SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número2Equivalência de estímulos e o ensino de pré-requisitos monetários para pessoas com deficiência mental índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.11 no.2 Ribeirão Preto dez. 2003

 

 

Mediação pedagógica no processo de desenvolvimento da comunicação em crianças surdocegasI

 

Pedagogical mediation in the development of the process of communication in deaf-blind children

 

 

Fátima Ali Abdalah Abdel Cader-NascimentoI; Maria da Piedade Resende da CostaII

I Centro Universitário do Distrito Federal
II Universidade Federal de São Carlos

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi ampliar os meios de comunicação de crianças surdocegas, através da escrita acoplada ao vocabulário da Libras à dactilologia e leitura. Participaram três surdocegos matriculados em uma escola especial de Brasília-DF, com idades de 04, 05 e 08 anos, no período de fevereiro a dezembro de 1999. Desenvolveram-se três fases: avaliação inicial, intervenção e avaliação final. Realizou-se a caracterização dos alunos a partir de entrevistas com as famílias e análise de relatórios. A intervenção consistiu de uma rotina em sala de aula baseada na execução diária de quatro atividades: recepção, chamada, merenda e novidade. Os resultados evidenciaram a importância da diversificação de recursos durante o processo interdisciplinar de aquisição de mecanismos alternativos de comunicação por surdocegos.

Palavras-chave: Comunicação, Intervenção, Crianças surdocegas.


ABSTRACT

This study’s objective was to improve the communication resources of deaf-blind children through writing coupled with Libras, dactylology, and reading. Three (4, 5 and 8-year old) deaf-blind children enrolled in a special needs school in Brasília, DF, during the period from February to December, 1999, participated in the study. Three phases were developed: initial appraisal, intervention, and final assessment. The characterization of the students was carried out based on interviews with their families and the analysis of reports. The intervention was performed as a routine in the classroom, based on four daily activities: reception, roll call, snack time, novelty. The results gave evidence of the importance of diversification of resources during the process of communication acquiring by deaf-blinds.

Keywords: Communication, Intervention, Deaf-blind children.


 

 

Este artigo apresenta um relato de pesquisa de intervenção com três crianças que possuem deficiência visual (baixa visão) e auditiva (surdez moderada e severa). Estas deficiências foram adquiridas antes da aquisição da linguagem, portanto as crianças são consideradas surdocegas pré-lingüísticas. A pesquisa de intervenção consistiu na aplicação da abordagem co-ativa desenvolvida por van Dijk visando o desenvolvimento da comunicação nos sujeitos. Com base na abordagem co-ativa realizou-se este estudo, com três crianças surdocegas, matriculadas em uma escola pública especial de Brasília, durante 10 meses. O objetivo deste estudo foi ampliar os meios de comunicação dos sujeitos, através da escrita acoplada ao vocabulário da Língua Brasileira de Sinais (Libras), à dactilologia (soletração das palavras através do alfabeto manual dos surdos) e leitura.

 

Revisão teórica

A surdocegueira consiste no comprometimento, em diferentes graus, dos sentidos da audição e visão, os quais são considerados pela literatura como sentidos receptores das informações à distância. Os efeitos da deficiência auditiva e visual no desenvolvimento infantil estão relacionados ao grau e ao período de surgimento de cada um dos comprometimentos.

No caso da surdez, os graus variam numa escala que vai desde a perda leve até a profunda. O limiar a partir do qual uma pessoa começa a perceber os sons é estabelecido em decibéis (dB). O Bureau International de Audiophonologie – BIAP e a Portaria Interministerial no. 186 de 10/03/78 (apud Brasil, 1995a), classificam a deficiência auditiva em: (a) leve (intervalo de 20 a 40dB, impede a percepção da voz sussurrada); (b) moderada (intervalo de 40 a 70dB, implica no atraso do desenvolvimento da linguagem acompanhada de alterações articulatórias e dificuldades de discriminação auditiva); (c) severa (intervalo de 70 a 90dB), e (d) profunda (competência auditiva superior a 90dB). Considera-se normal a audição no intervalo de 10 a 20dB. As perdas auditiva severa e profunda impedem a pessoa de perceber os sons produzidos em seu ambiente.

Nos casos de perda severa ou profunda, a compreensão verbal vai depender da aptidão da pessoa para utilizar a percepção visual e sua capacidade de observar o contexto das situações. No caso da pessoa surdocega, a compreensão das emissões verbais dependerá da habilidade tátil na percepção da produção da fala.

Por sua vez, as perdas visuais se caracterizam pela incapacidade funcional total (cegueira) ou parcial (baixa visão) do uso da visão. Entende-se por baixa visão uma deficiência relacionada ao funcionamento visual e inclui: baixa sensibilidade aos contrastes, falta de adaptação ao escuro ou luminosidade, perda da visão periférica, perda da visão central, visão tubular, entre outros comprometimentos os quais devem ser incluídos para elegibilidade de educação ou reabilitação (OMS, 1994).

Do ponto de vista educacional, segundo a SEESP/ MEC (Brasil, 1995b), a pessoa cega é a que necessita do sistema braile para leitura e escrita; enquanto a pessoa com baixa visão consegue ler textos impressos à tinta desde que haja ampliação do material.

A surdocegueira pode ocorrer em dois períodos distintos: antes da aquisição de uma linguagem (surdocegos pré-lingüísticos) e após a aquisição da linguagem (surdocegos pós-lingüísticos). Freeman (1991) e Cader e Costa (2001), afirmam que os distintos graus de surdez e as inúmeras possibilidades de deficiência visual, quando aparecem associadas, geram, inicialmente, quadros específicos de comportamento, necessitando de atendimentos que respondam à singularidade do surdocego em particular. No entanto, após a aquisição de um sistema de comunicação, e segundo as condições apresentadas pelas pessoas, elas poderão ser inseridas em determinados grupos, seja na escola comum ou em escola especial.

A questão que ora se coloca, segundo Telford e Sawrey (1976), é que, quando a visão e audição estão gravemente comprometidas, os problemas de aprendizagem e a adaptação ao meio, se multiplicam. Neste caso, as trocas interativas da criança precisam estar orientadas para o desenvolvimento dos sentidos remanescentes: tato, cinestésico, paladar e olfato. Neste sentido, os autores enfatizam a importância de despertar no surdocego, por meio de outros canais sensoriais, o desejo de aprender, vencendo seu isolamento.

Compatível com esta idéia de recepção e expressão das informações, Vygotsky (1995) já defendia no início do século XX a importância das interações no desenvolvimento. Este autor não admitia a justificativa segundo a qual os comportamentos inadequados são frutos exclusivos da deficiência do indivíduo. Segundo ele, o sujeito pode adquirir os comportamentos socialmente adequados mediante estratégias de ensino adequadas às suas especificidades. No caso da surdocegueira o suporte teórico básico para os trabalhos desenvolvidos na área é a abordagem co-ativa defendida pelo holandês Jan van Dijk.

Segundo Cader-Nascimento e Costa (2003) a abordagem co-ativa de van Dijk, apresenta procedimentos e estratégias que favorecem o desenvolvimento da comunicação em surdocegos pré-lingüísticos. O princípio desta abordagem consiste na realização das atividades em conjunto com a criança, através do movimento co-ativo, também denominado de mão sobre mão. De uma forma geral, a estratégia co-ativa ocorre mediante uma estimulação sensorial que incluí entre outras ações, toques freqüentes, tentativas de manter contato visual (mesmo que a criança seja cega, é importante desenvolver a postura do olhar), estimulação da participação em brincadeiras, moverem-se juntos, união de atividades motoras entre o surdocego e o mediador, uso constante da linguagem verbal e não verbal, sendo priorizado o contato corporal.

Van Dijk (1968) identificou seis fases no desenvolvimento da linguagem simbólica do surdocego: nutrição, ressonância, movimento co-ativo, referência não representativa, imitação e gesto natural. Estas fases constituem-se em um processo dinâmico de incorporação de estímulos sociais, podendo ser seqüenciais ou cumulativas, não havendo, portanto, uma seqüência hierárquica rígida entre elas. O objetivo destas fases é possibilitar ao aluno deslocar-se do nível de dependência para o de independência em suas ações cotidianas, mediante a integração sensorial voltada para melhorar seu contato com o mundo exterior.

A relação afetiva de apego e confiança, denominada também como nutrição, entre o mediador e a criança marca o início da intervenção. Este momento é fundamental, uma vez que viabilizará o processo de aproximação destinado à tentativa de criar um vínculo afetivo com a criança e constituirá na base a partir da qual as demais etapas serão introduzidas (Wheeler e Griffin; 1997).

A segunda fase é denominada de fenômeno de ressonância e consiste no movimento corpo a corpo, sendo que a forma do gesto corporal total parte da criança. O processo consiste no mediador acoplar seu corpo ao da criança realizando o mesmo movimento, estabelecendo através da ação corporal um diálogo. Este diálogo é básico, pois a partir dele o mediador poderá introduzir sinais indicativos marcando o início e o término do movimento, ampliando e sistematizando-o.

O movimento co-ativo ou mão sobre mão é a terceira fase e caracteriza-se pela ampliação comunicativa. Para tanto, o mediador irá realizar ações junto à criança ensinando-a a destreza tátil, isto é, possibilitando condições para ela explorar objetos e o meio com as mãos de forma mais eficaz. Deste modo, as ações precisam ser realizadas em conjunto através do contato lado a lado e de mão sobre mão. Aos poucos é necessário introduzir o distanciamento físico, com vistas a tornar o movimento e a ação da criança mais independentes e autônomos, em uma área determinada (locomover-se da sala em direção ao banheiro), bem como ampliar a exploração dos objetos e do meio de forma mais eficiente.

A imitação (quarta fase) consiste, primeiramente, na repetição, pela criança, de um gesto, de uma ação ou de um movimento que ela própria acaba de executar ou que realizaram na sua frente. Ocorre um jogo da persistência de um estímulo recente e, por conseqüência, facilmente avivado no aspecto psicomotor. O processo de imitação representa a continuação do movimento co-ativo. A diferença entre eles consiste no fato de que, na imitação a criança realiza a ação após demonstração; supõe-se a existência de percepções constituídas anteriormente a partir de uma situação apresentada; enquanto no movimento co-ativo a ação é simultânea (Cader-Nascimento e Costa, 2003).

A referência não-representativa visa propiciar a compreensão de símbolos. Inicialmente, através do toque, a criança é levada a conhecer e reconhecer as particularidades do corpo, nela e no outro. A partir do momento que a criança conseguir reconhecer e localizar as partes do corpo, o mediador poderá iniciar o uso de representações mais abstratas mediante o uso de objetos de referência para indicar uma atividade ou identificar uma pessoa ou situação. Esta fase permite à criança perceber que um objeto poderá desencadear uma atividade. Para tanto, é importante que os objetos de referência utilizados, reduzidos ou simplificados, retenham uma equivalência simbólica com o real e com a atividade a ser desenvolvida.

A última fase abordada por van Dijk (1968) é o gesto natural. Esta fase consiste na manifestação da expressão corporal do surdocego para identificar objetos, pessoas ou situações. Em geral, um gesto natural coincide com o significado particular que um certo objeto tem para a criança. Freeman (1991) e Amaral (2002), afirmam que uma criança usa seu corpo para representar o objeto e, posteriormente, vai substituindo o gesto total por gestos que indicam um desejo a ser alcançado.

Assim, conforme destaca Cader-Nascimento e Costa (2003) os primeiros gestos estabelecidos e utilizados na comunicação precisam imitar um jogo de alternância entre o gesto natural desenvolvido pela criança e o sinal, de forma que a criança possa acessar a informação e processá-la. Outro passo necessário é o nível co-ativo dos gestos naturais ou dos sinais, uma vez que a configuração das mãos pode representar um obstáculo para muitos surdocegos que apresentam comprometimento motor.

No contexto da abordagem co-ativa a intervenção poderá ser estruturada a partir da relação pessoa-pessoa, do estabelecimento de uma rotina diária e da delimitação do local de realização das sessões de atendimento. Com relação ao programa a ser desenvolvido, destacam-se as seguintes áreas: habilidade de comunicação alternativa, hábitos e habilidades da vida diária, exploração de conteúdos pedagógicos, estimulação para integração sensorial, orientação e mobilidade, expressão corporal e artística, psicomotricidade e profissionalização (Fernandez, 1997; Engleman, Griffin e Wheeler, 1998).

 

Método

Participantes

Os participantes deste estudo foram três alunos surdocegos pré-lingüísticos, matriculados em uma escola pública especial de Brasília-DF, cujas características individuais são apresentadas na Tabela 1. Cada aluno foi identificado por um número (1, 2 e 3), e uma letra M ou F, as quais significam respectivamente o sexo masculino ou feminino.

 

Tabela 1. Caracterização dos sujeitos (Fonte: análise de resultados de exames, laudos médicos, relatórios educacionais e entrevista com os pais. DNPM. = Desenvolvimento neuropsicomotor).

 

 

Em função da surdez moderada o aluno 1M apresentava capacidade auditiva funcional para ouvir e interagir com seu meio. Desta forma, respondia ao chamado verbal de outras pessoas, atendia a comandos verbais e apresentava emissão de sons contextualizados. A surdez severa desencadeou nos alunos 2M e 3F ausência de percepção dos sons produzidos no ambiente. Os alunos não faziam uso do Aparelho de Amplificação Sonora Individual.

Quanto à deficiência visual, o aluno 1M foi submetido à cirurgia para controle de glaucoma, em ambos os olhos, com perda total de olho esquerdo e baixa visão em olho direito. A 3F foi submetida à cirurgia cardíaca e de catarata, apresentando baixa acuidade visual. O 2M apresenta discreta palidez papilar associada à má formação congênita do nervo óptico, catarata parcial e retinopatia com alteração periférica e prognóstico de perda total da visão. Os sujeitos não possuíam avaliação quantitativa da eficiência visual e não usavam recurso óptico.

Em relação à funcionalidade visual todos os alunos apresentavam dificuldades em visualizar situações, pessoas, sinais e gestos a mais de 1,5m de distância. Além disto, realizavam acomodação e adaptação visual para identificar objetos, miniaturas e gravuras de modo incomum (muito perto do globo ocular, aproximadamente 15cm de distância). Além disto, necessitavam de adaptação de materiais: lápis para escrita 6B, caneta hidrográfica porosa, controle da iluminação, material com impressão ampliada bem marcada.

Procedimento

Após haver obtido dos pais, o termo de consentimento e participação no estudo, desenvolveram-se três fases de pesquisa: avaliação inicial das competências dos participantes, a intervenção propriamente dita e uma avaliação posterior à intervenção.

A observação direta foi a principal técnica para obtenção dos dados, mas outras também foram utilizadas como: entrevistas semi-estruturadas com os pais, análise de documentos e das produções realizadas pelos participantes.

Os materiais utilizados durante a coleta de dados variaram conforme a situação planejada. Predominaram, no entanto, os recursos comuns à sala de aula como a lousa e o giz, letras avulsas em diferentes materiais (madeira, plástico, papel), lápis 6B, caneta hidrográfica porosa, cartazes de propaganda medindo aproximadamente 1,10 x 0,90 cm, diversos modelos de crachás e fichas com o nome dos sujeitos, folhas em lixa, bandejas de isopor (20 X 15 cm). Utilizaram-se como meios de comunicação: o movimento do aluno, a expressão gestual, a dactilologia, Libras, escrita, objetos e a fala (Tadoma).

A avaliação inicial constou das seguintes atividades: (1) entrevistas semi-estruturadas com a família; (2) análise dos relatórios educacionais e dos resultados dos exames e laudos audiológicos e oftalmológicos de cada aluno, e (3) observação do comportamento e desempenho dos alunos no espaço escolar em quatro situações distintas: (a) mãe/criança; (b) mãe/criança/objeto; (c) criança/ professora-pesquisadora/objeto; (d) criança/criança/objeto.

O procedimento adotado durante a realização da entrevista, com cada família (mãe), consistiu em ouvir os pais, encorajando-os a discorrer sobre seus filhos surdocegos. O objetivo foi conhecer as singularidades de cada família em relação às experiências vivenciadas com o filho surdocego, as principais redes de apoio (igreja, parentes, amigos, escola), as preferências das crianças por brinquedos, alimentos, pessoas, locais, passeios. Além destes aspectos, buscou-se conhecer quais eram as modalidades de comunicação estabelecidas com o filho surdocego. Para a realização da entrevista foram necessários dois encontros com cada família. Estes encontros foram realizados no espaço escolar e tiveram duração aproximada de duas horas cada um.

Na avaliação inicial dos alunos adotaram-se atividades não-padronizadas, conforme procedimentos desenvolvidos por Chen e Haney (1995), Cader (1997), McInnes e Treffry (1997) e Heymeyer e Ganem (1999). As tarefas propostas foram referentes as seguintes áreas do desenvolvimento: comunicação, cognitiva, motora e social. A realização da avaliação inicial ocorreu no mês de fevereiro com seis sessões de aproximadamente 60 minutos para cada díade e tríade (mãe/ criança, mãe/ criança/ objeto; professora-pesquisadora/ criança/objeto; criança/ criança/ objeto).

Para as situações de interações que envolveram objetos, foram disponibilizados brinquedos que possibilitavam atividades de encaixar, empilhar, juntar, separar, escrever e montar. No caso das situações que não envolveram objetos sugeriram-se às mães que contassem histórias relacionadas ao cotidiano da criança e histórias infantis, uma delas foi: "Pintinho amarelinho cabe aqui na minha mão. Quando vê algum bichinho ele bica o chão. Mas, tem muito medo de gavião". A opção por esta historia foi em função da mesma fazer parte do contexto cultural das famílias e envolver movimentos corporais e toques freqüentes durante sua narração.

Os recursos de comunicação foram avaliados em todas as atividades desenvolvidas. Buscou-se conhecer e avaliar a presença de sistemas de comunicação, entre eles: movimentos corporais, birra, gestos indicativos, gestos naturais, fala, sinais, dactilologia, postura do globo ocular no estabelecimento de contato visual; emissão de sons.

Na avaliação da área cognitiva buscou-se conhecer e avaliar aspectos relacionados ao conceito corporal, escrita e raciocínio lógico matemático. Além disto, verificou-se a presença ou ausência de sistemas lógicos de semelhança e diferença de formas e tamanhos, classificação, seriação, capacidade de imitação, presença ou ausência de conhecimento prévio com materiais de escrita. O planejamento de uma atividade não-padronizada utilizada durante a avaliação inicial na área cognitiva consta no Anexo A.

Em relação à socialização buscou conhecer e avaliar as características do comportamento das crianças nas atividades propostas nas áreas motora e cognitiva. Neste sentido durante a realização das atividades buscou conhecer se as crianças: (a) resistiam à interação ou, se a permitiam e admitiam; (b) colaboravam passivamente; (c) demonstravam interesse e prazer na realização das atividades; (d) apresentavam hábitos de atenção compartilhados em função do contexto imediato e do objeto; (e) respondiam aos estímulos provenientes da comunicação através da imitação das condutas, ações e movimentos vivenciados durante a interação; (f) apresentavam hábitos alimentares, acadêmicos e higiênicos no contexto escolar.

A intervenção ocorreu ao longo de oito meses, ao todo foram realizadas 150 sessões de 4 horas cada, quatro vezes por semana. Esta fase consistiu no estabelecimento de uma rotina em sala de aula baseada na execução de quatro atividades: (1) recepção; (2) chamada; (3) merenda, e (4) hora da novidade.

As atividades propostas eram realizadas por meio da vivência por parte da professora pesquisadora (PP), que exemplificava cada situação com movimentos corporais globais (dramatização). Além destas atividades, a escola oferecia atendimentos individualizados e complementares (hidro-estimulação, treino de visão subnormal e psicomotricidade), duas vezes por semana com outros profissionais. Ainda, uma vez por semana os alunos participavam de atividades de musicoterapia, expressão corporal, atividade de barro e atividade de vida diária com outros profissionais. A seguir descrever-se-ão as atividades desenvolvidas a partir da rotina estabelecida.

A recepção dos alunos consistiu no estabelecimento de contatos físicos (aperto de mão e abraço) entre as crianças e a PP e delas entre si. Após esta recepção as crianças eram orientadas a cumprimentar cada colega através do toque no braço ou na mão. Explorou-se, com esta atividade, a consciência corporal da criança em relação aos outros sujeitos com diferentes estruturas físicas.

Pela chamada, orientavam-se as crianças para que aprendessem a reconhecer o próprio nome, dos colegas e da PP. Para esta atividade elaboraram-se fichas e crachás (Figura 1, 2 e 3) com os nomes de cada sujeito, em diferentes materiais (Cader, 1997).

 

Figura 1. Ficha de identificação do aluno. Confeccionada em cartolina branca e com letras recortadas em papel de lixa, na cor vermelha (nome fictício).

 

2a2b

Figura 2. Crachás de identificação com alfabeto dactilológico. Ficha de identificação confeccionada a partir de crachá de cartolina, do tipo utilizado em congressos e, um crachá de plástico. Letra inicial em alfabeto dactilológico, desenhado em papel comum e colado no crachá. Letra e nome (fictício) digitado, recortado e colado.

 

Figura 3. Crachás de identificação sem alfabeto dactilológico. Ficha de identificação do aluno, confeccionada em papel branco. A ficha foi colocada em um crachá para fixação na roupa do aluno (nome fictício).

 

Como procedimento inicial, apresentava-se uma ficha por vez. Cada apresentação era elogiada, valorizada, explorada na mesa através do toque dos dedos (movimento co-ativo). Posteriormente, esta ficha com o nome da criança era colocada entre os corpos do aluno e da PP; ambos frente a frente, chegando a realização de um abraço. Depois a ficha era fixada, com fita adesiva, na blusa de cada criança. Esse procedimento era realizado pela PP com cada criança e vice-versa. Todos inclusive a PP permaneciam durante quatro horas com a ficha fixada à roupa. Após aquisições (reconhecimento da própria ficha, identificação da letra inicial) a ficha foi substituída por crachás. O procedimento anterior passou a ser executado, agora, com os crachás contendo o nome e a letra inicial (Figura 2 e 3) em destaque. A retirada da ficha ou do crachá da roupa dos sujeitos era realizada antes do término da aula e guardada no quadro de pregas localizado atrás da porta da sala de aula.

Esta atividade permitiu explorar os conteúdos de: (a) comparação de tamanho; (b) quantificação das letras; (c) distinção das formas de cada letra; (d) identificação de letras iguais e diferentes; (e) reconhecimento da cor; (f) realização da dactilologia; (g) memória visual; (h) localização espacial; (i) orientação temporal, e (j) identidade.

Na hora da merenda, todos os participantes de mãos dadas dirigiam-se ao refeitório. Neste momento eram explorados os comportamentos de alimentação aceitos socialmente, quantificação, classificação, nomeação, identificação dos recipientes e dos alimentos através da Libras. Por meio da associação do objeto concreto e sua representação em sinais buscava-se otimizar o acesso dos sujeitos a Libras. Por exemplo: apresentava-se o alimento, o participante manipulava-o e, em seguida a PP realizava o sinal correspondente de forma lúdica e contextualizada. No caso do sinal de banana, temos: “BANANA”; “/uhn/ BANANA GOSTOSA”, “DAR PEDAÇO BANANA”, “1, 2, 3 BANANA”, “VOCÊ COMER 3 BANANA”. Este exemplo da ampliação do vocabulário foi registrado segundo a transcrição dos sinais de Ferreira-Brito e Langevin (1995), onde os sinais são escritos em letra maiúscula, os verbos no infinitivo, sem flexão em número, e a emissão de sons encontra-se entre barras.

As atividades na hora da novidade variaram ao longo do período de intervenção. Realizaram-se as seguintes atividades: treino fono-articulatório (sopro), treino auditivo usando o tambor com pista visual, coordenação motora fina (rasgar papel, preparar massinhas, realizar encaixe, solucionar quebra-cabeça, manipular a areia), treino de visão subnormal (seguimento de objetos, coordenação viso-motora), registro escrito (contorno de objetos e do corpo, registro de palavras). Destas atividades, destacar-se-á uma das atividades desenvolvidas no treino fono-articulatório.

O treino fono-articulatório (por exemplo, sopro) foi executado com o objetivo de fortalecer a musculatura oro-facial dos sujeitos 1M e 2M, uma vez que eles apresentavam flacidez muscular facial e, conseqüentemente, dificuldade na coordenação desta musculatura na deglutição e mastigação de alimentos. O procedimento envolveu a preparação do material com os sujeitos. Pintou-se uma caixa de isopor, com tinta na cor vermelha, a qual se transformou para o grupo em um “bolo”. Depois entregou às crianças velas brancas, finas e pequenas, que foram fixadas pela PP no “bolo”. Em seguida, através do movimento co-ativo, as crianças foram estimuladas, uma por vez, a colocarem as outras velas. Posteriormente, apresentou-se uma caixa de fósforos. A PP riscou um palito e acendeu as velas. O passo seguinte consistiu em apagar as velas por todos, inclusive pela PP. Quando o ato de soprar já estava estabelecido foi acrescentado à atividade o ato de apagar as luzes, cantar parabéns (bater algumas palmas) e apagar as velas. Esta atividade permitiu integrar os seguintes conteúdos: quantificação, classificação, seriação de ações, auto-cuidado e aspectos sócio-culturais.

Após o término das sessões de intervenção, foram repetidas as mesmas situações de interação propostas na avaliação inicial. Porém, os comandos utilizados para cada atividade se restringiram a Libras, fala e gesto natural. Buscou verificar a presença ou ausência dos comportamentos relacionados às áreas: comunicação, motora, cognitiva, socialização.

 

Resultados

A Tabela 2 apresenta os resultados de duas etapas, ou seja, avaliações inicial e final dos sujeitos.

 

Tabela 2. Resultados obtidos Tabela 2. Resultados obtidos nas avaliações: inicial e final (S= criança possui comportamento; N= criança não possui comportamento; P= criança encontra-se em processo de aprendizagem) Fonte: anotações no caderno de campo e entrevista semi-estruturada com os pais.

 

Mediante a análise comparativa dos dados das avaliações foi possível constatar que ao longo do período de intervenção, todas as crianças mostraram progressos em todas as áreas do desenvolvimento referidas anteriormente. A valorização da criança pela professora pesquisadora foi fundamental no desenvolvimento deste trabalho, no qual foi possível observar progressos referentes: à concentração e persistência nas atividades, à socialização, ao auto-cuidado e à auto-estima. Estes resultados podem, provavelmente, ser referentes ao aperfeiçoamento dos mecanismos de comunicação e da utilização de uma prática interdisciplinar na abordagem dos conteúdos escolares e sociais.

Os dados obtidos confirmam a posição de Vygostky (1995) em relação a relevância dos movimentos de interação e dos momentos de interlocução no processo de desenvolvimento de um sistema de comunicação. O uso do alfabeto dactilológico realizado em partes do corpo da criança ou em seu campo visual associado ao registro escrito do próprio nome, viabilizou o acesso das crianças às informações disponíveis no meio e ampliou seus recursos de comunicação. Segundo os dados apresentados na Tabela 2, as três crianças que, inicialmente, não faziam uso de símbolos sistematizados e veiculados no contexto social (escrita de letras, números, alfabeto dactilológico, sinais), ao final da intervenção passaram a utilizá-los.

Os resultados deste estudo confirmam a posição defendida por van Dijk (1968), Writer (1987) e Freeman (1991) em relação à importância do uso, inicialmente, de diferentes recursos de comunicação como forma de ampliar as condições de interação do surdocego com o ambiente físico e humano. Neste sentido, constatou-se que no trabalho com crianças surdocegas o uso apenas dos sinais e da fala não são suficientes para promover a compreensão das informações, sendo necessário à implementação de todos os recursos e formas de expressão para garantir que o surdocego acesse a informação.

Além disto, foi possível constatar que o uso do vocabulário da Libras foi internalizado pelos sujeitos a partir da associação do sinal a expressão gestual utilizada pela criança, sendo fundamental a realização da associação dentro de um contexto real. Exemplificando: durante a avaliação inicial, a aluna 3F fazia uso de movimentos corporais coordenados para indicar que queria ir ao banheiro. Para tanto, ela contraia a musculatura facial, ficava em pé, levantava a roupa, tirava a calcinha e jogava-a para o lado, em seguida agachava, urinando no local. Este comportamento exemplifica o que van Dijk (1968) e Amaral (2002) denominaram de gestos naturais.

Diante do comportamento apresentado pela 3F, a PP, ao perceber o primeiro movimento da aluna, aproximava-se dela e realizava o sinal “BANHEIRO” (2 ou 3 vezes no braço da aluna), em seguida a orientava a levantar-se e ir com a PP até o banheiro. Chegando na porta, repetia-se o sinal. Conduzia-a até o vaso e, novamente, registrava o sinal no braço da aluna. Após lavar as mãos e enxugá-las, realizava-se o gesto natural de dizer tchau associado ao sinal “BANHEIRO” realizado no braço da aluna. Desse modo, o processo de aprendizagem de um sinal era realizado de forma contextualizada e co-ativa, conforme proposto por Writer (1987). Em outras palavras, primeiro a PP realizava o sinal no braço da aluna, depois configurava a mão da aluna e a orientava para que fizesse o sinal, em seguida estimulava-a a realizar o sinal de forma independente.

Aliado ao processo de configuração e assimilação dos componentes do sinal (configuração, orientação, movimento), desenvolveu-se a técnica co-ativa de distanciamento físico progressivo na realização da atividade.

Assim, a PP foi gradativamente permitindo que 3F se dirigisse sozinha ao banheiro. Este processo consistiu em cinco etapas: 1/juntas –PP e aluna - iam até o vaso; 2/ juntas, até a porta do banheiro; 3/ juntas realizavam metade do percurso; 4/ PP acompanhava à aluna até a porta da sala; 5/ a aluna realizava o percurso sozinha. Esta estratégia permitiu a 3F no final do primeiro semestre substituir os gestos naturais utilizados para expressar sua necessidade fisiológica de usar o banheiro, pelo sinal correspondente, fato que confirma a afirmação de van Dijk (1968) em relação às possibilidades de alguns surdocegos utilizarem a língua de sinais como forma de comunicação com o meio.

No caso do aluno 1M, surdez moderada, inicialmente, apresentava uma linguagem elementar pautada na emissão de sons estridentes e altos acompanhados pelo gesto de abanar as mãos, associado à ação de contrair ou relaxar a musculatura facial e corporal. Apresentava, também, dificuldades motoras na configuração da mão para realizar os sinais da Libras e as letras do alfabeto manual. Apesar disto, este aluno buscava sempre imitar, segundo suas condições, os sinais, realizados dentro do seu campo visual (olho direito), assistidos.

Em função das características particulares (motoras e surdez moderada) do 1M, enfatizou-se de maneira mais intensiva o desenvolvimento da fala através do Tadoma (percepção da fala através das vibrações). Neste caso, ao final do período de intervenção este sujeito passou a fazer uso de palavras monossílabas e dissílabas para se referir a pessoas, situações, objetos: "fafá" para a PP, "papai" para designar, em princípio, a mãe, "uva" para designar a fruta uva; "aaelo" para a cor amarelo, entre outras palavras.

O Tadoma foi um método também utilizado com o aluno 2M uma vez que este também apresentava atraso no desenvolvimento neuro-psico-motor. Após sete meses de intervenção, este aluno começou a emitir sons contextualizados, como por exemplo: "faa" para designar a professora pesquisadora, "aíia" para designar a professora de musicoterapia, "ãã" para mamãe. Ressalta-se que a emissão “ã㔠era sempre acompanhada pelo gesto natural de passar a mão aberta na própria face.

A aluna 3F não chegou a emitir sons com precisão, porém seus sinais se tornaram mais definidos em relação aos demais sujeitos. Este comportamento pode ser decorrente da 3F apresentar funcionalidade visual em ambos os olhos sem complicações decorrentes da alteração da pressão ocular ou da retinopatia, e habilidade motora para realização dos sinais.

Os gestos naturais e o uso de objetos de referência serviram como base inicial para o desenvolvimento de um sistema de comunicação mais elaborado, a Libras e a fala. Em outras palavras, o fato dos três participantes apresentarem durante a avaliação inicial um repertório de recursos de comunicação expressiva elementar (choro, birra, sorriso, gestos naturais e indicativos, emissão de sons), tornou-se necessário estabelecer o intercâmbio de informações tendo por base os gestos naturais associados a Libras, conforme estudo desenvolvido com crianças surdas por Cader e Fávero (2000). Esta associação inicial entre gesto e sinal foi decorrente destes recursos poderem ser assistidos (de acordo com o campo visual de cada criança), quando necessário sentidos através do tato, e não ouvidos. Esta prática de comunicação permitiu aos participantes desta pesquisa desenvolverem a consciência da existência, dos efeitos e das funções da comunicação no meio.

A freqüência dos participantes às aulas demonstrou o compromisso dos pais em relação ao trabalho que estava sendo realizado, este fato interferiu positivamente nos desempenhos alcançados por seus respectivos filhos. Além deste aspecto, é crucial destacar que a freqüência às sessões possibilitou a seqüência e continuidade do trabalho proposto (1M teve 98% de freqüência, 2M 80% e a aluna 3F atingiu 60%).

As dificuldades motoras apresentadas pelo 1M, no uso dos materiais de escrita, foram amenizadas a partir da substituição do lápis comum pelos lápis de carpinteiro e do sextavado. Quanto à folha de papel, foi necessária a substituição do papel A4 pelo uso de bandejas de isopor (20 x 15 cm), folhas em lixa (a textura possibilitou ao aluno maior controle dos movimentos manuais) e o verso de cartazes de divulgação (o tamanho, 1,10 x 0,90 cm). Ao final da intervenção o aluno 1M, mais velho, passou a usar na escrita, letras convencionais registrada com lápis 6B e com caneta hidrográfica porosa. Passou a identificar as pessoas de seu ambiente familiar, na ausência destas, através do uso da dactilologia estabelecendo a correspondência fonema e letra manual. Quando tinha acesso realizava a correspondência: grafia, fonema e letra manual para identificar a pessoa ou objeto ao qual estava se referindo. Enquanto que os alunos 2M e 3F passaram a realizar garatujas sem identificação.

Este resultado indica a importância do trabalho, desde cedo, com o registro escrito do nome da criança, objetivando desenvolver sua identidade social e a consciência dos efeitos e funções da palavra escrita.

Durante o desenvolvimento do processo de reconhecimento das fichas de chamada, a 3F apresentou, inicialmente, comportamento de rejeição da sua ficha em lixa. Barraga e Morris (1985) defendem que a ampliação de material pode ter um efeito negativo na eficiência visual e, como resposta da criança ao estímulo, nada mais natural do que a rejeição, como aquele apresentado por 3F, jogando a ficha no chão ou retirando-a de sua blusa. O comportamento de rejeição não se repetiu com o uso dos crachás do tipo utilizado em congressos ou dos específicos para fixação em roupa (Fig. 2 e 3). Provavelmente, o uso de impresso normal tenha contribuído para a eficiência do funcionamento visual desta criança, corroborando assim, os estudos de Barraga e Morris (1985).

A freqüência da atividade de recepção dos alunos desencadeou neles, no final do período de intervenção, o comportamento de chegar à sala e procurar o abraço da PP. Não foi possível, durante a intervenção, a extensão do abraço natural em relação às crianças entre si. A aluna 3F desenvolveu o comportamento de beijar, comportamento, que segundo relato da mãe, a criança não tinha.

Com relação à atividade que envolveu o treino fono-articulatório, os alunos adquiriram a habilidade de soprar. Conseguiram memorizar os passos da atividade que envolveu o bolo simbólico a ponto de apresentar comportamentos antecipados como: pegar o bolo, procurar as velas e o fósforo, etc. Esta atividade simbólica, comemoração de aniversário, provavelmente despertou prazer nas crianças, a ponto de ser difícil concluí-la sem choro ou sem desencadear outras reações comportamentais, como por exemplo, a birra; indicadores da satisfação em participar da atividade. Somente no final de oito meses de intervenção foi possível concluir a atividade sem desencadear frustrações. Os resultados alcançados, nesta atividade simbólica, mostraram que as crianças desenvolveram o comportamento de auto-cuidado diante da situação de risco (velas acesas, no isopor), exigindo da PP um controle total desta atividade.

Quanto à dinâmica de ensino ficou claro que o uso de recursos simples, a exploração de um recurso por vez, a exploração de um mesmo recurso em situações distintas, a manipulação do mesmo material pedagógico por todos, contribuiu para desenvolvimento dos comportamentos escolares e sociais dos participantes do estudo.

 

Considerações finais

Com a realização deste estudo, pode-se demonstrar a relevância do trabalho escolar no desenvolvimento de comportamentos aceitos socialmente, principalmente, na viabilização do atendimento específico e especializado aos alunos com necessidades educacionais especiais. Vale ressaltar, também, o papel fundamental do professor enquanto agente de mediação entre as crianças surdocegas e o meio, bem como na ampliação dos contatos destas com a realidade.

De modo geral, verificou-se a importância do trabalho educacional especializado nos primeiros anos de vida das crianças, pois mediante este atendimento é possível desenvolver as habilidades sociais, como foi o caso destas três crianças, com o vislumbre das aquisições dos conteúdos escolares.

Os dados obtidos permitiram constatar a contribuição do trabalho desenvolvido por van Dijk no contexto escolar, bem como a importância de complementar sua abordagem com sinais e registro escrito. Com isto, defende-se aqui a mesma postura dos estudos realizados com crianças surdas por Costa (1994) e Cader e Fávero (2000), isto é, defende-se que no início da escolarização de crianças surdocegas seja priorizado um enfoque misto no atendimento. Isto é, que seja valorizado a iniciativa de comunicação da própria criança surdocega, permitindo a esta expressar-se de acordo com seu tempo e com os recursos de comunicação que dispõe no momento. Visa-se, com esta prática, a transmissão das informações e a desobstrução dos canais sensoriais de recepção das mesmas.

Enfim, este estudo representa uma contribuição em um universo que precisa ser: assumido, investigado e sistematizado. Coloca-se a necessidade da realização de pesquisas voltadas para o desenvolvimento de recursos pedagógicos que viabilizem o acesso dos surdocegos aos bens culturais. Segundo Vygotsky (1995) é preciso descobrir as ferramentas certas para se vencer a deficiência e, jamais se adaptar a ela. Portanto, precisa-se investir nas possibilidades, não basta apenas detectar, é preciso criar formas e condições de transformar a realidade e tudo isso, só é possível mediante novos e incansáveis estudos na área.

 

Referências

Amaral, I. (2002). A educação de estudantes portadores de surdocegueira. Em E. F. Mansini (Org.), Do sentido... pelos sentidos... para o sentido. São Paulo: Vetor editora.         [ Links ]

Barraga, N. C. e Morris, J. E. (1985). Programa para desenvolver a eficiência no funcionamento visual. São Paulo: Fundação para o livro do cego no Brasil.         [ Links ]

Brasil, Secretaria de Educação Especial. (1995a). Subsídios para organização e funcionamento de serviços de Educação Especial: área de deficiência auditiva. Brasília: MEC/ SEESP.         [ Links ]

Brasil, Secretaria de Educação Especial. (1995b). Subsídios para organização e funcionamento de serviços de Educação Especial: área de deficiência visual. Brasília: MEC/ SEESP.         [ Links ]

Cader, F. A. A. A. (1997). Leitura e escrita em sala de aula: uma pesquisa de intervenção com crianças surdas. Dissertação de Mestrado. Brasília: Universidade de Brasília.         [ Links ]

Cader, F. A. A. A. e Fávero, M. H. (2000). Mediação pedagógica no processo de alfabetização de surdos. Revista Brasileira de Educação Especial. Marília, 6 (1), 117-132.         [ Links ]

Cader, F. A. A. A. e Costa, M. P. R. da. (2001). Características de algumas crianças surdocegas. Em Congresso de Pesquisa e Pós-Graduação da UFSCar. CD-ROM (p. 1-3). São Carlos: UFSCar.         [ Links ]

Cader-Nascimento, F. A. A. A. e Costa, M. da P. R. da. (2003). Movimento e comunicação na mediação pedagógica com crianças surdocegas: a contribuição de Van Dijk. Em M. C. Marquezine; M. A. Almeida e E. D. O. Tanaka (Org.), Leitura, escrita e comunicação no contexto da educação especial. Londrina: EDUEL.         [ Links ]

Chen, D. e Haney, M. (1995). An early intervention model for infants who are deaf-blind. Journal of Visual Impairment & Blindness, 89 (3), 213-221.         [ Links ]

Costa, M. da P. R. (1994). O deficiente auditivo: aquisição da linguagem, orientações para o ensino da comunicação e um procedimento para o ensino da leitura e escrita. São Carlos: EDUFSCar.         [ Links ]

Engleman, M. D.; Griffin, H. C. e Wheeler, L. (1998). Deaf-blindness and communication: practical knowledge and strategies. Journal of Visual Impairment & Blindness, 92, 783-798.         [ Links ]

Fernandez, M. L. T. (1997). Manual básico de genética en las sorderas, cegueras y sordo-cegueiras. Bogotá: Pontificia Universidad Javeriana.         [ Links ]

Freeman, P. (1991). El bebé sordociego. Um programa de atención temprana. Madrid: ONCE - Editora Espanhola.         [ Links ]

Heymeyer, U. e Ganem, L. (1999). Observação de desempenho. 2 ed. São Paulo: Memmon.         [ Links ]

McInnes, J. M. e Treffry, J. A. (1982). Deaf-blind infants and children: a developmental guide. Buffalo: University of Toronto Press.         [ Links ]

Organização Mundial de Saúde - OMS. (1994). O atendimento de crianças com baixa visão. Relatório de Consultoria da OMS. Bangkok, 23 a 24 de julho de 1992. New York: OMS, Programa para prevenção da cegueira.

Telford, C. W. e Sawrey, J. M. (1976). O indivíduo excepcional. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

van Dijk, J. (1968). Movimento e comunicação em crianças com rubéola. Tradução: (Dalva Rosa, Trad). Em Conferência na Reunião Geral Anual da Organização Nacional de Cegos da Espanha. São Paulo: AHIMSA.         [ Links ]

Vygotsky, L. S. (1995). Obras completas. Tomo cinco. Fundamentos de defectologia. Habana; Editorial Pueblo y Educación. (Trabalho original publicado em 1924).         [ Links ]

Wheeler, L. e Griffin, H.C. (1997). A movement based approach to language development in children who are deaf-blind. American Annals of deaf, 142 (5), 387-390.         [ Links ]

Writer, J. (1987). A movement-based approach to the education of students who are sensory impaired/ multihandicapped. Em L. Goetz; D. Guess e K. Strenel-Campbell (Org.), Innovative Program design for individuals with dual sensory impairments. Baltimore: Paul H.Brookes.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Fátima Ali Abdalah Abdel Cader-Nascimento
Via Washington Luís, km 235 – Caixa postal 676
CEP:13565-905 - São Carlos – SP
E-mail: pabdalah@bol.com.br

Enviado em Novembro/2000
Aceite final em Março/2005

 

 

I Trabalho apresentado em forma de curso com o título Violência doméstica contra crianças e adolescentes e o sistema de justiça brasileiro, na XXX Reunião Anual de Psicologia da Sociedade Brasileira de Psicologia, Brasília, DF, outubro de 2000.

 

 

ANEXO A

Atividade utilizada durante a avaliação inicial.

Área do conhecimento avaliada: conceito corporal (cognitiva).

Objetivos: conhecer e avaliar se os alunos: (a) manipulavam os materiais de escrita (papel e caneta); (b) registravam todas as partes do corpo humano; (c) possuíam conhecimento do corpo e da função de seus órgãos (que tem duas pernas, duas mãos etc.); (d) possuíam conhecimento resultante das experiências táteis e das demais sensações que provêm do corpo relacionadas ao movimento (postura e equilíbrio).

Material: papel A4, lápis 6B e caneta hidrográfica porosa.

Situação: relação de um para um. Interação PP/criança/objeto, em sala de aula.

Procedimento na avaliação inicial: solicitar que a criança desenhe seu corpo no papel. Para esta atividade programou-se diferentes comandos com o objetivo de verificar qual o recurso de comunicação que permitia ao surdocego acessar a informação solicitada. As etapas relacionadas aos comandos foram: (1) verbal sem pistas complementares; (2) Libras; (3) verbal associado a apresentação de modelo (desenho do corpo humano contendo cabeça, tronco e membros); (4) verbal associado a gestos indicativos, desenho e pistas como toque em partes do corpo da criança. Na avaliação final, a atividade foi a mesma, porém os comandos alteraram: (1) Libras; (2) gestos indicativos e sinais. Nesta fase não houve a apresentação de modelo.

Avaliação: avaliar as reações da criança frente aos comandos fornecidos para a realização da atividade, bem como as características de seu desenho. Observar como desenha e, posteriormente, analisar as características do registro (se os traços são proporcionais, se registra todos os membros do corpo, se há relação e junção dos membros do corpo). Verificar, também, se o desenho é identificado ou não pela criança.