SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.7 issue1Adult cognitive development and initial schooling: problem solving and operations notation author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Temas em Psicologia

Print version ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.7 no.1 Ribeirão Preto Apr. 1999

 

Obituário

 

 

Luiz Fernando de Lara Campos

(1962/1999)

Ainda hoje lembro o dia em que conheci Luiz Fernando. Era candidato ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica na PUC-Campinas. Muito jovem, perto dos demais concorrentes parecia um adolescente. Ativo, conversava com todos, esbanjava alegria, força e mostrava saber bem o que ali vinha buscar. A aparência não revelava a maturidade de metas e planejamento de carreira e vida. Depois da seleção em que passou brilhantemente, revejo-o no primeiro dia de aula, sorridente, brincando com os colegas, espanta-se ao me ver já na sala aguardando por eles. Já no primeiro momento destaca-se por suas perguntas, por suas contribuições resultantes de suas vivências e leituras (sempre atualizadas). Em pouco é líder no grupo. Tinha pressa, muita pressa de aprender, muita pressa em repassar o aprendido, pressa em viver, pressa em produzir. Vivia intensamente, não perdia tempo. Cobrava de todos esta imensa energia que exibia, esta cobrança por vezes era dura e nem sempre bem recebida. Mas ele estava sempre dando mais e mais de si para os outros, para as instituições, para a Psicologia, para a Ciência. Ficava impaciente, quando os demais não faziam o mesmo. Era daqueles que Fernando de Azevedo caracterizava, em suas aulas, como incendiários, semeando força e vigor para levar adiante o desenvolvimento, a eterna transformação.

Luiz Fernando tinha pressa como se não tivesse um longo tempo pela frente, como se o tempo não fosse suficiente para cumprir suas múltiplas metas. Elas eram tantas! Infelizmente, sua vida foi curta para poder cumprir tantas metas. Um acidente de carro fechou seu ciclo de vida no dia 7 de outubro de 1999. Não viveu o bastante para chegar a ser o bombeiro, de que Fernando de Azevedo também falava em suas aulas, e a que todos chegam a ser no entardecer de suas vidas, quando já se pode olhar com mais calma e tolerância para si mesmo e para os outros.

Luiz Fernando partiu. Entretanto, em seus poucos anos, intensa e produtivamente vividos fez mais do que muitos conseguem em muitos e muitos anos de vida. Filho de Fernando de Lara Campos e de Sylvia M. de Lara Campos, nasceu em São Paulo, em 29 de dezembro de 1962. Desde menino distinguiase por sua capacidade e a avó Ruth por esta razão o chamava carinhosamente de "Cuca", com orgulho pela competência e êxitos do neto querido.

Obteve o título de psicólogo em 1986 (UNIP), iniciando-se na atividade clínica no ano seguinte. Em março de 1988 começou seu mestrado na PUC-Campinas, defendendo sua dissertação no ano seguinte (20 de dezembro) com um brilhante trabalho sobre supervisão clínica, muito referido em trabalhos subseqüentes. Seu doutorado foi realizado no Instituto de Psicologia da USP, onde defendeu sua tese em 23 de novembro de 1994 com trabalho sobre modelos de supervisão de grande valia onde quer que esta atividade seja exercida.

A Tabela 1 apresenta numericamente a produção deste jovem pesquisador nos poucos anos que teve para concretizá-la. Os dados foram extraídos de seu memorial elaborado no começo de 1999, portanto incompletos. Tem vários trabalhos no prelo.

 

 

Considerando-se que a Tabela de fato cobre oito anos de produção, que grande parte do produzido em 1998 e 1999 ainda estava no prelo quando o jovem pesquisador faleceu, pode-se considerar que suas realizações são dignas de nota, sendo raro, no Brasil, encontrar autores que publiquem no ritmo em que ele o vinha fazendo, sendo seus artigos relatos de pesquisa (quase três ao ano).

Além disso, ocupou cargos administrativos na Universidade São Francisco, lecionou em cursos de graduação, de pós-graduação e de extensão. Foi assíduo freqüentador de eventos científicos nacionais e internacionais, tendo comparecido a 55 destes eventos, em 41 dos quais apresentou trabalhos diversos.

Luiz Fernando também colaborou na organização de vários eventos científicos e, quando faleceu, estava começando a colaborar para a realização do V Congresso de Psicologia Escolar (V CONPE) e intensamente envolvido com a organização da XXIX Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, realizada em Campinas, logo após seu falecimento.

Luiz Fernando fez muito como jovem cientista e como professor, mas certamente merece destaque o papel muito forte que teve na formação científica dos muitos jovens que passaram por ele, especialmente aqueles que encaminhou para a pós-graduação. Os que lerem seu livro sobre metodologia científica (no prelo) sentirão a segurança e a honestidade com que conduzia seus alunos pelos caminhos do fazer ciência e compreenderão o entusiasmo de seus alunos e orientandos em produzir conhecimento. Certamente, sua esposa e exaluna, a sua querida Keli, é um bom exemplo daqueles aos quais ele ensinou a respeitar e a amar o fazer ciência. No futuro, muitos de seus alunos estarão freqüentemente lembrando a figura do mestre em suas exigências quanto à produção, quanto à atualização e à necessidade de eterna renovação e criatividade para poder ir adiante.

Em nosso último encontro pediu-me para fazer a Apresentação de um de seus novos livros (dois estavam prontos) e tivemos a oportunidade de dar continuidade a uma conversa anterior sobre as necessidades de transformação da Universidade para que pudesse cumprir seu papel. Quantas idéias! Quantos projetos! Quanta atualidade! Quanta criatividade realmente inovadora! Lamentei que não pudéssemos dispor de mais tempo. Como sempre, valeu trocar informações. Fiquei feliz por ver quanto estava informado sobre as transformações mundiais da referida instituição e quanto estava pronto para participar dos projetos arrojados e inovadores que precisam ser implantados. Ali estava alguém que no momento certo poderia fazer a diferença. Ele partiu antes, as esperanças morreram com ele. Não, não morreram, ele plantou sementes que germinarão e o trabalho concretizado inspirará outros, seus projetos de pesquisa em andamento serão concluídos por seus colegas. Continuar é preciso, é uma forma de prestar homenagem a quem tanto se empenhou para produzir e formar pessoas, para produzir conhecimento.

 

Geraldina Porto Witter
PUC-Campinas

Creative Commons License