SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 número3Pesquisa básica versus pesquisa aplicada índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Temas em Psicologia

versión impresa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.4 no.3 Ribeirão Preto dic. 1996

 

Aquisição de verbos fativos e contrafativos e a teoria da mente em crianças(1)

 

 

Rossana Delmar de Lima ArcoverdeI,2; Antônio RoazziII,3

IUniversidade Federal da Paraíba
IIUniversidade Federal de Pernambuco

 

 

A compreensão do significado expresso por verbos fativos como "saber", "descobrir" e "perceber" e verbos contrafativos, "fazer-de-conta", "inventar" e "fingir" desempenha um papel importante no desenvolvimento sócio-cognitivo da criança. Considere-se que a capacidade de compreender e produzir alguns desses verbos permite à criança expressar e comunicar os seus próprios estados mentais, coordenando sua própria perspectiva com a perspectiva dos outros. Além do mais, a aquisição destes verbos pode ser considerada como indicadora do entendimento de estado mental e, conseqüentemente, refletir o desenvolvimento de uma Teoria da Mente na criança (Jonhson, 1982; Wellmann, 1985; Wellmann e Estes, 1986; Moore e Furrow, 1991).

Por Teoria da Mente entende-se o conhecimento que as pessoas possuem sobre uma concepção de mente, que implica na aquisição do entendimento de seus próprios estados mentais, dando-lhes capacidade de compreender uma série de coisas, pessoas e eventos externos (Butterworth, Harris, Leslie e Wellman, 1991).

Pesquisas recentes (Astington, Harris e Olson, 1988; Astington e Gopnick, 1991) nesta área mostram que o período entre 3 e 5 anos parece ser uma fase importante no desenvolvimento do entendimento da natureza representacional da mente. Nesse período, as crianças podem "fazer-de-conta " e compreender, também, quando outros estão "fazendo-de-conta". Elas são capazes, por exemplo, de perceber as diferenças entre o que é real e o imaginário, sendo capazes de detectar que o mundo mental é uma representação do mundo real. Dias (1992) observou esse entendimento através da brincadeira de "faz-de-conta", utilizando a tarefa da xícara cheia-vazia. Ela constatou que crianças de nível sócio-econômico médio mostram essa habilidade a partir dos 2 anos, crianças de nível sócio-econômico baixo por volta dos 3 anos e as que vivem em orfanato só apresentam esta capacidade depois dos 4 anos de idade. Enfim, a aquisição dessa habilidade torna a criança capaz de atribuir aos outros experiências psicológicas diferentes das próprias experiências, assim como, também, de inferir os estados mentais possuídos por outras pessoas que estão em sua volta, como seres pensantes, seres capazes de uma série de atividades mentais, como prever, julgar, refletir, supor, acreditar, duvidar, imaginar, fazer-de-conta e adivinhar.

Consideráveis evidências sugerem, portanto, que existe uma relação de grande importância entre o desenvolvimento da capacidade de compreender verbos mentais e o desenvolvimento de uma concepção de mente (Miscione, Marvin, CT Brien e Greenberg, 1978; Wellman e Johnson, 1979; Moore, Bryant e Furrow, 1989; Moore e Davidge, 1989; Moore, Pure e Furrow, 1990; Moore e Furrow, 1991).

Moore e Davidge (1989), analisando a competência pragmática de crianças entre 3 e 6 anos, em relação à compreensão dos verbos mentais, verificaram que seus resultados coincidem fortemente com os estudos na área de teoria da mente. Elas constataram que importantes mudanças no entendimento dos verbos também ocorrem no mesmo período de desenvolvimento desta concepção, sugerindo existir uma forte relação na aquisição desses conhecimentos.

Outro ponto de ligação entre essas habilidades a ser abordado diz respeito à questão lingüística nas tarefas de investigação, na área de teoria da mente. O não entendimento de alguns dos termos mentais pode acarretar em um prejuízo no desempenho dos sujeitos, podendo a criança, em alguns casos, não responder corretamente a determinadas questões, pela dificuldade que sente em compreender o significado do termo. Roazzi e Santana (1995) identificaram em seu estudo que o tipo de verbo (e.g., pensar) utilizado no questionamento de falsa crença, requeria que as crianças reconhecessem a propriedade da fatividade para que pudessem atingir um melhor desempenho na tarefa. Com bases nesses dados, sugerem, então, que se observe este fato de modo a considerar, em futuros planejamentos experimentais, um controle da variável "tipo de verbo".

Em resumo, os estudos revelam que o desenvolvimento do entendimento dos termos mentais evidenciam que essa habilidade está diretamente relacionada à aquisição de teoria da mente. Nesse sentido, a criança que é capaz de compreender e reconhecer verbos de atitudes mentais está não apenas reconhecendo-os como símbolos lingüísticos, que a possibilitam comunicar-se, mas também identificando-os como termos designados, apropriadamente, a estados internos cognitivos. Este reconhecimento pode desencadear a compreensão de que estes verbos, tanto podem ser expressos para representar seu estado mental quanto os estados mentais de outras pessoas.

Estudos sobre o desenvolvimento do conhecimento de verbos mentais têm-se conduzido, comumente, por meio de experimentos que analisam o aspecto semântico destes verbos. Este aspecto considera a utilização de uma importante propriedade dos verbos, ou seja, a pressuposição que diz respeito à propriedade da "fatividade" que alguns verbos possuem (Harris, 1975; Hopmann e Maratsos, 1978; Scoville e Gordon, 1980; Abbeduto e Rosenberg, 1985).

De Kiparsky e Kiparsky (1970) procede a idéia de fatividade em seu clássico trabalho Fact e que confere à pressuposição uma especial importância. Eles defendem a proposta de que alguns verbos podem pressupor a verdade ou falsidade do complemento de uma oração. Existem, ainda, verbos que não pressupõem a verdade nem a falsidade do complemento da oração. Considerese as seguintes frases:

1. Simone sabe que o gato está no jardim, (verbo fativo)

2. Simone faz-de-conta que o gato está no jardim, (verbo contrafativo)

3. Simone pensa que o gato está no jardim, (verbo não-fativo)

4. O gato está no jardim.

A proposição 1 pressupõe como verdadeira a proposição 4, enquanto que a proposição 2 admite uma falsidade, já que "fazer-de-conta" não cabe no mundo real. Por outro lado, a proposição 3 não compromete "Simone", nem com a verdade nem com a falsidade da proposição 4.

De acordo com esta distinção, a utilização de um verbo fativo - e.g., saber, recordar e descobrir - implica, necessariamente que, para quem fala, o complemento é verdadeiro, tanto na forma afirmativa quanto na forma negativa (aplicação do teste da fatividade)(4).

A literatura inglesa mostra algumas pesquisas que utilizam a tarefa de julgamento do valor de verdade de uma sentença complemento, para demonstrar o conhecimento que as crianças possuem. Esta questão avalia a propriedade da fatividade através da apresentação às crianças de uma série de sentenças compostas de um verbo principal e um complemento. As sentenças são apresentadas com o verbo principal, tanto na forma negativa (- +) quanto na forma afirmativa (+ +). Alguns estudos usam uma outra condição, na qual o complemento pode ser negado (+ -) ou afirmado (- +). A tarefa dos sujeitos, portanto, é decidir a falsidade ou verdade do complemento (Harris, 1975; Hopmann e Maratsos, 1978; Scoville e Gordon 1980; Abbeduto e Rosenberg, 1985). Os resultados destes estudos, embora apresentem algumas divergências, trazem importantes revelações sobre a capacidade das crianças, quanto ao entendimento de verbos mentais.

Harris (1975) descobriu que crianças de idade pré-escolar julgam, muito mais, o valor de verdade do complemento com base no seu conhecimento de mundo, do que pela interpretação da fatividade dos verbos. As crianças respondiam no quando o verbo do complemento era negado. Observou, ainda, que as crianças mais novas tendiam a responder para os não-fativos como se eles fossem fativos (e.g., respostas yes). Crianças de idade pré-escolar respondiam as questões através do uso de estratégias, as quais ele chamou de complement only, ou seja, elas davam o próprio complemento como resposta. A utilização desta estratégia pelas crianças parece refletir em um não entendimento do significado básico dos verbos ou então as crianças ficaram confusas quanto ao entendimento da própria tarefa.

O estudo de Harris (1975), de certa maneira inconclusivo e por apresentar poucas informações sobre o aspecto desenvolvimental da compreensão dos verbos, mostra que crianças depois dos 7 anos de idade são capazes de refletir sobre a distinção fativo/não-fativo na tarefa de julgamento do complemento. Até esta idade as crianças demonstravam não ter compreendido o verbo fativo know.

Esse estudo, porém, é alvo de muitas críticas pelos estudos que a ele sucederam. Questiona-se a forma artificial como as crianças eram interrogadas. As sentenças-teste eram apresentadas isoladamente, e em seguida respondiam a questão. Por exemplo, David said that he was in trouble. Was David in trouble?. Provavelmente, isto dificultava o entendimento sobre as implicações pressuposicionais dos termos estudados.

Neste sentido, o estudo de Macnamara, Baker e Olson (1976), examinando a habilidade das crianças para formular inferências sobre pressuposições, sugere que quando palavras como forget, pretend e know são usadas com um suporte contextual verbal conduzem as crianças a fazer inferências corretas sobre informações, mesmo quando estas não estão explícitas no texto. Surgiram, então, novas propostas metodológicas para averiguar o conhecimento dos verbos, através da utilização de sentenças contextualizadas.

Hopmann e Maratsos (1978) utilizaram, portanto, um contexto que apresentava uma ação na sentença complemento. As sentenças foram utilizadas com os verbos, tanto na forma afirmativa quanto na forma negativa, e acompanhavam um agente de uma ação e um complemento que era uma atividade (e.g., verb -that -agent - complement activity). A tarefa da criança era escolher, "forçosamente", entre dois agentes possíveis para esta atividade e estes agentes eram colocados à frente das crianças em forma de brinquedos (e. g.,fish, bunny, tree, hear), Um destes agentes era mencionado explicitamente na sentença, enquanto que o outro não. Então, mesmo nas sentenças negativas os verbos fativos exigiam escolher corretamente o agente mencionado no complemento, e os verbos não-fativos impunham sempre, pelo seu significado de probabilidade, a escolha do agente que não era mencionado na sentença (e.g., It isn 't surprising - that - the fish - pushes the tree. - verbo fativo).

Os resultados desse estudo mostraram que a média de respostas negativas (não) para o complemento diminui, nas sentenças tipo + + (verbo principal e complemento na afirmativa), tanto para os verbos fativos quanto para os verbos não-fativos. As sentenças na versão - + (verbo principal na negativa e complemento na afirmativa) receberam mais respostas negativas. Os sujeitos mais jovens (3 a 4 anos) deram muito mais respostas "não" para os complementos com verbos fativos, negando muito mais o complemento de fativos negativos do que o de fativos afirmativos. Estas respostas, contudo, diminuem com a idade e por volta dos 7 anos de idade não existem diferenças entre as sentenças fativas. Para os verbos não-fativos as respostas "não" são mais freqüentes, para os complementos negativos, e aumentam com a idade. A tendência de negar o complemento quando os verbos principais estão na negativa foi denominada de uma Overextended Negation Tendency.

Essas descobertas indicam, enfim, que as crianças entre os 4 e 5 anos parecem interpretar o complemento das proposições sem fazer muita referência à propriedade pressuposicional dos verbos. Contudo, pode indicar uma certa progressão no entendimento da fatividade, pois a tendência de respostas negativas para complementos fativos negativos é diminuir, acentuadamente, com o aumento da idade.

Todavia, os resultados desse estudo não traduzem claramente o conhecimento que as crianças possuem sobre o aspecto pressuposicional dos verbos. O critério de resposta do tipo "escolha de agente" pode interferir no real entendimento, pois a criança poderia escolher um ou outro por preferência ou deixar de escolher um ou outro por medo ou desgostar. Além do mais, o fato de as sentenças serem apresentadas em blocos de 20 por vez, para cada tipo de verbo, pode indicar que esta tendência de afirmar ou negar possa ser devido a um efeito de treino, pelas vezes sucessivas em que se apresentam as sentenças. Tal fato evidencia-se quando verifica que crianças de 5 e 7 anos davam menos respostas "não", quando respondiam primeiro ao bloco dos fativos, do que as que respondiam primeiro ao bloco dos não-fativos.

Um outro estudo desenvolvido por Scoville e Gordon (1980) mostra que o conhecimento da distinção fativo/não-fativo emerge vagarosamente com base de verbo a verbo durante os anos escolares. Através de um filme, no qual aparecem o Doctor Fact e sua assistente Miss Fancy, eles apresentavam a tarefa para as crianças. Neste filme, o doutor era colocado como uma pessoa que conseguia ler a mente das pessoas e sua tarefa era dizer qual a cor de uma bola que a assistente tirava de uma esfera. Em seguida, a criança ouvia de um apresentador uma questão e sua tarefa era decidir a cor da bola. Por exemplo, a pergunta seguia Is the ball - colour. A criança apertava um botão que ficava à sua frente yes ou no. Em seguida, o experimentador perguntava: Are you sure? e a criança apertava outro botão sure ou not sure. Antes de responder a questão, a criança era obrigada a repetir a sentença como meio de assegurar que ela estava ouvindo corretamente.

Eles observaram que para os verbos fativos as crianças com idade pré-escolar tendiam a negar o complemento nas sentenças (- +) e que esta tendência se estendia até aos 14 anos de idade, em contraste com os sujeitos de Hopmann e Maratsos (1978), que mostram que esta tendência começa a diminuir por volta dos 7 anos de idade. Os resultados desse estudo mostram, ainda, que embora não se tenha encontrado uma mudança que possa ser definida como um "marco", na aquisição do conhecimento dos verbos, pode-se notar uma performance gradual neste entendimento, embora um entendimento adulto dos verbos demore a ser notado. O estudo realizado por Bennett e Falmage (Scoville e Gordon, 1980) ratifica estas descobertas e sugere que é preciso analisar cuidadosamente a distinção fativo/não-fativo dos verbos, em termos de graduação, uma vez que certos verbos resistem à influência da negação mais que outros.

Todos estes estudos são de muita importância, porém, eles apresentam algumas diferenças que podem ser consideradas em essência de caráter metodológico. Por exemplo, eles diferem quanto ao tipo e quantidade da amostra. Os verbos analisados não eram equivalentes e diferiam essencialmente quanto ao procedimento da própria tarefa. Diferem, ainda, no tipo de escolha de respostas a serem dadas pelos sujeitos, como também, no tipo de reflexão que requer dos sujeitos para a compreensão dos verbos. Não foi observado, em nenhum desses estudos, um marco específico na aquisição da pressuposição, embora indiquem que existam evidências do aspecto desenvolvimental.

Um estudo mais recente (Abbeduto e Rosenberg, 1985) analisou o conhecimento de crianças de 3, 4 e 7 anos e adultos sobre os verbos cognitivos inseridos em uma sentença contexto, seguidas por uma sentença-teste e uma questão sobre a pressuposição. Nesta tarefa, o experimentador apresentava à criança a sentença inserida em um contexto, I have a friend named Mary. Mary have a cat. E, em seguida, apresentava a sentença-teste: Mary knows the cat is slow. Enfim, questionava sobre a pressuposição: Is the cat slow?. A criança, de acordo com a fatividade dos verbos, deveria responder: yes, no ou I don't know.

Os resultados desse estudo mostram que crianças por volta dos 4 anos de idade já compreendem a pressuposição dos fativos know, forget e remember e do verbo não-fativo think Todavia, o verbo believe, que é considerado pelas crianças como fativo e não-fativo, só demonstrou ser compreendido depois dos 7 anos de idade. Os autores concluem que crianças de 3 anos de idade não apresentam nenhum domínio sobre o conhecimento desses verbos e tendem a responder para os não-fativos como se eles fossem fativos.

O estudo de Abbeduto e Rosenberg (1985) verifica, ainda, na tarefa de definição, se crianças seriam capazes de apresentar definições corretas para os mesmos verbos. Eles utilizaram duas questões básicas. Na questão 1, investigaram o significado específico dos verbos (e.g., Whatdoes it mean to-Verb?); e na questão 2, investigaram o significado do verbo inserido em uma sentença (e.g., If your friend says to you, I believe that my dog is lost - what does he/she mean?). Nesta tarefa, era dito às crianças que elas iriam explicar o significado de várias palavras ou frases. Eles apresentaram apenas um par de questões para cada verbo, sendo a primeira questão apresentada sempre antes da segunda.

Eles notaram que apenas os adultos produziam definições corretas para a questão 1. Seus resultados demonstraram, ainda, que para a segunda questão, poucas crianças de 4 anos respondiam corretamente e apenas crianças de 7 anos conseguiam dar respostas mais ou menos corretas para essa questão.

Roazzi e Arcoverde (1993), utilizando o mesmo procedimento metodológico, investigaram a capacidade de crianças falantes do português entre 3 e 7 anos de idade para identificar as diferentes pressuposições dos verbos fativos "saber" e "descobrir" e contrafativos "fazer-de-conta" e "fazer acreditar". Este estudo verificou, também, a habilidade das crianças para justificar o uso desses verbos usando, por exemplo, a pergunta "O que significa o verbo?" e "O que significa dizer Paula sabe que Bruna está brincando?"

Os resultados demonstraram que algumas crianças por volta dos 4 anos de idade são capazes de julgar corretamente as diferentes pressuposições dos verbos "saber" e "fazer-de-conta" e que existe uma evolução no entendimento desses verbos que melhora à medida que as crianças aumentam a idade. Eles observaram que por volta dos 7 anos de idade as crianças conseguem apresentar definições para alguns destes verbos, da mesma forma como os adultos os justificam, embora que muito menos explicado. É provável, que a própria inabilidade lingüística e escassez do vocabulário inerentes às crianças dessa faixa de idade sejam componentes fundamentais na demonstração dessa habilidade. Sendo assim, surge a questão: - Será que modificando a forma de questionamento seriam observados melhores desempenhos nas crianças mais novas, tornando-as mais hábeis em definir verbos? Será que as crianças erravam no estudo de Abbeduto e Rosenberg (1985), por não terem adquirido o significado do termo mean (significa) ou por não compreenderem o significado do verbo? Dessa forma, indaga-se se as crianças conseguem definir melhor esses verbos quando ao questioná-las, utilizam-se termos mais compreensíveis?

A dificuldade lingüística em tarefas desse tipo pode afetar o desempenho das crianças e não mostrar sua real capacidade. Questiona-se, então, será que as crianças melhorariam sua capacidade se, quando ao questioná-las, fossem utilizados termos mais compreensíveis, de acordo com o seu conhecimento lingüístico? (e.g., "Por que Bruna sabe? Como é que Bruna sabe? E o que quer dizer que Bruna sabe..."). Para tanto, evitou-se, neste estudo, pedir o significado dos verbos explicitamente. A questão colocada, então, trata de pedir à criança que justifique o uso do verbo fativo e contrafativo de acordo com a pressuposição identificada anteriormente na primeira questão. - Será que as crianças conseguem justificar o uso dos verbos?

Outro ponto a ser discutido diz respeito à seqüência de apresentação das questões. No estudo de Abbeduto e Rosenberg (1985), composto de três tarefas (de compreensão, de escolha do verbo e de definição), cada tarefa feita com crianças em dias diferentes. Neste caso, as questões foram colocadas em momentos distintos, como se não existisse nenhuma relação entre a propriedade semântica e a definição do verbo. Então, neste estudo teve-se o cuidado de avaliar a capacidade de justificar o uso dos verbos logo a seguir à apresentação da questão sobre o julgamento do valor de verdade do complemento. O objetivo foi não criar quebra no raciocínio da criança, permitindo que, no momento de justificar o uso do verbo, ela mesma fizesse suas ligações.

Em resumo, os estudos na língua inglesa deixam claro que, por volta dos 4 e 5 anos, há um certo entendimento, por parte das crianças, de que verbos fativos pressupõem verdade do complemento e que, da mesma forma, elas podem distinguir entre os fativos e os não-fativos. Isto nos leva a refletir como se processaria este entendimento com crianças que usam uma língua diferente do inglês, no caso, a língua portuguesa. - Como crianças falantes do português entendem esta propriedade da fatividade dos verbos, uma vez que nossa língua é carregada de significados que dependem crucialmente de um contexto?

Foi utilizado neste estudo, portanto, uma questão sobre o julgamento do valor de verdade do complemento que, embora apresente alguns pontos distintos, segue em sua estrutura básica de acordo com o estudo de Abbeduto e Rosenberg (1985), para ver se crianças de 3, 4, 5, 6 e 7 anos de idade reconhecem o status fativo e contrafativo dos verbos. - Como será, então, que crianças destas idades reconhecem as propriedades semânticas de diferentes verbos, neste tipo de tarefa?

Deste modo, o objetivo desta questão foi verificar a habilidade das crianças quanto ao conhecimento que elas possuem sobre os diferentes pressupostos que os verbos fativos e contrafativos podem inferir, de acordo com sua propriedade lingüística da fatividade. Considera-se, portanto, que verbos fativos pressupõem a verdade do complemento da sentença na qual estão inseridos, enquanto que os verbos contrafativos pressupõem a falsidade do complemento. Os verbos contrafativos foram escolhidos por tratar-se de verbos pouco investigados. Considera-se, também, a importância fundamental que estes verbos têm na vida emocional e prática das crianças, mesmo nas de menor idade. Os verbos contrafativos talvez sejam os que mais fazem parte diretamente do mundo infantil. Então, pergunta-se: 1) As crianças possuem a habilidade de fazer a distinção entre os verbos fativos e contrafativos?; 2) Como se dá o conhecimento dessa distinção, uma vez que os verbos contrafativos referem-se, especialmente, à habilidade de distinguir entre o que é real e o que é imaginário?; 3) Que dificuldades existem no entendimento desses termos? Portanto, a compreensão das crianças sobre o aspecto semântico dos verbos foi avaliada em uma tarefa única, que constava de duas questões básicas: a) julgamento do valor de verdade do complemento e, b) justificativa do uso dos verbos, de acordo com a verdade ou a falsidade do complemento.

 

MÉTODO

Sujeitos

Fizeram parte da amostra 80 crianças entre 3 e 7 anos de idade, de nível sócio-econômico médio, que freqüentavam uma escola particular da cidade de Campina Grande, na Paraíba. Os sujeitos foram distribuídos em cinco grupos iguais de 16 crianças, conforme a idade: grupo de 3 anos (média de 3 anos e 5 meses; DP 3.1), de 4 anos (média de 4 anos e 5 meses; DP 2.9), de 5 anos (média de 5 anos e 5 meses; DP 2.5), de 6 anos (média de 6 anos e 6 meses; DP 2.6) e grupo de 7 anos (média de 7 anos e 6 meses; DP 1.9).

A escolha dos sujeitos foi feita aleatoriamente, através das fichas de matrícula, de modo que se evitasse caráter seletivo. A variável sexo foi controlada, sendo que metade da amostra foi composta pelo sexo feminino (média de 66.1; DP 2.4) e a outra metade pelo sexo masculino (média de 67.1; DP 2.7).

Material

Foram utilizadas 12 sentenças do tipo, sujeito/verbo-principal/complemento para cada tipo dos verbos fativos e contrafativos. Elaborou-se, portanto, duas sentenças para cada verbo. Estas sentenças foram apresentadas tanto com o verbo principal na forma afirmativa (e.g., Paula sabe...; Davi finge...) quanto com o verbo principal na forma negativa (e.g., Paula não sabe...; Davi não finge...). Os verbos utilizados nesta pesquisa foram os fativos "saber", "descobrir" e "perceber" e os contrafativos "fazer-de-conta", "inventar" e "fingir", tendo sido todos apresentados no tempo presente.

Quanto ao aspecto lingüístico referente a estes termos, existe uma diferença entre o significado de alguns destes verbos da língua portuguesa se comparados à língua inglesa. Por exemplo, na língua inglesa o verbo pretend pode ser utilizado também como sinônimo de make believe (Leslie, 1987; Dias e Harris, 1988a,b; 1990), pois traz o mesmo significado. Esse verbo, muito utilizado em estudos sobre a teoria da mente, expressa conotação de irrealidade, imaginação, fantasia. Já na língua portuguesa o verbo "fingir" (pretend) tem conotações de traço moral que, dependendo do contexto no qual esteja presente, pode inferir diferentes significados.

A análise dos resultados do estudo piloto confirma que a compreensão do verbo "fingir" depende do contexto no qual está inserido. Neste estudo, pediu-se às crianças para justificarem o uso de verbos, como "fazer-de-conta", e "fingir" em diferentes sentenças. Foram obtidas respostas diferentes, de acordo com o contexto da sentença. Por exemplo, na sentença "Davi finge que está doente o verbo fingir foi interpretado pela maioria das crianças e também pelos adultos como "uma mentira, uma trapaça planejada por Davi, como meio de se safar de alguma tarefa, como para não ir à escola, por exemplo ". O mesmo não aconteceu quando a sentença era "Mário finge que a caixa é um carro ". Neste contexto, normalmente, o verbo era julgado para referir-se à falsidade, com o significado de brincadeira, fantasia, uso da imaginação por parte do agente da ação. Sendo assim, o uso do verbo fingir, embora possa não ser considerado apropriado, será retomado nesta tarefa em um contexto puramente de fantasia, isto é, "Davi finge que a caixa é um carro" e "Davi finge que a chupeta é um pirulito".

Cada sentença, elaborada com base em estudos da literatura inglesa, foi acompanhada de uma questão, que tinha por objetivo avaliar o conhecimento da criança quanto ao valor de verdade ou falsidade do complemento. Para tanto, evitou-se utilizar sentenças do tipo "Paula sabe que a bola é redonda. A bola é redonda?", pois poderiam conduzir as crianças a fornecer respostas apenas com base em um conhecimento empírico do mundo. As sentenças são, portanto, construções proposicionais que testam o entendimento das crianças sobre o verbo. Por exemplo: "Paula sabe que Bruna está brincando? Bruna está brincando?". Foram utilizadas, também, duas sentenças pré-teste semelhantes às sentenças-teste, que serviram como meio de familiarizar as crianças com o tipo de questão.

Para a segunda questão sobre a justificativa do uso dos verbos, as crianças foram avaliadas, apenas, sobre os verbos de uma das sentenças, a qual se apresentava na versão afirmativa.

Foram utilizados, ainda, um fantoche (altura 15 cm) para crianças entre 3 e 4 anos de idade, gravador e fitas para o registro das informações que seriam analisadas posteriormente.

Procedimento

Cada criança foi examinada individualmente, em uma sala onde apenas o examinador e a criança estavam presentes. Após o primeiro contato, foram apresentadas à criança sentenças pré-teste, que seguiam o mesmo padrão de questionamento das sentenças-teste experimentais, tanto para os verbos fativos quanto para os verbos contrafativos.

Nesta fase do pré-teste, foi permitido dar à criança um feedback, podendo até o experimentador expressar qual seria a resposta correta. Caso a criança errasse na primeira ou na segunda vez da apresentação da sentença préteste, o experimentador explicava mais uma vez e, em seguida, a questão era repetida. Logo que a criança demonstrava ter compreendido a tarefa, o que podia ser constatado após 3 vezes consecutivas de respostas corretas, iniciavase o experimento propriamente dito.

O nível de desempenho das crianças na apresentação das sentenças préteste mostra que 55% delas compreendiam a questão a partir da primeira vez em que participavam da tarefa, 26,3% a partir da segunda vez e, 18.8% depois da terceira apresentação.

De acordo com procedimentos clássicos da literatura da área (Abbeduto e Rosenberg, 1985 - ver exemplo na Introdução), uma pequena história (composta de duas sentenças) introduzia cada uma das sentenças-teste. A utilização destas pequenas histórias introdutórias tinha a finalidade de estabelecer referência com a sentença-teste. Por esta razão, foram formuladas de maneira que não implicassem em pistas para as respostas, mas que facilitassem o reconhecimento, por parte das crianças, dos processos envolvidos na compreensão da propriedade pressuposicional dos verbos cognitivos. Estas histórias foram chamadas de sentenças contexto.(5)

Falou-se, então, para os sujeitos, que eles ouviriam uma história e, logo após, iriam responder a algumas perguntas. Para as crianças pré-escolares, de 3 e 4 anos, a tarefa foi apresentada com o auxílio de um "fantoche", que contava todas as histórias e, em seguida, falava as sentenças, questionando as crianças sobre a pressuposição. Foi pedido, ainda, que as crianças repetissem cada uma das sentenças-teste, para assegurar que elas não as esqueceriam.

Por exemplo, esta parte da tarefa que questionava sobre o valor da verdade do complemento, respeita a seguinte apresentação:

Sentença-contexto: Paula tem uma amiga que se chama Bruna.
  Bruna tem uma boneca.

Sentença-teste: Paula sabe que Bruna está brincando.

Pressuposição: Bruna está brincando?

O uso das sentenças nas formas negativa e afirmativa foi apresentado como meio de verificar a habilidade das crianças no reconhecimento da fatividade dos verbos, que permanece constante dentro da negação do verbo principal.

Para justificar o uso do verbo que estava inserido nas sentenças, apresentou-se questões do tipo (e.g., "Por que Paula sabe?" ou "O que quer dizer Paula sabe?"). Perguntou-se, ainda "Como é que Paula sabe?"; (e.g., "Por que Roberto faz-de-conta?" ou "O que quer dizer Roberto faz-de-conta?"), e "Como é que Roberto faz-de-conta?". Neste caso, o pedido de justificativa não foi colocado para as crianças como uma questão isolada, mas como conseqüência da questão anterior. Deste modo, a tarefa teve a seguinte apresentação: primeiro, a questão sobre o julgamento de valor de verdade e, em seguida, a questão sobre as justificativas. Esta apresentação deu-se da mesma forma para todos os tipos de verbos.

Houve controle de ordem de apresentação das sentenças. Desta maneira, as sentenças foram distribuídas em diferentes ordens, variando de acordo com cada tipo de verbo, de modo que as crianças foram requisitadas a pensar ora sobre sentenças com verbos fativos e ora sobre verbos contrafativos (e.g., primeiro apresentou-se uma sentença com verbo fativo, seguida de uma com contrafativo, tanto variando na forma afirmativa como na negativa). Com isto, evitou-se pedir respostas seguidamente iguais (e.g., duas vezes ou mais, a resposta sim ou não). Cada criança foi examinada em uma única sessão, para toda a ordem de apresentação dos verbos. Todas as entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas para análise.

 

RESULTADOS

Questão sobre o julgamento do valor de verdade ou falsidade do complemento

Esta análise inicial verificou a compreensão das crianças em relação à verdade ou à falsidade do complemento das sentenças, que poderiam ser identificadas por meio do julgamento correto da pressuposição dos verbos estudados. Cada resposta correta recebeu escore 1 (SIM para os verbos fativos, tanto na forma afirmativa quanto na negativa, e NÃO para os contrafativos), e escore 0 para respostas incorretas.

Na Tabela 1, pode-se observar as médias e os desvios padrões, sobre as corretas atribuições do valor de verdade do complemento de sentenças que contêm verbos fativos e contrafativos. Os resultados são apresentados de acordo com a idade das crianças e tipo de sentenças, afirmativa e negativa.

 

 

Como é possível notar, os verbos contrafativos apresentam escores mais altos do que os verbos fativos em quase todas as idades, exceto em crianças de 3 anos (fativos afirmativos 2.87, fativos negativos 1.94 e contrafativos afirmativos 2.37). É provável que os verbos contrafativos sejam mais facilmente compreendidos do que os verbos fativos.

Os dados foram tratados estatisticamente com uma Análise de Variância com medidas repetidas, envolvendo Idade (5: 3 anos, 4 anos, 5 anos, 6 anos e 7 anos), Condição Verbo (2: fativos e contrafativos), Tipo de Sentença Afirmativa/Negativa (2: afirmativa e negativa), e números de respostas corretas como variável dependente. Esta análise revelou um efeito significativo para idade [F(4,75) = 11.51, p001] e para Condição Verbo [F(1,75) = 25.24, p001]. Nenhum efeito de interação significativa foi encontrado. Análises de Variâncias preliminares mostraram, ainda, não haver efeito significativo da variável ordem nem da variável sexo, para nenhum dos tipos de verbos.

O efeito principal significativo da variável Condição Verbo confirma a maior facilidade das crianças em compreender os verbos contrafativos (média 4.77) do que os verbos fativos (média 3.56). E, quanto ao efeito principal significativo da variável idade, a comparação entre os cinco grupos de idade, através do teste de Tukey, revelou não existir diferenças entre as crianças de 4 anos e as de 3, 5 e 6 anos. Não se observou diferença, também, entre crianças de 5, 6 e 7 anos. Notou-se, porém, diferenças significativas entre crianças de 3 anos (média 2.61) e crianças de 5 (média 4.66;p01), 6 (média 4.86;p01) e 7 anos (média 5.00; p01). Este teste revelou, ainda, diferença significativa entre crianças de 4 anos (média 3.70) e as de 7 anos (média 5.00; p05).

Em seguida, o desempenho das crianças foi analisado nos tipos de verbos separadamente (fativos: saber, descobrir e perceber; contrafativos: fazer-deconta, inventar e fingir). Seria necessário verificar se as crianças mostrariam diferentes desempenhos entre os verbos e identificar o que ocorreria entre eles, como um meio de melhor explicar o desempenho das crianças. A hipótese levantada foi de que, se existisse dificuldade marcante em qualquer um destes verbos, esta poderia ser um dos motivos pelo qual as crianças apresentam baixos escores para os verbos fativos e melhores escores para os contrafativos.

Na Tabela 2, estão apresentadas as médias e os desvios padrões nos três tipos de verbos fativos. As diferenças entre as idades são confirmadas, mostrando que no total as crianças de 3 anos apresentam médias mais baixas em relação às crianças de 4, 5, 6 e 7 anos, tanto nas sentenças afirmativas quanto nas negativas. Os dados mostram que o nível de desempenho das crianças, principalmente, de 3 e 4 anos, para o verbo "perceber", apresenta-se bem inferior em relação aos verbos "saber" e "descobrir", nos dois tipos de sentenças. Verifica-se, ainda, que para o verbo "descobrir" as crianças de 3 anos diferem das de 4, 5, 6 e 7 anos, nas sentenças para o verbo "saber".

 

 

O resultado da Análise de Variância envolvendo Idade (5) Condição Verbo (3) e Tipo de Sentença (2), tendo o número de respostas corretas como variável dependente, revelou um efeito significativo para Idade [F(4J5) = 4.09, p005], para Condição Verbo [F(2,150) = 5.98, p003] e para Tipo de Sentença [F(1,75) = 5.51 ,p022]. Nenhum efeito de interação significativa foi encontrado.

Quanto ao efeito principal significativo da variável idade, a comparação entre os cinco grupos de idades através do teste de Tukey revelou que as crianças de 6 (média 1.43;p05) e 7 anos (média 1.55;p01) apresentam uma compreensão superior às de 3 anos (.80). Nenhuma outra diferença foi observada.

O efeito principal significativo da variável Condição Verbo confirma que o desempenho das crianças é melhor em alguns verbos do que em outros. O teste de Tukey revelou que os verbos "saber" (média 1.26;p01) e "descobrir" (média 1.24;p01) são melhores compreendidos do que o verbo "perceber" (1.06).

A variável Tipo de Sentença apresentou efeito principal significativo (p05), confirmando o melhor desempenho das crianças para sentenças do tipo afirmativas. De modo geral, estes resultados demonstram, enfim, que o baixo índice de acertos para o verbo "perceber", provavelmente, tenha causado a diferença que existe entre os verbos fativos e contrafativos.

Na Tabela 3 estão apresentadas as médias e os desvios padrões nos três tipos de verbos contrafativos. Podem ser constatadas diferenças entre crianças de 3 anos e as demais em todos os verbos, apenas, para as sentenças afirmativas. Nota-se, ainda, que as crianças não apresentam diferenças no desempenho para as sentenças negativas, comparando este desempenho nas sentenças afirmativas. É possível observar que o nível de desempenho das crianças melhora com a idade, a partir dos 4 anos, para os dois tipos de sentenças, ficando claro o quadro desenvolvimental do entendimento dos verbos. Não se verificou diferenças nas médias entre os verbos.

 

 

Para verificar estatisticamente os verbos contrafativos, os dados foram analisados também através de uma Análise de Variância igual a anterior. Observa-se nesta análise um efeito significativo para Idade [F(4,75) = 12.96, p001]. Encontrou-se, ainda, um efeito de interação significativa entre as variáveis Idade e Tipo de Sentença [F(4,75) = 2.67, p039]. Não houve efeito significativo para a variável Verbo [F(2,150) = 1.23; p295].

Quanto ao efeito principal significativo da variável idade, a comparação entre os cinco grupos de idades através do teste de Tukey revelou que as crianças de 3 anos (.94) apresentam um desempenho inferior em relação às de 4 (1.44; p05), 5 (média 1.97; p001), 6 (média 1.81; p01), e 7 anos (média 1.79; p01). Observou-se, também, diferenças significativas entre crianças de 4 (1.44) e às de 5 anos (média 1.97; p05).

O efeito significativo da interação entre as variáveis idade e tipo de sentença (Figura 1), analisados através do teste de Tukey, que compara as médias dos cinco grupos de idades entre os dois tipos de sentenças dos verbos contrafativos, revelou que as crianças de 3 anos apresentaram um desempenho inferior em relação às crianças de 5,6 e 7 anos (p01) nas sentenças afirmativas, mostrando que parece que por volta dos 5 anos de idade o aspecto pressuposicional desses termos está formado. O teste revelou, também, que crianças de 3 anos obtiveram um desempenho inferior do que as de 5 anos (p05), nas sentenças negativas. Nenhuma outra diferença foi observada. Estes resultados confirmam que crianças de 3 anos sentem dificuldades marcantes com os verbos, apresentando um fraco desempenho para julgar o valor de verdade do complemento das sentenças, tanto na versão negativa quanto na afirmativa.

 

 

Questão sobre a justificativa do uso dos verbos

As respostas fornecidas pelas crianças foram classificadas de acordo com as categorias elaboradas para cada tipo de verbo. A elaboração das categorias teve como base as mesmas utilizadas no estudo de Abbeduto e Rosenberg, (1985). Todavia, estas categorizações foram classificadas de acordo com o significado da pressuposição de cada tipo de verbo, e eram as seguintes: 1) Utilização de sinônimos: Neste caso a criança poderia usar um entre outro fativo ou contrafativo para declarar a propriedade pressuposicional do verbo (e.g., "Sabe, porque é uma coisa que a gente descobre." Saber - 7 anos; "Ele quer brincar, aí ele inventa que o cabo de vassoura é um cavalo. Ele faz o cabo de vassoura um cavalo botando a cabeça." Fazer-de-conta - 4 anos); 2) Referência sobre a verdade/falsidade do complemento: Consistiam de declarações, as quais se referiam ao valor de verdade (no caso dos fativos) ou falsidade (para contrafativos) do complemento das sentenças (e.g., "Porque alguém disse a ela. Que uma pessoa diz aí ela descobre. Aí ela vai levantar o lençol da cama. Aí pega ele." Descobrir - 6 anos, "Porque ele fica brincando como se fosse um cavalo. Ele tá brincando no cabo de vassoura como se fosse um cavalo de verdade." Fazer-de-conta - 7 anos); 3) Referência sobre a certeza de verdade/falsidade do complemento: Neste tipo de categoria estão incluídas todas as justificativas que confirmavam a certeza da verdade (para fativos) ou falsidade (para contrafativos) que o verbo pressupõe (e.g., "E porque se ela descobre, ela tem certeza que ele está embaixo da cama." Descobrir - 7 anos; "Porque o cachorro não é igual a um pedaço de pau. Porque o animal é um ser vivo e o pedaço de pau não é um ser vivo. Mas ele inventa, porque a imaginação dele tá dizendo que o pedaço de pau é um cachorro, mas ele tem certeza que não é." Inventar - 6 anos).(6)

As justificativas foram julgadas por dois juizes independentes. O percentual de acordos das classificações das respostas foi de 88.75%. Um terceiro juiz classificou os casos de desacordos. Essas respostas das crianças, após terem sido classificadas, receberam os escores de acordo com as justificativas corretas e erradas.

A Tabela 4 apresenta a distribuição e o percentual das justificativas do uso dos três verbos fativos, de acordo com as categorias.

 

 

Observa-se que a maioria das crianças usa respostas que se referem à verdade do complemento (37.1%), para justificar o uso dos verbos fativos, respostas que confirmam o entendimento dos verbos fativos como uma expressão de verdade, a qual corresponde ao significado semântico que os verbos pressupõem.

Embora, as crianças pudessem utilizar sinônimos para expressar este entendimento, verificou-se pouco uso deste tipo de justificativa. Apenas uma criança justifica o uso do verbo como certeza de verdade e, unicamente, notouse este uso para o verbo "descobrir". Pode-se notar, ainda, menor índice de justificativas corretas para o verbo "perceber" (35%), que parece confirmar os resultados encontrados na questão de julgamento do complemento. Apesar de se observar nestes dados indicativos da existência de um certo entendimento que justifica corretamente o aspecto semântico dos verbos, fica evidente que algumas crianças apresentam respostas incorretas para este tipo de verbo. O interessante de se observar é que entre as justificativas usadas a "refere-se a verdade" foi a mais utilizada, o que ratifica o conhecimento semântico do termo.

As justificativas dadas para os verbos contrafativos estão apresentadas na Tabela 5 e, embora se relacionem com as dos verbos fativos, elas são apresentadas de acordo com o significado expresso pela pressuposição dos verbos em questão.

 

 

Os resultados mostram que o tipo de justificativa mais usado foi "referirse a falsidade do complemento" (34.6%), seguido de "certeza de falsidade" (15%), confirmando o entendimento semântico dos verbos. Outro dado observado é que pouco foi utilizado sinônimos como justificativa.

Nota-se, porém, um alto índice de respostas "não-classificáveis" e crianças que "não responderam" para os dois tipos de verbos, embora, para os verbos contrafativos os índices sejam menores. Por quê será que as crianças não conseguem responder? O que dificultou o desempenho das crianças? Uma análise qualitativa fornecerá maiores informações sobre estes dados. É importante observar que os verbos contrafativos apresentam mais justificativas corretas do que os verbos fativos.

A análise Log~Linear, que verificou os efeitos interativos entre as variáveis, mostrou um efeito interativo entre Tipo de Verbo x Justificativa [Desvio Escalar = 52.04, g.l. = 6; p.001]. Este resultado confirma que existem diferenças entre os tipos de justificativas e os dois tipos de verbos (fativos e contrafativos).

As respostas das crianças, após terem sido classificadas, receberam os escores de acordo com as justificativas corretas e incorretas. Para cada resposta foram determinados os escores (1), quando a justificativa era correta, e (0), quando a justificativa era identificada como incorreta. As médias e desvios padrões apresentados na Tabela 6 mostram o desempenho das crianças em cada tipo de verbo fativo e contrafativo.

 

 

Os resultados mostram que as crianças apresentam um desempenho melhor para verbos contrafativos do que para os fativos. Para os verbos fativos o nível de desempenho das crianças de 3, 4 e 5 anos parece não diferir e apresenta-se bem inferior aos das crianças de 6 e 7 anos. Para os verbos contrafativos, nota-se que crianças de 3 anos diferem das de 4, 5,6 e 7 anos, indicando que por volta dos 4 anos elas são capazes de justificar o uso dos verbos de acordo com a pressuposição. Observa-se, também, que a apresentação de justificativas corretas melhora com o aumento da idade.

Uma Análise de Variância com medidas repetidas envolvendo Idade (5: 3 anos, 4 anos, 5 anos, 6 anos e 7 anos), Tipo de Verbo (2: fativos e contrafativos) e números de justificativas corretas como variável dependente verificou se as diferenças observadas são significativas. Esta análise mostrou um efeito significativo para Idade 17(4,75) = 14.67, p001] e para Tipo de Verbo [F(1,75) = 8.54, p005]. A análise mostrou, também, um efeito de interação significativo entre a variável Idade e o Tipo de verbo [F(4,75) = 2.88, p028].

O efeito principal significativo da variável Tipo de Verbo confirma o melhor desempenho das crianças para justificar verbos contrafativos (1.62) do que verbos fativos (média 1.26). Quanto ao efeito principal significativo da variável Idade, a comparação entre os cinco grupos de idades, através do teste de Tukey, revelou existir diferenças significativas entre a idade de 3 anos (.31) e as de 5 (média 1.28; p.05), 6 (média 2.09; p.01) e 7 anos ((média 1.26; p.01). Outra diferença observada foi entre as crianças de 4 (1.12) e as de 6 (média 2.09; p.05) e 7 anos (média 1.26; p.01). Notou-se, também, que as crianças de 5 anos (1.28) diferem das de 7 anos (média 1.26; p.01). Estes resultados sugerem que por volta dos 4 a 5 anos as crianças começam a justificar corretamente os verbos.

O efeito de interação significativo da variável Idade e Tipo de Verbo (Figura 2) através do Teste de Tukey, que compara as cinco idades e os dois tipos de verbos, revela que para os verbos fativos as crianças de 3 (.25), 4 (.81) e 5 anos (.75) apresentam desempenho inferior do que as de 6 (média 2.12;p.01) e 7 anos (média 2.37;p.01).

 

 

Para os verbos contrafativos o teste revelou que crianças de 3 anos (.37) apresentam um desempenho inferior do que as de 4 (média 1.44; p.01), 5 (média 1.81; p.01 6 (média 2.06; p.01) e 7 anos (média 2.44; p.01). Observou-se, ainda, que crianças de 4 anos (1.44) apresentaram desempenho inferior em relação às de 7 anos (média 2.44; p.05). O teste mostrou, também, que crianças de 5 anos obtiveram um melhor desempenho para os verbos contrafativos (p.01) do que para os verbos fativos. Estes resultados confirmam as descobertas de que o entendimento dos verbos contrafativos, quanto ao aspecto pressuposicional, parece emergir entre 4 e 5 anos, mas para os fativos só se apresenta depois dos 6 anos de idade.

As médias e desvios padrões do desempenho das crianças em cada verbo fativo "saber", "descobrir" e "perceber" está apresentado na Tabela 7 e possibilita observar melhor o desempenho das crianças entre os verbos fativos. E possível notar que, parece haver um melhor desempenho no verbo "saber" e "descobrir" do que no verbo "perceber". Crianças de 6 e 7 anos apresentam melhor desempenho do que as de outras idades, em todos os verbos.

 

 

Para verificar estatisticamente estas diferenças, os dados foram submetidos a uma Análise de Variância com medidas repetidas envolvendo idade (5: 3 anos, 4 anos, 5 anos, 6 anos e 7 anos), Tipo de Verbo (3: saber, descobrir e perceber) e números de justificativas corretas como variável dependente. Esta análise revelou um efeito significativo para Idade [F(4,75) = 14.48, p0011 e para Tipo de Verbo [F(2,150) = 3.18, p0441. A interação não foi significativa.

O efeito principal significativo da variável Tipo de Verbo, através do teste de Tukey, revela que os verbos "saber" (.46) e "descobrir" (.45, p05) diferem significativamente do verbo "perceber" (média .35; p01). Este resultado confirma que o verbo "perceber" foi mais difícil para ser justificado pelas crianças do que o verbos "saber" e "descobrir".

Quanto ao efeito principal significativo da variável idade, a comparação entre os cinco grupos através de teste de Tukey, revelou que o desempenho das crianças de 3 (.08), 4 (.27) e 5 (.25) anos foi significativamente inferior das de 6 (média .71; p01) e 7 anos (média .79;p01). Estas diferenças confirmam que só por volta dos 6 anos de idade as crianças começam a justificar o uso dos verbos fativos corretamente.

A Tabela 8 apresenta as médias e os desvios padrões do desempenho das crianças em relação aos verbos contrafativos. Não são observadas diferenças marcantes entre os verbos, embora a média do verbo "fingir" (.47) apresente-se menor do que para os verbos "fazer-de-conta" e "inventar ". Nota-se, ainda, que as crianças de 3 anos apresentam um desempenho bem mais baixo do que as de outras idades, em todos os três verbos.

 

 

Estes dados foram analisados estatisticamente através de uma Análise de Variância, envolvendo idade (5: 3,4,5,6 e 7 anos), Tipo de Verbo (3: fazer-deconta, inventar e fingir) e números de justificativas corretas, como variável dependente. Esta análise revelou um efeito significativo apenas para Idade [F(4,75) = 8.57,/?0011. Nenhum outro efeito significativo foi encontrado.

O efeito principal significativo da variável Idade através do teste de Tukey, que compara os cinco grupos de idades, mostra que existem diferenças significativas no desempenho de crianças de 3 anos (. 12) e de 5 (média .60;p05), 6 (média -69; p05) e 7 anos (média .81;p05). Nenhuma outra diferença foi verificada.

Esta análise evidencia a capacidade das crianças para justificar corretamente o uso dos verbos. Esta habilidade, porém, aparece em idades diferentes para os tipos de verbos estudados. Para os contrafativos, parece que entre 4 e 5 anos há um pulo neste entendimento, enquanto que só mais tarde se observa para os verbos fativos, depois dos 6 anos.

O tópico seguinte analisa estes dados fazendo uma comparação entre o desempenho das crianças no julgamento do valor de verdade dos verbos e a capacidade para justificar o uso dos verbos de acordo com a pressuposição.

Respostas congruentes entre o julgamento do valor de verdade do complemento e a justificativa do uso dos verbos

Esta análise objetiva verificar se a criança responde corretamente, tanto para o julgamento do valor de verdade do complemento (questão A) quanto para a justificativa do uso do verbo (questão B). Neste caso, as respostas das crianças só foram consideradas corretas quando elas acertavam estas duas questões. Como a justificativa do uso dos verbos foi pedida apenas para uma das sentenças de cada verbo, para analisar a congruência, foram selecionadas as respostas da questão A (julgamento do complemento) dos sujeitos que correspondiam as mesmas sentenças, que resultavam em um total de 160 respostas a serem analisadas, sendo 80 para cada questão.

A Tabela 9 apresenta o percentual dos dados congruentes nas duas questões. Como se pode observar, os verbos contrafativos apresentam mais respostas congruentes do que os verbos fativos. Todavia, quanto aos verbos fativos, parece existir maior congruência nas respostas para os verbos saber (42.5%) e descobrir (38.7%), do que para o verbo perceber (28.7%).

 

 

Para verificar se existiam diferenças significativas entre os verbos nas respostas congruentes, os dados foram submetidos a um teste de proporções. Notou-se que existe uma diferença significativa apenas entre os tipos de verbos. Os verbos fativos diferem significativamente dos verbos contrafativos (p001). Nenhuma outra diferença foi observada. Este resultado confirma o melhor desempenho das crianças para os verbos contrafativos, isto é, os verbos contrafativos apresentam mais respostas congruentes do que os verbos fativos.

As médias e os desvios padrões apresentados na Tabela 10 mostram que para os verbos fativos as crianças de 3, 4 e 5 anos apresentam um desempenho inferior do que as de 6 e 7 anos. Nota-se, ainda, que os verbos fativos apresentam médias mais baixas do que os verbos contrafativos. É interessante observar que as crianças de 3 anos não apresentam nenhuma resposta congruente para os verbos contrafativos.

 

 

Para verificar estas diferenças utilizou-se a Análise de Variância com medidas repetidas envolvendo Idade (5:3 anos, 4 anos, 5 anos, 6 anos e 7 anos), Tipo de Verbo (2: fativos e contrafativos) e números de respostas congruentes como variável dependente. Esta análise, confirma a existência das diferenças e revela um efeito significativo para Idade [F(4,75) =19.11;p001, e para Tipo de Verbo [F(1,75) = 10.97 p. Foi encontrado, também, um efeito de interação significativo entre Idade e Tipo de Verbo [F(4,75) = 2.35, p010].

O efeito principal significativo da variável Tipo de Verbo confirma a maior facilidade das crianças em apresentar respostas congruentes para verbos contrafativos (média 1.52) do que para verbos fativos (média 1.10).

Quanto ao efeito principal significativo da variável Idade, a comparação entre os cinco grupos de idades através do teste de Tukey mostra que crianças de 3 anos diferem significativamente de todas as outras idades. O teste revelou, ainda, que as crianças de 4 anos (média .94) diferem significativamente das crianças de 6 (média 1.97;p01) e 7 anos (média 2.34; p01) e que crianças de 5 anos (média 1.22) diferem das de 7 anos (p 0 1).

O efeito de interação significativo entre Idade e Tipo de Verbo (Figura 3) através do teste de Tukey revela que crianças de 3, 4 e 5 anos apresentam desempenho inferior em relação às crianças de 6 e 7 anos (p01), para os verbos fativos. Para os verbos contrafativos o teste revelou que crianças de 3 anos apresentam desempenho inferior ao das de 4, 5, 6 e 7 anos (p01). Crianças de 4 anos apresentaram desempenho inferior ao das de 7 anos (p01). Observou-se, ainda, que crianças de 4 e 5 anos são melhores em dar respostas congruentes para os verbos contrafativos do que para os fativos (p01).

 

 

As respostas das crianças analisadas nas duas questões possibilitaram melhor compreensão de como as crianças identificaram os verbos investigados e confirmaram os resultados observados em todo o curso da análise. Por exemplo, a interação entre Idade e Tipo de Verbo nas respostas congruentes revelam que, por volta dos 6 anos de idade, as crianças começam a entender que verbos fativos pressupõem verdade. Outra descoberta é que o conhecimento dos verbos contrafativos já aparece bem mais cedo, por volta dos 4 a 5 anos de idade, indicando que parece ser neste período que os verbos estão começando a formar-se. As crianças nestas idades são melhores para verbos fativos do que para contrafativos.

Estes resultados ajudam, ainda, a encontrar as respostas necessárias para explicar o problema da tendência que as crianças possuem para negar o complemento.

 

DISCUSSÃO

Os resultados na tarefa de julgamento do valor de verdade dos verbos indicam que por volta dos 4 a 5 anos de idade as crianças parecem estar conscientes das propriedades semânticas de alguns dos verbos estudados. Todavia, este entendimento aparece mais cedo para verbos do tipo contrafativos.

De acordo com a análise, encontra-se também uma evolução da compreensão dos verbos. Ou seja, este entendimento melhora com o avanço da idade. Este aspecto desenvolvimental na compreensão dos verbos também foi observado por estudos na língua inglesa (Hopmann et al., 1978; Scoville et al., 1980; Abbeduto et al., 1985).

É importante salientar nesta análise a questão do uso dos verbos na vida das crianças. Será que existe alguma relação entre o uso dos verbos e o desenvolvimento do conhecimento desses verbos? Shatz, Wellman e Silber (1983) observaram durante dois anos a fala espontânea de uma criança, entre 2 e 4 anos de idade, e 30 crianças de 2 anos. Nesse estudo, eles notaram que desde cedo elas utilizam o vocábulo know e outros tipos de termos mentais em suas conversações espontâneas. Entretanto, através de uma análise funcional desses termos eles descobriram que esse uso poderia aparecer desempenhando várias funções dentro das conversações, muito mais do que como referência a um estado mental. Por exemplo, podem ser usados para dirigir interações (e.g., It's a hat, you know?), para expressar desejos, para esclarecer expressões das próprias crianças ou de outras pessoas ou, ainda, para assumir ignorância (e.g., Idon 't know). Só por volta do final do terceiro ano de vida é que as crianças começam a usar os verbos para referir-se a estado mental.

Esses dados são enfatizados neste estudo para que se tenha uma idéia da necessidade de se obter dados semelhantes com nativos da língua portuguesa, para que se possa distinguir entre termos usados nas conversações e termos usados potencialmente como referência a estado mental. Quais os termos mentais mais usados na língua portuguesa e a que se referem? Fica a sugestão para estudos futuros.

O que não se sabe, porém, é se o fato da criança mostrar consciência do uso dos termos como indicativo de estado mental poderia ser considerado como fator preditivo para obtenção de melhor desempenho nas tarefas de julgamento do valor de verdade do complemento. Que relação existe entre a competência sintática e a competência semântica desses termos? Evidências observadas neste estudo sugerem que alguns verbos parecem ser mais fáceis do que outros, o que pode ter sido resultado da freqüência do uso no dia-a-dia.

Notou-se neste estudo que os verbos fativos "saber" e "descobrir" foram mais fáceis do que o verbo fativo "perceber". Pode-se inferir, a partir deste resultado, que a dificuldade que as crianças sentiram em julgar corretamente sentenças com o verbo "perceber" pode ter sido desencadeada pela freqüência irregular deste termo no mundo vocabular infantil. O que parece não ser o caso dos verbos "saber" e "descobrir", pois é comum observar-se as crianças utilizando estes termos em diferentes momentos. Por exemplo, o termo "descobrir" parece ser muito utilizado nas brincadeiras de esconde-esconde das crianças ou, até mesmo, quando elas procuram seus próprios brinquedos ou objetos pessoais através da ordem de alguém (e.g., "Descubra onde está sua bola" ou "Descubra o que eu estou pensando"). Nossos sujeitos também davam mais justificativas corretas para os verbos "saber" e "descobrir" do que para o verbo "perceber", confirmando que, provavelmente, o baixo índice de acertos neste verbo tenha gerado o desempenho inferior do grupo dos verbos fativos em relação aos verbos contrafativos.

Uma investigação anterior, realizada por Roazzi e Arcoverde (1993), que investigava essa mesma habilidade das crianças usando os verbos fativos "saber" e "descobrir" e os contrafativos "fazer-de-conta" e "fazer acreditar", apresentou resultados que valem a pena ser discutidos. Seus sujeitos apresentavam mais respostas certas para os verbos fativos do que para os verbos contrafativos. É interessante notar que o verbo contrafativo "fazer-de-conta" (66.67% de respostas certas) diferiu significativamente do verbo "fazer acreditar" (17.65%o de respostas certas; ;p001). É possível observar, enfim, que parece existir uma relação entre uso e conhecimento, o que pode ser um fator facilitador no desempenho das crianças nas tarefas.

O bom desempenho das crianças para os verbos contrafativos pode evidenciar mais claramente que a utilização dos termos facilita seu entendimento. Por exemplo, os verbos contrafativos são mais utilizados em suas brincadeiras diárias, tornando o jogo do fazer-de-conta, inventar ou fingir como uma atividade corriqueira. Nenhuma diferença significativa foi observada entre estes termos. Além do mais, estudos sobre a teoria da mente mostram que desde cedo a brincadeira do "faz-de-conta" começa a fazer parte da vida das crianças e que esta habilidade está ligada à capacidade de diferenciar entre o que é real e o que é imaginário.

Essas evidências também são observadas nas justificativas apresentadas para os verbos contrafativos e, em sua maioria, designam falsidade. Muitas vezes, elas fazem ligações à atividade de brincar referindo-se às brincadeiras para expressar a falsidade do complemento. Para as crianças, o ato de brincar de fazer-de-conta, inventar ou fingir é como se fosse resultado da imaginação criada por ela para ser verdadeiro, mas que ela sabe que é falso. Por exemplo, "O cavalo é de pau, aí ele fica correndo, correndo pra todo mundo. É pegar o pau e fazer de cavalo Nota-se, nesta resposta, que a criança demonstra compreender que na realidade "o pau não é um cavalo", contudo, a vontade de brincar faz com que o agente da sentença crie em sua imaginação a figura "fictícia" de um cavalo, que nada mais é que um cavalo de pau e não um animal de verdade.

Outro exemplo que evidencia bem esse tipo de entendimento pode ser visto na resposta de uma criança de 5 anos em relação ao verbo inventar. Por exemplo, "Porque ele está brincando. Como? Ele fica inventando que é um cachorro. Monta em cima ou amarra uma coisa, um cordão no pedaço de pau e faz-de-conta que é uma pessoa com um cachorro Neste caso, a criança expõe toda a situação que provavelmente uma criança cria para ficar brincando com algo que não é verdadeiro. Com o verbo "fingir", nota-se o mesmo fato. Veja o exemplo de uma criança de 6 anos, "Porque ele quer. Amarra uma linha e vai puxando. Pra dizer que é um carro, pra poder puxar".

Muitas evidências são apresentadas nos estudos sobre teoria da mente, que indicam a capacidade da criança para distinguir entre o que é "real" e o que é "imaginário", ou seja, entre a realidade e a fantasia (Leslie, 1987; Leslie, 1988; Dias e Harris, 1988a,b; Dias, 1992; Flavell, Flavell e Green, 1983). De acordo com esses estudos, as crianças desde cedo conseguem raciocinar imaginativamente e esta habilidade fornece à criança as bases cognitivas que permitirão distinguir entre o mundo real e o mundo mental, de fantasia e de imaginação. De certo modo, parece ser esta habilidade que permite a criança compreender mais facilmente os verbos contrafativos e diferenciá-los dos verbos fativos. Os verbos contrafativos, em oposição aos verbos fativos, possuem um significado semântico de irrealidade, de fantasia, e para julgar corretamente o complemento das sentenças, as crianças precisavam entender essa diferença de significado. Os resultados deste estudo mostram que crianças depois dos 4 anos de idade já são capazes de assinalar a falsidade do complemento para todos os verbos (e.g., fazer-de-conta, inventar e fingir).

Poderia argumentar-se, contudo, que este desempenho apresentado para os verbos contrafativos pode não demonstrar fidelidade com base na estruturação das sentenças. Neste caso, questiona-se se as crianças responderam corretamente (não) porque entenderam a pressuposição dos verbos ou porque as frases seriam tão lógicas que perderam o sentido de investigação. Por exemplo, quando se apresentava a frase "Roberto faz-de-conta que o cabo de vassoura é um cavalo. O cabo de vassoura é um cavalo?" seria possível qualquer pessoa responder logicamente que não é, pois a sentença mostrava muito explicitamente que não era. Embora se possa considerar este argumento, os resultados deste estudo não evidenciam tal fato. Para tanto, tomou-se o cuidado de pedir às crianças, não apenas para identificar o aspecto pressuposicional dos verbos, mas também, para que elas justifiquem o uso dos verbos. E, como pôde ser observado, as crianças são capazes de fazer justificativas corretas para esses verbos. Evidentemente, os verbos contrafativos (fazer-de-conta, inventar e fingir), pelo próprio semantismo que lhes é peculiar, conduzem as crianças a um contexto de irrealidade, de fantasia e de muita imaginação, facilitando a identificação correta do aspecto pressuposicional dos verbos.

Nossos resultados mostram, ainda, que os sujeitos apresentam um melhor desempenho para as sentenças afirmativas do que para as sentenças negativas dos verbos fativos, ou seja, eles dão mais respostas negativas quando o verbo é negado. O que pode ter acontecido para os verbos fativos é que tenha existido a tendência das crianças negarem as sentenças quando os verbos eram apresentados na forma negativa. Esta tendência foi observada em estudos na língua inglesa e mostram resultados que divergem dos encontrados aqui. Nossos resultados mostram que esta tendência começa a diminuir por volta dos 6 anos de idade, enquanto que para os sujeitos de Hopmann e Maratsos (1978) essas respostas negativas para verbos na negativa permanecem até por volta dos 7 anos. Scoville e Gordon (1980) só observam a diminuição desta tendência depois dos 14 anos de idade.

Como explicar, então, a incidência desta tendência em relação aos verbos contrafativos? No caso desse tipo de verbo, as respostas do tipo "não" eram consideradas corretas em todas as duas versões (afirmativa e negativa). Se existe a tendência para responder não quando o verbo principal é negado, poderia então estar existindo um fator facilitador no desempenho das crianças. As crianças responderam correto o julgamento do complemento ou estavam, apenas, apresentando a tendência de negar? Vale lembrar que não existiu diferença significativa para Tipo de Sentença, o que significa dizer que os sujeitos apresentaram bom desempenho nas duas versões de apresentação do verbo, com diferenças apenas entre algumas idades (3 anos diferem das de 5 anos).

Na literatura revisada, foi apresentado o problema dessa tendência, mas não para os verbos contrafativos. Sugere-se, para tanto, que estudos futuros possam criar métodos de controle no sentido de eliminar esse problema. No nosso caso, esse tipo de problema era esperado. Por esta razão, resolveu-se apresentar uma segunda questão que avaliasse a justificativa do uso do verbo, como meio de certificar o verdadeiro conhecimento das crianças.

A confirmação do entendimento dos verbos, através das justificativas corretas, parece esclarecer o problema da "tendência de negar" o complemento, quando o verbo apresenta-se na negativa. Mesmo que, nas respostas negativas, esta variável estivesse influenciando o tipo de resposta das crianças e, assim, facilitando maior número de respostas certas, esta influência poderia ser eliminada pela apresentação das respostas corretas nas sentenças afirmativas. Observase, enfim, que as crianças conseguiram sair-se bem, tanto no julgamento do complemento quanto na justificativa do uso do verbo. Se nas sentenças afirmativas elas responderam "não" - e pode-se confirmar que as respostas certas são justificadas de acordo com o conhecimento semântico - fica esclarecido o problema. Pode-se considerar que esta seria uma possível solução, porém, ela não descarta a necessidade de estudos que apresentem controle para este problema.

Outro dado observado, que ratifica os estudos ingleses, é que crianças de 3 anos não demonstram ter domínio sobre nenhum dos verbos. Elas não conseguem distinguir quais verbos fativos pressupõem verdade e quais verbos contrafativos pressupõem falsidade. Talvez, para investigar o entendimento em crianças desta faixa etária, seja preciso que se utilize de recursos metodológicos muito mais eficientes.

Outra questão a ser abordada, quanto à justificativa dos verbos contrafativos, principalmente, "inventar" e "fingir", diz respeito a um possível significado "maldoso", ao qual estes verbos poderiam conduzir as interpretações das crianças. No entanto, observa-se no total de justificativas analisadas que apenas duas respostas apresentam este sentido. Por exemplo, "Porque ele inventa pra mentir" (4 anos) e "Porque é pra enganar o povo" (5 anos). Estas justificativas indicam o sentido de ludibriar ou enganar.

No entanto, o significado de "fingir" e "inventar" é considerado, na maioria das respostas, com o sentido de brincadeira, que se refere a um estado e poder da mente para fantasiar o mundo, que não pode ser vivido em sua realidade. Veja, por exemplo, a título de comparação, quando uma criança de 4 anos usa o termo "mentira", mostrando como o mundo infantil é rico de conotações. Ela justifica para o verbo "fingir": "Ele foi brincar aí não tinha o carro. Aí fez um carro de mentirinha. E ele brinca e empurra". E importante observar que a própria conotação do termo mostrada pela criança no diminutivo (mentirinha), é como se quisesse mostrar que era apenas "de brincadeirinha", como as crianças mesmas afirmam.

Em resumo, pode-se concluir a partir destes resultados, que o entendimento semântico dos verbos não ocorre ao mesmo tempo para todos os tipos de verbos. Por volta dos 5 aos 6 anos as crianças entendem que verbos fativos pressupõem verdade e, por volta dos 4 aos 5 anos, entendem que verbos contrafativos pressupõem falsidade. É possível indicar, também, que o conhecimento dos verbos fativos não foi mostrado para todos os verbos, o que sugere que o entendimento do status fativo dos verbos não é adquirido de uma só vez para todos os verbos, mas sim de modo gradual. Outra descoberta apresentada nestes resultados, é que existe um rápido período de desenvolvimento na aquisição dos verbos e que este entendimento pode ser confirmado por meio das justificativas corretas que são apresentadas aos verbos, de acordo com o valor pressuposicional de cada um.

 

CONCLUSÃO

Em relação aos resultados encontrados, foi possível observar que as crianças, logo cedo, começam a apreciar o uso de alguns verbos como expressões de verdade ou como expressões de falsidade. Por exemplo, elas identificam o verbo fativo "saber" como um termo que pressupõe a verdade da proposição complemento e identificam o verbo contrafativo "fazer-de-conta" como um termo que pressupõe falsidade. Observou-se porém, que a capacidade das crianças para lidar com estes termos não reflete a existência de conhecimento completo da propriedade fatividade, uma vez que este conhecimento não foi verificado para todos os verbos. Embora não se tenha encontrado este resultado para os verbos contrafativos, notou-se que alguns verbos fativos foram melhores identificados do que outros. Além do que, verificou-se que o entendimento semântico para verbos contrafativos (por volta dos 4 anos de idade) aparece mais cedo do que para os fativos (por volta dos 5 aos 6 anos).

E importante notificar que o conhecimento destes verbos parece manter uma relação direta com a aquisição de uma teoria da mente. O período em que a criança começa a mostrar capacidade para compreender os verbos parece corresponder com a idade na qual se desenvolve esta importante concepção de estado mental. Uma série de estudos realizados na área de teoria da mente considera que é por volta dos 4 anos de idade que surge um marco importante no estabelecimento da teoria da mente. Por exemplo, estudos sobre o entendimento das crianças da falsa-crença (Perner, Leekham e Wimmer, 1987), mudanças representacionais (Gopnik e Astington, 1988) e a distinção entre aparência e realidade (Flavell, Flavell e Green, 1983) têm descoberto mudanças fundamentais nestas habilidades por volta deste mesmo período: aos 4 anos. E, como afirmam Astington, Harris e Olson (1988), traduzem-se em um momento em que surge um novo entendimento de mente, constituindo novo estágio ou nível de desenvolvimento intelectual. Esta similaridade pode ser mera coincidência, entretanto, muitos estudos sobre a competência das crianças com verbos mostram que esta capacidade pode ser observada por volta deste mesmo período e que, também, se têm observado mudanças importantes no entendimento dos aspectos pressuposicionais de alguns verbos.

Considera-se, ainda, que crianças que adquirem conhecimento sobre a teoria da mente apresentam capacidade para lidar não apenas com o uso de expressões de atitudes mentais, mas também com a capacidade de refletir sobre este uso dentro de sua própria mente, indicando serem capazes, também, de reconhecer que o objeto de criação pode ser fruto de uma representação mental, embora o objeto desta criação seja irreal, sugerindo serem capazes de distinguir entre o objeto real e o objeto da imaginação. Este dado pode ser notado quando elas se mostram capazes de julgar corretamente o complemento de sentenças que têm verbos contrafativos.

Outro ponto a destacar refere-se à capacidade das crianças em justificar o uso dos verbos de acordo com a pressuposição que os mesmos inferem. E notável o desempenho delas, com relação aos verbos contrafativos. Houve uma preocupação no planejamento das sentenças com estes verbos, devido à influência da logicidade semântica inerente às sentenças. Considere-se o exemplo, quando se pergunta a uma pessoa: "O cabo de vassoura é um cavalo?"; seria óbvio constatar que as pessoas responderiam "não é", e, ainda, poderia observar-se alguns argumentos afirmando que não precisa ter conhecimento de fatividade para responder que "não é". Entretanto, parece não ser este o caso deste estudo.

Em relação aos verbos fativos, pode-se confirmar o entendimento dos mesmos, uma vez que as crianças justificam corretamente os verbos. Na análise sobre as respostas congruentes observa-se que elas diferiam na capacidade para justificar entre os verbos, sendo os verbos "saber" e "descobrir" os que receberam mais justificativas corretas, ao contrário do verbo "perceber". Este dado confirma que o não entendimento deste verbo parece ser constante em todas as questões.

Através da análise das justificativas dos sujeitos para os verbos contrafativos, verificou-se que as crianças por volta dos 4 anos de idade já começam a apresentar justificativas corretas. Neste sentido, comprova-se que o entendimento existe e que elas são capazes não apenas de determinar o valor de falsidade desses termos, mas de justificar seu uso, legitimando o conhecimento da fatividade. Porém, não foram verificadas diferenças entre os verbos, sendo que parece existir um entendimento para todos os verbos contrafativos utilizados nesta questão.

Entretanto, os argumentos citados sugerem a necessidade de estudos que apresentem alternativas metodológicas, que venham possibilitar a investigação destes verbos, eliminando variáveis que possam influenciar no desempenho das crianças. É possível pensar-se no planejamento de um estudo que não peça diretamente as respostas do tipo "sim" ou "não", mas a utilização de um recurso alternativo que corresponda à resposta correta, para o julgamento do complemento.

Ficou evidente que crianças de 3 anos não apresentam nenhum entendimento semântico dos verbos, ratificando resultados verificados na literatura inglesa (Harris, 1975; Hoppmann e Maratsos, 1978; Abbeduto e Rosenberg, 1985).

Existe a possibilidade de considerar dois aspectos que impediram de se verificar o conhecimento das crianças de 3 anos. Primeiro, elas não entendiam o que os experimentadores questionavam, isto é, não entendiam a tarefa; segundo, elas não respondiam corretamente devido a uma limitação cognitiva. Esta limitação pode estar relacionada ao pensamento egocêntrico da criança, que é marcante nesta fase do desenvolvimento intelectual. Para Piaget (em Flavell, 1988), este fenômeno manifesta-se nitidamente na área da linguagem e da comunicação. A criança, na ausência da capacidade de se orientar assumindo o papel do outro, não sente necessidade de justificar seu raciocínio para os outros, nem de procurar possíveis contradições em sua lógica. Conseqüentemente, ela acha extremamente difícil tratar seus próprios processos mentais como objeto de pensamento.

Nesse período, é possível observar que a criança parece ser incapaz de ver o mundo com "os olhos dos outros", ela sente dificuldade de se colocar no lugar do agente da sentença (e.g., como em: Roberto faz-de-conta), isto é, no lugar de "Roberto", e resolver a questão. Essa dificuldade, por exemplo, pode ser observada em outras habilidades cognitivas. Perner (1988) sugeriu que a dificuldade que as crianças de 3 anos sentem com relação às tarefas de crençasfalsas (tarefas clássicas nos estudos sobre teoria da mente; e.g., Gopnik e Astington, 1988) é porque ela não trata estados mentais como atitudes que dizem respeito a representações da realidade, mas os trata como atitudes que dizem respeito à realidade delas própria.

Considerando este pressuposto teórico, pode-se verificar que as crianças não conseguiam colocar-se na perspectiva do outro, o que dificultava raciocinar em termos do sujeito da sentença. E possível, portanto, que a utilização de tarefas mais específicas, direcionadas a essa idade, favoreça a observação precisa da capacidade das crianças, em relação aos aspectos semânticos dos verbos.

Outra evidência constatada é o aspecto desenvolvimental do conhecimento desses verbos. Nossos resultados são confirmados por outros estudos na língua inglesa, ou seja, também se observa um padrão evolutivo na capacidade de lidar com os verbos (Johnson e Maratsos, 1977; Johnson e Wellman, 1980; Abbeduto e Rosenberg, 1985; Moore et ai., 1989;Moore e Furrow, 1991).

Um dado importante de ser colocado, ainda, é a necessidade de se obter resultados do uso destes verbos na nossa língua materna. Como se sabe, a língua portuguesa por ser plurissignificativa, apresenta variadas possibilidades de utilização, em contextos diversificados. Além do que, a tarefa de classificação dos verbos, de acordo com suas características, não seria fácil, o que confirma Marcushi (1991), quando afirma não se poder classificar verbos fora do contexto. Necessitaria então, analisar, através de observações de uso natural da linguagem, como estes verbos seriam utilizados e que funções desempenhariam em diferentes contextos (feira, sala de aula, casa, rua, em situações de brincadeira).

Nesse sentido, seria importante que pudessem ser constatados quais os verbos que as crianças usam desde cedo e qual o significado desses verbos, para elas. Tal dado facilitaria a investigação de estudos semelhantes a este. Isto porque, foi verificado que a ausência de um estudo desta natureza constituiu uma dificuldade na elaboração do plano experimental. Constatou-se, em um estudo realizado por Roazzi e Arcoverde (1993), que alguns verbos (e.g., "fazer acreditar") não são ainda do domínio lingüístico das crianças, pois apresentam índice muito baixo de compreensão.

No caso deste estudo, esse mesmo problema pode ser comparado com o desempenho das crianças em relação ao verbo fativo "perceber". As crianças apresentaram dificuldades para avaliar este verbo nos diferentes aspectos. Por essa razão, acredita-se ser necessário, ainda, verificar que relação pode existir entre o uso dos verbos como um fator preditivo, para o entendimento dos aspectos semânticos dos verbos. - Será que as crianças apresentariam melhor desempenho com verbos para os quais elas já possuem a competência lingüística?

Verifica-se, nos resultados, que muitas das dificuldades que as crianças sentem são marcadas pelas implicações abstratas e complexas de alguns destes termos e, provavelmente, pelas poucas vezes que tais termos têm sido vistos em seu repertório, o que faz com que muitos dos "erros" cometidos com alguns verbos persistam até bem tarde.

Foi possível notar que existiram diferenças no entendimento para os verbos fativos, sugerindo que a aquisição do conhecimento dos diferentes aspectos dos verbos não ocorre igual para todos, de uma só vez, dado que é confirmado pelos resultados de outros estudos nesta mesma área. Por exemplo, Abbeduto e Rosenberg (1985) constataram que as crianças compreendem verbos know e think mais cedo do que compreendem o verbo believe, para o qual só se observa julgamento correto após aos 7 anos de idade. Em relação a este estudo, pôde-se verificar que o verbo "perceber" mostrou-se muito mais difícil, em todos os aspectos, confirmando os dados já colocados.

E interessante notar que este verbo - perceber -, assim como o verbo "descobrir", como foi colocado nas sentenças, não é estritamente mental, como é o caso do verbo "saber". Ele é um tipo de verbo que se refere a uma consciência de verdade e à atividade prática/ação. Entretanto, as crianças se saíram bem, tanto para julgar o complemento de sentenças com o verbo "saber" (atividade mental) quanto com o "descobrir" (atividade prática). Essa possibilidade descarta o argumento que a diferença do desempenho das crianças, em relação a estes verbos, tenha sido pelo sentido do verbo que é diferente, pois elas só não se saem bem para o verbo fativo "perceber". É provável que a dificuldade com este verbo seja mesmo pela infreqüência do uso, na linguagem natural das crianças.

Este dado sugere a necessidade de investigações que comparem o desempenho das crianças, no que diz respeito ao julgamento do valor de verdade de complementos das sentenças que apresentem verbos tanto de atividade mental quanto de atividade prática. Será que existem diferenças no entendimento das crianças quando se utiliza sentidos distintos para o verbo, que não seja exclusivamente mental?

Apesar de todas as descobertas, algumas dificuldades foram marcantes na análise deste trabalho. A falta de estudos nesta área específica, na língua portuguesa, causaram problemas que impossibilitaram maiores esclarecimentos no decorrer das discussões. De qualquer modo, ele tem sua importância, pois abre um leque enorme para o surgimento de pesquisas futuras, que poderão esclarecer estes problemas. Enfim, os aspectos observados nesta análise revelam que o conhecimento da fatividade dos verbos está presente na vida das crianças, e também mostram um aspecto gradativo que evolui com a idade.

 

Referências Bibliográficas

Abbeduto, L. e Rosenberg, S. (1985) Children's knowledge of the presuppositions of know and other cognitive verbs. Journal of Child Language, 12, 621-641.         [ Links ]

Astington, J.W.; Harris, P.L. e Olson, D.R. (1988) (Orgs.) Developing Theories of Mind. Cambridge: Cambridge University Press.         [ Links ]

Astington, J.W. e Gopnick, A. (1991) Theoretical explanations of children's understanding of the mind. British Journal of Developmental Psychology, 9, 215-234. Hillsdale, N.J.: Earlbaum.         [ Links ]

Butterworth, G.E.; Harris, P.L.; Leslie, A.M. e Wellman, H.M. (1991) (Orgs.) Perspectives on the Child's Theory ofMind. Oxford: BPS Books (British Psychological Society)/ Oxford University Press.         [ Links ]

Dias, M.G. e Harris, P.L. (1988a) The effect of make believe play deductive reasoning. British Journal of Developmental Psychology, 6, 207-221.         [ Links ]

Dias, MG. e Harris, P.L. (1988b) Realidade X fantasia: sua influência no raciocínio dedutivo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 4, 55-68.         [ Links ]

Dias, M.G. e Harris, P.L. (1990) The influence of imagination on reasoning by young children. British Journal of Developmental Psychology, 3, 305-318.         [ Links ]

Dias, M.G.B. (1992) A brincadeira de fingir como capacidade para diferenciar entre o real e o imaginário. Psicologia Teoria e Pesquisa, 8, 2.         [ Links ]

Flavell, J.H.; Flavell, E.R. e Green, F.L. (1983) Development of the appearance-reality distinction. Cognitive Psychology, 15, 95-120.         [ Links ]

Flavell, J.H. (1988) A natureza do pensamento pré-operacional. Em, A Psicologia do Desenvolvimento de Jean Piaget, 152-165.         [ Links ]

Gopnik, A. e Astington, J.W. (1988) Children's understanding of representational change and its relation to the understanding of false belief and the appearance-reality distinction. Child Development, 59, 26-37.         [ Links ]

Harris, R. J. (1975) Children's comprehension of complex sentences. Journal of Experimental Child Psychology, 19, 420-433.         [ Links ]

Hopmann, M.R. e Maratsos, M.P. (1978) A developmental study of factivity and negation in complex syntax. Journal of Child Language, 5, 295-309.         [ Links ]

Johnson, C.N. e Maratsos, M.P. (1977) Early comprehension of mental verbs: think and know. Child Development, 48, 1743-1747.         [ Links ]

Johnson, C.N. e Wellman, H.M. (1980) Children's developing understanding of mental verbs: remember, know, and guess. Child Development, 51, 1095-1102.         [ Links ]

Johnson, C.N. (1982) Acquisition of mental verbs and the concept of mind. Em, S. Kuczaj (Org.). Language Development. Vol I. Syntax and Semantics. Hillsdale, N.J.: Earlbaum.         [ Links ]

Kiparsky, P. e Kiparsky, C. (1970) Fact. Em, M. Bierwisch e K. Heidolph (Orgs.) Progress in Linguistics. (pp. 143-173) The Hague: Mouton.         [ Links ]

Leslie, A.M. (1987) Pretense and réprésentation in infancy: The origins of "theory of mind". Psychological Review, 94, 412-426.         [ Links ]

Leslie, A.M. (1988) Some implications of pretense for mechanisms underlying the chikfs theory of mind. Em, J.W. Astington, P.L. Harris e D.R. Olson (Orgs.) Developing Theories of Mind. Cambridge: Cambridge University Press.         [ Links ]

Marcushi, L.A. (1991) A ação dos verbos introdutores de opinião. INTERCOM - Revista Brasileira de Com., 64, 74-92.         [ Links ]

Mcnamara, J.; Baker, E. e Olson, CL. (1976) Four-year-olds' understanding of pretend, forget and know: evidence for propositional operations. Child Development, 47, 62-70.         [ Links ]

Miscione, J.L.; Marvin, R.S.; O'Brien, R.G. e Greenberg, M.T. (1978) A developmental study of pre-school children's understanding of the words "know" and "guess". Child Development 49, 1107-1113.         [ Links ]

Moore, C; Bryant, D. e Furrow, D. (1989) Mental terms and the development of certainty. Child Development. 60, 167-171.         [ Links ]

Moore, C. e Davidge, J. (1989) The development of terms: pragmatics or semantics? Journal Child Language, 75,633-641.         [ Links ]

Moore, C. e Furrow, D. (1991) The development of the language of belief: the expression of relative certainty. Em, D. Frye e C. Moore (Orgs.) Children's Theories of Mind: Mental States and Social Understanding. Hillsdale. N.J.: Earlbaum.         [ Links ]

Moore, C; Pure, K. e Furrow, D. (1990) Children's understanding of the modal expression of speaker certainty and uncertainty and its relation to the development of a representational theory of mind. Child Development, 61, 722-730.         [ Links ]

Perner, J. (1988) Developing semanties for theories of mind: from propositional attitudes to mental representation. Em, J.W. Astington; P.L. Harris e D.R. Olson (Orgs.) Developing Theories of Mind. Cambridge: Cambridge University Press.         [ Links ]

Perner, J.: Leekam, S.R. e Wimmer, H. (1987) Three year olds' difficulty with false belief: the case for a conceptual déficit. British Journal of Developmental Psychology. 5, 125-137.         [ Links ]

Roazzi, A. e Arcoverde, R.D.L. (1993) A aquisição de verbos mentais fativos e contrafativos em crianças. Trabalho apresentado na 45a Reunião Anual da SBPC, Recife, PE, 11-6 de julho, Volume 2, p.929.         [ Links ]

Roazzi, A. e Santana, S.M. (1995) Teoria da mente: o efeito do uso de atores animados e inanimados na habilidade de crianças pequenas para inferir estados mentais.         [ Links ]

Scoville, R.P. e Gordon, A.M. (1980) Childen's understanding of factive presuppositions: an experiment and a review. Journal of Child Language, 7, 381-399.         [ Links ]

Shatz, M.; Wellman, H.M. e Silber, S. (1983) The acquisition of mental verbs: a systematic investigation of the first reference to mental state. Cognition, 14, 301-321.         [ Links ]

Wellman, H.M. (1985) A child's theory of mind: development of conception of cognition. Em, S.R. Yussen (Org.). The Growth of Reflection. New York: Academic Press.         [ Links ]

Wellman, H.M. e Estes, D. (1986) Early understanding of mental entities: a reexamination of chidhood realism. Child Development, 57, 910-923.         [ Links ]

Wellman, H. e Johnson, C.N. (1979) Understanding mental processes: a developmental study of remember and forget. Child Development, 50, 79-88.         [ Links ]

 

 

(1) Trabalho apresentado no Simpósio "Controvérsias teóricas e empíricas em Teoria da Mente", realizado durante a XXV Reunião Anual de Psicologia da Sociedade Brasileira de Psicologia, Ribeirão Preto - SP, 25 a 29 de outubro de 1995
(2) Universidade Federal da Paraíba, Campus II, Departamento de Educação Rua A. Veloso, 882 Cep. 58.109-970, Campina Grande - PB. Tel.: (083) 310-1020 (Universidade) - Telefax: (083) 335-2413 (Residência) E-mail: arcoverde@cgnet.com.br
(3) Universidade Federal de Pernambuco - Mestrado em Psicologia Cognitiva CFCH 8º andar - Cidade Universitária Rua Acadêmico Hélio Ramos, s/n. Cep. 50670-901 - Recife-PE. Tels.: (081) 271.05.99 - 271.82.72 (Universidade), 326.92.41 (Residência). Fax: (081) 271.18.43. E-mail: roazzi@npd.ufpe.br
(4) Kiparsky e Kiparsky (1970) forneceram diferentes testes para averiguar a fatividade de um verbo. Um dos mais usados, é o teste de negação (e.g., Hopmann e Maratsos, 1978; Macnamara, Baker e Olson, 1976; Scoville e Gordon, 1980). Através deste teste, um verbo é categorizado como fativo, quando a verdade do complemento não se altera, mesmo quando este verbo é negado. Por exemplo, na frase "Simone não sabe que o gato está no jardim" implica em uma pressuposição verdadeira do complemento, ou seja, "o gato está no jardim"
(5) Sabe-se que "contexto" pode ser usado em diferentes condições experimentais (e.g. contexto situacional, contexto lingüistico, contexto de enunciado), todavia, no domínio deste trabalho, contexto será utilizado como uma condição de facilitação, que expressa uma significação de referência das partes interconectadas, para ajudar a criança na compreensão da questão em foco (e.g., o estudo de Abbeduto e Rosenberg (1985) utiliza este mesmo termo no sentido de fazer referência entre a sentença e a questão apresentadas)
(6) As respostas das crianças que não se enquadravam nas categorias acima citadas receberam a seguinte classificação: 1) Não respondeu, quando a criança não falava nada, por mais que o experimentador incentivasse; 2) Insatisfatórias, todas as respostas que expressavam idéias vagas do tipo "não sei", repetições do verbo (e.g., "saber é saber") ou respostas que não respeitavam o sentido da pressuposição que era expresso por cada verbo (e.g., "saber é saber") ou respostas que não respeitavam o sentido da pressuposição em que era expresso por cada verbo(e.g., "Porque ele quer, aí faz" - fazer-de-conta, 3 anos; 3) Repete o complemento, repita o complemeto da sentença em questão (e.g., "Porque ele esta escondido embaixo da cama."- descobrir, 5 anos); 4) Nega o complemento, resposta foi determinada para os verbos fativos, uma vez que as crianças demonstravam uma compreensão completamente errada do verbo (e.g., "Porque o cachorro não tá com a pata quebrada" - perceber, 5 anos); 5) Afirma o complemento, determina para os verbos contrafativos, pois era contrária à semântica do verbo (e.g., "Porque é um carro mesmo." - fingir, 4 anos)