SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.2 número2A transferência na clínica psicanalítica: abordagem KleinianaDiferentes abordagens em terapia de casal: uma articulação possível? índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.2 no.2 Ribeirão Preto ago. 1994

 

ANÁLISES CLÍNICAS

 

Terapia de casal: ruptura ou manutenção do casamento?

 

 

Terezinha Feres-Carneiro1

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

 

 

Dando continuidade às investigações que vimos desenvolvendo sobre interação conjugal em casais da classe média, este estudo tem como objetivo verificar as relações existentes entre a manifestação das dimensões de individualidade e de conjugalidade, o tipo de escolha amorosa predominante e a possibilidade de realizar mudanças na interação conjugal ao longo da terapia de casal.

Durante o processo terapêutico, alguns casais se mantêm casados e outros se separam. O compromisso da terapia é com a promoção da saúde emocional dos membros do casal e não com a manutenção ou a ruptura do casamento. A rigidez e a estereotipia quase sempre caracterizam a patologia, enquanto a flexibilidade e a possiblidade de mudança apontam para a saúde. Em alguns casos, a mudança de um dos membros do casal em terapia, ou da interação conjugal, leva à ruptura do casamento. Em outros, é a rigidez e a impossibilidade de mudar que levam a tal ruptura. Analisaremos, no desenvolvimento do processo terapêutico, como se estabelecem estas relações.

Ao propormos dar continuidade às investigações sobre a interação conjugal, pretendemos contribuir para uma visão diferenciada dos conflitos maritais, através da articulação de diferentes conceitos teóricos, assim como colaborar para o desenvolvimento da prática clínica da terapia de casal.

 

INDIVIDUALIDADE E CONJUGALIDADE

Nossa prática clínica com casais e os estudos que temos desenvolvido (Féres-Carneiro, 1980,1987,1988,1989 e 1991) mostram que as dimensões de individualidade e de conjugalidade se manifestam diferentemente na dinâmica interacional de casais que apresentam diversos tipos de conflito conjugal em diferentes tipos de casamento. Ao estudarmos a manifestação das dimensões de aliança e de sexualidade em casais de primeiro casamento e em casais recasados (Feres-Carneiro, 1987), além de constatarmos que as categorias referidas à aliança estão mais presentes no grupo de primeiro casamento, enquanto aquelas referidas à sexualidade ganham importância maior no recasamento, constatamos também que a dimensão de individualidade é mais ressaltada no recasamento enquanto a conjugalidade está mais presente no primeiro casamento.

O individual e o conjugal no processo de identificação de si-mesmo é analisado por Kaufman (1988) que defende a tese de que o individual não se manifesta nunca no "estado puro". Nas histórias de casal, é possível perceber que o grau de dissimulação individual no holismo conjugal é muito variável nos diferentes aspectos da vida cotidiana. A média resultante da soma destas micro-diferenças que estão em movimento permanente daria o grau de fusão de um casal, num dado momento.

Lemaire (1988), ao discutir a questão da conjugalidade, refuta o pressuposto da psicanálise clássica da existência de um sujeito completamente constituído, falando em seu próprio nome. Ele defende a tese de que não existe sujeito totalmente constituído e que a conjugalidade se constrói em torno das zonas mais mal definidas do eu de cada cônjuge. Assim, no casal, os indivíduos misturam suas fronteiras e, muitas vezes, a terapia conjugal é o meio privilegiado para o tratamento de pessoas mal individualizadas.

 

ESCOLHA AMOROSA

No seu estudo sobre o Narcisismo, Freud (1966) descreve os caminhos que levam à escolha de objetos sexuais e conclui que uma pessoa pode amar em conformidade com dois tipos: o narcisista e o anaclítico. No primeiro tipo, a pessoa ama: (a) o que ela própria é (ou seja, a si mesma); (b) o que ela própria foi; (c) o que ela própria gostaria de ser; (d) alguém que foi uma vez parte dela mesma. No segundo tipo, a pessoa ama: (a) a mulher que a alimentou; (b) o homem que a protegeu, e a sucessão de substitutos que tomam o seu lugar.

Assim, no tipo de escolha objetai denominado narcisista, as pessoas procuram a si mesmas como um objeto amoroso e, segundo Freud, são pessoas cujo desenvolvimento libidinal sofreu alguma perturbação. No tipo de escolha denominado anaclítica ou de ligação, as pessoas tomam como modelo os primeiros objetos sexuais que foram fonte de alimentação, cuidado e proteção, e permitiram seu equilíbrio narcísico.

Freud não conclui, entretanto, que os seres humanos se acham divididos em dois grupos acentuadamente diferenciados segundo uma escolha objetai do tipo anaclítico ou narcisista, mas postula que ambos os tipos de escolha estão abertos ao indivíduo, embora este possa preferir um ou outro. Ao dizer que o ser humano tem originalmente dois objetos sexuais - ele próprio e a mulher que cuidou dele - Freud postula a existência de um narcisimo primário em todos e que, em alguns casos, manifesta-se de forma dominante na sua escolha objetal.

 

O CONCEITO DE COLUSÃO E SEUS QUATROS TIPOS FUNDAMENTAIS

O conceito de colusão, desenvolvido por Willi (1978), é descrito como um jogo conjunto e não confessado, entre dois parceiros, em função de um conflito similar e não superado. Os cônjuges se unem por supostos comuns, quase sempre inconscientes, e com expectativa de que o parceiro o liberte de seu conflito. A colusão seria uma matriz interacional que organiza a vida amorosa do casal.

A eleição colusiva do casal se dá como efeito de um acoplamento que pode produzir em ambos os cônjuges uma troca de estratos, de características latentes ou manifestas da personalidade. Esses estratos são facetas de uma mesma temática comum, que se arranja de forma complementar.

Os tipos de colusão, cujos temas são relacionados à teoria psicanalítica do desenvolvimento, são os seguintes: colusão narcísica, colusão oral, colusão sádioanal e colusão fálico edípica.

A COLUSÃO NARCÍSICA

O esquema da relação narcísica apresenta como tema fundamental a questão de até que ponto um pode se entregar ao outro sem perder seus próprios limites, sem se fundir com o outro.

A relação narcísica remete ao estádio narcisista de desenvolvimento, aproximadamente durante os seis primeiros meses de vida, quando se definem claramente os limites entre ego e não-ego, sujeito e objeto. Nesse período, mãe e bebê se tratam como parte de um todo e o bebê possui autonomia própria. Os conflitos gerados nesse período vão se reatualizar na relação conjugal. Então, se intensificarão idéias mágicas com respeito a essa fusão imaginária, à possibilidade do outro conhecer e corresponder ao desejo de forma totalitária, como se fossem um mesmo ser uno.

Na colusão narcísica, ambos os parceiros manifestam as mesmas perturbações básicas, um ego mal configurado, com sua delimitação em perigo. O narcisista pretende valorizar seu ego por meio do parceiro e o narcisista complementar aspira obter no outro um ego idealizado.

A COLUSÃO ORAL

O segundo esquema, colusão oral, apresenta como tema básico a questão do amor como preocupação de um pelo outro. Essa temática se funda na existência de um parceiro com disponibilidade de ajuda inesgotável, de um lado, e outro que requer cuidados e não se dispõe a ajudar do outro.

Esse tipo de relação remete à fase oral de desenvolvimento, quando as necessidades fundamentais do bebê são sobretudo as de nutrição. Na colusão oral encontramos, de um lado, o parceiro que se coloca na posição de "filho-lactante", desejando ter todas as suas necessidades satisfeitas, passivamente, transferindo as funções maternas idealizadas para o outro parceiro; do outro lado, o parceiro que assume a posição "mãe" - adotiva", com a tarefa de cuidar, rechaçando angustiadamente suas próprias necessidades e carências orais.

A COLUSÃO SÁDICO-ANAL

O terceiro esquema, a colusão sádico-anal, apresenta, como temática principal, a questão do amor como pertencer um ao outro. Coloca-se em pauta até que medida podem-se permitir aspirações autônomas do parceiro sem que se desintegre a relação.

Esse tipo de relação está associada à fase anal-sádica do desenvolvimento infantil. Nessa fase, que perdura do primeiro ao terceiro ano de vida, se alcança o desenvolvimento das funções egóicas básicas, perde-se a primitiva harmonia da simbiose, surgem as polarizações dominante-dominado, ativo-passivo, construção-destruição.

Nesse tipo de colusão, o parceiro ativo deseja progredir na relação enquanto autônomo e dominante e o passivo adota a posição de dependência e docilidade, se assegurando regressivamente contra os temores de separação e abandono. O parceiro ativo pode, dessa maneira, desconhecer seus próprios temores de separação porque estão expressos pelo passivo.

 

A COLUSÃO FÁLICO-EDÍPICA

O quarto esquema, a colusão fálico-edípica, apresenta como temática básica o amor como afirmação masculina. Aqui entra em jogo o complexo problema da distribuição de aspectos "masculinos", identificados com a atividade, e "femininos", identificados com a passividade, em ambos os parceiros.

A colusão fálica se refere a atitudes neuróticas errôneas com respeito aos papéis sexuais, atitudes que na mulher se manifestam em uma aparente feminilidade, e no homem, pelo contrário, em uma aparente masculinidade que reprime as iniciativas "passivo-femininas".

As dificuldades geradas por conflitos na fase edípica aparecem em casais sob a forma de um tipo de histeria conjugal. Ambos os parceiros buscam defenderse de suas debilidades através de atitudes polarizadas, onde um representa a posição ativa sexual e o outro a posição débil, passiva.

Para Willi, os quatro tipos de colusão são quatro princípios dinâmicos fundamentais e, como tais, não formam unidades de patologia. Todo casamento pode ser afetado pelos quatro temas, ou seja, pelo tema do "amor como ser um mesmo", "amor como preocupar-se um com o outro", "amor como pertencer um ao outro", "amor como afirmação masculina". Mas embora os quatro temas possam afetar o casamento, o acento do conflito conjugal quase sempre se apresenta sob a forma de um destes tipos de colusão.

 

MÉTODO

Sujeitos

Participaram do estudo dezesseis casais da classe média carioca que buscaram atendimento em nossa clínica privada.

Material

Foi estudado o conteúdo das sessões semanais de psicoterapia conjugal que tiveram uma média de 1 ano e 4 meses de duração, variando de 11 meses no mínimo a 2 anos no máximo.

 

RESULTADOS

PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

Categorias de análise

As dimensões de individualidade e de conjugalidade foram avaliadas através da análise de conteúdo das sessões utilizando técnicas do tipo temático e frequencial, tal como proposto por Bardin (1979).

Categorias Temáticas Referidas à Individualidade

1. predominância do uso do pronome "eu"

2. privacidade como valor

3. aceitação das diferenças

4. lazer individualizado

5. limites claros de cada "eu"

6. papéis sexuais bem demarcados

7. espaços físicos bem demarcados

8. funções domésticas bem definidas

9. predominância do ponto de vista individual

10. valorização de uma ética individual

11. maior número de esferas de autonomia

12. maior intensidade das esferas de autonomia.

Categorias Temáticas Referidas à Conjugalidade

1. predominância do uso do pronome "nós"

2. união como valor

3. dificuldades de aceitação das diferenças

4. lazer conjunto

5. limites difusos de cada "eu"

6. papéis sexuais pouco demarcados

7. espaços físicos pouco demarcados

8. funções domésticas pouco definidas

9. predominância do ponto de vista conjugal

10. valorização de uma ética coletiva do casal

11. menor número de esferas de autonomia

12. menor intensidade das esferas de autonomia.

A predominância do tipo de escolha amorosa foi avaliada através da análise clínica do material das sessões de psicoterapia de casal, tendo como um dos principais referenciais teóricos o conceito de colusão e suas quatro modalidades fundamentais: a colusão narcísica, a oral, a sádico-anal e a fálico-edípica.

Em relação a cada tipo de colusão foram estabelecidas categorias de avaliação que norteiam a análise clínica a partir da fundamentação estabelecida na teoria da colusão (Willi, 1975).

Categorias Clínicas de Análise Referidas à Colusão Narcísica

1. caráter narcísico

2. experiência mãe-filho do narcisista

3. formas de relação narcisista do casal

4. arcisista complementar como cônjuge do narcisista

5. escolha narcisista do parceiro

Categorias Clínicas de Análise Referidas à Colusão Oral

1. caráter oral

2. colusão oral mãe-filho

3. caráter oral da mãe

4. conflito oral de casal

5. escolha oral do parceiro

Categorias Clínicas de Análise Referidas à Colusão Sádico-Anal

1. olusão sádico-anal pais-filhos

2. perturbação anal da relação

3. caráter dominante ativo

4. caráter passivo anal

5. escolha conjugal na relação dominante/dominado

6. colusão sádico-anal

Categorias Clínicas de Análise Referidas à Colusão Fálico-Edípca

1. rivalidade pelo chamado papel masculino

2. colusão fálico-edípica pais-filho

3. caráter histérico

4. casamento histérico

5. escolha conjugal fálico-edípica

6. colusão fálico-edípica

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 1

Nas sessões, o uso do pronome "nós" foi predominante; a união aparecia como valor significativo; os membros do casal tinham dificuldade de aceitar as diferenças; os limites de cada "eu" eram difusos; e o lazer era quase sempre conjunto. Todavia, os papéis sexuais eram bem demarcados e as funções domésticas bem definidas.

A colusão conjugal predominante era do tipo narcísico. Ele apresentava um caráter narcísico tendo vivido experiências mãe-filho narcisistas. Ela ocupava o papel de narcisista complementar tentando obter, através dele, um ego idealizado. Ambos apresentavam fantasias de fusão.

Ao longo do processo terapêutico, ela foi mais capaz de efetuar mudanças significativas não mais querendo ocupar o papel de narcisista complementar na relação. Ele, mais resistente a mudanças, continuava exigindo dela as posições ocupadas anteriormente. Após 1 ano e 2 meses de terapia conjugal o casal se separou a partir da solicitação da mulher de que o marido abandonasse a casa.

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 2

Houve predominância do pronome "nós" nas sessões de terapia; o lazer era sempre conjunto; os espaços físicos na casa eram pouco demarcados; os limites de cada "eu" eram difusos; e havia grande valorização de uma ética do casal.

A colusão conjugal que predominava era do tipo oral. Ele com disponibilidade total de ajudar e ela, com caráter oral, com sentimentos de auto-valor negativos e apresentando comportamentos passivo-regressivos. Na sua história evidencia-se uma relação oral mãe-filha.

Ambos os membros do casal foram capazes de realizar mudanças ao longo do processo terapêutico. Ela, à medida em que pôde compreender e elaborar melhor sua relação com a mãe, passou a ter sentimentos de valor mais positivos em relação a si-mesma deixando de ocupar o lugar regressivo-passivo, o que levou o marido a também modificar sua posição na relação. Demarcaram-se melhor os limites de cada "eu" e os espaços de autonomia de cada cônjuge. O processo terapêutico teve uma duração de 1 ano e 4 meses e o casal se manteve casado.

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 3

Os pronomes "eu" e "nós" foram igualmente utilizados nas sessões de terapia; a privacidade era às vezes valorizada; os papéis sexuais, assim como as funções domésticas, eram mais definidos; havia um certo número de esferas de autonomia, sem muita intensidade, entre os membros do casal.

A colusão conjugal que predorninava era do tipo fálico-edípico. Havia o que Willi descreve como "histeria conjugal" em que ambos os parceiros defendem-se de suas debilidades através de atitudes polarizadas: ela ocupando a posição débil, passiva, e ele a posição forte, ativa.

Ao longo do processo terapêutico evidenciou-se, na história do marido, uma mãe sedutora que o rejeitou e um pai idealizado e super-exigente com o qual ele teve dificuldades de identificação. Na história da mulher, o pai mostrou-se sedutor e frustrador e a mãe, com dificuldades de asumir o papel feminino, não foi um bom modelo de identificação para ela. A elaboração, através do processo terapêutico, de alguns dos conflitos vividos pelos membros do casal na fase edípica do seu desenvolvimento permitiu mudanças no jogo conjugal levando cada membro a assumir de forma menos polarizada os aspectos "masculinos" e "femininos" de cada um. A terapia durou 1 ano e 6 meses e houve manutenção do casamento.

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 4

Houve predominância do uso do pronome "eu" nas sessões de terapia; o lazer era mais individualizado; havia uma demarcação clara dos papéis sexuais e das funções domésticas; as diferenças entre os membros do casal tinham uma certa aceitação.

O jogo colusivo predominante do casal era do tipo sádico-anal onde os parceiros assumiam as posições polarizadas de dominador-dominado. Ela apresenta um caráter dominante ativo e ele o caráter passivo anal. Na história familiar do marido, a mãe havia abandonado o pai e os filhos e na relação atual do casal, ele se comportava regressivamente, adotando uma posição de dependência e docilidade e demonstrando muitos temores de separação e abandono.

Ao longo do processo terapêutico a mulher consegue efetuar mudanças significativas no papel desempenhado no jogo conjugal abandonando a posição de dominadora, enquanto o marido teve grandes dificuldades de reformular sua posição de dependência. Após 11 meses de terapia houve a ruptura do casamento com a saída da mulher da casa em que morava o casal.

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 5

Nas sessões de terapia predominou o uso do pronome "nós"; o lazer era sempre conjunto; os papéis sexuais pouco demarcados; e os limites de cada "eu" eram difusos.

A colusão conjugal predominante era do tipo narcísica onde os membros do casal aspiravam a uma fusão quase total. Ela apresentava um caráter narcísico dada a sua história familiar e ele ocupava o papel de narcisista complementar.

No processo terapêutico ambos os membros do casal puderam efetuar mudanças. Ela compreendendo melhor as experiências narcisistas da infância vividas na relação com sua mãe, e ele podendo reformular sua posição de narcisista complementar na relação conjugal a partir das mudanças efetuadas pela mulher. A terapia teve a duração de 1 ano e 6 meses e o casal se manteve casado.

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 6

Houve predominância do uso do pronome "nós"; a união era vista como valor; os papéis sexuais eram pouco demarcados; e o lazer era quase sempre conjunto.

O jogo colusivo que predominava era do tipo oral apresentando a temática da preocupação dos membros do casal um com o outro. Ele com caráter oral, sentindo-se auto-desvalorizado e apresentando comportamentos regressivos, e ela mais fortalecida e com disponibilidade de ajuda.

Ao longo do processo terapêutico ambos os membros do casal foram capazes de realizar algumas mudanças; todavia, ela se mostrou mais disponível para efetivamente viver as mudanças realizadas a partir da nova compreensão da história pessoal de cada um e da história conjugal. As mudanças realizadas pelo marido não foram suficientes para modificar o papel que desempenhava no jogo colusivo do casal. A terapia durou 1 ano e 5 meses e houve a separação do casal com a mulher, num primeiro momento, saindo da casa onde habitavam.

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 7

Nas sessões de terapia, o pronome "eu" foi tão utilizado quanto o "nós"; a privacidade era valorizada embora as diferenças não fossem muito aceitas; os papéis sexuais eram demarcados; e as funções domésticas definidas.

A colusão conjugal predominante era do tipo sádico-anal, ele assumindo a posição de dominador e ela de dominada. Na família de origem do marido a mãe assumia uma posição autoritária, rígida e exigente, e ele habia aprendido com ela a lutar pelo poder. Esta forma de relação se repetiu no casal atual onde ele, ávido de poder, desempenhava um papel sádico e ela, dependente, desempenhava o papel passivo-anal.

O processo terapêutico permitindo a classificação e a elaboração das histórias individuais e da história conjugal, levou a uma transformação do jogo colusivo onde as necessidades de dominar e ser dominado passaram a ser menos rígidas possibilitando mais espaços de autonomia aos membros do casal. O tratamento durou 1 ano e o casal permaneceu casado.

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 8

Os pronomes "eu" e "nós" foram igualmente utilizados nas sessões; havia uma certa definição nos papéis sexuais e das funções domésticas; o lazer era às vezes individual, às vezes conjunto; e os espaços físicos eram bem demarcados.

O jogo colusivo predominante era do tipo fálico-edípico onde ele ocupava a posição frágil passiva, e ela a posição fortalecida, ativa. Ela teve um pai sedutor que a abandonou e uma mãe exigente e rígida. Ele teve uma mãe que o rejeitou e um pai com dificuldades de assumir o papel masculino.

Ao longo do processo terapêutico o marido foi mais capaz de efetuar mudanças e, após 1 ano e 3 meses de terapia, o casal se separou por um acordo mútuo em que ele saiu da casa onde moravam.

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 9

Nas sessões de terapia foi predominante o uso do pronome "nós"; as diferenças eram aceitas com dificuldades pelos membros do casal; o lazer era conjunto; e havia uma polarização da união dos cônjuges.

A colusão que predominava era do tipo narcísica onde os membros do casal tinham uma fantasia de fusão, ela apresentando o caráter narcísico e ele o de narcisista complementar. Ela, tendo vivido experiências mãe-filha narcisistas, tinha desenvolvido uma certa repulsa contra o amor, que era visto como uma forma de controle.

O processo terapêutico levou a maiores modificações na mulher que, até então, não se permitia amar nem ser amada. A terapia teve uma duração de 1 ano e 7 meses. Ela, apaixonando-se por outra pessoa, solicitou a separação e saiu de casa onde morava o casal.

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 10

Houve predominância do uso do pronome "nós"; a união era muito valorizada pelo casal; o lazer era conjunto; e os papéis sexuais pouco demarcados.

O jogo colusivo predominante era do tipo oral, ela com disponibilidade de ajuda e ele com comportamentos regressivo-dependentes. Na história familiar do marido evidenciou-se uma relação oral mãe-filho. No casal atual ele apresenta um caráter oral.

O processo terapêutico levou a uma mudança no jogo colusivo permitindo ao marido maiores espaços de independência e autonomia e liberando a mulher do papel de "mãe-altruista". O tratamento durou 2 anos e o casal se manteve casado.

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 11

Nas sessões de terapia predominou o uso do pronome "eu"; havia uma valorização de uma ética individual; os papéis sexuais e as funções domésticas tinham uma certa definição; e os espaços físicos eram demarcados.

A colusão predominante era do tipo sádico-anal onde ele apresentava o caráter dominante e ela o caráter passivo-anal. Na família de origem da mulher, o pai havia saído de casa quando esta tinha apenas 4 anos e no casal ela apresentava um comportamento regressivo e dependência em relação ao marido.

Ambos os membros do casal foram capazes de efetuar algumas mudanças, ao longo do processo terapêutico, reduzindo a intensidade da relação dominador/ dominado. O tratamento teve uma duração de 1 ano e 3 meses tendo ocorrido a ruptura do casamento após o marido ter-se apaixonado por outra pessoa e ter saído da casa onde morava o casal.

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 12

Houve predominancia do uso do pronome "nós"; a união apareceu como valor; o lazer era conjunto; os limites de cada "eu" eram difusos; e os papéis sexuais pouco demarcados.

O jogo colusivo predominante era do tipo narcísico onde ele evidenciava um caráter narcísico tendo vivido experiências mãe-filho narcisistas. Ela, no papel de narcisista complementar, apresentava também um ego mal configurado e esperava obter através do marido um ego idealizado.

Ao longo do processo terapêutico a fantasia de fusão, alimentada por ambos os cônjuges, pôde ser trabalhada através do fortalecimento do ego de cada um e da demarcação de cada individualidade. A terapia teve uma duração de 1 ano e 4 meses e o casamento foi mantido.

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 13

Nas sessões predominou o uso do pronome "nós"; os limites de cada "eu" eram difusos; o lazer era quase sempre conjunto; e os espações físicos da casa eram pouco demarcados.

A colusão que predominava era do tipo oral onde ela apresentava o caráter de "mãe-adotiva", oferecendo-se de forma ilimitada, e ele o caráter de "filho lactante" insaciável. Na história familiar do marido, a mãe o "devorava carinhosamente" ao mesmo tempo em que o rejeitava.

O processo terapêutico permitiu a transformação do jogo colusivo onde a mulher tinha uma disponibilidade inesgotável de ajuda e o marido uma necessidade insaciável de ser cuidado. Ambos os membros do casal tornaram-se mais independentes e o casamento foi mantido após o tratamento que durou 1 ano e 2 meses.

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 14

Houve predominância do uso do pronome "eu" nas sessões; havia uma certa dificuldade de aceitar as diferenças mas a privacidade era valorizada; os espaços físicos eram demarcados; e os papéis sexuais definidos.

O jogo colusivo predominante era do tipo sádico-anal com o papel dominante desempenhado pela mulher e o papel passivo-anal pelo marido. Ela bem sucedida profissionalmente, detinha todo o poder na relação conjugal, repetindo o casamento de seus pais onde a mãe também tinha mais sucesso profissional e renda maior que o pai.

Ao longo do processo terapêutico, o marido depois de muitos anos de dependência emocional e financeira da mulher, assumiu os riscos do crescimento, transformou o papel que jogava na relação conjugal, abriu uma nova frente de atividade profissional e ocupou na relação um papel mais independente em relação à mulher que, consequentemente, também acabou por abrir mão do tipo de dominação que exercia sobre ele.

O tratamento teve uma duração de 1 ano e 3 meses e o casamento foi mantido.

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 15

Nas sessões de terapia houve a utilização tanto do pronome "eu" como no pronome "nós"; havia uma certa demarcação dos espaços físicos; o lazer era mais conjunto que individualizado; a união e a privacidade eram ressaltadas como valor; e as funções domésticas e os papéis sexuais tinham uma certa definição.

A colusão conjugal que predominava era do tipo fálico-edípica em que ambos os cônjuges tinham uma posição conflitiva, que já existia anteriormente, quanto ao papel masculino em função de uma resolução não muito adequada do Complexo de Édipo de cada um.

Ao longo do processo terapêutico, as histórias individuais de cada cônjuge e a motivação inconsciente que os levou a se casarem puderam ser trabalhadas, o que permitiu uma modificação no jogo colusivo que desempenhavam tornando-o menos conflitivo e mais gratificante. O tratamento durou 1 ano e 6 meses e houve a manutenção do casamento.

RESULTADOS RELATIVOS AO CASAL 16

Houve predominância do pronome "eu" nas sessões; os papéis sexuais e as funções domésticas eram bem demarcadas; o lazer era mais individualizado; e a privacidade era valorizada.

O jogo colusivo predominante era do tipo sádico-anal onde ele ocupava a posição de dominador e ela a posição de dominada. Na história pessoal do marido a mãe, ao longo do seu desenvolvimento, tinha exageradas expectativas de limpeza, um alto nível de exigência em relação ao cumprimento dos deveres, e ele travava com ela verdadeiras lutas pelo poder. Na relação do casal atual ele assumia o caráter anal dominante com exacerbada necessidade de exercer o poder. Ela, por sua vez, não apresentava nenhuma resistência a esta dominação na medida em que necessitava de proteção e segurança e no papel pasivo anal se sentia assegurada.

O processo terapêutico levou à compreensão de que o jogo conjunto que os membros do casal jogavam era fruto da ambivalência e da insegurança de ambos frente a contrastes como atividade/passividade, independência/dependência, dominação/submissão. A partir de tal comprensão, o jogo colusivo pode ser modificado no sentido de flexibilizar as posições de cada membro do casal abrindo para eles maiores possibilidades de autonomia e realização. A terapia durou 1 ano e 2 meses e o casamento foi mantido.

 

DISCUSSÃO

Os resultados mostraram que nos 8 casais cujos tipos de colusão predominante foram as colusões narcísica (casais, 1,5,9 e 12) e oral (casais 2,6,10 e 13), a dimensão de individualidade está menos presente. Nestes tipos de colusão, como ressalta Willi (1975), há uma grande necessidade de fusão dos membros do casal predominando, portanto, categorias temáticas referidas à conjugalidade, como confirmaram os resultados: predominância do uso do pronome "nós", união como valor, limites difusos de cada "eu", lazer conjunto, papéis sexuais e funções domésticas pouco definidos, e espaços físicos pouco demarcados.

Nos 5 casais cuja colusão predominante foi a sádico-anal da relação dominador/dominado (casais 4,7,11,14 e 16), os resultados mostraram uma presença maior das categorias temáticas referidas à individualidade: predominância do uso do pronome "eu", privacidade como valor, lazer individualizado, papéis sexuais e funções domésticas mais definidos, e espaços físicos demarcados.

Nos 3 casais em que predominou a colusão fálico-edípica, caracterizada pela rivalidade em relação ao papel chamado masculino (casais 3, 8 e 15) há um certo equilíbrio entre as dimensões de individualidade e de conjugalidade. Observa-se, nos resultados, a presença de categorias temáticas ora referidas à individualidade, ora referidas à conjugalidade: uso tanto do pronome "eu"como do pronome "nós", valorização da privacidade e da união, lazer conjunto e individualizado, uma certa definição dos papéis sexuais e das funções domésticas, espaços físicos com alguma demarcação.

Quanto à manutenção ou à ruptura do casamento, os resultados não evidenciaram uma relação significativa com a presença maior ou menor da dimensão de individualidade ou de conjugalidade na interação, ou com os tipos predominantes de colusão. Dos 16 casos estudados, 10 casais se mantiveram casados (casais 2, 3, 5, 7, 10, 12, 13, 14, 15 e 16) e 6 casais se separaram (casais 1, 4, 6, 8, 9 e 11). Dentre os 10 casais onde houve a manutenção do casamento, os resultados mostraram a presença de todos os tipos de colusão: colusão narcisista (casais 5 e 12), colusão oral (casais 2, 10 e 13), colusão sádico-anal (casais 7, 14 e 16) e colusão fálico edípica (casais 3 e 15). O mesmo ocorreu com os 6 casais onde houve a ruptura do casamento: colusão narcísica (casais 1 e 9), colusão oral (casal 6), colusão sádico-anal (casais 4 e 11), colusão fálico-edípica (casal 8).

A manutenção ou a ruptura do casamento, ao longo da terapia de casal, está significativamente relacionada com a maneira como as dimensões de individualidade e conjugalidade podem se transformar e com o modo como, dentro de cada tipo predominante de colusão amorosa, o casal é capaz de efetuar mudanças, durante o processo terapêutico, no jogo conjunto que envolve seus membros em busca de maiores espaços de crescimento e autonomia.

Os resultados mostraram que houve manutenção do casamento quando ambos os membros do casal foram capazes de efetuar mudanças, o que permitiu a transformação do jogo colusivo que desempenhavam (casais, 2, 3, 5, 6, 7, 10, 12, 13, 14, 15). E que houve ruptura do casamento ou quando apenas 1 dos cônjuges foi capaz de efetuar mudanças significativas rompendo, assim, o jogo colusivo do casal (casais 1, 4, 8 e 9); ou quando ambos realizaram algumas mudanças mas apenas 1 dos membros do casal se dispôs a vivê-las mais efetivamente (casais 6 e 11).

Também foi possível observar nos resultados que, dos 4 casos em que houve a ruptura do casamento com mudanças significativas em apenas 1 dos membros do casal, levando à ruptura do jogo colusivo, 3 destes membros eram do sexo feminino (casos 1, 4 e 9) e apenas 1 sexo masculino (caso 8). Nos 2 casos de ruptura do casamento em que ambos os cônjuges foram capazes de efetuar algumas mudanças mas apenas 1 deles pode vivê-las efetivamente, 1 era do sexo feminino (caso 6) e 1 do sexo masculino (caso 11). Tais resultados evidenciaram uma maior possibilidade das mulheres de realizarem mudanças e também uma maior possibilidade das mulheres de romperem o casamento, o que ocorreu em 4 dos 6 casos onde houve a separação conjugai (casais 1, 4, 6 e 9).

 

Referências Bibliográficas

Bardin, L. (1979). Análise de Conteúdo, Lisboa, Martins Fontes.         [ Links ]

Féres-Carneiro, T. (1980). Psicoterapia de casal: a relação conjugal e suas repercussões no comportamento dos filhos. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 32, (4), 51-61.         [ Links ]

Féres-Carneiro, T. (1983). Família: Diagnóstico e Terapia, Rio de Janeiro, Zahar.         [ Links ]

Féres-Carneiro, T. (1987). Aliança e sexualidade no casamento e no recasamento contemporâneo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 3,(3), 250-261.         [ Links ]

Féres-Carneiro, T. (1988). Le remariage est-il affaire plus personnelle que le mariage? Alliance et sexualité dans le mariage et le remariage contemporains. Dialogue: recherches cliniques et sociologiques sur le couple et la famille, 102, 110-119.         [ Links ]

Féres-Carneiro, T. (1989). Terapia familiar e de casal: relato de uma experiência de pós-doutorado. Psicologia: Pós-Graduação e Pesquisa, 4, (4), 7-11.         [ Links ]

Féres-Carneiro, T. (1991). Terapia familiar: considerações sobre a possibilidade de articular diferentes enfoques. Nova Perspectiva Sistemática, 2(1), 20-25.         [ Links ]

Freud, S. (1966). Sobre o Narcisismo: Uma Introdução. Obras Completas, Edição Standard Brasileira, vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, (original de 1914)        [ Links ]

Kaufman, J. C. (1988). Que serai-je sans toi? L'individuel et le conjugal dans le processus d'identification de soi-nême. Dialogue: recherches cliniques et sociologiques sur le couple et la famille, 102, 24-32.         [ Links ]

Lemaire, J. (1988). Du je au nous, ou du nous au je? Il n'y a pas de sujet tout constitué. Dialogue: recherches cliniques et sociologiques sur le couple et la famille, 102, 72-79.         [ Links ]

Willi, J. (1978). La Pareja Humana: Relación y Conflicto, Madrid, Edicions Morata.         [ Links ]

 

 

(1) Departamento de Psicologia. Endereço para correspondência: Rua General Góes Monteiro, 8 - Bloco D - apto 2403 22290-080 - Rio de Janeiro - RJ