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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.12 no.1 Ribeirão Preto jun. 2004

 

 

Validação da escala de razão de eventos de vidaI

 

Validation of life events ratio scale

 

 

Ricardo Kamizaki; Fátima Aparecida Emm Faleiros Sousa

Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo principal deste estudo foi escalonar o grau de reajustamento social dos eventos de vida da profissão de professor. Os objetivos secundários foram verificar se o contínuo não métrico do grau de reajustamento social possui características protéticas ou metatéticas, além de verificar se a lei de Ekman é válida para este contínuo não métrico. Foram utilizados os métodos de estimação de magnitude e estimação por comprimentos de linhas. Estes métodos foram aplicados a 21 participantes (11 professores e 10 estudantes de magistério). O expoente encontrado foi de 0, 93, sendo este valor próximo ao expoente esperado. Em síntese, os dados mostram uma escala dos eventos de vida da profissão de professor que, no tocante à estimação de razão, é válida, estável e consistente.

Palavras-chave: Psicofísica, estimação de magnitudes, estresse, eventos de vida do professor.


ABSTRACT

The main purpose of the present study was to scale the social readjustment teacher's life event. The other purposes were to evaluate whether the non-metric continuum of seriousness of the illness possesses prothetic or methatetic characteristics and to verify whether Ekman's law is valid for this non-metric continuum. In this study, magnitude estimates and line lengths production were compared by cross-modality matches. These methods were performed by 21 subjects (10 teachers and 11 professorship students). The exponent was 0. 93. This value is next to the expected exponent. In summary, the data furnish a scale of teacher's life events that, at the level of ratio measurement, is valid, stable and consistent.

Keywords: Psychophysics, magnitude estimation, stress, teacher's life events.


 

 

Neste artigo, os eventos de vida da profissão de professor foram avaliados através do método psicofísico de estimação de magnitudes e do método de emparelhamento intermodal envolvendo o contínuo de resposta de comprimentos de linhas.

Os objetivos desse trabalho foram: (1) verificar se as ordenações dos eventos de vida da profissão de professor derivadas dos dois métodos psicofísicos são similares entre si; (2) verificar se a variabilidade das estimativas de magnitudes e de comprimentos de linhas é uma função linear das médias geométricas dessas estimativas, ou seja, seguem a Lei de Ekman tal como usualmente verificada para contínuos métricos; (3) validar a escala de razão derivada para o contínuo não métrico dos eventos de vida da profissão de professor através do método de emparelhamento intermodal. Isto porque este método fornece critérios para tal e, como conseqüência; (4) verificar a estabilidade e/ou equivalência das escalas de razão produzidas através de duas modalidades de respostas diferentes, quais sejam numérica sem limites (estimativas de magnitudes) e visual (comprimentos de linhas), e (5) verificar a estabilidade e/ou equivalência dessas escalas de razão entre as duas amostras.

Para tal, foi feita comparação entre o expoente empírico derivado das estimativas dos eventos de vida da profissão de professor com o expoente predito obtido num experimento de calibração e também com o predito por Stevens (1966) através de inúmeros métodos psicofísicos (Da Silva e Macedo, 1982).

A comprovação dessa equivalência entre o expoente empírico e o predito numa tarefa de calibração envolvendo diretamente sensações entre duas modalidades constitui-se em forte evidência da validade do método de estimação de magnitudes e, por conseqüência, da lei de potência ou lei de Stevens. Tanto a força dinamométrica quanto o comprimento de linhas tem sido contínuos freqüentemente utilizados nas tarefas de emparelhamento intermodal.

Com comprimentos de linhas a lógica é bastante fácil de apreender. Stevens (Teghtsoonian, 1971; Stevens, 1959, 1975) tem consistentemente verificado que estimativas numéricas de magnitudes de comprimentos de linhas produzem uma função de potência com expoente muito próximo a 1,00. Concluindo, comprimentos de linhas são linearmente proporcionais aos comprimentos físicos. Empregando o paradigma do emparelhamento intermodal, podemos emparelhar comprimentos de linhas a quaisquer outras modalidades sensoriais ou perceptivas. De fato, como demonstraram estes autores, a predição é quase perfeita tanto para brilho quanto para sonoridade.

O método de emparelhamento intermodal tem sido aplicado com sucesso em diferentes áreas do saber e tem permitido a quantificação de variáveis sociais e/ou clínicas que outrora eram mensuradas apenas qualitativamente. Esse novo desenvolvimento ou tendência tem sido denominado de Psicofísica Social e/ou Clínica (para uma revisão ver Lodge, 1982; Wegener, 1982; Stevens, 1966; Faleiros Sousa, 1993; Faleiros Sousa e Da Silva, 1996).

 

Método

Participantes

Foram convidados 21 participantes, sendo 11 professores da Escola Otoniel Mota de Ribeirão Preto (amostra N) com idades variando entre 26 e 52 anos; e 10 alunos de licenciatura das Faculdades São Luís de Jaboticabal (amostra O) com idades variando entre 19 a 48 anos.

Material

Foram elaborados dois blocos de papel contendo na primeira página instruções específicas para cada tipo de método psicofísico e na página seguintes uma lista com os 20 eventos de vida da profissão de professor e caneta.

Procedimento

Os métodos psicofísicos utilizados foram estimação de magnitudes e emparelhamento intermodal envolvendo o contínuo de resposta de comprimentos de linhas. Nesses métodos foram previamente designados estímulo padrão PLANEJAMENTO DE ENSINO igual a 500 e módulo 30 cm. Com o método de estimação de magnitudes, a tarefa dos participantes consistiu em designar um número a cada evento de vida da profissão de professor que fosse proporcional ao grau de reajustamento necessário. Dessa forma, se o participante julgasse que um dado evento de vida fosse duas vezes mais estressante do que o evento de vida PLANEJAMENTO DE ENSINO, então, ele deveria assinalar a ele um número duas vezes maior. Se ele julgasse que um outro dado evento de vida possuísse metade do grau de ajustamento do que PLANEJAMENTO DE ENSINO, então ele deveria assinalar a ele um número que fosse metade do estímulo padrão. Com o método de emparelhamento intermodal envolvendo o contínuo de resposta de comprimentos de linhas, a tarefa dos participantes consistiu em emparelhar um comprimento de linha a cada evento de vida da profissão de professor que fosse proporcional ao grau de reajustamento necessário. Dessa forma, se o participante julgasse que um dado evento de vida fosse duas vezes mais estressante do que o evento de vida PLANEJAMENTO DE ENSINO, então, ele deveria assinalar um comprimento de linha duas vezes maior. Se ele julgasse que um outro dado evento de vida possuísse metade do grau de ajustamento do que PLANEJAMENTO DE ENSINO, então ele deveria assinalar a ele um comprimento de linha que fosse metade do estímulo padrão. Os diferentes eventos de vida foram apresentados em uma série de 20, os quais foram dispostos em uma página, numa ordem totalmente aleatória para todos participantes. Cada participante estabeleceu 20 estimativas, sendo uma para cada evento de vida.

Os mesmos 21 participantes fizeram as duas tarefas, sendo que 10 julgaram primeiro pelo método de estimação de magnitudes e depois pelo método de emparelhamento intermodal envolvendo contínuo de resposta de comprimento de linhas, e os outros 11 julgaram na ordem inversa. O experimento foi realizado nas escolas, no horário do HTPC com os professores e nos intervalos de aula com os alunos. Os participantes fizeram os julgamentos individualmente.

 

Resultados e Discussão

Pode-se observar nas Tabelas 1 e 2 que independente do método psicofísico utilizado, os eventos de vida enfrentando falta de respeito dos alunos e enfrentando indisciplina foram os de maior grau de reajustamento, enquanto que o evento de vida dando aulas expositivas foi considerado de menor grau de reajustamento.

 

 

De fato, o coeficiente de concordância de Kendall (W) mostrou que as diferentes amostras foram altamente concordantes quanto à ordenação desses diferentes eventos de vida.

Esses valores do coeficiente de concordância foram W = 0,98 para o método de estimação de magnitudes e 0,96 para estimação de comprimentos de linhas, sendo ambos altamente significativos (p<0,001). Como conseqüência dessa alta concordância dos julgamentos feitos pelas diferentes amostras, as estimativas de todos os participantes foram agrupadas em separado, para cada método (essas estimativas juntamente com suas respectivas ordenações estão apresentadas na Tabela 1). Assim, enfrentando falta de respeito dos alunos e enfrentando indisciplina foram eventos de vida de maior grau de reajustamento e dando aulas expositivas e recebimento de contracheques os de menor grau.

 

 

Um coeficiente de concordância, aplicado às estimativas efetuadas, por meio de cada método, para vinte eventos de vida mostrou W = 0,99 (p<0,001), indicando, portanto, que a ordenação por postos derivada das estimativas de cada método são altamente concordantes. Por exemplo, o evento de vida morte de aluno ocupa a quinta posição e o evento de vida recebimento de contracheques ocupa a décima nona posição em todos os contínuos de respostas. A análise que se segue foi feita considerando-se as estimativas médias apresentadas na Tabela 1.

 

Figura 1. Desvio padrão da média geométrica em função da média geométrica das estimativas de magnitudes dos eventos de vida da profissão de professor. Dados do Experimento 3.2.

 

Figura 2. Desvio padrão da média geométrica em função da média geométrica dos emparelhamentos de comprimentos de linhas dos eventos de vida da profissão de professor. Dados do Experimento 3.2. n= 0,76.

 

Outro resultado interessante é a relação entre os desvios padrão da média geométrica e as médias geométricas das estimativas de magnitudes ou das médias geométricas dos emparelhamentos de comprimentos de linhas (ver Figuras 1 e 2), onde se verifica a Lei de Ekman.

 

Figura 3. Relação entre os logaritmos das médias geométricas das estimativas de magnitudes e as médias geométricas dos emparelhamentos de comprimentos de linhas dos eventos de vida da profissão de professor. Dados do Experimento 3.2. n= 1,15

 

Na Figura 3, as médias geométricas das estimativas numéricas são projetadas em coordenadas logarítmicas em função das correspondentes médias geométricas dos emparelhamentos de comprimentos de linhas para cada evento de vida. Uma linha reta com uma inclinação (expoente da função de potência) de 0,76 (r2=0,82 ver Tabela 2) foi ajustada a estes dados pelo método dos quadrados mínimos. Todavia, como o observador tende a restringir a amplitude de seus ajustamentos em função da variável que ele controla, projetamos na Figura 4 essas médias em coordenadas invertidas, isto é, o emparelhamento de comprimentos de linhas em função das correspondentes estimativas numéricas para cada quadro clínico. Este "efeito de regressão" tem sido verificado em diferentes experimentos e foi analisado por Stevens e Greenbaum (1966) e Stevens (1975). A inclinação dessa linha reta é igual a 1,15 (r2=0,95). Indow e Stevens (1966) sugerem que tomando a média geométrica das duas inclinações pode se constituir numa maneira apropriada de mediar o efeito de regressão. No presente caso, a média geométrica de 0,76 e 1,15 é 0,93.

Este valor é próximo daquele predito de 1,00 quando estão envolvidos diretamente ao emparelhamento de comprimentos de linhas e estimação de magnitudes. A comprovação da equivalência entre o expoente empírico e o predito numa tarefa de calibração envolvendo diretamente sensações entre duas modalidades constitui-se em forte evidência da validade do método de estimação de magnitudes e por conseqüência, da lei de potência ou lei de Stevens. Tanto a força dinamométrica quanto o comprimento de linhas tem sido contínuos freqüentemente utilizados nas tarefas de emparelhamento intermodal. Com comprimentos de linhas a lógica é bastante fácil de apreender. Stevens (ver Stevens e Guirao, 1963; Teghtsoonian, 1965; Stevens, 1969, 1975) tem consistentemente verificado que estimativas numéricas de magnitudes de comprimentos de linhas produzem uma função de potência com expoente muito próximo de 1,00. Concluindo, comprimentos de linhas são linearmente proporcionais aos comprimentos físicos.

No presente estudo, esse valor de 0,93 obtido na tarefa de validação quando comparado ao expoente predito na calibração de 0,99, é próximo do valor esperado.

 

Conclusões

A relação entre as estimativas de magnitudes e as estimativas do emparelhamento de comprimentos de linhas é uma função de potência com um expoente não significativamente diferente de 1,00. A concordância entre estes valores escalares é elevada, indicando que as escalas são homogêneas e consistentes.

 

Referências bibliográficas

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Endereço para correspondência
Av. Bandeirantes, 3900 Campus Universitário
CEP 14040-902 Ribeirão Preto, SP
email: faleiros@eerp.usp.br

Enviado em Novembro/2002
Aceite final Março/2005

 

I Trabalho originado de parte da Tese de Doutorado intitulada Escalas de reajustamento social de professores: um enfoque da psicofísica social, da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Trabalho subsidiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).