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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.5 no.1 Ribeirão Preto dez. 1997

 

PROCESSOS BÁSICOS E PROCEDIMENTOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM

 

Transferência de controle de estímulos de figuras para texto no desenvolvimento de leitura generalizada1

 

 

Deisy G. de Souza2; Elenice S. Hanna; Júlio César de Rose2; Monica L. Fonseca; Adriana B. Pereira; Lúcia H. Sallorenzo

Universidade Federal de São Carlos. Universidade de Brasília. Departmento de Psicologia; CECH - UFSCAR; Caixa Postal 676; 13565-905 São Carlos SP. Departamento de Processos Psicológicos Básicos - IP; Universidade de Brasília; 70.910-900 Brasília-DF. E-mail: ddgs@power.ufscar.br; djcc@power.ufscar.br; hanna@guarani.cpd.unb.br

 

 

Este texto apresenta a análise de resultados obtidos em estudos que visavam investigar a efetividade de procedimentos para ensinar leitura a alunos com história de fracasso escolar na fase inicial de alfabetização (de Rose, Souza, Rossito, & de Rose, 1989; 1992; de Rose, Souza , & Hanna, 1996) e que divergem da literatura vigente no que concerne ao efeito de figuras no ensino de leitura. Vários desses procedimentos vêm sendo desenvolvidos com base na pressuposição de que indivíduos que não conseguem aprender por meio dos procedimentos usuais de sala de aula podem passar a aprender, se tiverem oportunidades de ensino apropriadas (Sidman, 1985; Stoddard & Sidman, 1967). Aspectos importantes dos procedimentos incluem o planejamento de condições de ensino que garantam a aprendizagem, sem erro, de discriminações de aspectos do ambiente (Sidman, 1985; Stoddard, de Rose, & McIlvane, 1986; Terrace, 1963). O procedimento de exclusão (Dixon, 1977; McIlvane & Stoddard, 1981) tem sido empregado em vários de nossos estudos, como condição de ensino para ampliar repertórios de discriminações condicionais. Procedimentos de exclusão minimizam erros e são mais efetivos do que procedimentos de tentativa e erro, tanto para estabelecer discriminações auditivo-visuais, como para gerar a nomeação de estímulos visuais (Ferrari, de Rose, & McIlvane, 1993). Em cada tentativa de discriminação um estímulo modelo não definido (isto é, ainda não relacionado a qualquer estímulo de comparação em particular) é apresentado juntamente com um estímulo de comparação também não definido e com outro ou outros estímulos de comparação definidos. O sujeito pode então "excluir" o estímulo ou estímulos de comparação definidos, selecionando o estímulo não definido; repetidas oportunidades para exclusão geralmente resultam na aprendizagem da relação entre o estímulo de comparação novo e o estímulo modelo correspondente. Nos estudos que temos conduzido (de Rose e col. 1989; 1992; 1996) palavras novas são apresentadas como modelos auditivos em tentativas de exclusão em que os estímulos de comparação são palavras impressas: uma corresponde à palava nova ditada como modelo e a outra é uma palavra de linha de base, previamente ensinada. Por exemplo, as palavras impressas janela e cavalo são apresentadas como estímulos de comparação e a palavra não treinada janela é ditada. A criança pode então "excluir" a palavra impressa cavalo, que ela já conhece e aprender a selecionar, e relacionar à palavra ditada correspondente, a palavra impressa janela. A discriminação é condicional no sentido de que a palavra que é ditada determina qual é a resposta correta.

O emprego do procedimento de exclusão usando palavras como estímulos tem sido efetivo para ensinar as discriminações e, além disso, produzem a emergência da nomeação oral das palavras ensinadas em tais discriminações condicionais (de Rose e col. 1989; 1992; 1996). A nomeação é uma resposta diferente da de seleção, mas ocorre sob controle dos mesmos estímulos que os sujeitos aprenderam a selecionar nas tentativas de discriminação condicional. Um outro importante resultado do procedimento tem sido a ocorrência da nomeação generalizada de palavras, isto é, a nomeação passa a ocorrer também sob controle de estímulos textuais novos, formados por recombinações de sílabas e letras de palavras previamente ensinadas.

A emergência desses desempenhos novos tem sido relacionada à formação de classes de equivalência, ao desenvolvimento de controle de estímulos por unidades mínimas e à recombinação de unidades (de Rose e col., 1989; 1992; Matos e D'Oliveira, 1992; D'01iveira, 1990; Sidman, 1971; 1994; Stromer, Mackay, & Stoddard, 1992). De acordo com Sidman e colaboradores (e.g., Sidman, 1986; 1994; Sidman & Tailby, 1982), uma relação entre estímulos é uma relação de equivalência se apresentar as propriedades de reflexividade, simetria e transitividade. As relações entre estímulos estudadas em investigações sobre equivalência geralmente são relações condicionais entre um conjunto de estímulos modelo (representados por uma letra maiúscula, como A) e um conjunto de estímulos de comparação (também representados por uma letra maiúscula, como B). Assim, o estabelecimento de uma relação condicional AB implica que cada modelo no conjunto de estímulos A controla a seleção de um estímulo comparação correspondente, do conjunto B. Uma relação condicional AB possui a propriedade de simetria se, na ausência de treino direto, o sujeito apresenta a relação condicional BA, isto é, se na presença de cada estímulo do conjunto B, previamente apresentado como estímulo de comparação e agora apresentado como modelo, ele seleciona o estímulo correspondente do conjunto A, agora apresentado como estímulo de comparação, entre outros do mesmo conjunto A. Para demonstrar transitividade da relação condicional, é necessário ensinar uma nova relação condicional, BC. Depois de ensinadas as relações condicionais AB e BC, a transitividade é demonstrada se o sujeito apresenta, sem treino adicional, a relação condicional AC. A propriedade de reflexividade é demonstrada se, para cada membro dos conjuntos de estímulo A, B e C apresentados como modelo, o sujeito for capaz de selecionar, sem treino específico, um estímulo idêntico, apresentado, entre outros, como um estímulo de comparação. Mais ainda, a reflexividade é demonstrada pelo pareamento generalizado de identidade (escolher a comparação igual a qualquer modelo, quer ele pertença ou não ao conjunto de estímulos empregados nas relações condicionais da linha de base). A demonstração dessas três propriedades documenta a formação de n classes de estímulos equivalentes, cada uma formada por An, Bn e Cn (onde An, Bn e Cn representam estímulos individuais nos conjuntos A, B and C). A relação entre estímulos em cada classe é considerada como uma relação de equivalência (de Rose, 1993).

Sidman e colaboradores sustentam que relações de equivalência podem ser simbólicas. Por exemplo, se um estímulo arbitrário é equivalente a um objeto (ou a uma figura que o represente), o estímulo arbitrário é um símbolo e o objeto é o referente, ou o significado (Sidman, 1986; 1994).

Estudos sobre equivalência de estímulos têm atraído um interesse considerável, não só por suas importantes implicações teóricas para uma análise comportamental de fenômenos lingüísticos, mas também por suas implicações para a aplicação a situações clínicas e educacionais (de Rose, 1993; Mace, 1994). Esses estudos têm fornecido critérios para avaliar significado e compreensão e demonstrado que o ensino de alguns desempenhos resulta em outros desempenhos emergentes. Isso pode levar a uma maior eficiência e economia no ensino de repertórios complexos como os de leitura e escrita. Embora este potencial de aplicação não esteja plenamente explorado (Mace, 1994; de Rose e col., 1996), os estudos que vimos desenvolvendo têm investigado a aquisição de um repertório rudimentar de leitura: o reconhecimento de palavras, similar ao que é esperado nas etapas iniciais de alfabetização em sala de aula.

Os alunos cujos dados são apresentados neste texto tinham entre 8 e 11 anos de idade no início do estudo e, segundo suas professoras, não liam nem escreviam, depois de pelo menos um semestre na escola.

Todos os sujeitos foram submetidos, individualmente, a um mesmo procedimento de ensino. As palavras empregadas nas discriminações condicionais eram constituídas de duas ou três sílabas simples (formadas por consoante e vogai). A cada tentativa eram apresentadas ao sujeito duas palavras impressas. O experimentador ditava uma palavra e o sujeito deveria apontar a palavra impressa correspondente. Para garantir que o sujeito prosseguisse ao longo do procedimento sem errar nas tentativas de discriminação, foi empregado o procedimento de exclusão (Dixon, 1977). Para empregar esse procedimento foi necessário estabelecer uma linha de base de inicial. Foi ensinada, a cada sujeito, a leitura de três palavras, por apresentação simultânea da palavra impressa e da palavra falada correspondente. Essas três palavras passaram então a ser empregadas como estímulos definidos ou "conhecidos". Cada palavra nova era apresentada com uma palavra definida (de linha de base), o que garantia a seleção correta da palavra impressa diante da palavra nova ditada como modelo. Para garantir que se estabelecesse o controle pela palavra (texto) e não apenas pela "novidade", algumas tentativas tinham a mesma configuração, duas palavras impressas, uma definida e outra indefinida, mas a palavra definida é que era ditada e devia, portanto, ser a palavra selecionada. O número de palavras ensinadas em cada unidade aumentou de dois nas fases iniciais, para quatro nas fases finais do procedimento. As palavras aprendidas iam sendo sistematicamente acrescentadas à linha de base. Cada palavra que estava sendo ensinada era apresentada como modelo em quatro tentativas, intercaladas com tentativas com as outras palavras que estavam sendo ensinadas na mesma unidade.

Os sujeitos também foram expostos a uma tarefa adicional de cópia com resposta construída (Dube, McDonald, McIlvane, & Mackay, 1991; Stromer & Mackay, 1992), em que reproduziam, com letras soltas, apresentadas em ordem aleatória, a palavra impressa que selecionavam na tentativa de discriminação condicional.

O procedimento ainda incluía unidades de teste de discriminações condicionais entre palavras impressas e figuras e entre figuras e palavras impressas, como ilustram os painéis A e B na Figura 1. Essas unidades eram empregadas como teste para a emergência de classes de equivalência entre a palavra ditada, a figura e a palavra impressa correspondentes (cf. Sidman & Tailby, 1982). Estes testes foram incluídos no procedimento com base na noção de que os repertórios de ler e escrever constituem uma rede interligada de relações estímulo-estímulo e estímulo-resposta (de Rose e col., 1992; 1996; Stromer e col., 1992) e que essas relações podem dar origem a classes de estímulos equivalentes, de modo que todos os membros da classe podem partilhar o controle que exercem sobre uma resposta em particular. Nestes testes de equivalência, que envolviam dois conjuntos de estímulos na modalidade visual, o estímulo modelo era apresentado no alto da página e três estímulos de comparação eram apresentados lado a lado, horizontalmente, na parte inferior da página (ver Figura 1). Antes de fazer a seleção do estímulo de comparação, o sujeito era solicitado a dizer o nome do estímulo modelo (figura ou palavra). Dizer qual era a palavra ou a figura constituía uma sonda de nomeação. O responder nas sondas não era diretamente reforçado, mas as respostas de selecionar os estímulos de comparação eram conseqüenciadas diferencialmente. Os testes de equivalência incluíam todas as palavras ensinadas nas discriminações condicionais até a unidade imediatamente precedente (palavras de treino), bem como um conjunto de palavras novas, para monitoração do eventual desenvolvimento de nomeação generalizada. No final dos testes de equivalência (que incluíam estas sondas de nomeação, ou de leitura, no caso das palavras) era feito um outro teste de leitura em que as mesmas palavras eram apresentadas isoladas, uma por vez, e o sujeito era solicitado a dizer qual era a palavra (Ver Figura 1, painel C).

 

 

Ao longo da aplicação das unidades de teste foi emergindo um padrão de respostas intrigante, no que concerne ao comportamento textual. Em geral, quando as figuras estavam presentes, os sujeitos acertavam a "leitura" da maioria das palavras de treino; além disso, eles passavam a ler, em testes sucessivos, um número cada vez maior de palavras de generalização. Contudo, no teste imediatemente subseqüente, em que as palavras eram apresentadas uma por vez, na ausência de figuras, os sujeitos mantinham o acerto consistente na leitura das palavras de treino, mas não na de palavras de generalização. Os índices de acerto na leitura dessas palavras eram bem mais baixos, aproximando-se de zero para alguns sujeitos.

 

 

A Tabela 2 mostra os resultados relativos à leitura de palavras de treino, na presença e na ausência de figuras. As percentagens de acerto variaram entre 79 e 100% (100% foi o valor mais freqüente), em ambas as condições, e as diferenças entre leitura na presença e na ausência de figuras não foram significativas3 (p 0,27 para comparações no meio do programa e p0,17 no final do programa.). A aprendizagem de leitura do conjunto de palavras ensinadas foi mantida ao longo do programa. Este desempenho não parece ter sido afetado pelo emprego do procedimento de cópia com resposta construída.

 

 

A porcentagem de acertos na nomeação de palavras de generalização nas unidades conduzidas no meio (M) e no final (F) do programa, na presença e na ausência de figuras, é apresentada na Figura 2. Barras vazias indicam nomeação de palavras na presença de figuras, isto é, a palavra impressa apresentada como modelo, juntamente com três figuras. Barras cheias indicam nomeação da palavra isolada. A acurácia na "leitura" dependeu do tipo de teste: a porcentagem de acertos foi invariavelmente mais alta na presença de figuras do que na presença da palavra isolada, qualquer que tenha sido o nível de leitura generalizada para um aluno em particular (alguns deles tiveram escore zero para palavras isoladas). Estas diferenças foram estatisticamente significativas (p,0001 para comparações no meio do programa e p,0003 no final do programa). Nos dois casos observou-se variabilidade entre sujeitos quanto ao nível de leitura generalizada, mas em ambos os tipos de sondas os escores tenderam a aumentar do meio para o final do programa, exceto na leitura de palavras isoladas para aqueles sujeitos que não conseguiram generalizar. Do total de 9 sujeitos, cinco apresentaram graus variados de leitura generalizada, isto é, leitura na condição com palavra isolada; no entanto, todos eles "liam" pelo menos 60 % das palavras novas quando elas eram apresentadas simultaneamente às figuras (com exceção de Ros, que no final do programa estava lendo por volta de 40% das 45 palavras testadas).

 

 

Se a tarefa era a mesma - nomeação da palavra - a que atribuir a diferença observada no desempenho em contextos diferentes (ou, porque um sujeito "lia" uma palavra na presença de figuras e logo depois, ou no máximo no dia seguinte, não lia a mesma palavra quando apresentada sozinha?). Uma análise mais detalhada das relações de contingência envolvidas nos dois procedimentos mostrou que a tarefa não era exatamente a mesma. No primeiro caso a sonda de leitura se inseria em um contexto em que a palavra era apresentada simultaneamente a três figuras. Estas figuras poderiam funcionar como estímulos de comparação entre os quais deveria ser escolhida a figura correspondente à palavra impressa na tarefa de matching (na qual a sonda de leitura estava inserida). No segundo caso a palavra era o único estímulo disponível. Essa diferença no contexto de estímulos resultou em um efeito facilitador sistemático da presença das figuras sobre o comportamento textual naquele contexto. A diferença no desempenho dos sujeitos, dependendo da presença ou ausência das figuras, é interessante para uma análise dos processos e variáveis envolvidos na aquisição de leitura generalizada. Os desempenhos dos sujeitos que apresentaram leitura "generalizada" apenas na presença de figuras sugere que seu comportamento não estava completamente sob controle do estímulo textual, e que dependia, pelo menos em parte, do controle pictórico. Poder-se-ia até mesmo considerar que neste caso o sujeito não estaria lendo, mas apenas nomeando uma das figuras (nenhum controle pelo texto). No entanto, como havia três figuras presentes, a nomeação aleatória de qualquer figura resultaria em, no máximo, 33,3 % de acertos. Os resultados de vários sujeitos superaram esse valor na maioria das condições. É possível, portanto, que as figuras, combinadas com fragmentos do texto, estivessem controlando a leitura. O controle parcial pelo texto seria insuficiente para garantir a leitura quando a palavra era apresentada sozinha, mas as pistas adicionais fornecidas pelas figuras apoiariam a identificação da figura correta e, por decorrência, a nomeação correta de ambas: figura e palavra. Quando o controle de estímulos por unidades textuais mínimas é parcial ou impreciso, outras pistas podem complementar o controle textual. Este pode constituir um estágio intermediário no desenvolvimento do controle exclusivo por unidades textuais mínimas.

Os dados sobre erros, apresentados na Tabela 3, sugerem que os sujeitos estavam sistematicamente examinando as figuras, antes de nomear a palavra, visto que a maioria dos erros consistiu na nomeação de uma das três figuras presentes, embora não da figura que correspondia à palavra impressa. No caso de erros, então, pode não ter havido controle pelo texto, apenas pela figura. Ou, então, o controle pode ter sido exercido pela figura e por parte do texto, mas esta parte do texto não era suficiente para a discriminação entre palavras. Parte dos erros pode ter ocorrido quando pistas presentes nas figuras foram controladas de alguma maneira. Isso pode ter acontecido, por exemplo, quando todas as palavras começavam com a mesma letra. A literatura demonstra fartamente que a letra inicial exerce controle preponderante nas fases iniciais de aquisição de leitura (cf. Gibson e Levin, 1975). Se essa letra fosse o elemento do texto que estava controlando o desempenho, quando ela estava presente em todas as palavras não haveria base para a seleção de uma palavra. Uma análise dos erros mostra, por exemplo, que 50 % deles ocorreram em tentativas em que os nomes das três figuras partilhavam a mesma letra inicial (como em mala, mapa e mato). A análise das condições sob as quais os erros ocorrem é importante para a identificação das dimensões de estímulo irrelevantes que podem estar exercendo controle sobre o responder (Stoddard e col., 1986).

 

 

Os dados selecionados para esta discussão evidenciam que o controle conjunto por figura e texto estava claramente envolvido na situação de teste e que facilitou a ocorrência do comportamento textual.

Adicionalmente, o procedimento de cópia com resposta construída pode ter desempenhado algum papel no desenvolvimento do controle de estímulos por unidades textuais mínimas (de Rose e col., 1992; 1996; D'Óliveira, 1990; Skinner, 1957) e no controle de estímulos pela seqüência ou ordem das letras (Dube e col., 1991; Stromer & Mackay, 1992), já que requer segmentação da palavra impressa. Esse procedimento pode também ter fornecido oportunidade para a recombinação de unidades, que parece ser um importante componente do comportamento generalizado (Spradlin, 1989). É preciso considerar, no entanto, que quatro dos nove sujeitos não apresentaram leitura generalizada e que o papel do treino de cópia ainda precisa ser mais bem documentado.

Os resultados concernentes no nível de acertos na presença e na ausência de figuras são bastante diferentes dos obtidos em uma série de estudos em que os sujeitos aprenderam a ler melhor quando as palavras eram apresentadas sozinhas, ou apresentadas com figuras abstratas, do que quando havia a apresentação simultânea de uma palavra e da figura correspondente (Harzem, Lee, & Miles, 1976; Samuels, 1967; Singh & Solomon, 1990).

O estudo realizado por Harzem e col. (1976) utilizou 20 sujeitos divididos em dois grupos: um grupo de prática massiva e outro de prática distribuída. Nos dois grupos, havia quatro condições experimentais, distintas quanto à condição de figura adicionada à palavra impressa: figura apropriada (correspondente); figura inapropriada; figura sem sentido e sem figura. Essas quatro condições foram apresentadas, em ordem alternada, para os dois grupos. Nas sessões de aquisição eram mostrados, em seqüência, 10 cartões. Cada cartão continha uma palavra impressa e a figura especificada para cada condição. Respostas corretas eram reafirmadas e respostas erradas eram corrigidas (o experimentador dizia o nome correto da palavra). Nas sessões de teste eram apresentados os mesmos cartões, mas não havia correção. As sessões de aquisição e de testes eram alternadas. Ao todo, foram realizadas vinte sessões. Os sujeitos do grupo de prática massiva realizaram vinte sessões em um único dia, enquanto os sujeitos do grupo de prática distribuída realizaram uma sessão por dia. Um teste de retenção foi realizado vinte e oito dias após a conclusão das sessões de intervenção para cada sujeito. Os resultados mostraram que não houve uma diferença significativa entre os grupos de prática massiva e prática distribuída, porém houve diferença entre as condições com e sem figuras. A condição menos favorecedora da aquisição de leitura foi aquela em que cada palavra impressa era acompanhada da figura correspondente; a melhor condição de ensino foi aquela em que a palavra aparecia sem figura. Segundo Harzem e col. (1976), a dificuldade na aquisição do repertório de leitura relacionada à presença de figura parece depender da relação entre a figura e a palavra impressa. Quando figura e palavra aparecem juntas e representam o mesmo objeto, isto é, são redundantes, os sujeitos se comportam apenas sob controle das figuras e não das palavras (Harzem e col., 1976). Por outro lado, Samuels (1967) sugeriu que figuras podem ser deletérias apenas para sujeitos com um repertório de leitura muito limitado. Este autor replicou exatamente o estudo de Harzem, usando palavras isoladas e sujeitos sem repertório de leitura. Em um segundo estudo, usou figuras que ilustravam pequenas sentenças (as figuras, nesse caso eram complexas e podiam se referir a diferentes aspectos do texto, não mantendo a redundância da figura que corresponde à palavra). Os resultados mostraram o efeito de interferência das figuras apenas para sujeitos com repertório de leitura mais pobre, mas não para os considerados "bons" leitores.

Gibson e Levin (1975) também sugeriram que o efeito deletério das figuras pode ocorrer quando o texto é redundante: as figuras são suficientes para controlar as respostas verbais, competindo com ou impedindo o controle pelos estímulos textuais. Esse "impedimento" do controle de estímulos tem sido interpretado (com base em demonstrações experimentais) como um efeito de bloqueio que ocorre quando estímulos redundantes são apresentados simultaneamente como ocasião para uma mesma resposta. Se um dos estímulos já adquiriu controle sobre o responder, o controle pelo segundo estímulo não se estabelece (Balaz, Kasprow, & Miller, 1982; Kamin, 1969; Mckintosh, 1975; Rescorla, 1988). Este parece ser o caso nos estudos que empregam figuras. As figuras são estímulos que já exercem controle sobre a resposta verbal de nomeálas; quando a palavra impressa é introduzida, ela não adquire controle sobre a resposta verbal. Singh e Solmon (1990) demonstraram experimentalmente o efeito de bloqueio, replicando o estudo de Harzem com portadores de deficiência mental. Dezesseis palavras foram selecionadas; cada quatro palavras foram ensinadas com um procedimento diferente; em um deles a figura era redundante. A figura era mostrada primeiro; a seguir, um segundo cartão apresentava a figura e a palavra impressa e o sujeito era solicitado a dizer qual era a palavra. Depois disso, a palavra era apresentada sozinha. As demais condições incluíam a palavra sozinha (controle para o bloqueio), a palavra sozinha em tamanho ampliado, e figura e a palavra, porém a palavra era ampliada. A ordem das condições foi balanceada entre os sujeitos. A primeira condição, com estímulos redundantes, produziu menor taxa de aquisição e maior número de erros, embora todos os sujeitos tenham eventualmente adquirido a leitura das 16 palavras.

Nos estudos que realizamos, as figuras não eram redundantes. Elas podiam fornecer algumas pistas para a leitura, mas tais pistas não garantiriam uma nomeação precisa, dada a apresentação simultânea de três figuras. Diferenças nessas dimensões das contingências poderiam, então, explicar os resultados diferentes obtidos nos diferentes estudos. Nos estudos de Harzem e col.(1976), Samuels (1967) e Singh e Solmon (1990), as figuras e o texto, empregados em situação de treino e não de teste, eram redundantes e uma resposta correta poderia estar sob controle da figura, sem necessidade da palavra impressa. O controle de estímulos pela figura superava ou descartava o controle pelo texto.

Em nossos estudos (de Rose, Souza & Hanna, 1996; Souza e col., 1993; 1994), embora embutido em uma situação de teste, o procedimento pode ter permitido o estabelecimento de controle de estímulos pelo texto, a partir do controle conjunto exercido inicialmente por figuras e texto, possibilitando assim uma aceleração no desenvolvimento do controle de estímulos pelo texto. Tendo aprendido, incidentalmente, que nas tentativas de sonda a palavra impressa era o nome de uma das figuras, os sujeitos podem ter aprendido também a buscar nas figuras pistas que, combinadas com partes do texto que eles já discriminavam, possibilitavam a nomeação correta da palavra. Essa possibilidade sugeriu que o procedimento empregado como sonda talvez pudesse ser efetivo como um procedimento de ensino em si mesmo, o que vem sendo testado em projeto em andamento (Souza & col., 1996).

 

Referências Bibliográficas

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(1) Apresentado na XXVI Reunião Anual de Psicologia da Sociedade Brasileira de Psicologia e na Annual Convention da Association for Behavior Analysis de 1994. Os autores agradecem a colegas e bolsistas que colaboraram na coleta de dados e que deram sugestões sobre o texto: Mariza Monteiro Borges, Laura G. Santos, Marilda A Alves, Andreia Siqueira, Daniele B.Horowitz, Andreia Osanai, Abelardo Vinagre da Silva, Lidia Balduíno, Lea B. Guimarães, Marcelo Medeiros, Carlos E. Cameschi, Aderson da Costa Jr., Raquel Maria de Melo, Helena L. Yasunaka e Nivaldo Nale.
(2) Bolsistas de Pesquisa do CNPq (Processos 522290/95-7 e 520732/95-2).
(3) Teste t, pareado, bicaudal.