tensão como a sobrecarga, especialmente.

Outras recomendações emergem ao se observar o conjunto de preditores dos diversos segmentos da amostra analisados: (a) implementar ações que alterem a organização do trabalho, revendo os níveis de centralização, hierarquização, participação e formalização, ainda elevados na maioria das organizações estudadas; (b) a possibilidade de trabalhos que visem o desenvolvimento de equipes e facilitem a coordenação de esforços dos indivíduos e grupos dentro das organizações; (c) dar atenção ao conjunto de práticas relativas ao ingresso do trabalhador na organização, trabalhando-se as suas expectativas prévias no sentido de tomálas realísticas e atingíveis na organização; (d) quer associados às práticas de seleção, quer às estratégias de socialização formais e informais, podem ser trabalhados os valores trazidos pelos indivíduos que têm impacto no seu comprometimento. Equacionar o conflito trabalho-família-lazer, por exemplo, pode ter reflexos no comprometimento do trabalhador, tornando a sua relação com o trabalho mais efetiva.

Concluindo, deve-se destacar que as diferenças observadas nos subgrupos analisados -quer por setores da administração, quer por categorias ocupacionais reafirmam a necessidade de intervenções que considerem tais especificidades. Ou seja, nem sempre medidas gerais, aplicadas indistintamente a todos os segmentos, serão capazes de garantir mudanças significativas no nível de comprometimento do trabalhador com a organização. Tais resultados, uma vez mais, questionam a prática de aplicar "receitas prontas" na expectativas de resultados positivos, comum no gerenciamento de recursos humanos nas organizações.

 

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(1) O presente artigo integra o conjunto de cinco textos sobre comprometimento organizacional, todos incluídos na presente publicação. No primeiro texto, de introdução, estão expostos os aspectos básicos relativos à conceituação e diferentes abordgens do fenômeno. No presente texto manteve-se, apenas, a revisão teórica relacionada aos aspectos específicos do estudo relatado.
(2) Professor Adjunto Departamento de Psicologia, UFBa. Professor do Programa de Pós graduação em Administração, UFBa.. Pesquisador associado do Centro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Público - ISP /UFBa.
(3) Kuenzer, A.Z. (1991). A política de recursos humanos na universidade. Curitiba: UFPr (mimeo).