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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. v.14 n.1 Ribeirão Preto jun. 2006

 

HOMENAGEM A SÓCIOS HONORÁRIOS DA SBP

 

 

Homenagem a sócio honorário: Isaias Pessotti

 

 

Vera Regina Lignelli Otero

Conselheira da SBP

Endereço para correspondência

 

 

Indicar o nome do professor Isaias Pessotti para Associado Honorário da Associação Brasileira de Psicologia coloca quem o faz diante de inúmeros caminhos para fundamentar tal proposição. Ao se falar sobre a trajetória profissional do professor Isaias temos que ressaltar sua imensa capacidade em harmonizar ciência, literatura, história e criatividade, atributos imprescindíveis a um pesquisador que é também um “formador de profissionais da Psicologia”, em vários sentidos: científico, humanista, histórico e político.

Tarefa difícil é selecionar quais títulos acadêmicos, trabalhos científicos ou demais atividades por ele realizadas mais expressivamente contribuíram para o desenvolvimento da Psicologia como ciência, bem como para a formação de pesquisadores, docentes e psicólogos, tanto no Brasil quanto no exterior. Por exigência de minha tarefa de fundamentar a indicação, ressaltarei alguns itens de seu currículo que servirão para nossa reflexão.

Bacharelou-se em Filosofia, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), em 1955 (Sei que o professor Isaias orgulha-se de dizer que se graduou em Filosofia pela “Maria Antônia”). Obteve o título de Especialista em Educação, pela Universidad de Chile em um curso oferecido pela Organização das Nações Unidas, para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), em 1959. Doutorou-se em Ciências, com distinção, também pela Universidade de São Paulo, em 1969.

Sua carreira acadêmica centralizou-se no Departamento de Neuropsiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, onde ingressara em 1967. Tornou-se Livre Docente em 1977, Professor Adjunto em 1981 e Professor Titular em 1984 junto a essa Universidade, sempre por concurso público de títulos e provas.

Paralelamente à carreira de pesquisador e docente da USP, também por concursos públicos de títulos e provas, obteve os seguintes títulos: Professor Titular do Centro de Educação e Ciências Humanas, da Universidade Federal de São Carlos, em 1982; Professor Titular de Psicologia Educacional da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – USP, em 1983; Professor Titular da cátedra de Metodologia Científica (em Psicologia) da Universidade de Urbino (Itália), em 1997, título esse obtido por “notório saber” (chiara fama), reconhecido pelos colegiados da Universidade, pelo Consiglio Universitário Nazionale (CUN) e pelo Ministero delle Universitá e della Ricerca Scientifica e Tecnologica, da Itália.

Em 2004, voltou a suas origens (de onde nunca havia de fato saído) e obteve o título de Mestre em Filosofia e Metodologia das Ciências pela Universidade Federal de São Carlos. Acredito que seja este um dos títulos do qual o professor Isaias mais se orgulhe e que mais lhe tenha dado prazer em alcançar. Mas o que lhe demandara maior tempo! O tempo de realização deste trabalho era sempre “esticado”, quase interminável. Ele sempre encontrava justificativas para ampliar ou reformular o tema estudado como se não conseguisse defini-lo ou desenvolvê-lo. Na realidade, tudo isso se constituía na “grande desculpa oficial” para encontrar o professor Bento Prado Jr, seu grande amigo e orientador da dissertação, com quem tinha longas conversas sobre o trabalho, seguramente entremeadas de boas piadas e de bons vinhos.

O professor Isaias tem mais de 70 trabalhos publicados em revistas científicas nacionais e internacionais. Não é possível citá-los um a um, mas é extremamente importante enfatizar a relevância de alguns de seus estudos e publicações. Ele foi “capa” da revista Scientific American no início da década de 1970, em função da importância de sua obra científica resultante de seus trabalhos pioneiros de pesquisa em aprendizagem de abelhas, trabalho esse que constituiu sua tese de doutoramento. Até então, as pesquisas sobre comportamento operante eram realizadas basicamente com ratos e camundongos confinados em gaiolas e caixas experimentais. Nessas pesquisas apenas algumas variáveis selecionadas pelo pesquisador eram manipuladas.

Ao estudar o comportamento de abelhas, o professor Isaias trouxe um novo olhar metodológico e iniciou uma linha de pesquisa em Análise Experimental do Comportamento. Na nova condição de pesquisa a “situação experimental” tinha que competir com a diversidade de flores e frutos com seus “açúcares” disponíveis na natureza. Era preciso conseguir trazer cada abelha, que vivia livremente em sua colméia, para dentro do laboratório onde ficava o “equipamento” experimental. O sujeito ter a liberdade de escolher para onde ir, para o campo ou para a sala de experimento, fazia toda a diferença nos dados obtidos. Tornava-os mais “puros”, mais próximos da condição de ocorrência do comportamento humano.

Assim, o professor Pessotti desenvolveu procedimentos específicos para estudar comportamentos de abelhas. Dentre outros, realizou estudos sobre aprendizagem e extinção de comportamentos de discriminação de cores e formas, modelagem do comportamento de pressão à barra e punição de tal comportamento associada à extinção, em várias espécies de abelhas sociais e com diferentes planejamentos experimentais.

É importante e necessário ressaltar que os equipamentos para a realização desses experimentos foram concebidos e construídos pelo próprio professor Isaias. Na criação do equipamento para o estudo inicial do processo da discriminação de cores em abelhas, ele adaptou uma lata de sardinha sem a tampa, na qual era colocado o “xarope” usado como estímulo reforçador para os comportamentos das abelhas. Duas frigideirinhas de brinquedo, uma azul e outra amarela com pequenos furos no meio por onde as abelhas recebiam o xarope, eram acopladas na parte superior da lata.

Uma vez padronizados os procedimentos de treino e manutenção de abelhas em situação experimental aberta, vários estudos foram realizados por jovens pesquisadores, sob orientação e supervisão impecáveis do Professor Isaias. Nessa direção, cabe relembrar ainda a constante e inquieta preocupação do Professor em formar profissionais, educadores e professores para atuar nas mais diferentes áreas da Psicologia. Com esse propósito, orientou inúmeras dissertações de mestrado e teses de doutorado.

Além dos trabalhos referidos o professor Isaias trouxe contribuições expressivas de outras áreas para a Psicologia. Uma grande paixão do professor Pessotti tem sido o estudo de fatos históricos em geral, especialmente os relacionados de alguma maneira à Psicologia, o que o levou a publicar três excelentes livros sobre a loucura: A Loucura e as épocas, em 1994; O Século dos manicômios, em 1996; Os Nomes da Loucura, em 1999. Neles, analisa como a loucura foi vista em diferentes momentos históricos e do desenvolvimento científico relacionados a ela. Ele nos apresenta a evolução do conceito e a história da loucura, da Grécia antiga até o século XIX. Revela-nos os conflitos dos fazeres médicos para lidar com a loucura, especialmente no século XVIII.

Também a Deficiência Mental foi estudada e discutida historicamente em seu livro Deficiência Mental: da Superstição à Ciência, publicado em 1984, no qual faz uma revisão do conceito de Deficiência Mental e das diferentes maneiras com que seus portadores eram tratados. Do mesmo modo, ensina-nos em seu livro Pré-História do Condicionamento, de 1976, sobre os feitos e as teorias dos fisiologistas os quais, durante séculos, estudaram o sistema nervoso, o comportamento reflexo, entre outros aspectos, e foram os precursores do que posteriormente ficou conhecido como Condicionamento Operante. Essas e outras publicações sobre a História da Psicologia, apresentadas oralmente em reuniões científicas ou publicadas em renomados periódicos nacionais e internacionais, possibilitaram conhecer muitas das reais raízes do que era visto como descobertas dos nossos tempos

O professor Pessotti envaideceu e honrou muito os profissionais da Psicologia, especialmente os do Brasil e da Itália, ao receber o prêmio Jabuti de Literatura, em 1993, com o seu primeiro romance: Aqueles cães malditos de Arquelau. Trata-se de um livro instigante entremeado de investigação de dados históricos, recheado com a descoberta de um texto sobre Eurípedes e salpicado com as seduções de um romance.

Seguiram-se à publicação do Cães (forma que ele mesmo se refere ao livro) Os Manuscritos de Mediavilla, em 1996, e A Lua da Verdade, em 1997.

O professor Isaias participou ainda da criação de cursos de Especialização e Pós Graduação no Brasil e no exterior. Cito o programa de mestrado em Educação Especial para Deficientes Mentais na Universidade Federal de São Carlos, como exemplo. Também foi de fundamental importância a assessoria por ele dada à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo para a criação e o estabelecimento de políticas educacionais para o atendimento de portadores de necessidades especiais no Estado. Atuações como estas mostram a relevância de suas contribuições pessoais e profissionais para o avanço não só da Psicologia, mas também para o da população em geral.

Um destaque particular deve ser feito à atuação do professor Isaias na Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto (SPRP), precursora da Associação Brasileira de Psicologia (SBP). Foi seu vice-presidente em 1976 e presidente em 1977. Durante várias gestões, coordenou a Divisão de História da Psicologia. Foi sempre uma figura atuante e reflexiva diante dos vários desafios e caminhos que a SBP percorreu.

É justo e imprescindível afirmar que o professor Isaias passou por várias áreas do conhecimento, não por volubilidade, mas, sim, pela visão ampla que sempre teve da Psicologia como ciência e como aplicação. Em todas elas, deixou contribuições importantes que permitiram avanços, teóricos e práticos, bastante significativos.

O Professor Doutor Isaias Pessotti é único porque há vários Isaias dentro dessa pessoa incomparável. Desde quando o conheci, no final da década de 1960, foi possível apreciar essa figura maravilhosa que, em todas as plenas maturidades alcançadas, sempre conservou intactas a vitalidade juvenil e a imaginação esfuziante. Há o pesquisador, o cientista brilhante, o historiador crítico – o filósofo da psicologia – e o “inventivo relojoeiro”. Todas essas características são sempre úteis para os fazeres da ciência psicológica e para o desenvolvimento do saber científico, em geral. Também é habilidoso marceneiro e cozinheiro. Como alguém afirmou há algum tempo, trata-se de um caso cuja imaginação e entendimento espontaneamente se harmonizam. O Professor Doutor Isaias Pessotti ou, simplesmente, “O Professor” preenche exaustivamente os requisitos para ser Associado Honorário da Associação Brasileira de Psicologia. Portanto, proponho que seja promovido à categoria de Associado Honorário.

Ribeirão Preto, 17 de dezembro de 2007.

 

Otero, V. R. L. (2006). Homenagem a sócio honorário: Isaias Pessotti. Temas em Psicologia, 14(1), 09-11.

 

 

Endereço para correspondência
Vera Regina Lignelli Otero
E-mail: veraotero@netsite.com.br.

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