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Temas em Psicologia

versión impresa ISSN 1413-389X

Temas psicol. v.13 n.2 Ribeirão Preto dic. 2005

 

ARTIGOS

 

Suporte social, nível socioeconômico e o ajustamento social e escolar de adolescentes portuguesesI

 

Social support, socioeconomic level, and school-social adjustment of Portuguese adolescents

 

 

Fabio Biasotto Feitosa* II; Margarida Gaspar de Matos** III; Zilda A. P. Del Prette* IV; Almir Del Prette* V

*Universidade Federal de São Carlos - Brasil
**Universidade Tecnica de Lisboa e CNDT/IMHT/UNL - Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Caracterizar os comportamentos e estilos de vida dos adolescentes é entendido como uma condição para planejar estratégias visando prevenir ou remediar situações de risco ao bem-estar. A partir do banco de dados do estudo de Matos et al. (2003), o presente artigo teve como objetivo verificar associações entre variáveis demográficas (nível socioeconômico) e ambientais/pessoais (suporte social, problemas de comportamento, desempenho acadêmico e gostar da escola). Neste estudo, foram incluídos 412 (idade média=15,12) adolescentes de diferentes escolas de Portugal. Os participantes responderam a um questionário sobre estilo de vida, saúde e dados sociodemográficos. Os resultados mostraram que o sucesso acadêmico se correlacionou positivamente a maiores índices de atenção dos professores, aceitação pelos pares, gostar da escola e de nível socioeconômico. Por outro lado, apresentou correlação negativa com problemas de comportamento e dificuldades dos adolescentes de falar com os pais. Discutem-se essas relações e suas implicações para intervenções educacionais e políticas sociais.

Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem, Competência social, Suporte social.


ABSTRACT

Characterizing the behaviors and life styles of adolescents is conceived as a condition to plan intervention strategies to prevent or to attenuate risk factors for well-being. Exploring the data base collected by Matos et al. (2003), this study aimed to check associations between demographic (socioeconomic level) and environmental/individual variables (social support, problems of behavior, school enjoyment and academic performance). In this study, 412 (average age=15,12) adolescents from different schools in Portugal completed a questionnaire on life style, health and socio-demographical data. The results showed that academic achievement positively correlated to teachers’ attention for students, peer acceptance, school enjoyment and socioeconomic level. On the other hand, academic achievement negatively correlated to behavior problems and difficulty to talk with the parents. These relations and their implications for educational interventions and social politics are discussed.

Keywords: Learning difficulties, Social competence, Social support.


 

 

Comportamento social é, em um sentido lato, um conjunto de ações, atitudes e pensamentos que o indivíduo apresenta em relação à comunidade, aos indivíduos com quem interage e a ele próprio (Matos, 2005b). Existem três conceitos chaves que articuladamente embasam os estudos e as intervenções no campo das relações interpessoais: o desempenho social, as habilidades sociais e a competência social. De acordo com Del Prette e Del Prette (2001, p.31),

... o desempenho social refere-se à emissão de um comportamento ou seqüência de comportamentos em uma situação social qualquer [...], o termo habilidades sociais aplica-se à noção de existência de diferentes classes de comportamentos sociais no repertório do indivíduo para lidar de maneira adequada com as demandas das situações sociais [e] o conceito de competência social tem sentido avaliativo que remete aos efeitos do desempenho das habilidades nas situações vividas pelo indivíduo.

Em outras palavras, tomando a imagem de uma escala de equilíbrio, as habilidades sociais ficariam classificadas no centro de duas reações opostas: uma não habilidosa ativa e uma não habilidosa passiva que corresponderiam, em termos aproximados, aos conceitos de comportamentos externalizados e internalizados (Del Prette & Del Prette, 2005). Massola e Silvares (1997) expõem que os comportamentos externalizados são aqueles que operam diretamente sobre o ambiente, como brigar e gritar, enquanto que os comportamentos internalizados não operam diretamente no ambiente, restringindo-se ao âmbito privado ao educando, como se isolar e perder-se em seus próprios pensamentos.

Considerando essa visão teórica, os problemas de comportamento passam a ser objeto de estudo da área educacional por pelo menos dois motivos. Primeiramente, a solução para problemas de comportamento exige o emprego de medidas socioeducativas capazes de desenvolver as habilidades sociais, remetendo à função de socialização da escola (Del Prette & Del Prette, 2003a; Matos, 2005a). Depois, muitos trabalhos têm contribuído ao documentar na literatura uma correlação significativa entre dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento (Kavale & Forness, 1996; Swanson & Malone, 1992), apontando questões comportamentais relacionadas ao ajustamento escolar do aluno tanto em aspectos acadêmicos como interpessoais.

 

Habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem

Na área da Psicologia Escolar, existem muitas pesquisas que comparam o nível de competência social com o desempenho acadêmico de alunos. Alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem são geralmente avaliados como: menos populares, menos cooperativos e mais rejeitados pelos seus colegas de classe (Kavale & Forness, 1996; Swanson & Malone, 1992); demonstram menos empatia (Kavale & Forness, 1996); apresentam menor competência na comunicação verbal e não-verbal (Kavale & Forness, 1996; Swanson & Malone, 1992); e manifestam com maior freqüência tanto comportamentos não habilidosos ativos como não habilidosos passivos nas relações interpessoais (Bernardes-da-Rosa, Garcia, Domingos & Silvares, 2000; Marturano, Loureiro, Linhares & Machado, 1997). No entanto, não obstante a associação entre baixa competência social e dificuldades de aprendizagem em educandos estar bem documentada na literatura, segundo alguns autores (Del Prette & Del Prette, 2003b; Kavale & Forness, 1996; Severson & Walker, 2002), ainda há necessidade de compreender melhor como as habilidades sociais se relacionam com o desempenho acadêmico e vice-versa.

O suporte social dado pelos pais tem sido analisado por diferentes pesquisadores, verificando seu impacto sobre o desenvolvimento psicológico dos filhos. Os estilos educativos parentais estão relacionados com o desempenho dos filhos em relação ao seu comportamento e ajuste social (Aunola, Stattin & Nurmi, 2000; Jones, Abbey & Cumberland, 1998) e também com o desempenho escolar (Chen, Liu & Li, 2000; Connell & Prinz, 2002). Os estilos educativos parentais são definidos por Darling e Steinberg (1993) como tipologias que representam uma constelação de características gerais da interação entre pais e filhos que permanece consideravelmente constante em várias situações educativas.

Com base nos estudos de Pacheco, Teixeira e Gomes (1999), por exemplo, é possível descrever um modelo para a classificação dos estilos parentais composto por duas dimensões: a) exigência parental – medidas educativas que requerem supervisão e disciplina, podendo gerar confronto diante da desobediência; e b) responsividade parental – medidas educativas que favorecem a individualidade e a auto-afirmação através do apoio e aquiescência.

A exigência parental tem sido registrada como relacionada à ansiedade, manifestação de comportamentos agressivos e dificuldades no desempenho social de crianças e adolescentes (Fabes, Leonard, Kupanoff & Martin, 2001; Pacheco et al., 1999). Por outro lado, a responsividade parental está associada ao bom desempenho social e intelectual, favorecendo o ajuste do individuo no meio em que vive (Alvarenga & Piccinini, 2001; Pacheco et al., 1999), desde que, como sugerem alguns estudos (Florsheim, Tolan & Gorman-Smith, 1998; Greenberger & Goldberg, 1989), venha acompanhada de doses moderadas da dimensão exigência. Assim, os pesquisadores têm encontrado que o equilíbrio entre as dimensões exigência e responsividade favorece o desenvolvimento dos filhos em diferentes campos de socialização (Fonseca, 2001; Steinberg, Lamborn, Darling & Mounts, 1994).

Não obstante esses estudos enfatizarem as atitudes parentais, o suporte social também pode ser estruturado por professores e até mesmo colegas dos educandos, desde que assumam funções que caracterizem as dimensões exigência e responsividade. Outro componente das condições sociais que parecem afetar o ajustamento social e o desempenho acadêmico de educandos é o nível socioeconômico.

 

Dificuldade econômica e desempenho acadêmico

As crianças provenientes de lares com maior nível socioeconômico costumam conseguir escores mais elevados nos testes de inteligência (Braghirolli, 1990; DalVesco, Mattos, Benincá & Tarasconi, 1998). A explicação estaria nas melhores oportunidades de desenvolvimento físico, emocional e intelectual, proporcionadas por melhores condições físicas e sociais na estimulação de suas capacidades (Braghirolli, 1990), mas também por seu acesso privilegiado aos bens culturais pouco disponíveis para a maior parte da população, aqui incluindo-se possivelmente a familiaridade com os materiais utilizados em testes acadêmicos e psicológicos.

No estudo brasileiro de Ferreira e Marturano (2002), crianças de menor nível socioeconômico, mais problemas de comportamento e queixas de dificuldades de aprendizagem foram caracterizadas como menos expostas a fatores promotores do desenvolvimento, tais como envolvimento e suporte dos pais, passeios, atividades compartilhadas com os pais no lar e oferta de brinquedos.

Ainda que considerando os múltiplos fatores associados a dificuldades na alfabetização inicial, pode-se supor que crianças de baixo nível socioeconômico possuem condições ambientais ainda mais restritas para o sucesso acadêmico relacionadas com a falta de um espaço e de uma rotina mais orientada para o estudo, além de pais que não podem ou não sabem ajudá-las nas tarefas de casa ou cujas preocupações com a sobrevivência os impele a negligenciar essa faceta do desenvolvimento dos filhos. Condições favoráveis como rotina e tempo para realizar lições escolares, ambiente físico adequado, assistência e incentivo dos pais, acesso a bibliotecas e outros fatores dessa ordem, que muito contribuem para o sucesso acadêmico na escola (Baker, Kessler-Sklar, Piotrkowski & Parker, 1999; Ferreira & Marturano, 2002), nem sempre estão disponíveis para essas crianças. A própria história de relação de seus pais com a escola é geralmente marcada por pouco contato e sentimentos de culpa e estresse, devido a experiências anteriores da própria vida ou da de outros filhos (Nicholson, 1997). A percentagem de problemas de aprendizagem e insucesso escolar acaba, assim, sendo maior em crianças oriundas de meios socioeconômicos desfavorecidos (Fonseca, 1995), o que pode gerar um círculo vicioso entre dificuldades de aprendizagem e inadaptação à escola e, no limite, ocasionar evasão e outros problemas no desenvolvimento socioemocional da criança e do adolescente.

 

Objetivo da pesquisa

Embora essa análise pareça pertinente, há ainda poucos estudos explorando, em uma mesma amostra, a influência concomitante das condições socioemocionais e socioeconômicas sobre o desempenho social e acadêmico de educandos. Especificamente, estudos sobre essas relações poderiam ampliar a compreensão sobre fatores psicossociais envolvidos na associação entre dificuldades de aprendizagem, déficits de habilidades sociais e problemas de comportamento. Nessa direção, Matos et al. (2003) desenvolveram um amplo estudo sobre as condições de vida dos adolescentes portugueses, visando mapear os comportamentos e os estilos de vida dos estudantes integrados nos sistemas educativos, como forma de obter subsídios relevantes para delinear estratégias de prevenção ou remediação de situações de risco à saúde e bem-estar e de promoção do ajustamento social junto a essa clientela.

Este estudo focaliza tais aspectos a partir do banco de dados obtidos por Matos et al. (2003) e teve, como objetivo, verificar empiricamente as possíveis associações entre suporte social e nível socioeconômico com problemas de comportamento e desempenho acadêmico, acrescido de um indicador de ajustamento escolar, o “gostar da escola”.

 

Método

Participantes

Da amostra total de 6.131 adolescentes (Matos et al., 2003), foram incluídos neste estudo 412 adolescentes (58% sexo masculino, 42% sexo feminino) entre 12 e 21 anos de idade (M=15,12) de diferentes escolas de Portugal, abrangendo diversas regiões. Os participantes pertenciam ao 8º. ano do nível básico (60,2%; n=248) e ao 10º. ano do nível secundário (39,8%; n=164). Quanto à nacionalidade dos adolescentes, 89,2% (n=364) eram portugueses, 3,9% (n=16) africanos, 1% (n=4) brasileiros e 5,9% (n=24) distribuídos entre outras nacionalidades. Quatro participantes não registraram sua nacionalidade.

Instrumentos e procedimento

Na amostra original do estudo de Matos et al. (2003), os dados foram coletados por meio de um questionário adotado pelo HBSC (Health Behaviour in School-aged Children) no estudo internacional de 2002 (Currie, Samdal, Boyce & Smith, 2001) em versão adaptada à realidade portuguesa em 1996 (Matos et al., 2003). Todas as normas éticas portuguesas vigentes foram respeitadas no estudo de Matos et al. (2003).

A dimensão suporte social foi composta pelos seguintes itens: Atenção dos Professores (exemplo: “professores encorajam a expressar meus pontos de vista”, 1=acontece poucas vezes a 3=acontece muitas vezes), Aceitação pelo Pares (exemplo: “colegas gostam de estar juntos”, 1=discordo totalmente a 5=concordo totalmente) e Dificuldade para falar com pai e mãe (“falar com pai” e “falar com mãe”, 1=muito fácil a 5=não o/a vejo).

A dimensão problemas de comportamento foi composta pela soma dos seguintes itens: Violência (exemplo: “agredir alguém”, 0=não, 1=sim) e Outros Problemas (exemplo: “mentir para conseguir coisas”, 0=não, 1=sim).

O indicador de ajustamento escolar foi baseado em sentimentos em relação à escola com a questão: “Eu gosto da escola” (4=muito; 3=um pouco; 2=não muito; 0=nada).

O nível socioeconômico foi avaliado pela soma dos itens: nível de instrução do pai (1=nunca estudou a 5=curso superior), nível de instrução da mãe (1=nunca estudou a 5=curso superior) e posse de computador (1=nenhum a 4=mais de dois).

O desempenho acadêmico dos alunos foi aferido por auto-avaliação (como consideram que são avaliados por seus professores) e por verificação do histórico escolar (Matos et al., 2003), considerando-se como retenção escolar aqueles que tinham dois anos a mais da idade habitual para a freqüência do ano (série) em que se encontravam (Matos et al., 2003). Com base nesses indicadores, no presente estudo, os alunos foram divididos em três grupos: SDA ou “sem dificuldades de aprendizagem”, aqueles que se auto-avaliaram na escala como muito bom e sem retenção escolar (51,9%; n=214); CBD: “com baixo desempenho”, se auto-avaliados como abaixo da média e sem retenção escolar (36,2%; n=149); CDA: “com dificuldades de aprendizagem”, se com retenção escolar independentemente de como auto-avaliaram seu desempenho acadêmico (11,9%; n=49). No presente estudo, foram excluídos os adolescentes do estudo original (Matos et al., 2003) com desempenhos acadêmicos intermediários, a fim de estudar somente aqueles com desempenhos opostos. Além disso, com o somente adolescentes do 8º. ano do ensino básico e do 10º. ano do nível secundário deveriam responder aos itens sobre problemas de comportamento, essa questão reduziu a amostra a 469 dos 6.131 participantes (Matos et al., 2003). Destes, foram ainda excluídos os que não registraram sobre atenção dos professores (49), aceitação pelos pares (6) e sobre gostar da escola (2), totalizando 412 adolescentes, e também aqueles que não registraram o nível de escolaridade dos pais (7) e existência de computador em casa (2), reduzindo a amostra para 403 adolescentes quando feita análise envolvendo nível socioeconômico.

 

Resultados e Discussão

Utilizando-se o programa SPSS for Windows (2005), foram efetuados testes de correlação (Pearson) conforme as sugestões de (Pereira, 2004), cujos resultados são sumarizados na Tabela 1.

 

Tabela 1. Correlações entre suporte social, problemas de comportamento, desempenho acadêmico e gostar da escola.

 

Como se pode verificar na Tabela 1, as análises mostraram alta correlação positiva (r=.734) entre problemas de comportamento e dificuldade de falar com pai e mãe; correlações positivas menores mas significativas (de 0.245 a 0.345) no cruzamento tanto da atenção dos professores como do nível socioeconômico com o desempenho acadêmico e o gostar da escola. Correlações significativas baixas e negativas foram obtidas entre a atenção dos professores e problemas de comportamento e no cruzamento da dificuldade de falar com pai e mãe com o desempenho acadêmico e o nível socioeconômico. As correlações entre aceitação dos pares e as demais variáveis foram as mais baixas ainda que significativas, negativas com problemas de comportamento e positivas com desempenho acadêmico e gostar da escola.

Os resultados do presente estudo sugerem alguns fatores importantes para o ajustamento escolar, considerado aqui em sentido amplo que reúne indicadores de problemas de comportamento, de desempenho acadêmico e de gostar da escola. Com base nos resultados, pode-se afirmar que quanto maiores as dificuldades de relacionamento com pais (indicado por dificuldade de conversação) maiores seriam as ocorrências de problemas de comportamento e mais baixos os indicadores de desempenho acadêmico. Esse dado é coerente com outros estudos que apontam a importância do suporte parental para o sucesso acadêmico (Chen et al., 2000; Connell & Prinz, 2002; D’Avila-Bacarji, Marturano & Elias, 2005) e, inversamente, a associação entre problemas de comportamento e baixo suporte ou monitoria dos pais (Aunola et al., 2000; Jones et al., 1998; Ferreira & Marturano, 2002). A alteração da estrutura e funcionamento da família, com pais trabalhando mais tempo fora de casa, parece ter reduzido a sua capacidade de facilitar o desenvolvimento interpessoal de crianças e adolescentes, ficando a escola, em função disso, forçada a assumir esse papel (Del Prette & Del Prette, 2003a). O tipo de comunicação e a proximidade entre pais e filhos pareceram favorecer o desempenho acadêmico e interpessoal destes últimos, confirmando dados de outros estudos (Alvarenga & Piccinini, 2001; Pacheco et al., 1999).

Com relação à atenção dos professores, verificou-se uma relação direta com desempenho acadêmico e gostar da escola, mas uma relação inversa com a ocorrência de problemas de comportamento. Em outras palavras, ao darem mais atenção a alunos de melhor desempenho acadêmico e menos problemas de comportamento, os professores podem estar contribuindo para reforçar os comportamentos desejáveis destes, o que também reforça esse desempenho dos professores. Por outro lado, pode indicar que os alunos, que mais precisam de uma atenção contingente e bem orientada do professor, não estão recebendo esse suporte na medida de suas necessidades. Pode-se dizer que a importância da qualidade da interação professor-aluno para superar problemas de comportamento e de desempenho acadêmico é bastante documentada na literatura (Del Prette, Del Prette, Garcia, Bolsoni-Silva & Puntel, 1998) e os resultados sugerem que esses professores podem requer assessoria para o uso de estratégias efetivas de controle de comportamento em sala de aula. Certamente eles serão mais efetivos na medida em que explorarem mais produtivamente, e de forma mais igualitária, a atenção que dispensam para as crianças, direcionando-a tanto para o manejo de comportamentos sociais e acadêmicos indesejáveis como para a manutenção e maximização de comportamentos desejáveis. A correlação positiva entre a atenção dos professores e o gostar da escola constitui um dado bastante coerente e esperado dada à importância das relações interpessoais para a motivação e a persistência dos alunos nos estudos (Bloodworth, Weissberg, Zins & Walberg, 2001) e as relações recíprocas entre desempenho acadêmico e ajustamento escolar em geral (Pianta, Steinberg & Rollins, 1995).

Por outro lado, é preocupante pensar que desempenho acadêmico e gostar da escola se relacionam negativamente com a atenção dos professores, pois isso representa uma condição de risco, agravada pela associação com problemas de comportamento e pobre suporte social no contexto escolar (oferecido tanto pelos professores como pelos pares) o que pode contribuir para a evasão escolar, a falta de motivação para os estudos e a busca de reforçadores no engajamento em outras atividades, eventualmente com grupos marginais que favorecem a trajetória para a delinqüência. Esses dados indicam, portanto, riscos ao ajustamento social e bem-estar de adolescentes com baixo desempenho acadêmico associado ou não a problemas de comportamento.

A influência do nível socioeconômico confirma outros estudos no que se refere ao desempenho acadêmico (DalVesco et al., 1998; Ferreira & Marturano, 2002) especialmente de que as porcentagens dos problemas de aprendizagem e do insucesso escolar estão, assim, mais concentradas em educandos oriundos de meios socioeconômicos desfavorecidos (Fonseca, 1995). Um melhor nível socioeconômico está geralmente associado a maior escolaridade dos pais, possibilitando um ambiente verbal mais elaborado, que contribui para o sucesso acadêmico. Conforme Andrade et al. (2005), quanto maior a extensão do vocabulário, maior a competência para aprender novas palavras, maior a informação sobre o mundo e, assim, mais condições de equilíbrio emocional, visto que as palavras auxiliariam na predição e controle de eventos e mesmo na auto-regulação. Inversamente, como mostram os resultados do estudo de Ferreira e Marturano (2002), crianças de menor nível socioeconômico, mais problemas de comportamento e queixas de dificuldades de aprendizagem são menos expostas a fatores promotores do desenvolvimento, tais como envolvimento e suporte dos pais, passeios, atividades compartilhadas com os pais no lar e oferta de brinquedos.

No entanto, é importante olhar para a relação entre nível socioeconômico e desempenho acadêmico também em sua associação com o gostar da escola e com a atenção dos professores. Ainda que o presente estudo não permita estabelecer relações funcionais entre todos esses fatores, pode-se considerar que, além de melhores condições ambientais para estudar e de maior acesso a bens culturais que impactam positivamente sobre o rendimento acadêmico (Andrade et al., 2005), crianças com melhor nível socioeconômico certamente se adaptam mais facilmente ao padrão cultural da escola e, por estar mais próximas do nível socioeconômico dos professores e técnicos, parecem obter maior aceitação e, com isso, estabelecem relações mais favoráveis.

É interessante observar as mais baixas correlações, tanto positivas como negativas, para os indicadores de aceitação por pares. Ainda que baixa, a correlação negativa com problemas de comportamento remete à importância da socialização na escola e de seu papel no ajustamento emocional. Crianças com problemas de comportamento, tanto internalizados como externalizados, podem ser negligencias ou rejeitadas por grande parte dos colegas e, conseqüentemente, buscam aceitação em grupos marginais.

Por outro lado, a aceitação ou rejeição pelos pares, de acordo com os resultados aqui encontrados, ocorreu independentemente do nível socioeconômico dos pais dos adolescentes, sugerindo que os pares poderiam constituir uma fonte de apoio social importante, principalmente para os jovens provenientes de famílias com desvantagem socioeconômica.

Uma questão importante e relacionada é que a aceitação pelos pares parece depender, dentre outros fatores, de habilidades sociais que, por sua vez, constituem comportamentos incompatíveis com os dois tipos de problemas. Além disso, considerando que educandos com dificuldades de aprendizagem tendem a apresentar problemas de comportamento (Kavale & Forness, 1996; Swanson & Malone, 1992), estes ficariam em condição desfavorável para agradar o professor, fazer amigos e construir uma rede de apoio social.

 

À guisa de conclusão

À semelhança de outros estudos, este com adolescentes portugueses apresentou evidências de que o suporte social (Alvarenga & Piccinini, 2001; Pacheco et al., 1999) e o nível socioeconômico (DalVesco et al., 1998; Ferreira & Marturano, 2002) tenderiam a afetar o desempenho interpessoal e acadêmico de educandos. O desempenho acadêmico e o desempenho social de adolescentes portugueses pareceram estar relacionados a condições socioemocionais (suporte social) e materiais (nível socioeconômico), como mecanismos que possivelmente associam dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento. Em outras palavras, a lógica estabelecida aqui é a de que carências no suporte social, associadas à pobreza socioeconômica, afetariam tanto o desempenho acadêmico como social do indivíduo, fazendo com que estes dois últimos fatores apareçam associados em estudos de correlação.

Os resultados indicam que adolescentes pertencentes aos segmentos socioeconômicos mais baixos são aqueles que mais demandariam medidas político-educacionais voltadas para a promoção da competência social, sucesso acadêmico e, conseqüentemente, do bem-estar. Ao lado do investimento dos órgãos públicos em mudanças estruturais mais amplas que reduzam os fatores de risco apontados no presente estudo, pode-se defender, também, o investimento concomitante em programas de Treinamento de Habilidades Sociais, sob duas formas (Del Prette & Del Prette, 2005). A primeira, como alternativa de prevenção, por meio da ação integrada entre escola e família (Del Prette & Del Prette, 2006). A segunda, associada a intervenções terapêuticas, visando à superação de dificuldades interpessoais e dos problemas a elas associados, como a violência (Del Prette & Del Prette, 2003a).

A associação entre a qualidade da estimulação ambiental e o desenvolvimento cognitivo de educandos, favorecida pelas condições socioeconômicas, pode ser considerada sob uma visão epidemiológica, conforme vem divulgando a Organização Mundial da Saúde (Andrade et al., 2005). Dados como os do presente estudo sugerem a necessidade de programas de intervenção psicossocial para famílias de baixa renda, como indicada por Andrade et al. (2005). A formação de centros públicos para a aplicação de medidas psicopedagógicas em educandos identificados como grupos de risco parece ser promissora para a redução de problemas de comportamento e dificuldades de aprendizagem.

A criação de redes de apoio social, de programas de habilidades sociais na escola e o fortalecimento da ação comunitária são algumas das estratégias coerentes com as propostas de intervenção nomeadas pela Organização Mundial da Saúde para a promoção da saúde a partir de medidas educacionais de amplo alcance (Matos, Branco, Carvalhosa & Sousa, 2005).

 

Referências

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Endereço para correspondência
Prof. Dr. Fabio Biasotto Feitosa
Grupo Relações Interpessoais e Habilidades Sociais (www.rihs.ufscar.br)
Via Washington Luiz, Km 235, CEP: 13565-905, São Carlos - SP
E-mail: fabiobfeitosa@yahoo.com.br

Enviado em Novembro/2006
Revisado em Abril/2007
Aceite final em Maio/2007

 

I O presente artigo foi elaborado durante o estágio de doutorado sanduíche do primeiro autor na “Equipa Aventura Social/FMH/UTL”, com apoio da CAPES. Os autores agradecem à equipe Aventura Social (www.aventurasocial.com) pelo trabalho empreendido na coleta dos dados e à FCT (POCTI/PSIDA 37486) pelo apoio dado em 2002.
II Doutor em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos.
III Psicóloga, Professora Associada com Agregação na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Tecnica de Lisboa (FMH/UTL) e investigadora do CNDT/IMHT/UNL.
IV Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos.
V Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos.

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