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Temas em Psicologia

Print version ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.5 no.2 Ribeirão Preto Aug. 1997

 

Promovendo aquisição de linguagem funcional em criança deficiente visual: o efeito de um treinamento de mãe em procedimentos de ensino naturalístico

 

 

Ana Cristina Barros da Cunha1

Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

 

A linguagem pode ser considerada uma importante área do comportamento humano. Ela tem um papel fundamental no percurso de desenvolvimento de um indivíduo, uma vez que é um relevante instrumento de intercessão do homem com seu meio social. Logo, vários aspectos da vida do indivíduo podem ficar afetados se o mesmo não desenvolve a linguagem sob as contingências naturais de sua educação. Assim sendo, justifica-se investigar procedimentos efetivos para o ensino da linguagem na primeira infância, a fim de prevenir futuros comprometimentos na aquisição, por exemplo, de outros sistemas simbólicos, como a leitura e a escrita.

Existem várias formas de entender e intervir em linguagem, e conseqüentemente, em distúrbios da comunicação. Nas décadas de 1960 e 1970, os estudos referentes aos modelos de intervenção em linguagem enfatizavam uma abordagem voltada para as dimensões semânticas (conteúdo) e sintáticas (estrutura) da linguagem. Através de estudos experimentais, onde as sessões eram conduzidas em settings terapêuticos, com controle total do treinamento pelo terapeuta, o objetivo era ensinar vocabulário, sintaxe e morfologia (Kaiser e Warren, 1987). No entanto, este tipo de intervenção, chamada abordagem didática, eficaz em promover a competência lingüística (ênfase no uso correto da estrutura lingüística), era inadequado para desenvolver a chamada competência comunicativa, ou seja, a habilidade de emitir e entender enunciados verbais que sejam apropriados ao contexto social no qual são produzidos (Rees, 1978).

Nesta perspectiva, o estudo da dimensão pragmática da linguagem (como a linguagem funciona nas relações sociais), contrapondo-se à abordagem didática, emergiu da necessidade de desenvolver modelos de intervenção que enfatizem não somente as habilidades lingüísticas iniciais, mas também a competência comunicativa, ou seja, a habilidade de utilizar uma linguagem funcional que permita ao sujeito compreender e emitir enunciados verbais pertinentes ao seu contexto social. É a chamada abordagem naturalística, que enfatiza uma linguagem funcional, isto é, a linguagem que é usada nas interações comunicativas e deve afetar o ouvinte de forma específica e intencional (Nunes, 1992a). A criança aprende a usar a linguagem para controlar seu ambiente com o objetivo de satisfazer seus desejos e necessidades imediatas.

No desenvolvimento normal da linguagem é relevante reconhecer a importância de fatores físicos, psicológicos e ambientais. Tais fatores, assim como o papel da família, de pares e da cultura, podem exercer grande influência no desenvolvimento de habilidades lingüísticas. A fim de que a criança possa adquirir a linguagem de forma efetiva, e, por assim dizer, exercer sua competência social, é importante que ela esteja com um bom funcionamento dos sistemas motor (para articular os sons), cognitivo (para estabelecer relações significativas entre coisas e eventos) e sensorial (para perceber os estímulos do ambiente).

Alguns fatores podem dificultar a aquisição da linguagem; algumas crianças apresentam atrasos de linguagem devido a seu ambiente não oferecer, suficientemente, experiências estimuladoras, tão necessárias para um desenvolvimento normal. O atraso de linguagem pode ainda ser compreendido como uma característica que acompanha outras deficiências e desordens de comportamento. É freqüente identificar quadros de deficiência, quer seja por motivo motor, neurológico, cognitivo ou sensorial, que são acompanhados de desordens lingüísticas. Nestes casos, é importante analisar o atraso de linguagem, sua relação e repercussão, associado aos outros atrasos pertinentes àquele quadro de deficiência.

No caso da criança deficiente visual, a qual apresenta um comprometimento num importante veículo de representação do mundo, a percepção visual, as influências psicológicas, dela própria e do seu ambiente, começam, desde o nascimento, a moldar o seu crescimento. A fala e a linguagem são de importância incalculáveis para o desenvolvimento da criança cega, pois é através delas que a criança amplia seu desenvolvimento, adquirindo um meio de controle sob objetos que estão fora de seu alcance (Cutsforth, 1969). Assim, a aquisição da linguagem para a criança cega terá o importante objetivo, sobretudo, de socialização.

Com relação ao desenvolvimento lingüístico, existem diferentes pontos de vista no que se refere à influência da deficiência visual na habilidade de uso da linguagem. Segundo alguns estudos, a criança visualmente incapacitada não difere da criança vidente no desenvolvimento da linguagem verbal medida por testes, ou seja, a criança cega é capaz de adquirir a linguagem em termos funcionais e usá-la como veículo principal para sua comunicação com os outros. Contudo, outro grupo de estudos acredita que o desenvolvimento da linguagem de crianças deficientes visuais é diferente, pois a criança cega, através de sua experiência sensorial, possui características que podem afetar suas formas de pensar e, conseqüentemente, sua linguagem. E o que Thomas Cutsforth (1969) denomina verbalismo, ou irrealidade verbal; na verdade, seria a apropriação da linguagem do mundo real (determinado por pessoas videntes) pela criança cega, por meio de repetições e não de experiências sensoriais propriamente ditas, isto é, um fenômeno que existe em qualquer situação que requeira o uso de conceitos abstratos, não verificados pela experiência concreta.2 E uma tentativa de representar aos outros as coisas, de maneira mais realista possível, dentro de uma situação, com a intenção de encontrar aprovação social. Estudos posteriores discutem acerca do verbalismo e sua influência na aquisição e no desenvolvimento da linguagem por crianças deficientes visuais. Para uns, o verbalismo interfere no desenvolvimento cognitivo da criança, enquanto para outros o verbalismo não se constitui em problema e não estabelece relação com a dinâmica da personalidade ou com o desenvolvimento conceptual da criança.

Existe uma lacuna em estudos que abordem o desenvolvimento da linguagem em crianças cegas ou com deficiências visuais. Isso pode ser explicado pelo fato de que, na verdade, não existem evidências maiores que concluem que a deficiência visual per se impede a aquisição de habilidades lingüísticas adequadas, ainda que os atrasos que a criança cega apresente no desenvolvimento da linguagem sejam corroborados por atrasos em outras áreas de desenvolvimento (Rowland, 1984). Porém, é consenso que uma incapacidade em um domínio, tal como o sensorial, influencia a velocidade e eficiência de outros domínios, como a linguagem (Rogow, 1981; Tedder, Warden e Sikka, 1993). Em outras palavras, a linguagem da criança deficiente visual reflete todos os seus problemas: lacunas em experiências, desordens de percepção, incapacidade de organizar experiências, ansiedade, imaturidade, entre outros (Rogow, 1981). Como afirma Rogow, a criança cega com múltiplas deficiências e que não tem capacidade para estabelecer um diálogo, torna-se incapacitada de expressar seus sentimentos, pensamentos, necessidades ou desejos para outras pessoas, pois sua linguagem não retrata seu contexto imediato.

Estudos sobre comportamentos pré-lingüísticos em crianças cegas afirmam que, como na criança normal, estes são precursores de habilidades lingüísticas, assim como a comunicação estabelecida entre pais e crianças. Em sua investigação, Rowland afirma que, tais como em estudos com díades mãebebê normais, ocorrem mudanças vocais e verbais na comunicação de mães com bebês deficientes visuais. Ele sugere que, assim como as mudanças vocais e verbais, a ausência de certos tipos de feedback pode afetar a qualidade dos padrões de comunicação da mãe e do bebê. A relação da mãe com seu bebê portador de deficiência visual, principalmente nesta fase, se apresenta como um importante auxiliar para a aquisição de competência lingüística e outras habilidades pela criança (Rowland, 1984). O período pré-lingüístico deve ser avaliado como uma importante e determinante fase para a aquisição de linguagem pela criança deficiente visual e todo e qualquer programa de intervenção, que tenha o objetivo de promover linguagem, deve estar sensível para o tipo de comunicação que existe neste período, assim como para a dimensão pragmática com que se irá delinear o modelo de intervenção.

O sucesso de um programa de intervenção em linguagem depende da escolha dos procedimentos adequados a cada tipo de criança, a fim de que sejam eficientes em desenvolver sua competência comunicativa e do uso de procedimentos que assegurem a generalização para situações novas e diferentes (Lombardino, Willems e MacDonald, 1981; Nunes, 1992b; Warren, Yoder, Gazdag e Kim, no prelo). Uma nova perspectiva de intervenção em linguagem que enfatiza essa dimensão pragmática e que tem se mostrado eficiente em promover habilidades lingüísticas em crianças com deficiência mental, atraso generalizado de desenvolvimento, entre outros, é o ensino naturalístico. Nesta abordagem, a intervenção deve principalmente favorecer o aspecto da competência comunicativa no desenvolvimento da linguagem e estar comprometido com a generalização da aprendizagem, capacitando a criança a utilizar as habilidades comunicativas aprendidas em todos os contextos de sua vida (Nunes, 1992a; Nunes, Cunha e Nogueira, 1993).

O ensino naturalístico se baseia em diversos princípios do comportamento que contribuem para facilitar o desenvolvimento da comunicação. Ele refere-se a um modelo geral de intervenção em linguagem, que inclui vários programas de treinamento, os quais possuem algumas características comuns, como: a) o ensino de habilidades lingüísticas é feito no ambiente natural e rotineiro, ocorrendo no contexto das interações verbais normais da criança; b) o ensino da forma e do conteúdo da linguagem ocorre neste mesmo contexto; c) o interesse e a atenção imediata da criança são o fio condutor de todo o ensino; d) as tentativas de treinamento são dispersas ao longo das interações da criança com seu ambiente; e) a própria criança é quem indica os reforçadores funcionais que serão utilizados no decorrer do ensino (Nunes, 1992b).

No ensino naturalistico são aproveitadas todas as oportunidades de a criança emitir verbalizações. Técnicas que dirigem a atenção da criança para novos modelos de comportamentos comunicativos são combinadas de forma a encorajar a imitação espontânea e com ajuda. E ainda, o planejamento de atividades apropriadas à idade e aos contextos sociais aumenta a probabilidade de generalização reduzindo as diferenças entre contexto de treinamento e contexto de generalização (Nunes, Cunha e Nogueira, 1993).

As técnicas utilizadas no ensino naturalistico são o Arranjo Ambiental, o Modelo dirigido a criança, o Mando-modelo, a Espera, o Ensino Incidental e o Comentário Sistemático. Tais procedimentos permitem à criança aumentar a freqüência de interação com pessoas e objetos do seu ambiente. O arranjo ambiental consiste em arrumar o ambiente de forma a favorecer a comunicação da criança, ou seja, colocar os objetos e brinquedos de interesse da criança à sua vista mas fora do seu alcance para que ela necessite verbalizar para adquirir o objeto desejado. O modelo dirigido à criança é o procedimento básico do ensino naturalistico; num ambiente organizado de forma a favorecer a comunicação da criança, este procedimento tem o objetivo de estabelecer habilidade de tomar a vez, treinar imitação generalizada (Poulson, Nunes e Warren, 1989), instalar vocabulário básico e fazer a criança participar de conversações que ocorram fora do contexto de treinamento.

O procedimento de mando-modelo, elaborado por Rogers-Warren e Warren (1980), tem como objetivo estabelecer atenção conjunta como um sinal para verbalização, treinar a criança a fornecer informações a partir de solicitação verbal ou instrução e treinar a criança a responder a uma variedade de dicas verbais emitidas pelo adulto, como perguntas, instruções e modelos (Kaiser, Alpert e Warren, 1987).

A fim de capacitar a criança a iniciar conversação, a espera favorece a substituição das dicas verbais do interlocutor pelos próprios objetos e eventos do ambiente, como estímulos discriminativos para emissões verbais da criança. No procedimento de ensino incidental, a criança é ensinada a usar uma linguagem mais elaborada e melhorar as habilidades de conversação sobre determinado tópico, quando o adulto, aproveitando um incidente do ambiente, ensina a criança uma nova habilidade verbal.

Por fim, o último procedimento, comentário sistemático, tem por objetivo prover suporte para habilidade geral de conversação, no qual o adulto mantendo contato visual com a criança comenta, de forma sistemática, sobre a atividade que a criança desenvolve no momento.

Concluindo, o ensino naturalistico, enfatizando uma linguagem funcional, (usada nas interações comunicativas com um caráter pragmático), institui que o uso e a função de determinada forma lingüística devem ser estabelecidos quando a criança experiência os eventos que resultaram da emissão de uma verbalização. Em outras palavras, a criança aprende a usar certos sons ou combinações de sons para controlar intencionalmente seu ambiente imediato de forma a satisfazer suas necessidades.

Levando em consideração o fato de que a aquisição de linguagem pela criança é um importante marco evolutivo dentro do processo mais amplo de desenvolvimento, pressupõe-se que uma dificuldade qualquer ao longo do processo de aquisição de linguagem pode impedir que a criança seja bem-sucedida em adquirir e usar outros sistemas simbólicos, como a escrita e a leitura, além de levá-la a apresentar dificuldades de relacionamento interpessoal (Nunes, 1992b). Sendo assim, são extremamente relevantes investigações que focalizem modelos de intervenção, compromissados com uma dimensão pragmática da linguagem e preocupados com a qualidade de vida de crianças que apresentam dificuldades "especiais" de se comunicar.

Contudo, uma análise da produção científica, utilizando o método de ensino naturalistico de intervenção em atrasos de linguagem, nos mostra que existe uma lacuna em estudos que se proponham investigar a eficácia deste, e outros métodos de intervenção em linguagem, com crianças portadoras de deficiências sensoriais, principalmente a deficiência visual. Assim sendo, esta pesquisa tem como objetivo: verificar a eficácia de técnicas de ensino naturalistico em promover aquisição de linguagem funcional em uma criança portadora de deficiência visual com atraso de linguagem, através do treinamento de uma mãe de criança portadora de deficiência visual para utilizar os procedimentos de ensino naturalistico a fim de promover a aquisição e desenvolvimento de linguagem em seu filho.

 

Método

Sujeitos

Participaram da presente investigação uma mãe e sua filha portadora de deficiência visual. Elas residiam em um favela do subúrbio do Rio de Janeiro e freqüentavam, há 2 anos e 8 meses, o serviço de atendimento de uma instituição filantrópica destinada a assistir crianças com cegueira e deficiência visual. Marina, a mãe, tinha 28 anos, e Monica3 tinha 3 anos de idade no início do estudo.

A criança foi indicada para participar do estudo pela coordenadora do serviço de atendimento da instituição, devido apresentar atrasos no desenvolvimento da linguagem. Através de observações informais, analisou-se que a criança utilizava formas ininteligíveis de comunicação, emitindo somente a vocalização "ã, ã" para qualquer solicitação verbal.

Com relação ao atraso de desenvolvimento da linguagem, através da Escala de Comunicação Pré-verbal (ECPV), que se destina a avaliar as capacidades de comunicação não-verbal e vocal de crianças, jovens e adultos, foi possível confirmar o atraso de linguagem de Mônica. Ela, apesar de saber usar formas de comunicação simples, tais como negação e satisfação de necessidades, através de vocalizações ininteligíveis e respostas não-verbais, não tinha uma produção de sons da fala satisfatória.

 

Local e instrumentos

O estudo foi conduzido numa instituição filantrópica, mantida por uma entidade religiosa, destinada a abrigar crianças, jovens e adultos e oferecer atendimento fonoaudiológico, fisioterápico, psicológico, psicopedagógico e de terapia ocupacional a crianças com deficiência visual associada, ou não, a outras deficiências. Foram realizadas, igualmente, sessões de generalização e follow-up na residência do sujeito.

Na instituição, as sessões de linha de base, treinamento e intervenção ocorreram em uma sala de atendimento em Ludoterapia, com dimensões aproximadas de 20 m2, iluminada artificialmente por lâmpadas fluorescentes associadas à luz natural, onde havia diversos materiais lúdicos que serviam ao trabalho terapêutico. Na residência do sujeito, as sessões de generalização ocorreram na sala, banheiro, quarto ou outro cômodo que melhor se adequava à atividade proposta, sempre mantendo o mínimo de condições de controle, mas deixando os participantes à vontade em seu ambiente natural.

Como instrumentos foram utilizados uma filmadora JVC Handycam FX 630 e fitas de vídeo VHS para registro das sessões, além de papel para transcrição dos dados. Na fase do treinamento foi fornecido à mãe um handout, apostila com instruções sobre a utilização passo-a-passo dos procedimentos.

 

Delineamento experimental

Um delineamento experimental de sujeito como seu próprio controle, do tipo linha de base múltipla entre comportamentos4 foi empregado neste estudo. As linhas de base tiveram durações variáveis de 6, 11, 16 sessões para a introdução do treinamento da mãe nos procedimentos de modelo dirigido à criança (TR1), mando-modelo (TR2) e espera (TR3).

A inspeção visual dos dados foi utilizada para determinar quando as condições iniciais de intervenção mudavam, ou seja, quando a mãe estava utilizando corretamente o procedimento-alvo e assim se mostrava apta a ser treinada a usar o próximo procedimento. Para introdução do próximo treinamento, a mãe deveria demonstrar estar usando de forma adequada o procedimento treinado através dos níveis de freqüência do uso correto da técnica ensinada.

 

Procedimento

Através de entrevista inicial com a mãe, foram coletadas informações gerais pertinentes à dinâmica familiar e ao desenvolvimento da criança. Os técnicos da instituição, os quais prestavam atendimento a Mônica, também foram requisitados para entrevista no início do estudo, a fim de coletar maiores informações a respeito do percurso do desenvolvimento da criança, principalmente lingüístico, nos referidos atendimentos. Ao término da investigação, já na fase de follow-up, os técnicos foram solicitados a responder o questionário mencionado na sessão Instrumentos.

Com o objetivo de identificar formalmente o atraso de linguagem de Mônica, aplicou-se a Escala de Comunicação Pré-verbal (ECPV) de Kiernam & Reid. A aplicação dessa escala foi realizada na residência do sujeito numa sessão única de 90 minutos de duração, durante a qual a mãe respondeu às informações da escala, através das perguntas do experimentador. Os resultados demonstraram que a produção de sons da fala revelou-se insatisfatória, apesar de a criança fazer uso de formas de comunicação simples, tais como negação simples e satisfação de necessidades básicas, através de vocalizações ininteligíveis e respostas não-verbais. Estes dados serviram para caracterizar o atraso de linguagem, identificado informalmente no início do estudo, uma vez que, segundo McLean (1979), a criança com 3 anos de idade deve estar apta a produzir sentenças de até 4 palavras.

Em linhas gerais o presente estudo pode ser dividido em cinco fases: a fase de Linha de Base, a fase de Intervenção (somente para a mãe), a fase de Treinamento, a fase de Generalização e a fase de follow-up. Todas essas fases foram registradas em vídeo e posteriormente transcritas através de registro contínuo. Os dados foram então dispostos em um quadro de contingências segundo os seguintes eventos:

evento antecedente/comportamento/evento conseqüente

ou seja, o evento (comportamento da mãe) que antecedia o comportamento (da criança) e o evento conseqüente àquele comportamento da criança.

Cada evento, comportamento da mãe ou da criança, era categorizado para posterior análise e mensuração em cada fase do estudo, segundo as categorias do Quadro 1.

 

 

Ainda com relação aos procedimentos gerais, o experimentador treinou um profissional, o qual foi chamado assistente de pesquisa, para analisar 25% das sessões do estudo escolhidas aleatoriamente, a fim de avaliar a fidedignidade das categorias comportamentais utilizadas no estudo: o experimentador orientou o assistente de pesquisa a categorizar todos os comportamentos da mãe e da criança apresentados nas sessões de acordo com as categorias comportamentais apresentadas no Quadro 1.

Com relação ao experimento propriamente dito, Marina e sua filha, Mônica, passaram por cinco fases descritas a seguir:

Fase I -Linha de base

Na fase I (Linha de Base/LB) foi observada a mãe em interação com a criança em situação em que, foram dadas instruções para a mãe interagir de forma espontânea com sua filha. As sessões dessa fase eram livres não-estruturadas, ou seja, a mãe interagia espontaneamente com a criança utilizando os recursos lúdicos, existentes na sala de Ludoterapia, da maneira que mais lhe agradava.

A fase I de Linha de Base pode ser dividida em três etapas: linha de base para introdução do procedimento de Modelo dirigido à criança (LB), linha de base para introdução do mando-modelo (LB II/TR1) e linha de base para introdução do procedimento de espera (LB III/TR2). Na linha de base (LB) foram realizadas 6 sessões em situação lúdica não estruturada, sendo, então, introduzido o primeiro treinamento no procedimento de Modelo (TR1). A segunda etapa do estudo, LB II/TR1, durou até a última sessão de TR1 (total de 11 sessões), quando, após analisar a tendência estável dos dados coletados, (ou seja, se a mãe estava utilizando consistentemente o procedimento treinado - Modelo), foi introduzido o segundo treinamento no procedimento de Mandomodelo (TR2). A última etapa, LB III/TR2, teve a duração de 16 sessões, isto é, até a tendência da freqüência de uso correto do procedimento de Mandomodelo pela mãe se tornar estável, sendo, então, introduzido o último treinamento no procedimento de Espera (TR3). Esta fase I (Linha de Base) se confunde com as fases seguintes de treinamento nos procedimentos, uma vez que foi escolhida como delineamento deste estudo a linha de base múltipla, na qual as diversas etapas de uma investigação são relacionadas umas com as outras. Cada sessão desta fase teve a duração de 15 minutos.

Fase II - Intervenção

A segunda fase (Intervenção), também dividida em etapas segundo o procedimento-alvo (IN 1, IN2 e IN3), consistiu de sessões de discussão e análise dos procedimentos do ensino naturalistico através da apostila, fornecido à mãe antecipadamente. Cada etapa da fase de intervenção ocorreu em uma sessão de aproximadamente 30 minutos de duração. Ainda nesta fase de Intervenção foi realizada uma sessão de role playing para cada etapa, com duração de 20 minutos, na qual foi solicitado à mãe que demonstrasse, com o experimentador fazendo o papel da criança, como utilizar o procedimento na situação requisitada. Essa sessão servia como simulado da sessão que, logo depois, seria realizada com a criança e a mãe na terceira fase do estudo.

Fase III - Treinamento

A fase III (Treinamento) consistiu em o experimentador observar a mãe interagindo com a criança em atividade lúdica semi-estruturada, utilizando os quatro procedimentos naturalísticos de intervenção em linguagem: arranjo ambiental, modelo dirigido à criança, mando-modelo e espera. Essas sessões lúdicas semi-estruturadas consistiam em a mãe sentar com a criança ao chão, colocando os materiais lúdicos próximos à criança, de maneira que permitisse a ela perceber, ou seja, dentro do seu campo visual, mas fora do seu alcance. Esses recursos lúdicos utilizados pela mãe eram selecionados por ela e pelo experimentador com base no interesse que a criança tivesse demonstrado nas fases anteriores. A mãe pegava os objetos, mostrava para a criança e seguia os passos da técnica que estava sendo utilizada.

Como para os três últimos procedimentos, foram realizadas sessões de intervenção específicas, a fim de treinar a mãe a utilizar o procedimento-alvo. Esta fase de Treinamento também foi subdividida em três etapas: treinamento no procedimento de modelo dirigido à criança (TR1), treinamento no procedimento de mando-modelo (TR2) e treinamento no procedimento de espera (TR3).

Na fase de treinamento do procedimento de Espera, em função da deficiência visual da criança a mãe foi orientada a aproximar o objeto ou brinquedo escolhido o máximo possível da altura dos olhos a fim de permitir que ela percebesse visualmente o objeto a ser nomeado por ela. E importante destacar que, também devido à deficiência visual, foram selecionados para a fase de Treinamento os objetos e brinquedos sonoros e visualmente mais atraentes, ou seja, com texturas diversas, formas e tamanhos grandes e cores vivas e contrastantes.

Vale ainda ressaltar que o procedimento de Arranjo Ambiental, ensinado para mãe na sessão IN 1, foi observado ao longo do estudo em todas as etapas da fase de Treinamento. Todas as sessões desta fase tiveram 15 minutos de duração, quando foi fornecido feedback do desempenho da mãe durante as sessões.

Fase IV - Generalização

A quarta fase, chamada Generalização, consistiu de sessões de acompanhamento, ou seja, o registro da utilização dos procedimentos pela mãe interagindo livremente com a criança em condições do seu ambiente natural, diferentes do "setting" experimental. Estas sessões foram realizadas na residência dos sujeitos, em situações de alimentação e higiene. Semanalmente, durante as fases de LB e Treinamento, o experimentador realizava sessões de registro com uma média de 10 minutos de duração, quando a mãe era orientada a interagir com sua filha como melhor lhe conviesse nas situações acima mencionadas.

Geralmente, na situação de alimentação a mãe sentava com a criança no sofá da sala e utilizava a comida que estava sendo oferecida para fazer uso das técnicas aprendidas em treinamento. Já nas sessões de higiene, a mãe quer seja despindo, vestindo ou dando banho na criança, aproveitava os objetos utilizados nesta situação (toalha, roupas, sabonete, xampu etc.) para pôr em prática a técnica aprendida no treinamento.

Nesta fase foram analisadas as mesmas categorias comportamentais para a mãe e para a criança, com exceção da categoria, feedback do desempenho da mãe fornecido pelo experimentador, uma vez que durante estas sessões não poderia ocorrer nenhuma intervenção do experimentador, ou seja, os sujeitos deveriam interagir de forma espontânea.

Fase V - Follow-up

Por fim, a quinta e última fase foi a fase de Follow-up, na qual foram realizadas sessões de observação livre dos sujeitos interagindo na sala de Ludoterapia, em situação idêntica à fase de Treinamento, e na sua própria residência, em situação de higiene e alimentação, como na fase de Generalização. As sessões de follow-up serviram para verificar a manutenção do aprendizado das técnicas ensinadas à mãe no decorrer do estudo e a desenvoltura do processo de desenvolvimento de linguagem na criança após o término do estudo. Ainda com relação a essa fase, foi distribuído um questionário aos técnicos responsáveis pelo atendimento de Mônica nas especialidades de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, com o objetivo de avaliar o efeito do treinamento da mãe em ensino naturalistico sob o desenvolvimento da produção lingüística da criança nos referidos setores.

O Quadro 2 é um quadro-resumo com as fases do estudo, número, tipo e duração das sessões e procedimento-alvo.

 

 

O estudo teve a duração total de 12 meses, levando em consideração desde o momento em que a mãe foi contatada e esclarecida sobre os objetivos do estudo, concordando em participar do mesmo, até o momento do registro das últimas sessões de follow-up. Não foi considerado o tempo necessário para análise dos dados, até mesmo porque esta foi realizada durante a coleta dos dados, sendo, somente ao final, necessário um período de mais 2 meses para a finalização da análise dos mesmos.

Ao longo do estudo a mãe foi ensinada, nas sessões de Intervenção, a utilizar técnicas básicas dos quatro procedimentos do ensino naturalistico, descritos anteriormente, quais sejam: Arranjo Ambiental, Modelo dirigido à criança, Mando-modelo e Espera. Todos esses procedimentos têm se mostrado eficazes em promover habilidades lingüísticas em crianças com atraso de linguagem.

 

Variáveis em estudo

No presente estudo, foi considerada como variável independente o treinamento da mãe nos procedimentos de ensino naturalistico, a saber: Arranjo Ambiental, Modelo dirigido à criança. Mando-modelo e Espera. Esse treinamento foi realizado pelo experimentador nas sessões de Intervenção, nas quais a mãe aprendeu técnicas básicas de cada procedimento para, posteriormente, aplicá-las nas sessões de Treinamento, favorecendo o desenvolvimento de linguagem de sua filha.

Quanto à variável dependente podem ser indicadas duas variáveis, a saber: o comportamento da mãe e o comportamento verbal da criança, já descritos no quadro 1. O comportamento verbal da mãe se refere ao uso, pela mãe, das técnicas dos procedimentos-alvo treinadas nas sessões de Intervenção, analisadas pelo número, por sessão, das seguintes respostas emitidas pela mãe:

a) Dicas para verbalizar (estímulos antecedentes):

1) Pergunta que exige resposta sim/não - a mãe faz uma pergunta à criança que exige uma reposta do tipo SIM/NÃO. Ex.: "Você quer a bola?";

2) Pergunta que exige resposta diferente de sim/não - a mãe faz uma pergunta à criança que exige uma resposta diferente do tipo SIM/NÃO. Ex.: "O que você quer ?";

3) Mando-modelo - a mãe utiliza uma instrução para verbalizar (mando). Ex.: "Fala para mim o que você quer?";

4) Modelo dirigido á criança (modelo verbal) - a mãe oferece o modelo verbal referente ao objeto interessante para que a criança imite. Ex.: "Isso é uma bola. Fala bola";

5) Espera - a mãe, mantendo o objeto de interesse da criança próximo a ela e olhando-a com olhar indagativo, espera uma resposta da criança por aproximadamente 15 segundos.

b) Respostas verbais (estímulos conseqüentes):

1) Feedback positivo - a mãe fornece um feedback positivo após uma resposta da criança. Ex.: "Muito bem, isso é uma bola!";

2) Feedback negativo - a mãe oferece um feedback negativo após uma resposta da criança. Ex.: "Não é uma bola!";

3) Feedback corretivo - a mãe oferece pela segunda vez um modelo verbal e aguarda a resposta da criança. Ex.: "Isso é uma bola!";

4) Comentário - a mãe comenta a interação com a criança. Ex.: "Você está brincando com a bola.";

5) Expansão - a mãe expande a resposta verbal da criança, apresentando um modelo verbal mais complexo. Ex.: "É uma bola amarela!"

6) Instrução para comportamento não verbal. - Ex.: "Pega a bola".

A segunda variável dependente, o comportamento verbal da criança, foi analisada pelo número, por sessão, das seguintes respostas verbais da criança:

a) Respostas obrigatórias:

1) Resposta obrigatória correta - a criança verbaliza em resposta a uma dica para verbalizar ou resposta verbal emitida pela mãe.

2) Resposta obrigatória incorreta - a criança verbaliza incorretamente em resposta a uma dica para verbalizar ou resposta verbal emitida pela mãe.

3) Resposta não-verbal - a criança não responde verbalmente a uma dica para verbalizar ou resposta verbal da mãe.

b) Respostas espontâneas:

1) Solicitação verbal espontânea - a criança emite uma verbalização não precedida por dicas para verbalizar e resposta verbal da mãe, pedindo acesso a objeto ou ajuda;

2) Verbalização inicial - a criança emite uma verbalização não precedida por dicas para verbalizar ou resposta verbal da mãe, que pode se constituir em pergunta, descrição ou emissão de opinião sobre algum evento ocorrido na sessão;

3) Verbalização ininteligível - a criança verbaliza de forma ininteligível, ou seja, emissões verbais sem sentido.

c) Número de palavras por sentença produzidas pela criança em todas as fases do estudo;

d) Variação total de palavras produzidas pela criança ao longo da investigação.

 

Fidedignidade

As sessões foram gravadas em vídeo e, posteriormente, transcritas na forma de registro cursivo em um quadro de contingências de três colunas (antecedente/comportamento/conseqüente). O experimentador, após esta etapa, categorizava os comportamentos da mãe e da criança de acordo com as categorias elaboradas pelo próprio autor, baseadas no estudo de Warren & Bambara (1989). Um assistente, treinado pelo experimentador, foi responsável por categorizar 25% das sessões das fases I (Linha de Base), III (TR1, TR2, TR3) e IV (Generalização). Esta categorização foi comparada com a categorização feita pelo experimentador, para o cálculo dos acordos e desacordos. Para obter o índice de fidedignidade das categorizações utilizou-se o índice de cálculo de fidedignidade de Kazdin (1982), no qual acordos são as categorizações idênticas para a mesma resposta (acordo ponto por ponto). Nas sessões de Linha de Base a média de acordos foi de 90%, já para as sessões da fase III, TR1, TR2 e TR3, estas médias obtidas, respectivamente para as três subfases, foram de 98%, 97% e 90%; enquanto para as sessões de Generalização a média de acordos foi de 95%) para a situação de Higiene e 97% para a situação de Alimentação.

 

RESULTADOS

O efeito do treinamento para promover linguagem funcional em criança com atraso lingüístico foi determinado segundo a freqüência do uso dos procedimentos de Ensino naturalistico pela mãe e as mudanças, também medidas pela freqüência, nas habilidades lingüísticas da criança. Os resultados foram obtidos segundo os dados coletados nas sessões de Linha de Base, Treinamento, Generalização e follow-up, sendo apresentados em termos da tendência observada de acordo com as categorias comportamentais da mãe (dicas para verbalizar e respostas verbais) e da criança (respostas obrigatórias e espontâneas, extensão e variação total das verbalizações) e a categoria feedback do desempenho da mãe fornecido pelo experimentador.

Os dados demonstraram que o programa de intervenção em linguagem baseado no ensino naturalistico obteve êxito, tanto com relação às respostas da mãe quanto com as da criança, comparadas antes e depois do treinamento. Os resultados gerais mostram que, antes da Intervenção, a mãe emitia as dicas e respostas verbais inconsistentemente e que se restringia a dar ordens verbais (instruções) e corrigir a fala ininteligível da criança (feedback corretivo) sem, no entanto, lhe fornecer modelos adequados para imitação. Sistematicamente, ocorreu aumento do uso de dicas para verbalizar pela mãe, sempre depois do treinamento específico no procedimento-alvo. Após a Intervenção, a mãe passou a utilizar o procedimento, consistentemente, até o fim da fase de Treinamento. Fato idêntico ocorreu nas outras fases do estudo: os três procedimentos de ensino naturalistico, os quais a mãe foi treinada a utilizar nas sessões experimentais, foram observados nas sessões de Generalização e de follow-up, somente após a Intervenção.

Tendo sido ensinada a fazer uso do procedimento de Modelo dirigido à criança para favorecer a linguagem de sua filha, Marina passou a usar freqüentemente a dica verbal Modelo. Quando foi introduzido o segundo treinamento no procedimento de Mando-modelo, ela passou a usar com maior freqüência este procedimento, não deixando de usar o outro, mas diminuindo a emissão de modelos dirigidos à Mônica. Assim também ocorreu com o procedimento de Espera, a produção de modelos da mãe foi semelhante à freqüência de modelos encontrada na fase de Linha de Base e a emissão de mandos só ocorreu quando o procedimento de espera não era suficiente para estimular a produção verbal da criança. Estes resultados podem ser observados na Figura 1, na qual está apresentado o delineamento de linha de base múltipla.

 

 

Os efeitos do treinamento da mãe em ensino naturalístico nas habilidades lingüísticas da criança foram determinados pela comparação do comportamento verbal da criança nas fases de Linha de Base, Treinamento, Generalização e follow-up. Os resultados demonstraram que o uso dos procedimentos pela mãe está associado ao aumento na variação de diversos aspectos lingüísticos do comportamento da criança, principalmente ao aumento da freqüência de respostas corretas da criança às dicas para verbalizar da mãe, como pode ser observado na Figura 2. Igualmente, outros aspectos da evolução da linguagem podem ser considerados como indicadores do progresso do desenvolvimento lingüístico da criança, tais como: a) a criança passou a iniciar conversação com a mãe com maior freqüência; b) a freqüência de respostas corretas aumentou ao passo que a freqüência de respostas incorretas diminuiu; c) a criança, que antes expressava-se por vocalizações ininteligíveis e solicitações não-verbais (apontar, por exemplo), passou a produzir sentenças de até sete palavras ao final do estudo, como pode ser visto na Figura 3.

 

 

 

 

Os resultados da avaliação do treinamento da mãe em ensino naturalístico pelos técnicos da instituição onde Mônica era atendida foram obtidos de acordo com a resposta dos técnicos às perguntas do questionário. Dos três técnicos que responderam ao questionário, todos afirmaram que a criança não se comunicava verbalmente antes do treinamento da mãe, limitando-se a demonstrar o que queria através de comunicação não-verbal (gesto de apontar com o dedo) e poucos sons vocais.

Os técnicos relataram que a criança mantinha-se apática, "por vezes isolada"(SIC), o que dificultava a comunicação com ela". Com relação às mudanças do comportamento verbal e não-verbal de Mônica, todos afirmaram que a criança passou a ser mais participativa e extrovertida, passando a "utilizar freqüentemente a linguagem para expressar seus desejos"(SIC).

Dentre os comentários que os técnicos fizeram com relação ao trabalho realizado, dois deles expressaram que o trabalho realizado com a família foi "de grande importância para a conquista de seu desenvolvimento" e serviu para "resgatar a importância de um trabalho desenvolvido junto à família, cuja participação é meta prioritária no processo evolutivo da menor"(SIC).

 

DISCUSSÃO

O ensino naturalístico tem se mostrado um eficiente instrumento de promoção de linguagem em crianças com atraso de linguagem (Rogers-Warren e Warren, 1980; Warren et. Al., 1984), atraso de desenvolvimento (Nunes, Cunha e Nogueira, 1993; Warren, Yoder, Gasdag; Kim e Jones, 1993) e com retardo mental (Warren e Bambara, 1989; Warren, Yoder, Gasdag; Kim e Jones, 1993). No entanto, não existiam estudos que demonstrassem a eficácia desta metodologia com crianças portadoras de deficiências sensoriais. Assim sendo, a partir da presente investigação, é possível afirmar que o ensino naturalístico se revela uma importante ferramenta no favorecimento da aquisição e desenvolvimento de habilidades lingüísticas em crianças portadoras de deficiência visual.

E ainda, o presente estudo contribui para reconhecer que, não somente profissionais, mas as próprias pessoas presentes no cotidiano da criança podem ser treinados para servir como facilitadores no seu processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem, utilizando as técnicas do ensino naturalístico. Tal como em outros estudos, no presente trabalho, um adulto do próprio contexto da criança, a mãe, foi treinado a usar os procedimentos de ensino naturalístico obtendo resultados satisfatórios, como pôde ser demonstrado nos dados coletados.

A partir dos resultados encontrados é possível afirmar que o treinamento da mãe em ensino naturalistico teve efeitos satisfatórios no desenvolvimento da linguagem oral da criança. A análise da variável independente - Treinamento da mãe nos procedimentos de Ensino naturalistico - por meio dos dados coletados da variável dependente - Comportamento da mãe - através da freqüência de dicas para verbalizar usadas pela mãe durante a fase de Treinamento, mostraram que os procedimentos foram realmente implementados conforme planejado, uma vez que a freqüência de emissão de dicas para verbalizar pela mãe aumentou logo no início de cada treinamento (TR1, TR2 e TR3).

Da mesma forma, a análise dos dados de outra variável dependente -Comportamento da criança - revelou que ocorreram mudanças significativas no desenvolvimento da linguagem da criança, pois, a partir da introdução do treinamento, a criança passou a articular as palavras de forma mais correta, começou a utilizar as formas verbais treinadas, aumentou seu vocabulário e ampliou a extensão de suas sentenças. Igualmente, ela passou a usar a linguagem oral nos diversos contextos do seu ambiente, em suas interações na instituição de atendimento terapêutico, com os técnicos que a atendiam, e em casa com os pais, irmãos e pessoas próximas, conforme relato da mãe.

E ainda, a análise da variável independente - feedback do experimentador - revela que o treinamento da mãe foi eficaz em ensiná-la a utilizar as técnicas de ensino naturalistico de maneira correta, uma vez que a freqüência do feedback do experimentador era alta apenas nas primeiras sessões, decrescendo ao longo da fase observada. Sendo assim, é possível afirmar também que o método de treinamento, utilizando role playing e a apostila com o passo a passo das técnicas, facilitou a aprendizagem da mãe, possibilitando melhorar suaperfomance no decorrer das sessões de treinamento.

A utilização do delineamento experimental de sujeito único proporcionou um maior controle sob variáveis estranhas, como por exemplo o desenvolvimento natural da linguagem da criança através da maturação. O acelerado aumento na freqüência das verbalizações obrigatórias corretas, assim que o treinamento era introduzido, indica que foram, de fato, os procedimentos de ensino naturalistico os fatores causadores da mudança nos padrões lingüísticos da criança.

O delineamento experimental de linha de base múltipla, implementado no presente estudo, possibilitou que a emissão de dicas para verbalizar pela mãe só ocorresse após a introdução do treinamento nos procedimentos-alvo durante a fase de Intervenção, controlando, assim, a própria tendência natural da mãe de ensinar linguagem ao seu filho através do uso inconsistente de dicas. Assim sendo, as verbalizações da criança também ficaram sob controle dos procedimentos-alvo de cada fase. Logo, é possível afirmar que o aumento da freqüência de respostas corretas da criança está diretamente relacionado às dicas para verbalizar emitidas pela mãe em cada fase de treinamento.

O nítido aumento da emissão de dicas para verbalizar pela mãe no início de cada treinamento, seguido de gradativa diminuição ao longo do estudo, justifica que, com o aumento de respostas da criança, a mãe retirava aos poucos a dica verbal, substituindo por outras mais elaboradas e que exigissem uma resposta mais complexa da criança. Na última fase de treinamento - TR3 - o uso pela mãe da dica Espera, tinha o objetivo de favorecer o ingresso da criança em uma fase de transição para a fala espontânea, onde ela, na ausência de dicas para verbalizar, iniciasse interação verbal com a mãe.

Na verdade, o que aconteceu é que, como afirma Nunes (1992b), a criança passou de uma posição passiva, na qual ela raramente solicitava verbalmente o acesso aos reforçadores, para assumir uma posição mais ativa de iniciador nas interações, através de respostas cada vez mais elaboradas.

Outro resultado positivo que reafirma o sucesso do treinamento diz respeito à Generalização. O uso generalizado pela mãe dos procedimentos treinados experimentalmente, em diferentes contextos de sua rotina com a filha, está relacionado com o aprendizado das técnicas pela mãe e também com a forma como o treinamento foi conduzido. Na análise das sessões de generalização foi registrada a ocorrência de aprendizagem através da avaliação da freqüência dos comportamentos verbais e não verbais da criança em contexto diferente do experimental, ou seja, na casa dos sujeitos.

Com efeito, a generalização de aprendizagem foi identificada e mensurada no decorrer do estudo através do registro de sessões de generalização realizadas na residência do sujeito. Ela engloba dois aspectos fundamentais: a generalização de estímulo e a generalização de resposta. A primeira se refere a um mesmo comportamento ser apresentado na presença de diferentes estímulos. Por exemplo, Marina mostra um brinquedo a Mônica e ela responde "Mamãe me dá" e em outra situação a criança tem a mesma resposta diante do prato de comida, ou seja, ela apresenta a mesma resposta para estímulos variados, ora o brinquedo, ora a comida; cientificamente, pode-se dizer que se estabeleceu uma generalização de estímulos, os dois estímulos funcionam da mesma forma, eliciando a mesma resposta. Ou no caso da mãe que pergunta para a criança "O que você está fazendo?" quando a criança brinca de diferentes coisas com a mesma função e que pertencem à mesma classe de respostas.

É importante ressaltar que um fator relevante para que a generalização da aprendizagem ocorresse foi o uso pela mãe de diferentes estratégias promotoras de generalização, como o uso de exemplares múltiplos (Nunes, 1992b). A mãe utilizou brinquedos de diferentes tamanhos, formas e cores ou o mesmo brinquedo com diferentes cores e ofereceu modelos verbais equivalentes, como "Quero bola" ou "Me dá bola".

Com efeito, a generalização do uso dos procedimentos de ensino naturalistico com outras populações pode ser alvo de futuras investigações. Assim como inexistiam estudos com sujeitos portadores de deficiência visual, outros tipos de portadores de deficiência não foram alvo de pesquisas utilizando o ensino naturalistico.

A necessidade de desenvolver trabalhos que verifiquem a eficácia do ensino naturalistico em promover habilidades comunicativas em sujeitos com múltiplas deficiências, deficiência auditiva e deficiência mental moderada e severa pode servir de objetivo para estudos que desejem contribuir para a área de aquisição e desenvolvimento de linguagem. Ainda, indivíduos com comprometimentos neurológicos, como por exemplo a paralisia cerebral, que têm sua comunicação verbal dificultada ou, até mesmo, impossibilitada, também podem ser alvo de investigações que se proponham a enfrentar o desafio de adequar as técnicas do ensino naturalistico para promover comunicação nesse tipo de população.

Assim como a família, professores e terapeutas podem servir como instrutores para ensinar habilidades lingüísticas utilizando os procedimentos de ensino naturalistico. Como foi constatado no presente estudo, as técnicas de ensino naturalistico, quando treinadas de maneira didática e sistemática, podem ser utilizadas por qualquer pessoa do convívio diário da criança.

Por fim, faz-se importante a divulgação deste eficiente instrumento de desenvolvimento de linguagem nos meios educacionais, terapêuticos e institucionais, como forma de amenizar problemas de linguagem em crianças em idade precoces para que estes não tenham, futuramente, dificuldades na aquisição de outros sistemas simbólicos, tais como a leitura e a escrita, os quais, comprovadamente, têm como alicerce a linguagem verbal. Com efeito, é relevante salientar que sempre se faz necessária a realização de futuras investigações que tenham como norteadores a aquisição e o desenvolvimento da linguagem como uma importante área de conhecimento humano.

 

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(1) Endereço para correspondência: Avenida A, 688 (quadra 13, lote 11)- Praia da Ribeira - Angra dos Reis -Rio de Janeiro, CEP 23900-000.
(2) Seria a idéia de que a linguagem é contruida a partir da experiência visual, isto é, a criança experimenta objetos do seu ambiente e dá nomes a eles a partir de sua experiência visual. Uma vez que a criança cega é privada desta experiência visual, ela adquire a linguagem oriunda não do seu prórpio referencial, mas sim de um referencial que lhe é dado. Cutsforth (1969) afirma: "Nome de coisas circulam entre as crianças cega e seus companheiros, dotados de visão, como se tivessem o mesmo significado, para ambos. Mas o nome da coisa vista, apesar de ser a mesma palavra, tem uma significação diferente do nome da coisa sentida e ouvida" (p.19)
(3) Os nomes dos participantes são fictícios.
(4) Foram definidos como comportamento-alvo analizados na Linha de base as respostas da mãe, ou seja, os procedimentos de Ensino naturalísticos ensinados à mãe, na forma de dicas para verbalizar, durante a fase nção. As dicas para verbalizar são as seguintes: Modelo Dirigido à Criança (Mo), Mando-Modelo (M) e Espera (E).