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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. v.2 n.3 Ribeirão Preto dez. 1994

 

Confusão conceitual no estudo de atitudes no trabalho

 

 

Antônio Virgílio Bittencourt Bastos

Universidade Federal da Paraíba

 

 

INTRODUÇÃO

A busca de compreensão dos fatores determinantes de comportamentos que são requisitos importantes para as organizações (ingressar e permanecer, desempenhar seus papéis dentro de padrões de qualidade e contribuir para os fins organizacionais além das prescrições do papel) levou, ao longo da construção das teorias organizacionais, à proliferação de construtos intra-psíquicos, na sua maioria de natureza atitudinal. Tais construtos buscam dar conta de tudo o que o indivíduo traz consigo para a situação de trabalho e de como processa psicologicamente os eventos que aí ocorrem (Bastos, 1991).

Essa proliferação coincide com a emergência do movimento das relações humanas que, rompendo as explicações tayloristas (centradas, sobretudo, no equipamento biológico do indivíduo e em aspectos do ambiente físico de trabalho), impulsionaram as investigações sobre motivação no trabalho. Além das teorias motivacionais propriamente ditas, surgem e consolidam-se tradições de pesquisa sobre construtos específicos, como os de satisfação e de comprometimento no trabalho. Como assinala O'Reilly (1990), motivação e atitudes no trabalho continuam sendo os temas mais investigados no estudo do comportamento micro-organizacional.

Nesse domínio, o estudo do comprometimento tem superado o de satisfação, por ser uma medida mais abrangente e apoiada em orientação valorativa geral (Mitchell, 1979), mais estável (Aryee e Heng, 1990), podendo ser, teoricamente, um melhor preditor de vários produtos humanos no contexto de trabalho, especialmente de rotatividade.

Neste texto, tomando o construto de comprometimento no trabalho como foco, analisaremos os problemas conceituais que cercam o seu uso na pesquisa organizacional, discutindo as alternativas que emergem da literatura para equacioná-los.

 

A MULTIPLICIDADE E REDUNDANCIA CONCEITUAL

O estudo sobre comprometimento diversifica-se amplamente devido aos múltiplos significados e rótulos utilizados para descrever esse fenômeno psicológico e pela diversidade de objetos que podem funcionar como alvos desse vínculo do trabalhador.

Quanto aos termos que descrevem o fenômeno, além de comprometimento, são comuns: identificação, envolvimento, attachment, saliência e centralidade. Tais termos muitas vezes são tratados como sinônimos, especialmente os três primeiros. E comum, ao defini-los conceitualmente, utilizar-se termos com o mesmo ou maior nível de generalidade e/ou imprecisão (por exemplo, atitude, self, auto-estima, espaço pessoal, força psicológica), fator que não contribui para conferir-lhes precisão conceitual.

Um exemplo encontra-se no trabalho de Brooke, Russel e Price (1988) que, ao discriminarem os contrutos satisfação, envolvimento e comprometimento organizacional, vinculam satisfação a um estado emocional que se reflete em respostas afetivas; envolvimento a um estado cognitivo ou uma crença de identificação e comprometimento organizacional como a força relativa que une o indivíduo a uma organização particular.

Os termos utilizados para descrever atitudes, por sua vez, são associados a distintos aspectos do mundo do trabalho, a exemplo da organização, sindicato, valores, profissão, carreira, tarefas, gerando múltiplas combinações com tradições de pesquisas próprias. Morrow (1983) identifica mais de 25 conceitos ou medidas de comprometimento, a maioria dos quais aparecem no final dos anos 70, apontando como os cinco mais largamente estudados: (a) a ética protestante do trabalho - a crença de que trabalhar "arduamente" é intrinsecamente bom e um fim em si mesmo; (b) saliência da carreira - a importância da profissão na vida de alguém; (c) envolvimento com o trabalho / centralidade do trabalho na vida; (d) comprometimento organizacional e, (e) comprometimento com o sindicato. Utilizando facet design, Morrow(1983) descreveu as interrelações teóricas e empíricas desses construtos, concluindo que eles são parcialmente redundantes e insuficientemente distintos. Em outro estudo (Morrow e McElroy, 1986), utilizando a análise fatorial, encontrou redundância apenas entre comprometimento com a carreira e envolvimento com o trabalho, sendo comprometimento organizacional e ética protestante do trabalho conceitos relativamente independentes.

Dentre as múltiplas fontes de imprecisão conceituai, destaca-se a tradição metodológica dominante na área. O fato dos estudos se apoiarem basicamente em respostas dos sujeitos a itens de escalas de atitudes e a subsequente utilização de análises fatoriais, favorecem o surgimento de múltiplas dimensões que devem ser "nomeadas". Há, portanto, a possibilidade de que sutis diferenças nos enunciados dos itens e especificidades das amostras (na maioria das vezes reduzidas e não aleatórias) levem a soluções fatoriais distintas, cujos fatores recebem nomes distintos. Há ainda o agravante apontado por Schneider (1985) - na construção de novas medidas já existentes.

A partir da indicação de Morrow de que faltavam estudos sobre a redundância conceituai tornaram-se frequentes aqueles que recorrem à análise fatorial para identificar o nível em que os construtos mensurados aparecem empiricamente distintos (Morrow e Goetz, 1988; Morrow e Wirth, 1989; Blau, 1987, 1988). Os resultados dessa estratégia não são conclusivos e não têm conduzido a área a um nível de clareza conceituai aceitável.

Como afirmam Morrow, Eastman e McElroy (1991), "talvez os pesquisadores tenham sido tão ambiciosos na propagação de novos conceitos e medidas que os benefícios são perceptíveis apenas por outros pesquisadores" (p.230). Assim, múltiplos conceitos geram micro-tradições de pesquisa que, tendo um desenvolvimento próprio, afastam a possibilidade de integração. Ou, como acontece nesta área de pesquisa, eles passam a conviver lado a lado, parcamente delimitados, muitas vezes tratados indistintamente, causando profunda confusão conceitual.

No próximo segmento analisamos mais detidamente os problemas que marcam a vertente de estudos sobre comprometimento organizacional. O quadro de fragmentação a ser descrito não é exclusivo e caracteriza o estudo do comprometimento com outros alvos do contexto de trabalho que não a organização.

 

UM EXEMPLO DE FRAGMENTAÇÃO: O ESTUDO DO COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL

Mesmo quando se toma a organização como alvo do vínculo inexiste concordância quanto ao significado do termo "comprometimento". Como assinalam vários autores (Mowday, Steers e Porter, 1982; Guest, 1991; Reichers, 1985, por exemplo), podem ser identificados distintos enfoques do construto que implicam conceituação e propostas de mensuração diferenciadas, como representamos na Figura 1.

 

 

A diversidade de definições, com raízes em distintas disciplinas científicas que contribuem para a compreensão do comportamento organicional, associam-se operacionalizações diversas do constro, o que se consistue em uma fonte adicional e importante de fragmentação da área.

Este campo de investigação encontra-se dominado pela abordagem "atitudinal/afetiva", consolidada a natureza afetiva do processo de identificação do individuo com os objetivos e os valores da prganização. As três dimensões utilizadas pelos autores para definção do construto ressaltam, além da noção de identificação, (1) os sentimentos de lealdade, (2) o desejo de permanecer e (3) de se esforçar em prol da organização.

Com raízes nos trabalhos de A.Etzioni especialmente no seu conceito de envolvimento "moral" que envolve a identificação e introjeção dos valores organizacionais pelo trabalhador, comprometimento organizacional tem sido mensurado através de uma escala de atitudes, formato Likert, contendo 15 itens, proposta por Mowday et al. (1982). Tal escala envolve afirmações que exploram os conteúdos das três dimensões assinaladas anteriormente, incluindo itens que avaliam intenções comportamentais (desejo de permanecer ou deixar a organização).

A segunda grande vertente se apoia na tradição iniciada por Becker (1960) - side-bets - em que o comprometimento é visto como função das recompensas e custos associados com a condição de integrante da organização. Após criticar as explicações correntes de comprometimento, Becker afirma que falta especificar-se o que caracteriza este "estado independentemente dos comportamentos que busca predizer, afastando-se de uma definição tautológica. Para Becker, o conceito de comprometimento visa a superar a insuficiência das explicações correntes para a consistência do comportamento, ou para o fato de que persistem ao longo de algum período de tempo. Embora diversificadas, as atividades são vistas pelo ator como perseguindo um mesmo objetivo e implicam a rejeição de outras alternativas

Comprometimento seria, então, um mecanismo psico-social cujos elementos são side-bets ou consequências de ações prévias (recompensas e custos) que impõem limites ou restringem ações futuras. No caso, uma linha consistente de ação seria, por exemplo, a permanência do indivíduo na organização; side-bets (ou trocas laterais) seriam os múltiplos investimentos feitos pelo indivíduo (desenvolvimento de habilidades, contribuições para fundos de pensão, por exemplo) que tornam custoso o abandono da organização.

O enfoque de Becker foi operacionalizado inicialmente através de escalas de mensuração que avaliavam a probabilidade do trabalhador deixar a organização caso recebesse alguns incentivos fora, tais como melhor pagamento, maior status e maior liberdade. Atualmente, essa tradição de pesquisa une-se a uma corrente oriunda das teorias organizacionais, com antecedentes nas idéias de Barnard e March e Simon (apud Penley e Gould, 1988). Tais autores ressaltavam que vínculos fortes podem emergir quando as organizações atendem às necessidades e expectivas trazidas pelo trabalhador. Esta perspectiva instrumental também aparece como um das modalidades de envolvimento propostas por Etzioni (o "comprometimento calculativo").

Num terceiro enfoque, com origem na Sociologia, conquanto partilhando a influência de correntes do pensamento sociológico distintas de Beker, Halaby (1986) analisa o attachment (apego) à organização empregadora reunindo as idéias de Weber (especialmente a sua teoria da autoridade) e de teóricos marxistas como Edwards e Burrawoy.

Nesta abordagem sociológica, rotulada de autoridade no contexto de trabalho, "o vínculo do trabalhador é conceitualizado em termos das relações de autoridades que governam o controle do empregador e a subordinação dos trabalhadores" (Halaby, 1986, p. 635). Considerando que a característica estrutural proeminente nas relações de emprego nas economias capitalistas é a subordinação do trabalhador, os modelos explicativos do "apego' não podem deixar de considerá-la. Para o autor, os trabalhadores trazem para o contexto de trabalho, além de uma orientação básica para os seus papéis de subordinados, um conjunto de códigos normativos que especificam maneiras moralmente corretas de dominação. Assim conclui Halaby: "dentro desse quadro de referência, o "apego' do trabalhador não está na dependência do "amor' nem do "dinheiro' e sim da pecepção de legitimidade do regime de governo do empregador" (p. 635).

Em trabalho mais recente, Halaby e Weaklien (1989) conceituam "apego" como o interesse do trabalhador em permanecer versus buscar novo emprego. Os autores afirmam que tal conceituação "captura a essência do que alguns chamam de "comprometimento organizacional'" (p, 551), embora seja mais neutro e despido da conotação psicológica e afetiva associada a este termo. Concluem os autores que "além do mais, na nossa definição simples de permanecer X sair, o attachment pode ser revelado por expressões verbais e/ou comportamentais de um trabalhador ..." (p. 551).

O quarto enfoque, rotulado de "normativo", nasce da intersecção entre a teoria organizacional de Etzioni e a Psicologia Social, especialmente os trabalhos de Azjen e Fishbein (1980) acerca da estrutura das atitudes e do seu poder preditivo em relação ao comportamento. Os trabalhos de Weiner (1982) e Wiener e Vardi (1990) expõem esse novo enfoque para o comprometimento organizacional. Num quadro de referência denominado normativo-instrumental, eles trabalham com os conceitos de sistemas cultural e motivacional na determinação do comportamento humano. Cultura é definida como o conjunto de valores partilhados que produz pressões normativas sobre os membros. Tais pressões associam-se ao sistema de recompensas (motivação instrumental) para influenciar o comportamento.

O construto comprometimento é conceitualizado como o conjunto de pressões normativas internalizadas pelo indivíduo para que se comporte congruentemente com os objetivos e interesses da organização. Ele surge da interface entre os sistemas cultural e motivacional e aproxima-se do conceito de norma subjetiva apresentado por Azjen e Fishbein. Isso implica que tais pressões predispõem o indivíduo para se comportar segundo padrões internalizados. O indivíduo acredita que os comportamentos são corretos e moralmente adequados, tendo menor influência as suas considerações racionais acerca das consequências de suas ações.

A última abordagem constante na Figura 1 traz a influência da Psicologia Social e insere comprometimento nas teorias de atribuição, aceitando que a avaliação de comprometimento, pelo trabalhador, é feita para manter a consistência entre os seus comportamentos (volitivos, explícitos, tais como o de continuar na organização) e as suas atitudes. Para Kiesler e Sakamura (1966) o comprometimento é um vínculo do indivíduo com atos ou comportamentos, fazendo com que as cognições relativas a tais atos se tornem mais resistentes a mudanças posteriores. Em outras palavras, comprometimento pode ser equiparado com sentimentos de auto-responsabilidade por um determinado ato, especialmente se eles são percebidos como livremente escolhidos, públicos e irrevogáveis. Como afirma Mitchell (1979), "nós atribuímos motivos, intenções e atitudes para nós mesmos e para os outros com base em (a) observação de ações, e (b) nas teorias leigas de causalidade que usamos para interpretar tais ações" (p.50). Existe, portanto, um círculo de auto-reforçamento no qual o comportamento leva ao desenvolvimento de atitudes que, por sua vez, levam a comportamentos futuros.

Nesta perspectiva, Salancik (1977) considera importante focalizar manifestações observáveis de comprometimento ou a busca de elementos que distinguem um "ato comprometido" de um "não comprometido". Assim, a avaliação do comprometimento não pode se limitar a verbalizações dos indivíduos, como nos enfoques que utilizam escalas de atitudes. Comprometimento seria observável em comportamentos que vão além das expectativas normatizadas pela organização para o indivíduo. A assiduidade, o tempo no emprego, a qualidade adicional no desempenho de tarefas são alguns dos indicadores utilizados para operacionalizar o construto. Bateman e Organ (1983) denominam tais comportamentos de cidadania organizacional (organizational citezenship) que envolvem as dimensões de altruísmo e aquiescência generalizada.

Frente a tão diversificadas abordagens de um fenômeno, o que podemos concluir? Estariam todas elas tocando em aspectos parciais, sem oferecer uma visão completa e abrangente do fenômeno? Poder-se-ia buscar aquela mais apropriada ou que recebeu maior suporte empírico, descartándole as demais?

No estágio atual da pesquisa, não existem respostas claras a tais indagações. O caminho mais adotado tem sido o de formular um tipologia de comprometimentos, como fazem Alien e Meyer (1990) com cada enfoque teórico sendo tomando como uma modalidade de comprometimento. Conquanto seja um caminho alternativo, ele expõe, de forma clara, o problema de que o próprio conceito de comprometimento contém elementos teóricos dos processos hipotetizados como relevantes para o seu desenvolvimento.

É pertinente, portanto, a crítica de que a confusão quanto ao uso do conceito surge da falha em diferenciar antecedentes e consequentes do comprometimento (O'Reilly e Chatman, 1986). A inclusão de intenções comportamentais (de permanecer, de se esforçar) no conceito de Mowday é responsável por algumas relações enganosas entre comprometimento e rotatividade. Osigweh (1989) considera que a definição tão ampla de comprometimento, envolvendo atitude e comportamento, seria um inadequado alongamento do conceito que resulta de imprecisão e redundância.

Assim, seria avanço o modelo de Salancik que exclui intenções do núcleo definidor de comprometimento e as toma como um elemento intermediário entre ele e o comportamento efetivo. Um conceito mais "enxuto" também existe no enquadre proposto por Halaby, só que, neste caso, antagónicamente, comprometimento identifica-se com intenções comportamentais, sendo eliminados os elementos subjetivos.

 

ESTRATEGIAS PARA MINIMIZAR PROBLEMAS NO ESTUDO DO COMPROMETIMENTO NO TRABALHO

Os problemas que cercam a definição, os enquadres teóricos e propostas de operacionalização de comprometimento no trabalho, em parte, refletem problemas mais gerais, de cunho epistemológico e metodológico, que marcam a pesquisa nas ciências sócio-comportamentais.

A pluralidade de medidas, a predominância de estudos do cortetransversal, a ausência de construção de modelos causais mais ricos são problemas já reconhecidos. Para superá-los recomenda-se: trabalhar com múltiplos focos de comprometimento; diversificar as metodologias com abordagens mais dinâmicas e realização de estudos longitudinais; desenvolver escalas mais confiáveis; submeter a teste modelos causais que explorem relações moderadoras; realizar estudos interculturais. (Mathieu e Zajac, 1990).

Conquanto consideremos importantes tais caminhos, nos parece prioritária a atenção aos problemas conceituais. Como bem assinala Randall (1990), os avanços necessários devem ocorrer sobretudo pelo desenvolvimento e refinamento de modelos teóricos. "Para refinar o modelo, o pesquisador necessita ter um contato mais estreito com os participantes da pesquisa, buscando compreender o que significa comprometimento organizacional para eles, como eles expressam esse comprometimento e se esse significado varia entre diferentes profissões e grupos de trabalho" (p. 376).

As duas abordagens identificadas por Mowday et al (1982) para o estudo do comprometimento organizacional como "atitudinal" e "comportamental" parecem refletir as duas tendências básicas de estudar os diversos construtos que integram esse domínio de pesquisa, considerando-se os indicadores relevantes para mensurá-lo. Tais vertentes encontram apoio no uso do conceito na linguagem cotidiana, quando comprometimento é inferido não apenas das expressões verbais dos sujeitos mas, também, de características específicas dos seus atos.

Os dilemas vividos pela pesquisa na área refletem problemas mais gerais do uso de construtos atitudinais para explicar comportamento dos indivíduos. Embora atitude seja o conceito mais largamente estudado pela Psicologia Social, a da sua definição e seu poder preditivo ainda permanecem problemáticos, especialmente quando se adota, como vemos na pesquisa sobre comprometimento, o modelo tripartite (atitude como um conjunto de cognições, sentimentos e predisposições para agir).

Superar tais dilemas implica mudanças substâncias na forma como o construto, enquanto uma atitude, é conceitualizado, o que tem sido buscado via rompimento do modelo tripartite. A não inclusão de intenções comportamentais no próprio conceito atitudinal já aparece na proposta de Azjen e Fishbein (1980). Os autores concebem atitude como uma orientação afetiva em relação a um objeto e colocam intenções, como elos intermediários entre a atitude e o comportamento observável. Em consonância com esse modelo, Kolowsky (1991), num estudo longitudinal, encontrou evidências de que o comprometimento e satisfação, como medidas atitudinais, precedem a intenção de deixar o trabalho.

Novos modelos de conceitualizar atitudes (McGuire, 1985; Pratkanis, 1989) fortalecem o uso de definições unidemensionais. A abordagem desenvolvida por McGuire trata atitudes como respostas que localizam objetos do pensamento sobre alguma dimensão de julgamento. Essas dimensões são "eixos de significados sobre os quais as pessoas localizam objetos do pensamento quando constróem significações" (p. 239). Pratknis, ao conceituar atitude como" uma avaliação pessoal de um objeto de pensamento" destaca o mérito da definição não possuir excesso de significado, não se aprisionando a qualquer teoria ou modelo de atitude, que passam a ser questão teórica e empírica. Outro mérito seria o de enfatizar a natureza avaliativa da atitude como o fizeram os primeiros estudiosos, permitindo o uso de escalas de respostas ao longo de um continuum avaliativo para operacionalizar o conceito.

Absorvendo essas novas tendências na pesquisa básica sobre atitudes, o conceito de comprometimento não pode envolver variáveis que, na realidade, referem-se a processos que geram o próprio comprometimento. Assim, as tipologias comuns de comprometimento (calculativo, afetivo, normativo, por exemplo) se aplicam menos à natureza do vínculo e mais aos processos e fatores (individuais e organizacionais) que o determinam, como na perspectiva original de Etzioni. Cumpridos esses dois passos para "enxugar" ou "precisar" o conceito de comprometimento, poder-se-ia submeter a teste, hipóteses específicas acerca dos determinantes e do poder preditivo que tal construto possui.

Além desse impacto, os novos modelos de atitude nos parecem mais apropriados para apreender comprometimento como vínculos simultâneos com múltiplos aspectos ou elementos que integram o mundo de trabalho de uma pessoa, uma das sugestões que emergem da literatura como necessária para reduzir a confusão conceitual.

A vertente "comportamental", mais negligenciada (são raros os estudos como os de Randall, Fedor e Longenecker, 1990), depara-se com um problema distinto. A natureza disposicional do construto de comprometimento demanda que sejam identificados critérios relevantes para que os comportamentos - que podem variar infinitamente - sejam tomados como realizando aquela disposição. O que é uma "ação comprometida" com uma organização? O desenvolvimento desta perspectiva de investigação é fundamental. A busca de condições ou contextos em que dizer e fazer são congruentes seria um caminho heurístico para se investigar, de forma unificada, tais vertentes de pesquisa.

Novamente, aqui, impõe-se uma reflexão sobre a adequação das estratégias metodológicas dominantes nesta área. Como se observa na área mais geral dos estudos sobre atitudes, as tendências recentes apontam para o desenvolvimento de abordagens mais qualitativas através do estudo de casos, recomendações que aparecem, também, entre autores que estudam o compromentimento no trabalho.

Finalmente, os problemas teóricos e conceituais que cercam a pesquisa sobre comprometimento no trabalho devem estimular o investimento em pesquisas que procurem superá-los. Embora no estágio atual falte embasamento científico para recomendações tecnológicas, nos parece, a priori, prematuro descartar-se tal conceito, quer do campo teórico, quer das formulações de políticas de recursos humanos às quais se associa.

 

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