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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.3 no.2 Ribeirão Preto ago. 1995

 

COGNIÇÃO E LINGUAGEM

 

Representação e comunicação: o estudo de funções lingüísticas em psicologia(1)

 

 

Luci Banks Leite

Universidade Estadual de Campinas

 

 

Tornou-se quase banal a afirmação de que o psicólogo se vê confrontado a questões lingüísticas mesmo quando não escolhe a linguagem como objeto de estudo privilegiado. De fato, ele adere, muitas vezes implicitamente, a uma determinada concepção de língua/linguagem que vai transparecer e permear os seus trabalhos, qualquer que seja sua área de pesquisas.

Por sua vez, as teorias lingüísticas trazem sempre uma concepção de sujeito - ou de processos mentais ou cognitivos - que pode ser detectada e inferida a partir da própria teoria.

Parece-nos, portanto, que estas duas disciplinas - a lingüística tendo a língua/linguagem como objeto, e a psicologia centrando seus estudos sobre o sujeito - embora se pretendam autônomas, não podem ignorar uma a outra e estão fadadas a conviverem, ainda que muitos de seus encontros tenham freqüentemente a aparência ou "ares" de um desencontro.

Este breve ensaio procura discutir aspectos da relação que se tem estabelecido entre estudos realizados em psicolingüística e/ou psicologia e linguagem e algumas formulações da lingüística, particularmente no que diz respeito à área semântica ou da semântica pragmática. Partindo de algumas observações a respeito das funções que têm sido estudadas de maneira privilegiada pelos psicólogos, vamos assinalar a concepção de língua/linguagem e de sentido/significado que predomina em psicologia (Ia parte); esta apresentação levará a ressaltar alguns pontos dos trabalhos em semântica realizados por Ducrot e colaboradores (2a parte), procurando articulá-los com a discussão de algumas questões que merecem, a partir desta abordagem, ser reavaliadas pelos pesquisadores interessados no estudo da língua/linguagem (3a parte).

E interessante, ainda, assinalar que, em relação aos trabalhos efetuados em psicologia, vamos mencionar algumas contribuições de Vygotsky e Piaget, bem como estudos sobre a linguagem realizados recentemente por psicólogos que se inspiram, mais ou menos diretamente, nas teorias destes dois autores.

 

A CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM E DE SENTIDO NOS TRABALHOS DOS PSICÓLOGOS

Desde os finais da década de 70 tem-se observado, nos trabalhos realizados pelos psicolingüistas ou por psicólogos preocupados com questões lingüísticas, um deslocamento do foco de atenção, antes mais orientado a questões estruturais inspiradas na gramática gerativa, que privilegiavam o estudo da sintaxe, para uma abordagem de aspectos funcionais da linguagem. Este deslocamento não apenas trouxe à tona uma discussão a respeito de qual seria a função primordial da linguagem, como levou os psicólogos a tratarem de maneira prioritária, questões de ordem semântico-pragmática. Neste sentido, é importante lembrarmos que, como assinalam Dascal e Françozo (1988/89), de um lado, a linha demarcatória entre semântica e pragmática não é nítida (e esta distinção é até mesmo contestada por alguns lingüistas) e, de outro lado, a pragmática é freqüentemente utilizada como um termo de "cobertura" (a cover-all tertri) para se referir a todo aspecto de utilização da linguagem que implica fatores de "contexto", outro termo que, em si mesmo, é também objeto de discussões e desacordos. Tais dificuldades deram origem a inúmeros trabalhos nesses últimos 15 anos, visando discutir não apenas a definição de pragmática como também as relações entre semântica e pragmática(2).

No que diz respeito às funções da linguagem, duas têm sido apontadas como fundamentais pelos psicólogos-pesquisadores de diferentes tendências: as funções de representação e de comunicação, definidas (Bronckart, 1985b; Caron, 1987) da seguinte forma:

1. a função de representação consiste na possibilidade que possui toda língua de reproduzirobjetos, ações, acontecimentos ou conceitos através de signos. Aqui, a linguagem é abordada geralmente como instrumento que permite a codificação de informações tendo em vista seu tratamento cognitivo. Representação, portanto, tanto no sentido de representar objetos do mundo, quanto de representação do pensamento. Fala-se também aqui de denotação, de expressão de um conteúdo ou de propriedade referencial da linguagem;

2. a função de comunicação é definida como uma transmissão de informação do emissor ao receptor, ou como instrumento de interação social desenvolvida em uma situação determinada, tendo em vista certos objetivos.

Muitas discussões realizaram-se a respeito do peso ou da importância a ser atribuída a uma ou outra destas funções pelos psicólogos e também, claro, pelos lingüistas. Uma crítica freqüentemente dirigia a Piaget, e aos trabalhos mais clássicos dos psicolingüistas de Genebra que, bastante influenciados pelos trabalhos de Chomsky, procuraram durante um certo período, estudar as estruturas sintáticas (cf. trabalhos da equipe de H. Sinclair na década de 70), consiste justamente em afirmar-se que eles negligenciaram o aspecto comunicativo/ comunicacional ou interacional da linguagem, considerando somente a função representacional desta. E o que assinala Karmiloff-Smith (1979), psicolingüista de formação piagetiana - uma das primeiras a propor uma abordagem funcional da linguagem - criticando os estudos de Piaget e colaboradores e insistindo no fato de que se deve ver na linguagem algo mais do que um sistema de representação. Bronckart, outro piagetiano, também critica estes estudos dos quais ele mesmo participou e inicia uma linha de pesquisas sobre o funcionamento do discurso (Bronckart, 1985a, 1985b) em que procura, segundo ele, levar em conta estas duas funções primordiais. Neste sentido, é interessante também lembrar que o próprio Vygotsky (1979), em suas críticas ao papel da linguagem "egocêntrica", termo retomado de Piaget, enfatiza a origem e a função social e comunicativa da linguagem. A importância concedida pelo autor russo a esta função incentivou o aparecimento de inúmeros estudos realizados pelos psicólogos que se valem, de forma mais ou menos explícita, de suas afirmações para realizarem suas pesquisas.

O que queremos ressaltar é que, ao aceitarem a representação e comunicação como funções primordiais da linguagem, definidas nos termos acima mencionados, os estudos efetuados pelos psicólogos permanecem fiéis a uma certa concepção tradicional a respeito da natureza da língua, em que esta é definida pelo seu caráter instrumental.

De fato, desde Aristóteles, existe um terreno propício para que a linguagem seja considerada como instrumento por excelência de descrição e, por isso mesmo, como servindo para comunicar ou para informar sobre o estado de objetos no mundo ou então para expressar o pensamento. No século XVII, aGrammaire de Port-Royal precisa que a linguagem serve para "significar nossos pensamentos" e a dar a conhecer aos outros "os diversos movimentos de nossa alma" (2a parte, cap. 1, citado por Ducrot, 1986b). Estes gramáticos acrescentam que para permitir a comunicação, a palavra deve constituir uma imagem, um "quadro" (tableau) do pensamento. Aqui, a expressão "representação do pensamento" é usada no sentido forte: não se trata de dizer que a palavra é signo, mas que ele é espelho e que comporta uma analogia interna com o conteúdo veiculado, (cf. Ducrot e Shaeffer, 1995, p. 15).

Dentro desta tradição que persiste, com inúmeras nuances, até nossos dias, nota-se que:

a) a língua serve para informar sobre o estado de objetos no mundo;

b) a língua serve para comunicar o pensamento.

Ligada a esta concepção tradicional, qual seria a natureza do sentido? Há duas hipóteses principais (Anscombre, 1994):

a) o sentido é a comunicação de alguma coisa - uma informação sobre um estado do mundo, uma descrição, por exemplo;

b) o sentido é uma informação modalizada por uma atitude.

Entre os lingüistas que aderem claramente à primeira tendência, pode-se mencionar Martinent (Anscombre, 1994) pois para ele, quando se fala, comunica-se um pensamento ou uma experiência. Entre os estudos em psicologia, os trabalhos de Piaget, não apenas os da primeira fase (1923 a 1932), mas também os mais conhecidos entre os psicólogos, nos quais através da utilização do método clínico(3) pede-se que a criança justifique, explique e/ou proceda a julgamentos relacionados às experiências que se faz diante dela (cf. as clássicas "provas" relacionadas aos invariantes físicos ou à lógica elementar, por exemplo) inseremse nesta linha (Piaget, 1967). Neles, a linguagem da criança é tratada como "veículo neutro de informação" ou como "expressão ou comentário quase transparente de um pensamento ou de uma conduta" (Granger, 1976, pp. 203-204).

Em relação à segunda tendência, esta encontra-se de forma nítida em Bally, para quem a língua é um instrumento de comunicação ou de "enunciação" do pensamento pela palavra e "a frase é a forma mais simples possível de comunicação de um pensamento" (cf. Ducrot, 1986b). Como pensar consiste, para ele, em "reagir a uma representação", o sentido de uma frase é dado por dois elementos: o dictum e o modus, sendo que o dictum é a representação e o modus, a reação. O sentido de uma frase seria sempre do tipo "X tem uma certa reação a uma representação", o primeiro elemento sendo o "x tem uma reação" que é o modus e a representação, é o dictum.

Por exemplo, na frase "Eu creio que Pedro está presente", o modus seria "eu creio" - onde se distingue sujeito modal e verbo modal - e o dictum - "Pedro está presente".

Desta forma, há uma distinção no pensamento entre um elemento subjetivo - a reação ou atitude - e o elemento objetivo ou de ordem intelectual - a representação.

E interessante, aliás, notar-se a referência a esta distinção em muitos trabalhos realizados na década de 80 por lingüistas, psicólogos e psicolingüistas. Um exemplo a ser assinalado é o do grupo que se constituiu em Neuchâtel em torno de Grize (1982), lógico que colaborou durante muitos anos com Piaget no Centre International d'Epistémologie Génétique. Preocupados em estudar a argumentação, os integrantes deste grupo efetuam análises de diversos textos escritos e estabelecem uma distinção entre o dictum e o modus, colocando-os em relação com os planos funcionais do discurso; o plano cognitivo é relacionado ao dictum e os planos retórico e argumentativo ao modus (Apothéloz, Borel, Pequegnat, 1984). Outro grupo de pesquisadores em psicologia da linguagem tem se inspirado nestes trabalhos referindo-se de maneira similar a esta distinção (Coirier; Coquin-Viennot; Golder e Passerault, 1990).

Paralelamente a esta concepção tradicional de sentido, existem outras que consideram que o sentido de um enunciado não está na comunicação de um conteúdo, mas sim na descrição ou na qualificação de sua enunciação. Isto significa que toda enunciação - entendida como o acontecimento que constitui o aparecimento do enunciado - faz referência a si mesma (é suireferencial), da mesma forma que o título de um livro - que é parte integrante do livro - qualifica o livro (Ducrot, 1984). Um bom exemplo de trabalhos em semântica realizados nesta linha são os estudos de Anscombre e Ducrot, que veremos a seguir.

Antes, porém, cabe salientar que, subjacente a estas duas tendências lingüísticas - o sentido como comunicação de informações ou descrição, ou sentido do enunciado como descrição de sua própria enunciação - existe uma oposição entre filósofos da linguagem da linha chamada de "ascritivista" (Hare, por exemplo, citado por Anscombre, 1994), e os "descritivistas"; se, para estes, todo enunciado declarativo visa descrever ou representar a realidade, para os "ascritivistas", o aspecto declarativo é apenas uma máscara que esconde uma outra função mais fundamental da língua. Segundo os "ascritivistas", adjetivos como "bom", "agradável", "bonito", "inteligente" não veiculam nenhuma informação e não dizem respeito a uma propriedade determinada, Um enunciado como "O hotel X é bom", para os "descritivistas", atribui ao objeto hotel uma propriedade - "bom" - enquanto que para os "ascritivistas", seria um ato de recomendação do hotel e poderia ser parafraseado por "Eu recomendo o hotel X" (Anscombre, 1994, 1995; Ducrot, 1986a, 1986b). Dizer que "José é inteligente" não é definir uma característica ou propriedade de José, mas é recomendá-lo para realizar um certo trabalho, etc...

Pode-se dizer que é nesta segunda corrente que se inscrevem os trabalhos de semântica das línguas naturais, de Ducrot e colaboradores que se auto-definem como pertencendo a um "ascritivismo moderado" e, para quem, falar consiste em indicar as possíveis continuações do discurso. Duas vertentes de trabalhos complementares vêm sendo elaboradas nestes últimos anos: a teoria polifônica da enunciação e a teoria de argumentação na língua.

 

OS TRABALHOS EM SEMÂNTICA DAS LÍNGUAS NATURAIS DE ANSCOMBRE/DUCROT

Antes de examinar aspectos desta teoria, é interessante assinalar dois pontos que distinguem o trabalho destes autores, daqueles empreendidos pelos lingüistas "tradicionais", comentados a seguir.

1. O esforço em elaborar uma semântica desinformatizada: isto significa que há uma recusa em aceitar a existência de um elemento "objetivo" ligado à representação da realidade no sentido dos enunciados. Por que esta recusa? Simplesmente porque se admitirmos algo de "objetivo" sob uma forma qualquer, seria necessário, segundo Ducrot, aceitar que,
... as palavras têm como função principal, transmitir uma imagem, uma representação da realidade, que elas possuem, portanto, em um nível fundamental, une valor informativo e que o sentido profundo das mesas é constituído pelas informações que elas comunicam (...) e que as frases têm uma vocação fraturai a serem julgadas segundo normas de verdade e falsidade... (1987, p. 53, tradução e grifo nossos)(4).

Em suma, questiona-se a idéia corrente segundo a qual o sentido essencial das palavras consiste na transmissão de informações. Decorre, de toda evidência, desta recusa em aceitar a existência de algo "objetivo", outro ponto de extrema importância.

2. A impossibilidade em se distinguir, no sentido dos enunciados, aspectos freqüentemente denominados de "subjetivos", "intersubjetivos" que podem, de alguma forma, ser separados dos "objetivos". Esta dissociação entre elementos objetivos e subjetivos que se encontra nos trabalhos mais tradicionais - Descartes, Gramaire de Port Royai - assim como em Bally, como já assinalamos acima, com a distinção de dictum/de modus e na maior parte dos autores mais recentes como os filósofos da linguagem (Searle, por exemplo, para quem o sentido de um enunciado seria a aplicação de uma certa força ilocutória a uma proposição ou "conteúdo", a força sendo relacionada à pragmática e a proposição à semântica vericondicional) é radicalmente criticada por Ducrot em diferentes momentos e textos (1984,1986a, 1986b, 1987,1990). Esta perspectiva recusa, portanto, as dicotomias ou tricotomías que caracterizam abordagens lingüísticas clássicas, pois não é possível distinguirem-se marcas de "subjetividade" na linguagem, de outras que seriam menos subjetivas ou mais objetivas.

O que então é proposto nesta perspectiva semântica? Como estes lingüistas tentam elaborar uma concepção de significado que se distancie de idéias que salientamos até agora neste trabalho? Para delinear uma resposta a esta questão, vamos passar a assinalar, ainda que de forma breve e resumida, as duas vertentes de trabalhos complementares deste quadro teórico, já assinaladas acima: a teoria polifónica da enunciação e a teoria da argumentação na língua (ou ADL)(5).

Em relação à teoria polifónica, de inspiração Bakhtiniana, considerandose que o sentido do enunciado consiste na descrição de sua própria enunciação, tal descrição deve levar em conta que a enunciação exprime uma multitude de vozes que se sobrepõem ou se respondem reciprocamente (Ducrot, 1980b, 1984).

A noção da polifonia permite:

a) revelar que o autor de um enunciado não se exprime diretamente mas que ele "encena" (no sentido teatral á&mise en scène\ um certo número de personagens;

b) distinguir do "falante", o sujeito empírico, o locutor e os enunciadores(6).

Entre as várias formas de polifonia, a mais freqüente consiste em distinguir o locutor - pretenso responsável pelo enunciado - dos enunciadores, que exprimem pontos de vista dos quais o locutor pode se distanciar ou com os quais pode se identificar.

Muitos exemplos poderiam ser evocados - a ironia, o humor - para assinalar a distinção locutor/enunciador. Entre os mais "clássicos" encontram-se os enunciados negativos. Em um enunciado como:

Pedro não veio.

Podem-se distinguir ao menos dois enunciadores:

El que apresenta um ponto de vista afirmativo - Pedro veio.

E2 que recusa a afirmação e com o qual o locutor se identifica.

Nota-se, pois, que os enunciados negativos apresentam-se como uma confrontação de dois (ao menos) enunciadores e que em um enunciado não p, existe simultaneamente uma asserção de p e uma recusa desta asserção. O sentido do enunciado é o resultado de uma confrontação de vozes que se apresentam sob forma de um diálogo cristalizado.

No quadro desta teoria, o valor informativo de um enunciado torna-se um fenômeno derivado. E a partir destamise-en-scène de diferentes enunciadores por um sujeito falante que se constrói uma certa imagem da realidade, "que se pode considerar como o conteúdo informativo, representacional do enunciado" (Ducrot, 1986a, pp. 21-22).

Como veremos a seguir, por meio de alguns exemplos, a teoria polifónica da enunciação foi elaborada para permitir uma melhor compreensão de questões argumentativas estudadas pelo outra vertente de trabalhos realizados nesta perspectiva, ou seja, a argumentação na/dentro da língua (ADL). Vejamos, então, no que consiste o estudo da ADL.

Tradicionalmente, a argumentação é estudada como um elemento retórico, pós-lingüístico, ou seja, um elemento acrescentado a um valor de natureza descritiva ou informacional. A originalidade da abordagem de Ducrot e Anscombre consiste em inverter esta relação e colocar o valor fundamentai da língua como sendo de ordem argumentativa.

Neste quadro, o enunciado "José é inteligente" não é considerado nem como uma descrição de José, nem como uma informação a respeito de uma característica ou propriedade, mas sim como um argumento orientado para uma conclusão: por exemplo, "José pode resolver um problema difícil", "Ele está apto para realizar o trabalho X", etc. Descrever semanticamente uma frase é, portanto, caracterizá-la por suas possibilidades de se encadear com outras frases e a argumentação consiste precisamente no encadeamento dos enunciados no interior de um discurso.

Desde o primeiro trabalho realizado nesta linha (Ducrat, 1980a/1973) até o momento atual, houve inúmeras reformulações no quadro geral desta teoria (cf. Anscombre e Ducrot, 1986). A etapa mais conhecida - a teoria-padrão - é aquela em que se procurou descrever frases que comportam conectores como mas, portanto, então o u operadores como mesmo, pouco, um pouco, pelo tipo de encadeamento discursivo que seus enunciados exigem (Anscombre e Ducrot, 1983; 1980b).

Entretanto, o estudo destes morfemas mostrou-se insuficiente para explicar certos fenômenos argumentativos, razão que levou esses lingüistas a introduzirem um novo elemento em sua construção teórica. Tratam-se dos topoi.

O "topos" nada mais é do que um princípio geral que é aplicado ou convocado e que permite a passagem de um argumento a uma conclusão determinada. O topoi possui as seguintes características:

1. ele é comum, ou seja, é partilhado e aceito pela coletividade lingüística na qual o discurso ocorre. A existência de topoi é um fato lingüístico, mas que exista um topos particular é uma questão ideológica própria a uma certa civilização ou a um meio particular (cf. parte 3 deste texto);

2. ele é geral, ou seja, o locutor o apresenta como válido para outras situações e não apenas para uma situação particular;

3. ele é gradual: um topos consiste em uma correspondência entre duas graduações não numéricas.

Por exemplo:

"O filme 'Rainha Margot' é bom/interessante."

O locutor que diz isto está convocando, a respeito do filme, um topos do tipo "quanto mais um espetáculo é interessante (P), mais vale a pena ser visto (Q)"; o aspecto gradual aparece em uma relação < +P,+Q >. O encadeamento seria: "Vá vê-lo". Neste sentido, este segmento "o filme x é bom" é um argumento para a conclusão "vá vê-lo". (Seria estranho alguém dizer: "O filme é bom, não vá vê-lo" a menos que ele introduza outros segmentos ou morfemas).

Examinando os enunciados de crianças que têm em média 5 anos(7), notase o aparecimento relativamente freqüente de enunciados que fazem apelo ou convocam certos topoi.

Por exemplo, em uma situação de jogo: três garotos estão brincando quando chega Michel que quer participar da brincadeira. Felipe intervém:

Felipe: Você mente, então eu não deixo (você brincar).

Felipe está usando uma argumentação em que se baseia sobre um princípio geral, um topos relacionado à "mentira" que poderia ser expresso assim:

"Os mentirosos devem ser punidos."

ou

"Os mentirosos não merecem confiança."

ou ainda

"Os mentirosos não merecem brincar." que são topoi reconhecidamente admitidos pela nossa coletivida de lingüística.

Em outro exemplo, em um grupo de crianças que está desenhando, uma garota - Raquel - diz:

R: uma vez eu comi chiclete na hora de virprá escola, não é Joana?

Imediatamente, Fernando encadeia:

Fer.: ai, chiclete...estraga os dentes.

Segue-se toda uma discussão sobre a questão dos chicletes/doces em geral como prejudicial aos dentes. Também aqui, trata-se de convocar um topos do tipo "quanto mais doce se come (P), mais chances de estragar os dentes (Q)"; o topos surge aqui sob a forma < +P, +Q >.

Com a noção de topos, a argumentação surge como radicalmente ancorada na língua. Na versão mais recente, (Ducrot, 1898, 1993) os topoi estariam presentes também no léxico, nas palavras "plenas" - verbos, substantivos, adjetivos - sob forma intrínsecos. O significado das palavras seria constituído por "feixes de topoF. Por exemplo, na palavra trabalho haveria, ao menos, dois topoi: < esforço, cansaço >, donde uma certa estranheza ou "dissonância" face a um enunciado do tipo: "Pedro trabalhou bastante mas está cansado".

Como a teoria ADL se relaciona com a teoria polifônica da enunciação? Tomemos o seguinte exemplo:

"O filme Rainha Margot é bom, mas cruel."

Podem-se distinguir dois enunciadores: um enunciador E que se baseia sobre um topos do tipo: "Quanto melhor um espetáculo, mais vale a pena ir vêlo"; um enunciador E2 que se opõe ao primeiro e se baseia em outro topos: "quanto mais doloroso/triste um espetáculo, menos interessante assisti-lo". O locutor assimila o segundo. A conclusão "natural" iria provavelmente na direção deste segundo segmento: não vale a pena ir vê-lo.

E importante também acrescentar que, nesta perspectiva, não há sentido literal e as unidades lexicais não são tratadas como constantes semânticas, ou seja, o "sentido" não é fixo, nem imutável. Por exemplo, a palavra "trabalho" é constituída por certo feixe de topoi em nossa cultura, no momento atual, mas pode mudar, transformar-se no decorrer do tempo (e também de uma sociedade ou de uma coletividade para outra).

Novamente, nota-se nesta vertente dos trabalhos de Anscombre e Ducrot queo aspecto informativo/representacional surge como um subproduto, algo derivado de/subordinado à um componente argumentativo. Em outras palavras, a descrição de estados do "mundo" aparece no enunciado através da exploração discursiva.

 

REPENSANDO QUESTÕES DA PSICOLOGIA E DA PSICOLINGÜÍSTICA

Por que e em que uma reflexão a respeito de trabalhos realizados no campo lingüístico pode contribuir para os estudos empreendidos pelos psicólogos interessados em estudar a linguagem?

Uma resposta muito geral e trivial a esta questão relaciona-se ao que já delineamos no início deste texto, a saber: se o psicólogo se interessa em abordar questões lingüísticas em suas pesquisas - seja de uma maneira central, seja apenas de forma "periférica" - não é conveniente ignorar o que é realizado pelos estudiosos da língua/linguagem, mas, antes, conhecer diferentes perspectivas teóricas e contribuições de especialistas nesta área e refletir sobre elas. Se assim não for, ele corre o risco de aderir, implícita e "ingenuamente", a uma concepção de língua incompatível com sua posição teórica mais ampla, por exemplo, trabalhar em um quadro histórico-cultural, mas aderindo a uma concepção positivista ou behaviorista no que diz respeito à língua/linguagem.

E é justamente para os psicólogos que se colocam em uma perspectiva de trabalho na linha histórico-cultural que uma reflexão sobre a linguagem nos parece fundamentalmente importante. De fato, é sempre interessante lembrar o lugar privilegiado que a linguagem ocupa no quadro teórico vygotskyano e, em particular, a importância atribuída por este autor aos processos de significação e sentido (Vygotsky, 1979). Por isto, pareceu-nos ser frutuoso efetuar esta pequena incursão pelos trabalhos mais atuais da semântica, especialmente em uma perspectiva que se afasta de uma concepção tradicional de língua e de sentido/significado.

Vamos, pois, precisar como a perspectiva teórica de Ducrot e colaboradores contribui para fomentar reflexões em torno de problemas nucleares relativos ao trabalho de pesquisas sobre a linguagem em psicologia.

1. Antes de tudo, questiona e propõe alternativas a respeito do que se pode entender sobre o sentido/significado da/na língua. Enquanto teoria que circunscreve seu objetivo ao âmbito do estudo da semântica das línguas naturais, ela critica, como vimos, as abordagens semânticasclássicas de fundo lógico ou logicóide (geralmente vericondicionais) que acreditam na existência de um elementos "objetivo" de ordem informacional que estaria no âmago da definição de sentido. Como vimos, sobretudo em sua versão mais recente, com a introdução dos topoi, este quadro teórico busca estudar o sentido dos enunciados e dos encadeamentos ou combinação dos enunciados, tendo como postulado de base que o sentido é fundamentalmente independente de eventuais indicações de natureza informativa ou descritiva.

A noção de topos parece-nos particularmente fecunda, podendo coadunar-se bastante bem com algumas de nossas preocupações teóricas por, ao menos, duas razões:

a) primeiramente, o fato de o sentido das palavras ser definido em termos de "feixes de topo" elimina a possibilidade de se pensar em sentidos fixos, imutáveis; em outras palavras, não há lugar, nesta perspectiva, nem para sentido literal, nem para constantes lexicais de qualquer ordem que sejam. Esta posição parece combinar-se bem com a de Vygotsky, quando ele afirma que "o significado das palavras evolui" e que "não há imutabilidade dos significados das palavras" (1979, p. 159);

b) de outro lado, considerando-se que os topoi não só estão presentes no léxico mas permitem também, enquanto princípios, a passagem de um argumento a uma conclusão, eles se apresentam como válidos para uma comunidade lingüística determinada, ou seja, para uma língua específica, em um momento histórico particular. Por exemplo, a palavra "trabalho" é constituída por umcerto feixe de topoiem nossa cultura no momento atual, mas pode mudar, transformar-se nodecorrer do tempo (e também de uma sociedade ou de uma coletividade para outra). Como bemassinala Bouvier (1993), no conceito mesmo de topos há a idéia de um "lugar-comum", no sentido de "lugar comum" a todos os indivíduos de um grupo mais ou menos numeroso ou de uma sociedade; há, portanto, uma dimensão sociológica neste conceito(8).

2. Permite questionar a concepção de língua/linguagem e de suas funções. Não é suficiente criticar os trabalhos que se detêm no estudo a função de representação, propondo o estudo da comunicação ou de ambas. Como mencionamos (cf. 1) no estudo destas funções, em trabalhos em psicologia, prioriza-se uma concepção "instrumental" da língua/linguagem que deve ser repensada.

3. Traz a possibilidade de se estudar a dinâmica discursiva tal como esta se vislumbra ou se configura na língua ou nas formas lingüísticas das frases e das relações entre elas. Considerando-se a escolha de se manter no interior de um quadro estruturalista o que implica "uma recusa em caracterizar a língua por entidades estranhas à língua" (Ducrot, 1993, p. 234), o estudo de parâmetros44extraiingüísticos" não surge como relevante, ao contrário do que ocorre nas abordagens da psicologia da linguagem (cf. trabalhos de Bronckart, 1985a e 1985b, porexemplo).

5. Na medida em que se inverte a relação comumente admitida entre a argumentação e o descritivo/informativo, este surgindo como derivado daquele, apaga-se a dicotomia subjetivo/objetivo, ou ainda, a tricotomía objetivo/ subjetivo/intersubjetivo, ou, se preferirmos, surge a primazia do "subjetivo" sobre o "objetivo". De fato, dizer "Eu creio que Pedro é inteligente" não é nem mais, nem menos "subjetivo" do que dizer "Faz calor", ou "O preço do produto x é caro". Em todos estes enunciados, a "informação" aparece trazendo as marcas da subjetividade(9).

6. A teoria polifónica da enunciação possibilita refletir sobre o sujeito. Que sujeito é este? Em todo caso, trata-se de um sujeito bem distinto do que surge em uma teoria da enunciação como a deBenveniste (1966), que acredita na "unicidade" do sujeito falante.

Com estas considerações esperamos ter atingido o principal objetivo deste ensaio que foi o de levantar perguntas que levem a uma reflexão crítica a respeito dos estudos sobre a linguagem em psicologia, mais do que apresentar soluções ou respostas prontas e acabadas.

 

Referências Bibliográficas

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1. Este trabalho foi possivél graças a bolsa de doutorado (sanduíche) ourtorgada pela CAPES/ Ministério da Educaçaõ e ao auxilio á projeto de pesquisa concedido pela FAPESP (processo nº 91/3535-1) à Profª. Ana Luisa B. Smolka et. al.
2. Algumas questões referentes á relação Semãntica/Prágmática foram breveamente abordadas em nossos trabalho l'etude de l'argumenmtation chez l'enfant: l'apport de la Sémantique enviado junto ao 2º relatório de Ativiades de Bolsa- Sanduiche/CAPES, 1993.
3. A respeito do método clínico, tal como foi explorado nos trabalhos piagetianos, consultar Domahidy-Dami e Banks-Leite, 1983,1987; Vinh-Bang, 1966.
4. Les mots out pour founction prmiére de vèhiculer une image, une representation de la realite, qu'ils ont done, à un niveau fondamental, une valeur informative, leurs sens profond étant constitué par eles renseignements qu'ils comuniquent(...) et que les phrases ont vocation naturelle á être jugeés selon les normes de la vérité et la fausseté...(Ducrot, 1985:53).
5. Traduz-se geralmente l'argumentation dans la languange por"argumentação na linguagem"; deve-se, entretanto, lembrar qe dans indica la situation d'une chose par rapport á ce qui la contient (petit Robert) o que correspoderia em portugu~es, a "dentro de, ou no inferior de" e portanto a argumentação dentro de língua" (cf. também a tradução em ingl~es . A argumentação Whithin Languagem - AWL-).
6. Ducrot (1986) declara inspirar-se em alguns aspectos da obra de bally para propor esta tripartição.
7. Análises mais detalhadas dos enunciados infantis encontram-se em nosso trabalho de tese de doutoramento (Banks- Leite, 1996).
8. Nesse sentido, Bouvier assinala (1993) uma relação possível entre a sociologia ou antropologiaargumentativa de V. pareto e a teoria dos topoi, de anscombre - Ducrot.
9. Sc as teorias linguísticas aluais concedem um maior ou menor espaço para a subjetividade. Ducrot coloca a subjetividade como fundamento da língua e como íntrinoaca à própria língua, como bem assinalou Tordettilla, (1994).