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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.11 no.1 Ribeirão Preto jun. 2003

 

 

Um analista do comportamento olha para tratamentos tradicionais de pedófilos e estupradoresI

 

Um analista do comportamento olha para tratamentos tradicionais de pedófilos e estupradores

 

 

Joseph E. Spradlin; Kathy J. Saunders; Dean C. Williams e Jerry A. Rea

University of Kansas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo discute o tratamento do comportamento de estupradores e pedófilos de um ponto de vista analítico-comportamental, ou seja, do ponto de vista da relação entre o ambiente de tratamento e as condições em que a violação sexual ocorre. Consideramos a relação entre a resposta tratada na terapia e a resposta que ocorre no ambiente não clínico, os estímulos presentes no ambiente de tratamento e os estímulos presentes no ambiente não clínico, e a relação das conseqüências aplicadas durante a terapia e aquelas que poderiam ocorrer no ambiente não clínico. Além disso, nós especulamos sobre a função que o comportamento verbal pode ter na mudança do comportamento e das condições que devem estar presentes para mudanças no comportamento verbal resultarem em mudanças em comportamento sexualmente ofensivo. Os tratamentos considerados foram: terapia tradicional da fala, sensibilização encoberta, tratamento direto do comportamento precursor em ambientes não clínicos, e prevenção de recaída.

Palavras-chave: Pedofilia, Estupro, Tratamento clínico, Abordagem analítico-comportamental.


ABSTRACT

The paper discusses treatment of the behavior of rapists and pedophiles from a behavior analytic view point. We look at the treatment programs from the standpoint of the relation between the treatment environment and the conditions in which sexual offenses occur. Hence, we consider the relationship between the response treated in therapy and the response occurring in the non-treatment environment, the stimuli present in the treatment environment and the stimuli present in the non-treatment environment, and the relationship of the consequences applied during therapy and those that might occur in the non-treatment environment. Moreover, we speculate about the role that verbal behavior may have in changing behavior and the conditions that must be present for changes in verbal behavior to result in changes in sexually offensive behavior. Among the treatments considered are: traditional talk therapy, covert sensitization, direct treatment of precursor behavior in non-clinical environments, and relapse prevention.

Keywords: Pedophily, Rape, Clinical treatment, Behavior analytic approach.


 

 

Estupro e pedofilia são problemas sociais sérios nos Estados Unidos, e suponho que esses crimes sejam também problemas sociais sérios no Brasil. Historicamente, nos EUA, o principal tratamento para essas violações sexuais tem sido a colocação do violador na prisão. Entretanto, pessoas que cometeram estupro ou pedofilia e são colocadas na prisão, muito freqüentemente reincidem quando são libertadas da prisão. Independentemente de como se veja tais violações e esses violadores há uma grande necessidade de tratamentos que reduzam a probabilidade de reincidência. Por essa razão, uma variedade de procedimentos de tratamento vêm sendo propostas nos últimos anos, e algumas têm proclamado sucesso na mudança do estuprador e pedófilo. Ou seja, alguns relatos asseguram que o tratamento resultou em uma pessoa que não mais pratica tais violações. Esse é, naturalmente, o objetivo do tratamento.

No entanto, os critérios de sucesso têm sido, com freqüência, relatos do violador, relatos de prisões e medidas clínicas e de laboratório. Cada uma dessas medidas é problemática. Relatos verbais têm pouca relação com impulsos sexuais e com o comportamento reais, especialmente quando a pessoa que faz o relato tem fortes razões para mentir. Certamente o violador não é normalmente reforçado por relatar violações sexuais criminosas. Prisões pela polícia indicam, usualmente, que a pessoa praticou a ofensa, mas a falta de prisão não significa que a ofensa não tenha ocorrido. Estimativas dão conta de que apenas uma em trinta ofensas sexual resulta em uma prisão. Finalmente, medidas clínicas e de laboratório da excitação sexual podem guardar pouca relação com a excitação que ocorre na situação na qual o violador comete suas ofensas.

O propósito desta conferência é o de rever os programas de tratamento para pedófilos e estupradores, e discutir a lógica desses programas em termos das seguintes questões:

(1) Quanto a resposta focalizada durante o tratamento é similar à resposta que ocorre quando o estuprador ou pedófilo pratica a violação?

(2) Quanto as condições de estímulos presentes durante o tratamento são similares às condições presentes na ocasião em que as ofensas ocorrem?

(3) Quanto as conseqüências que ocorrem durante o tratamento são semelhantes às conseqüências que podem ocorrer em função de ser pego durante uma ofensa?

(4) Se o tratamento é largamente baseado em comportamento verbal, que meios são implementados para assegurar que há uma forte relação entre comportamento verbal e comportamento sexual?

Nossa discussão de comportamento sexual inapropriado de homens começa com a excitação sexual. Nós vamos discutir a excitação brevemente porque acreditamos que as ofensas sexuais começam com a excitação sexual. Sem dúvida, existem muitos componentes fisiológicos da excitação, nós vamos focalizar, entretanto, na ereção peniana, porque essa resposta é mais afetada por estímulos sexuais, em contraste com estímulos não sexuais. A excitação sexual, como demonstrada pela ereção peniana, é provavelmente inicialmente uma resposta muito primitiva. Ela ocorre quase desde o nascimento em pessoas do sexo masculino, provavelmente em função de estimulação genital. Enquanto a excitação sexual é muito provavelmente comportamento respondente, ele tem propriedades reforçadoras poderosas. Isto é especialmente verdadeiro após a puberdade, quando a excitação é precursora da ejaculação. Uma vez que a ereção peniana é o indicador mais confiável de excitação sexual, o pletismógrafo peniano é um instrumento importante no estudo do comportamento sexual masculino. A forma mais comumente usada de pletismógrafo peniano envolve uma liga elástica como medidor de pressão que é colocada na haste do pênis. Quando uma ereção ocorre a liga estica e um conversor permite o registro da expansão e contração do diâmetro do pênis. Esse aparelho tem sido usado em estudos clínicos e de laboratório com pedófilos e estupradores. Recentemente, Rea e colegas (Rea, DeBriere, Butler e Saunders, 1998) desenvolveram um pletismógrafo portátil que pode ser usado em ambientes externos ao laboratório. Esse aparelho é necessário se a excitação sexual deve ser avaliada em outros ambientes além dos contextos muito artificiais do laboratório e da clínica.

Existem numerosas tentativas para tratar pedófilos e estupradores. A maioria desses tratamentos vem sendo conduzida em laboratório ou uma clínica. Alguns dos tratamentos mais comuns têm sido: 1. Psicoterapia individual ou de grupo; 2. Associação de um evento aversivo com fotografias ou fitas de vídeo mostrando um alvo sexual inapropriado; 3. Aplicação direta de contingências a comportamentos precursores em ambientes clínicos; 4. Treinamento preventivo de recaída.

Provavelmente a mais antiga forma de tentativas de tratamento foi a psicoterapia individual e de grupo. Tais tratamentos têm tomado muitas formas, variando de tratamento psicanalítico aprofundado a encontros de grupos de confrontação. É possível que em alguns casos a psicoterapia tenha resultado em mudança. Há, entretanto, pequena evidência da efetividade geral desse tratamento (Kolvin, 1967). De uma perspectiva analítico-comportamental há pouca razão para esperar que a psicoterapia fosse efetiva. Vamos olhar a psicoterapia em termos das quatro questões acima colocadas.

(1) Quanto a resposta focalizada durante o tratamento é similar à resposta que ocorre quando o estuprador ou pedófilo pratica a violação? As respostas focalizadas na psicoterapia são verbais, as respostas que ocorrem e que levam à ofensa são excitação sexual. Assim, as respostas tratadas na psicoterapia são bastante diferentes das respostas sob tratamento.

(2) Quanto as condições de estímulos presentes durante o tratamento são similares às condições presentes na ocasião em que as ofensas ocorrem? Os estímulos na psicoterapia e aqueles quando a violação é praticada são bastante diferentes. A psicoterapia ocorre em um ambiente em que nenhuma criança está disponível.

Assim, os estímulos presentes durante a terapia e durante a violação são muito diferentes. Praticamente, o único caso em que poderia haver alguma semelhança entre as condições na psicoterapia e as condições em que ocorre uma violação sexual é a psicoterapia individual em que uma terapeuta feminina poderia ser um alvo para uma tentativa de estupro. Mesmo neste caso, no entanto, a terapeuta ou vítima potencial está provavelmente a uma distância em que poderia gritar por ajuda. Assim, de novo, as condições na terapia e no ambiente natural são muito diferentes.

(3) Quanto as conseqüências que ocorrem durante o tratamento são semelhantes às conseqüências que podem ocorrer em função de ser pego durante uma ofensa? Há em geral pouca relação entre as conseqüências que ocorrem na sessão de psicoterapia e as conseqüências por ser pego durante uma violação. Em alguns casos, pode haver uma relação entre a ofensa e a conseqüência. Por exemplo, uma corte pode ter incluído o atendimento em psicoterapia como uma condição para soltura da prisão ou como uma condição para evitar a prisão.

(4) Se o tratamento se baseia intensivamente no comportamento verbal, que meios são implementados para assegurar que exista uma forte relação entre o comportamento verbal e a excitação ou o comportamento sexual? Na maioria das terapias nenhum procedimento é implementado para assegurar que qualquer relação exista entre o comportamento verbal e o comportamento sexual. Simplesmente é assumido que tal relação exista. Quando, no entanto, as contingências para fazer afirmações implicando em uma mudança na excitação sexual e no comportamento sexual são condições para soltura ou esquiva da prisão, o tratamento funciona realmente para reduzir a correspondência entre o comportamento verbal e a excitação e comportamento sexual.

Em suma, a grande diferença entre as condições em psicoterapia e aquelas presentes quando estupro ou pedofilia ocorre tornam altamente improvável que as psicoterapias tradicionais tenham sido ou venham a ser efetivas.

Durante os últimos anos da década de 1960 e os anos 1970 houve muitos estudos de laboratório ou clínicos com o objetivo de mudar a excitação sexual de violadores a certos estímulos visuais ou auditivos, ou a certas fantasias verbais, através da apresentação de estímulos aversivos contingentes à excitação sexual (Quinsey e Marshall, 1983). Um procedimento típico de condicionamento para o tratamento de pedofilia envolve mostrar ao violador fotografias de crianças, pedindo a ele que fantasiasse uma relação sexual com a criança. A pessoa devia relatar quando sentisse excitação sexual levantando o dedo, e uma vez relatada a excitação a pessoa recebia um estímulo aversivo tal como um choque elétrico ou um cheiro nauseante. Se um cheiro nocivo era apresentado a pessoa era instada a imaginar-se se tornando enjoada e vomitando. Outras variações desse procedimento envolviam o uso de um pletismógrafo e estímulos aversivos contingentes a expansões do pênis. Procedimentos análogos para estupradores têm usado a narração de atos sexuais envolvendo a força, seguida pela apresentação de estímulos aversivos quando ocorria algum indício de excitação sexual.

Agora, vamos considerar o tratamento por condicionamento em termos das quatro questões.

(1) Quanto a resposta focalizada durante o tratamento é similar à resposta que ocorre quando o estuprador ou pedófilo pratica a violação? Quando a resposta era verbal, ela era claramente diferente da que ocorre no ambiente não-clínico. Quando era a expansão do pênis, era possivelmente uma precursora da resposta que ocorre no ambiente não-clínico.

(2) Quanto as condições de estímulos presentes durante o tratamento são similares às condições presentes na ocasião em que as ofensas ocorrem? Os estímulos presentes no laboratório ou na clínica são claramente diferentes daqueles presentes durante as violações. As chances de generalização dependem da proximidade da relação entre o comportamento verbal e os estímulos no ambiente.

(3) Quanto as conseqüências que ocorrem durante o tratamento são semelhantes às conseqüências que podem ocorrer em função de ser pego durante uma ofensa? Não há relação entre as conseqüências que ocorrem no laboratório ou clínica e aquelas que ocorrem se alguém é pego na violação.

(4) Se o tratamento se baseia intensivamente no comportamento verbal, que meios são implementados para assegurar que exista uma forte relação entre o comportamento verbal e a excitação ou o comportamento sexual? O comportamento verbal é altamente envolvido nesses tratamentos e, tipicamente, não são feitos testes da relação entre o comportamento verbal e os eventos que ocorrem no ambiente em que as ofensas ocorrem.

A esta altura, eu gostaria de apresentar os resultados de um estudo feito pelo Dr. Jerry Rea, um colega meu. O homem que estava sendo tratado havia sido acusado de pedofilia. Uma vez que ele era retardado, ele foi enviado para uma instituição para pessoas retardadas. Estudos de laboratório com o pletismógrafo peniano indicaram que ele ficava excitado com fotos quer de pessoas do sexo masculino quer feminino, crianças ou adultas, nuas.

Dr. Rea decidiu planejar um experimento para determinar se o tratamento de laboratório se generalizaria para fora das condições de tratamento.

Primeiro ele conseguiu que o cliente desenvolvesse um conjunto de narrativas baseadas em fantasias com cada tipo de estímulo sexual: masculino adulto, masculino criança, feminino adulto, e feminino criança. Para cada classe de estímulos foram desenvolvidas duas narrativas. O indivíduo foi tratado em um ambiente de laboratório, e suas respostas penianas aos quatro tipos de estímulos narrativos foram testados em outro ambiente de laboratório, e também pelo uso de um pletismógrafo portátil em ambientes da comunidade em que meninos estavam presentes. O tratamento envolvia a leitura da narração de um encontro sexual com um menino pequeno. Quando o homem relatava excitação ele recebia um cheiro muito nauseante, que o levava a relatar que ele tinha náuseas. À medida que o tratamento progredia ele era periodicamente avaliado com o pletismógrafo no outro laboratório ou com o pletismógrafo portátil em ambientes comunitários. No laboratório a resposta peniana à narração de encontros sexuais com homens, mulheres, meninos e meninas foi avaliada. Como você pode ver na Figura 1, após o tratamento as respostas penianas às quatro categorias diminuiu. Além disso, ele relatou que não estava mais interessado em meninos pequenos.

Como a figura mostra, entretanto, sua resposta a meninos pequenos, assim como às três outras categorias de estímulos, no ambiente comunitário não havia mudado em relação à linha de base. Esse estudo e outros estudos feitos por Rea sugerem que pode haver pouca relação entre os resultados obtidos na clínica e o que ocorre em ambientes não clínicos.

 

Figura 1. Intensidade da resposta peniana à narração de encontros sexuais com homens, mulheres, meninos e meninas no laboratório e à aproximação de homens, mulheres, meninos e meninas em ambientes da comunidade, antes e depois do tratamento. Apenas as narrativas sobre meninos foram associadas com odor nauseante.

 

Tem havido poucas tentativas publicadas de tratar pedófilos ou estupradores através da aplicação de contingências em ambientes não clínicos. Wong, Gados e Fuqua (1982) trataram um homem moderadamente retardado, de 31 anos, institucionalizado, que havia sido acusado de molestar crianças. Esses autores usaram um pacote de abordagens que incluíam um procedimento de punição que consistia no confinamento contingente em um banheiro e a perda dos privilégios de visita aos pais por abordar ou interagir com crianças. Abordar foi definido como estar a menos de 8 metros de crianças e movendo-se em direção a elas. Crianças foram definidas como meninos com menos de 12 e meninas com menos de 18 anos de idade. Os dados foram coletados durante passeios de 30 a 90 minutos pelo bairro. Além do componente de punição, os membros da equipe mostravam fotos coloridas de crianças e modelavam como ignorar ou como se afastar de uma criança. Se o sujeito abordasse uma criança os experimentadores se confrontavam com o sujeito, enunciavam o comportamento inapropriado, confinavam-no em seu quarto à noite, e ele perdia os privilégios de visita no fim de semana subseqüente. Abordagem de garotas de menos de 18 anos e meninos de menos de 12 anos ocorreram em 48% e 73% dos intervalos de observação de linha de base. Durante o tratamento as abordagens a esses dois tipos de crianças foram reduzidas a zero. A supressão de abordagens a crianças foi mantida durante 15 sessões de observação, e relatos anedóticos indicaram que ele não abordou crianças fora de seu bairro.

Vamos agora considerar o tratamento de Wong e colegas em termos de nossas quatro perguntas.

(1) Quanto a resposta focalizada durante o tratamento é similar à resposta que ocorre quando o estuprador ou pedófilo pratica a violação? O procedimento certamente envolve um precursor potencial da violação. O homem tinha que se aproximar a menos de oito metros de uma criança para uma violação ocorrer. A resposta que foi punida, entretanto, parece inclusiva e parece também incluir punição de muitos comportamentos não sexualmente ofensivos.

Ou seja, o comportamento que resulta dessa contingência inclui, provavelmente, alguns pré-componentes à violação sexual, mas também inclui a punição de muitos comportamentos que não são de natureza sexual.

(2) Quanto às conseqüências que ocorrem durante o tratamento são semelhantes às conseqüências que podem ocorrer em função de ser pego durante uma ofensa? De novo, as condições de estímulo podem incluir aquelas que são precursoras de violações, mas podem incluir condições que têm pouca relação com violações. Por exemplo, o homem provavelmente não violaria quando estivesse a uma distância de oito metros de uma criança quando observadores estivessem presentes. Nós não sabemos qual seria sua resposta se ele estivesse sozinho com a criança.

(3) Quanto às conseqüências que ocorrem durante o tratamento são semelhantes às conseqüências que podem ocorrer em função de ser pego durante uma ofensa? Uma vez que as conseqüências são fornecidas para o comportamento preliminar à violação no ambiente natural, elas são as mesmas. Elas são talvez menos severas do que as penalidades que ocorreriam no ambiente não institucional por molestar uma criança, mas a violação de se aproximar a menos de oito metros de uma criança não é uma violação no ambiente não institucional.

(4) Se o tratamento se baseia intensivamente no comportamento verbal, que meios são implementados para assegurar que exista uma forte relação entre o comportamento verbal e a excitação ou o comportamento sexual? O estudo de Wong e cols. (1982) não confia muito em comportamento verbal. Contava-se ao indivíduo, entretanto, o que ele tinha feito para violar e qual era a punição. Essas experiências podem ajudar a estabelecer uma relação entre o comportamento verbal e os eventos não verbais.

A prevenção de recaída parece ser a filosofia mais recente a orientar o tratamento de comportamentos que causam dependência, tais como alcoolismo ou uso de drogas. Os programas baseados nessa filosofia, entretanto, têm sido estendidos para o jogo e, mais recentemente, para violações sexuais. Os programas de prevenção de recaída para violadores sexuais são tão variados, complexos e abrangentes, que desafiam uma descrição.

De acordo com George e Marlatt (1989), a prevenção de recaída para violadores sexuais parte de certos pressupostos. Primeiro, que a pessoa quer mudar, segundo, que ela já tenha algum tratamento, e terceiro, que a efetiva prevenção de recaída depende da aprendizagem pela pessoa de autocontrole efetivo. A prevenção de recaída é um programa de manutenção.

A maioria dos programas de prevenção de recaída inclui os seguintes componentes.

(1) Avaliação cuidadosa das violações do indivíduo e da seqüência de eventos que precedem as violações. Eventos precursores potenciais incluem: eventos emocionais perturbadores anteriores, os contextos nos quais as violações ocorrem, o uso de álcool, e fantasias sobre as violações.

(2) Discussões abrangentes da história e características individuais da pessoa, além de conseguir que a pessoa reconheça e admita suas violações e a seqüência de eventos que levam às violações e as conseqüências das violações. Alguns dos procedimentos de tratamento envolvem sessões de grupo.

(3) O desenvolvimento de um novo conjunto de metas e auto-descrições.

(4) O reconhecimento das seqüências de eventos ou contextos que levam às violações e o desenvolvimento de um plano, ou de alternativas que interrompem ou evitam os eventos ou contextos precursores.

(5) Desenvolvimento de novas habilidades de vida ou atividades que proporcionem substituição de reforçadores para aqueles proporcionados pelo comportamento de violação.

(6) Monitoramento de perto por uma pessoa de apoio a quem o violador faça relatos por um período prolongado de tempo.

Certos aspectos dos programas de prevenção de recaída parecem bastante razoáveis. Por exemplo, parece muito razoável para prover um programa de manutenção após uma pessoa ter sido engajada em tratamento. Além disso, a noção de desenvolvimento de autocontrole é atraente. À primeira impressão, parece improvável que as agências de tratamento pudessem jamais manter o tipo de supervisão que proporcionaria a prevenção de violações sexuais, se a pessoa não tivesse um alto nível de autocontrole. Além disso, a maioria das pessoas em uma democracia não gosta da intromissão de alguém monitorando e controlando o comportamento de outra pessoa. O foco na obtenção de engajamento do violador em atividades alternativas que proporcionem reforçadores substitutos parece funcional. Finalmente, a noção de que o potencial para recaída se mantém por um tempo muito longo parece realista.

Mas, olhemos mais cuidadosamente os métodos de prevenção em termos das quatro questões.

(1) Quanto à resposta focalizada durante o tratamento é similar à resposta que ocorre quando o estuprador ou pedófilo pratica a violação? A maior parte do tratamento é verbal, ainda que ocasionalmente sejam usados tratamento ou avaliação com pletismógrafo. Em tais casos, pelo menos uma parte do tratamento é focalizada em precursores da violação.

(2) Quanto às conseqüências que ocorrem durante o tratamento são semelhantes às conseqüências que podem ocorrer em função de ser pego durante uma ofensa? Os estímulos no contexto do tratamento e no contexto em que as violações ocorrem são bastante diferentes. O tratamento ocorre em um ambiente de terapia em que qualquer vítima potencial poderia facilmente pedir ajuda. Tal não é usualmente o caso quando as violações ocorrem.

(3) Quanto às conseqüências que ocorrem durante o tratamento são semelhantes às conseqüências que podem ocorrer em função de ser pego durante uma ofensa? Nenhuma violação sexual ocorre e nenhuma conseqüência é fornecida.

(4) Se o tratamento se baseia intensivamente no comportamento verbal, que meios são implementados para assegurar que exista uma forte relação entre o comportamento verbal e a excitação ou o comportamento sexual?

Quando olhamos os procedimentos usados em muitos programas de prevenção de recaída, eles são quase que totalmente verbais. Assim, a questão é quão bem eles estabelecem uma relação próxima entre o comportamento verbal e os estímulos e eventos que levam às violações, o comportamento de violar, e as conseqüências para aquele comportamento. Pelas descrições dos programas, parece haver uma tentativa de estabelecer detalhadas descrições das situações, fantasias, necessidades e violações da pessoa. Há também uma tentativa de estabelecer planos verbais para lidar com as necessidades, contextos e fantasias que levam às ofensas sexuais. Além disso, o procedimento de fazer a pessoa relatar suas necessidades, fantasias e atos a um conselheiro parece razoável. Sem dúvida, para ser efetivo, deve haver uma relação bem próxima entre o comportamento verbal e as condições que previnem a reincidência da violação. Se essa relação existe ou não para um dado indivíduo é uma questão em aberto.

Do que foi dito, você poderia ter tido a impressão de que não somos otimistas sobre os efeitos do tratamento tradicional de pedófilos e estupradores. Essa impressão é correta. No entanto, há muitos aspectos dos programas de tratamento preventivo de recaída que consideramos atraentes. Primeiro, os programas parecem se basear em uma crença de que o potencial para comportamento sexualmente ofensivo nunca é realmente eliminado. Ele é apenas controlado ou substituído por outro comportamento. Nós acreditamos que isso é verdadeiro para todo comportamento. Qualquer comportamento, uma vez emitido e reforçado, está sempre disponível nas circunstâncias adequadas (ou, no caso de comportamento sexualmente ofensivo, sob as circunstâncias inadequadas). Segundo, os programas de prevenção de recaída são planejados para adequar-se às histórias e aos comportamentos e motivação diferenciados de cada indivíduo. Terceiro, o programa combina uma variedade de técnicas de tratamento, em uma tentativa de eliminar o comportamento ofensivo do indivíduo. Nós acreditamos que qualquer programa efetivo para reduzir a probabilidade de uma pessoa voltar a praticar ofensas deve ser individualizado e deve envolver a aplicação de procedimentos comportamentais múltiplos. Nós ficaríamos mais otimistas a respeito do sucesso dos programas de prevenção de recaídas, entretanto, se houvesse maior ênfase na observação dos comportamentos reais das pessoas, enquanto se engajam em suas atividades diárias, ao invés de depender quase exclusivamente de seus relatos verbais.

Agora, após toda essa discussão das limitações dos programas tradicionais de tratamento, o que nós sugeriríamos?

(1) Idealmente o tratamento deveria começar em um serviço de internamento.

(2) Deveria haver uma avaliação detalhada envolvendo: (a) entrevistas detalhadas com o entrevistado ligado a um polígrafo, (b) avaliação com um pletismógrafo, (c) avaliação de relatos pela polícia e acusadores.

(3) O tratamento inicial envolveria: a. condicionamento encoberto com o objetivo de reduzir as propriedades reforçadoras de alvos sexuais inapropriados e sexo forçado, b. aconselhamento individual com o objetivo de estabelecer relatos verdadeiros a respeito de atos sexuais e fantasias sexuais, desenvolvendo planos para evitar atividades e contextos de alto risco, e planos para uma vida nova e diferente; c. adesão a grupo com o objetivo de estabelecer controle social.

(4) A pessoa seria re-introduzida na comunidade sob supervisão de uma pessoa de apoio que monitoraria, treinaria e daria "feedback" ao longo do dia. Durante esse tempo, a pessoa usaria um pletismógrafo portátil e um aparelho de rastreamento por satélite. O aconselhamento individual e os encontros de grupo continuariam.

(5) Redução gradual do tempo que a pessoa de apoio fica em contato direto durante o dia. Outros monitores, entretanto, estariam acompanhando o comportamento da pessoa. A pessoa em tratamento seria avisada de que seria monitorada por algum tempo durante o dia. Mas não seria contado quando ou por quem. Durante os encontros de grupo ou individuais a pessoa seria informada sobre o que o monitor viu. A pessoa continuaria a usar os aparelhos eletrônicos de monitoração.

(6) Encontros de grupo continuados (similares aos Alcoólicos Anônimos), monitoração eletrônica continuada, mas monitoração direta reduzida.

Tal programa soa, sem dúvida, caro e invasivo, mas é provavelmente menos caro e invasivo do que a prisão. Além disso, esse programa tem a possibilidade de proteger a sociedade, enquanto permite que o antigo violador permaneça na comunidade.

 

Referências

George, W. H. e Marlatt, G. H. (1989) Introduction. Em D. R. Laws (Ed.), Relapse prevention with sex offenders. (pp 1-31). New York: The Guilford Press.         [ Links ]

Kolvin, R. (1967). Aversive imagery" treatment in adolescents. Behavior Research and Therapy, 5, 245-248.         [ Links ]

Quinsey, V. L. e Marshall, W. L. (1983). Procedures for reducing inappropriate sexual arousal: An evaluation review. Em J. G. Greer e I. R. Stuart (Eds.), The sexual aggressor: Current perspectives on treatment. (pp 167-289). New York: Van Nostrand.         [ Links ]

Rea, J. A.; DeBriere, T.; Butler, K. & Saunders, K. J. (1998). An analysis of four sexual offenders’ arousal in natural environments through the use of a portable plethesmograph. Sexual Abuse: A Journal of Research and Treatment, 10, 239-255.         [ Links ]

Wong S. E.; Gados, G. R. e Fuqua, R. W. (1982). Operant control of pedophilia: Reducing approaches to children. Behavior Modification , 6, 73-84.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Joe Spradlin
E-mail: spradlinjoe@aol.com.

Enviado em Novembro/2000
Aceite final Março/2005

 

 

I Trabalho apresentado na XXX Reunião Anual de Psicologia da Sociedade Brasileira de Psicologia, Brasília, outubro de 2000.
Tradução de Olavo de Faria Galvão.