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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.2 no.2 Ribeirão Preto ago. 1994

 

SAÚDE

 

Compreendendo as relações entre o psiquismo e o adoecer

 

 

Suely Ongaro1

Universidade Estadual Paulista - Botucatu

 

 

A RELAÇÃO ENTRE AS EMOÇÕES E A DOENÇA NOS DOMÍNIOS DA MEDICINA

No desenvolvimento da medicina ocorreu um conflito, que já se tornou clássico, entre uma medicina da doença, centrada no órgão doente, e uma outra, centrada no ser humano doente. E nesta, a doença é considerada como expressão de um desequilíbrio que o afeta por inteiro, inclusive sua personalidade e sua vida de relação.

Desde a antigüidade egípcia e grega, a medicina ocidental dividiu-se em duas grandes posições ideológicas: a doença como flagelo externo abatendo-se sobre um indivíduo, e a doença como reação do organismo a uma perturbação do seu equilíbrio interno (Jeammet, Reinaud e Consoli, 1982). O critério para identificar a doença podia ser social (o doente era aquele que não agia conforme as normas) ou ela podia ser conseqüência da possessão por espíritos, quando então o tratamento era comportamental, com rituais de sacrifício e oração (Evans, 1989). Hipócrates, em geral, prescrevia repouso e dieta adequada aos seus pacientes e enfatizava a importância da relação médico-paciente. A preocupação era tanto com a doença e com os meios para curá-la, como também com fatores tais como o ar, a água, o alimento e o clima, vistos como relevantes para manutenção do equilíbrio biológico (Clavreul, 1983; Queiroz, 1986).

Durante a Idade Média, a medicina manteve o pressuposto da unidade orgânica do ser humano, sendo a doença a expressão de alterações globais do organismo em interação com o seu meio físico e social (Queiroz, 1986).

A partir da Revolução Industrial verificou-se uma ruptura fundamental entre corpo e mente, que veio acompanhada da ruptura entre saúde e medicina, com hegemonia flagrante desta última (Queiroz, 1986). Este processo, que permitiu cada vez menos situar a doença mediando a história de vida e o mundo social, perdura até hoje, e colabora com a impossibilidade da medicina científica de oferecer explicações sobre o número muito grande de doenças da atualidade. No século XIX, Pasteur e Koch pensaram ter provado, de um modo inquestionável, que as doenças podiam ser produzidas pela introdução de um único agente específico num corpo até então sadio. E, assim, pensava-se em poder controlar todas as doenças pela descoberta de antídotos específicos às suas causas específicas.

No século XIX observou-se o triunfo da medicina dos órgãos, com o nascimento da medicina científica e o desenvolvimento do método anátomo-clínico (a toda síndrome clínica corresponde uma lesão anatômica) e da experimentação (Jeammet, Reynaud e Consoli, 1982). Mas este enfoque mostrou-se limitado, o que levou à consideração de outros fatores (genéticos, sócio-econômicos, ambientais, psicológicos etc) na gênese e evolução da doença, permanecendo, no entanto, a mesma noção de causalidade.

O que a concepção de causalidade linear simples não podia explicar eram as diferenças na reação dos indivíduos submetidos a uma mesma contaminação, e com a descoberta de doenças mais complexas como as endócrinas e as auto-imunes, a medicina passou a considerar o modelo de causalidade circular com efeitos retroativos; a reação do organismo tornando-se fator de agressão para este mesmo organismo.

Os resultados das pesquisas sobre a patogenia das doenças forçaram a adoção de um modelo que abrangesse toda a complexidade da doença, quando então passaram a ser considerados: a) os distúrbios chamados "funcionais", doenças sem suporte lesional orgânico; e b) as doenças chamadas "psicossomáticas", que se acompanham de lesões orgânicas detectáveis, mas em cuja eclosão e evolução estão implicados eventos com ressonância afetiva, conflitos, separações e mudanças de ambiente (Jeammet, Reynaud e Consoli, 1982).

Miller e Swartz (1990) apresentam a distinção entre disease e illness, que existe na língua inglesa, para ilustrar a dicotomia que está sendo discutida. O primeiro termo pode ser compreendido com o "componente biológico da doença", enquanto o segundo é definido como "uma experiência subjetiva consistindo de um conjunto de inquietações psicológicas que resultam da interação de uma pessoa com o ambiente" (p. 48).

O modelo biomédico, dominante na medicina ocidental, é compatível com esta estruturação lingüística, pois explica saúde e doença em termos das mudanças físicas, químicas e fisiológicas que ocorrem no corpo da pessoa, dissociadas da sua experiência de doença e do contexto social. É um modelo que não reconhece o fato de que a medicina é tanto uma ciência social quanto uma ciência biológica, mas que permanece hegemônico (Miller e Swartz, 1990). Apesar de ser um modelo derivado da aplicação do método científico, tornou-se, segundo Engel (1977), um sistema de crenças e atitudes culturais, e que atinge os próprios medicos antes que eles iniciem a sua formação profissional, e eles, por sua vez, vão reforçá-lo em sua prática. Tornando-se um imperativo cultural, adquiriu o status de dogma.

Paradoxalmente, no auge do sucesso da difusão da medicina concentrada mais sobre a doença do que sobre o doente, surgiu a delimitação de um campo de pesquisa e clínica - a Medicina Psicossomática. O termo "psico-somático", escrito com um hifen, apareceu em 1818, com o clínico e psiquiatra Heinroth. A retrospectiva histórica de Taylor (1987), mostra que o estudo formal das "doenças psicossomáticas"teve início nos anos 30 nos EUA, quando um pequeno número de psiquiatras, alguns com formação em Psicanálise, começou a se interessar pela investigação sistemática dos componentes emocionais das doenças orgânicas.

Alexander (1989), num trabalho clássico em Psicossomática publicado pela primeira vez em 1950, afirma que o conceito de que determinados tipos de personalidade estão predispostos a certas doenças sempre esteve presente no pensamento médico. O que não é surpreendente, visto que as várias áreas da Medicina sempre priofizaram modelos teóricos que resultassem em sistemas classificatórios, com vistas à padronização dos recursos semiológicos e das condutas terapêuticas, para facilitar seu uso tecnológico.

Apesar deste esforço constante, a Psicossomática sempre se debateu entre dois grandes modelos de abordagem:

- as teorias da generalidade apoiam a relação entre os eventos de vida e a probabilidade de adoecer, e os estudos epidemiológicos demonstram a correlação positiva existente;

- as teorias da especificidade postulam que os conflitos, o estilo de personalidade, as atitudes e o padrão de comportamento estão relacionados com a doença somática. Um exemplo bem conhecido é a relação entre padrão de comportamento tipo A e a eclosão/evolução da doença orgânica.

As duas linhas de pesquisa continuam sendo investigadas, embora predomine o modelo generalista, em estudos que mostram a associação existente entre um afeto negativo (depressão, ansiedade e em menor escala a histilidade), e o desenvolvimento de uma ampla gama de doenças. Embora os estados emocionais negativos possam ser também resultantes da própria doença, estudos longitudinais sugerem a validade da direção inversa da causalidade.

Nos anos 70, a Medicina Psicossomática se desenvolveu com forte ênfase na pesquisa em Psicofisiologia e na Psiquiatria de Ligação como instrumento clínico (Taylor, 1987). Foi uma fase marcada pelas mensurações das respostas psicofisiológicas aos estímulos ambientais e os efeitos dos fatores sociais na saúde, quantificando as variáveis psicológicas, como emoções conscientes e processos cognitivos (Lipowski, 1977). Taylor (1987) considera que o modelo linear de causalidade psicossomática deu lugar ao modo interacional ou biopsicossocial e que, embora a Medicina não o tenha incorporado, ele é uma alternativa ao modelo biomédico, que tem sua base científica na biologia molecular. Parece, no entanto, que o que falta não é apenas a incorporação, mas a própria definição da essência do modelo, que não tem um método que permita compreender como os diversos fatores interagem tanto produzindo a doença, como sendo influenciados por ela. Esta dinâmica não pode ser captada em estudos de correlação entre variáveis de natureza social, psicológica e fisiológica, como propõe Lipowski (1977), desde que se trata apenas da ampliação do modelo linear, e não da sua transformação.

 

A ESCOLA DE PSICOSSOMÁTICA DE PARIS

A qualidade da resistência física de um indivíduo frente às doenças depende da solidez de sua constituição mental: a desorganização psíquica arrasta com ela as defesas biológicas. No final dos anos 40, um grupo de psicanalistas franceses (Marty, 1989) começou a investigar as relações entre a estrutura psíquica e a desorganização somática. Esta abordagem psicossomática floresceu nos anos 60 quando Pierre Marty, Michel Fain, Léon Kreisler, Michel de M'Uzan e Christian David formaram o grupo de pesquisa que se tornou conhecido como a Escola de Psicossomática de Paris (Kreisler, 1987).

Segundo a compreensão destes autores, os acontecimentos da vida mobilizam as excitações das pulsões e as principais possibilidades de descarga estão no trabalho mental das excitações experimentadas, e também nos comportamentos motores e sensoriais, que podem estar ou não vinculados à elaboração mental.

Nos anos 70, Marty (1991) começou a trabalhar com a noção de mentalização, cujos parâmetros são as dimensões do aparelho mental que se referem às representações psíquicas do indivíduo. As representações, base da vida mental de cada um de nós, permitem as associações de idéias, os pensamentos, a reflexão interior. Elas são utilizadas constantemente em nossa relação direta ou indireta com os outros.

Partindo do referencial freudiano, Marty (1990) estudou pacientes com doenças somáticas e verificou que o processo de mentalização é fundamental nestes pacientes, e que a causa principal das somatizações é o escoamento insuficiente das excitações instintivas e pulsionais. As excitações provêm dos traumatismos (perda de entes queridos, perda de liberdade, perda de ilusões ou de projetos de trabalho, de funções afetivamente investidas), que são assim designados não pela natureza dos eventos, mas pelos efeitos destruidores que produzem no indivíduo. As excitações podem ser descarregadas em atividades de comportamento, elaboradas numa atividade psíquica, ou num misto das duas, para que se mantenha-o equilíbrio vital. Quanto isto não ocorre, sobrevém a somatização.

O postulado fundamental repousa sobre a idéia de que o processo de somatização aparece quando o sujeito não é capaz de tratar mentalmente as contradições que pesam sobre ele. Quando a investigação psicossomática não se limita à demarcação dos conflitos psíquicos e das modalidades de sua resolução mental, ela permite evidenciar os conflitos que não se representam psiquicamente. Eles não podem encontrar a solução mental porque as defesas mentais (recalcamento, deslocamento, projeção) não estão disponíveis, e também (os conflitos) não são nem mesmo representados psiquicamente. Este método de investigação, inspirado na Psicanálise, dá conta desta carência dementalização. O que emerge são os conteúdos de pensamento centrados no imediato, no concreto, na doença somática em evolução.

Foi o preconsciente da primeira tópica da teoria psicanalítica que possibilitou pensar em mentalização. A base da associação de idéias está na representação de palavras e de coisas, que ligadas formam o sistema preconsciente. Quando este sistema se desorganiza de modo patológico, as representações de palavras podem se reduzir à representação de coisas, perdendo os componentes afetivos e simbólicos. Quando as representações perdem o seu papel de absorver, transportar e canalizar a energia pulsional para as atividades mentais, esta energia é expressa por meio do comportamento direto, o que requer a presença de parceiros para o relacionamento que permita esta expressão. Faltando a capacidade para elaboração psicológica, o doente fica à mercê dos objetos e da possibilidade da somatização (Marty, 1990).

Marty (1991), para ilustrar o processo de expressão das representações, cita o exemplo de um homem que, ao olhar o seu lenço, lembra-se de um primo que já morreu, que o presenteou com o lenço, e lembra-se também dos médicos que cuidaram deste parente durante a sua doença, aos quais ele é muito reconhecido. Além disso, sente-se culpado por não ter tido tempo de visitar a viúva quando esteve com os familiares no interior, mas pretende fazê-lo nas próximas férias.

Neste exemplo, fica destacada a percepção imediata que se desdobra numa representação, à qual se liga, tanto ao passado como ao futuro, através de associações de idéias e de reflexões carregadas de afetividade referentes às relações com os outros indivíduos.

O papel das representações também pode ser avaliado pelos médicos quando um paciente, por exemplo, conta a história de sua doença (Marty, 1991). Esta história pode ser seca e pouco representativa, levando em conta apenas os eventos patológicos e as datas em que ocorrerem. Mas, ao contrário, pode ser rica quando cada fato é associado aos movimentos afetivos das épocas consideradas.

As representações consistem na evocação das percepções que foram inscritas na mente, deixaram traços anêmicos e que quando reapareceram, vêm acompanhadas de tonalidades afetivas, agradáveis ou desagradáveis. O lugar das representações de (coisas e de palavras), e das ligações entre elas é o pré-consciente (Marty, 1990).

As representações de coisas remetem a realidades vividas, de ordem sensório-perceptiva, e podem estar ligadas aos afetos, mas se prestam pouco a associações de idéias, pois não são muito mobilizáveis pelo aparelho psiquíco (Marty, 1991). As representações de palavras são produzidas a partir da percepção da linguagem dos outros, desde a mais elementar até a mais complexa, e constituem a base essencial das associações de idéiaas. As representações nascem das comunicações com a mãe, depois se estendem para as comunicações com os outros indivíduos, e permitem progressivamente a comunicação consigo mesmo.

Os sonhos noturnos, em geral, traduzem a qualidade das representações de um indivíduo. Existem sonhos onde predomina a presença de restos diurnos, e onde o conteúdo pouco se destaca das ações práticas realizadas na véspera ou previstas para o dia seguinte. Estes sonhos são marcados pelo mundo do cotidiano, pelo tempo presente, e pela ausência ou presença mínima das livre-associações. Outros sonhos são expressões diretas, "cruas", de impulsos eróticos e agressivos, sem censura, e portanto também sem deslocamentos ou substituições (Marty, 1984). Por exemplo, um paciente sonha que pegou uma faca e esfaqueou seu irmão, sem que fosse um pesadelo.

A limitação das possibilidades de expressão das excitações devido à insuficiência representativa do pré-consciente gerou a noção de "neurose de comportamento" (Marty, 1976). Nestes casos, o paciente quase nunca sonha, os raros sonhos são de construção simples, o discurso é descritivo, preso às coisas e às ações, e os relatos seguem a ordem cronológica, não sendo, portanto, associativos. As excitações, de origem interna ou externa, tendem a manifestar-se diretamente em atos, dando lugar à impulsividade. Quando estes atos resultam em conseqüências desagradáveis para o indivíduo ele poderá, em maior ou menor grau, reprimí-lo no futuro, sem contudo afastar da consciência os verdadeiros desejos. Quando as conseqüências são mais brandas, as ações diretas reapareacem.

Outra caracaterística da neurose de comportamento é a insuficiência de objetos internalizados e, por conseguinte, das relações com estes objetos. O indivíduo só se relaciona com objetos afetivamente presentes, onde descarrega seus impulsos eróticos e agressivos. Neste caso, as rupturas de relacionamentos por perdas e separações podem ser vividas como eventos traumáticos.

As neuroses de comportamento, assim como as neuroses mal mentalizadas, predispõem o indivíduo às doenças, em geral mais graves, ou mais dificilmente reversíveis (Marty, 1990). Nas neuroses mal mentalizadas, também estão presentes os traços de caráter, manifestados em comportamentos de ordem, limpeza, ambição, competição, agressividade etc. (Marty, 1980). O que os caracteriza é a sua tendência unilateral, sem oposições, sem conflitos, como seria o caso da neurose obsessiva, onde estão presentes tanto tendências na direção da ordem como da desordem.

Além das formações caracteriológicas importantes, encontra-se nas neuroses mal mentalizadas a presença do ego ideal, resultante do narcisismo primário (Marty, 1980). Ele não aparece como uma formação intra-psíquica mas como uma insuficiência do pré-consciente. O ego ideal refere-se a uma falta de medidas do indivíduo e sentimento onipotente em face de si mesmo e eventualmente do mundo externo. Ele não dá lugar às regressões e não permite a colocação da problemática da castração (Marty, 1990). Insucessos são vividos como uma ferida narcísica, gerando sentimentos de vergonha ou humilhação, que são proporcionais à grandeza do ego ideal e difíceis de serem elaborados. A submissão às regras sociais se faz mais pela preocupação com a opinião dos outros do que a chamada voz da consciência, resultante do superego, pois o ego ideal não conta com as introjeções no seu desenvolvimento.

Enquanto as neuroses de comportamento e mal mentalizadas favorecem aparecimento de doenças graves, nas neuroses bem mentalizadas os indivíduos reagem com depressão sintomática, com aumento de angústia e dos sintomas habituais ao invés se somatizarem diante dos traumatismos. E quando a doença aparece, ela tende a ser reversível. Os conflitos, intrapsíquicos, consolidam-se e representam as oposições entre as pulsões eróticas e agressivas e as formações mentais, (Marty, 1991).

Marty avança no conhecimento de fenômeno psíquico quando ele ultrapassa a metodologia da correlação de eventos para a tentativa de explicação psicológica. A relação entre stress e aparecimento de doenças tem sido o objetivo principal de muitos investigadores, mas poucos tentam fundamentá-la além dos dados empíricos. Neste âmbito, Marty considera que os acontecimentos externos ao indivíduo constituem-se em traumatismo para ele quando reduzem a sua capacidade de elaboração mental e obstruem as vias habituais de expressão pulsional.

 

CONCLUSÃO

A preocupação com a relação entre o psiquismo e o adoecer deve-se, em parte, às mudanças nas principais causas das doenças nos EUA na virada do século. Se, em 1900, seis das dez causas de morte estavam associadas às doenças infecciosas, em 1970 já não se observava nenhuma (Glazier, 1973). Nos países desenvolvidos, câncer e doenças do aparelho circulatório são as principais causas da mortalidade dos adultos, o que se verifica também no Brasil. Nos primeiros tempos da medicina científica, o combate era feito às doenças episódicas, em geral infecciosas. Ao invés, a medicina contemporânea tem que lidar com doenças crônicas e incapacitantes, especialmente entre os idosos. E o papel dos fatores psicológicos é especialmente importante nas doenças crônicas, tanto na consideração da sua etiologia, como na mudança de estilo de vida que elas acarretam (hipertensão e diabetes, por exemplo).

Evans (1989) fala de uma "epidemiologia comportamental" para documentar o impacto dos .programas de intervenção psicológica sobre os fatores de risco das doenças. Tais programas envolveriam basicamente mudanças no estilo de vida, compreendendo redução do hábito de fumar, modificação na dieta alimentar, prática de exercícios físicos etc. Parte-se do princípio de que um processo psicológico pode estar na base da exposição voluntária a fatores ameaçadores da saúde, como fumo, álcool, drogas, acidentes e doenças sexualmente transmissíveis. A Aids seria um exemplo de doença fortemente correlacionada com estilo de vida.

A natureza do cuidado com a saúde, e as demandas feitas, alteraram-se radicalmente nas últimas décadas. Glazier (1973) argumenta que o sistema médico dispõe de tecnologia avançada para lidar com doenças infecciosas, episódios agudos e acidentes, mas é menos eficiente para propiciar o tipo de cuidado necessário quando predomina a doença crônica e degenerativa. Os hospitais se equipam para atender o paciente numa crise aguda e numa situação em que ele necessita de uma assitência médica mais constante num curto período de tempo, como é caracterizada a prática da unidade de terapia intensiva. No entanto, o hospital não está bem programado para assistir com eficiência o paciente que freqüenta várias especialidades médicas, para consultas ou exames, durante um longo período de tempo.

Pela tradição de serem os principais responsáveis pelo cuidado com a saúde, os médicos institucionalizaram sua própria independência e o controle executivo de sua profissão. Cada vez mais este cuidado é compartilhado com outros profissionais, e a alocação de recursos para os serviços de saúde poderá se direcionar para as áreas em que esta distribuição se verifica, como se observa na priorização do atendimento multidisciplinar ambulatorial aos pacientes psiquiátricos.

A contribuição da Psicossomática é, pois, oferecer uma alternativa para assistência tecnológica que funciona nos moldes do modelo biomédico, e permitir a abordagem do doente como portador de "problemas de viver" e não só de doenças.

 

Referências Bibliográficas

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(1) Faculdade de Medicina. Depto de Neurologia e Psiquiatria