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Temas em Psicologia

Print version ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.14 no.2 Ribeirão Preto Dec. 2006

 

ARTIGOS

 

Graduação em Psicologia: o projeto da UFSCarI

 

Undergraduate program in psychology: the UFSCAR project

 

 

Deisy das Graças de SouzaI; Júlio César de RoseI; Nivaldo NaleI; Nancy Vinagre Fonseca de AlmeidaI; Maria de Jesus Dutra dos ReisI; Maria Stella Coutinho de Alcântara GilI; Ana Lucia Rossito AielloI; Tânia Maria Santana de RoseI; Elizabeth J. BarhamI; Maria Cristina Di LolloI; Ana Lúcia CortegosoI; Zilda A. P. Del PretteI; Patrícia Waltz ScheliniI; Débora de Hollanda SouzaI; Olga Mitsue Kubo II; Maria Benedita Lima Pardo III

I Universidade Federal de São Carlos

II Universidade Federal de Santa Catarina

III Universidade Federal de Sergipe

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta o projeto pedagógico do curso de Psicologia da UFSCar, que é direcionado por uma ênfase na formação para a pesquisa científica nesta área de conhecimento e para intervenções cientificamente embasadas no campo profissional. A versão atual do projeto reafirma os referenciais que nortearam a elaboração da proposta original e incorpora um breve histórico da implantação e funcionamento do curso no período de 1994-2005, assim como um conjunto de ajustes resultantes da análise das Diretrizes Curriculares estabelecidas em 2004. O texto também apresenta alguns indicadores do impacto do curso, que ratificam o projeto de formação do psicólogo como profissional, pesquisador, educador e professor de Psicologia.

Palavras-chave: Graduação em Psicologia, Projeto Pedagógico, Pesquisa em Psicologia, Atuação profissional em Psicologia.


ABSTRACT

This paper describes the project for the undergraduate program in Psychology at Federal University of São Carlos. The program places emphasis on the education of future scientists and professionals in the field of Psychology as well as on training in scientifically based interventions. The current version of the project reaffirms the principles underlying the original proposal and incorporates a brief historical overview of the course during the period between 1994 and 2005. Additionally, this version describes some adjustments made to the project in accordance with the new Federal Guidelines for Undergraduate Courses in Psychology established in 2004. The paper also describes some data on the impact of the UFSCar course which confirms the importance of training Psychology students to become not only competent professionals, but also competent researchers and educators.

Keywords: Undergraduate Course in Psychology, Pedagogical Project, Psychology Research, Professional Work in Psychology.


 

 

Até o ano de 2004, quando foram aprovadas as Diretrizes Curriculares para cursos de Psicologia no país, por meio da Resolução nº 8 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, a legislação vigente para a criação e implementação destes cursos previa um currículo mínimo nacional, com uma lista de assuntos, temas e conteúdos organizados em matérias obrigatórias que levavam às habilitações de bacharel, licenciado e psicólogo. Embora a legislação já estivesse, há muito, sendo objeto de insatisfação e questionamento por parte de profissionais e instâncias de formação, e já se iniciasse uma discussão nacional sobre a substituição dos currículos mínimos por diretrizes curriculares, até então não havia uma proposta que atendesse satisfatoriamente aos anseios dos diferentes envolvidos com a formação do psicólogo no Brasil.

Cerca de uma década antes da aprovação das Diretrizes Curriculares foi criado o projeto do curso de Psicologia da UFSCar (1993) , com concepção e filosofia que, sem ferir a legislação vigente, já representava uma proposta alternativa e inovadora, no sentido de resolver grande parte das insatisfações e questionamentos a respeito da formação do psicólogo. Nos anos seguintes, com a formação em Psicologia sendo foco de uma discussão mais ampla no país, tal como ocorreu com os demais cursos de graduação, o Projeto Pedagógico do Curso de Psicologia da UFSCar foi tomado como um dos referenciais para a elaboração de novas propostas para o processo de formação. Além disso, e em parte por isso, houve um alto grau de participação da UFSCar neste processo, tanto em função do uso do projeto pedagógico, quanto pelos produtos gerados pela Comissão Interna formada para acompanhar e subsidiar a formulação das Diretrizes Curriculares (DC) pela Comissão de Especialistas do Ministério de Educação e Cultura.

Com a aprovação das Diretrizes Curriculares, em 2004, novos ajustes se tornaram necessários. Não obstante, a compreensão de que as bases do projeto original deveriam ser mantidas como uma conquista a ser progressivamente aperfeiçoada, não abandonada ou substituída. Esta posição se sustentava, em grande parte, pela constatação de coerência entre as novas Diretrizes Curriculares Nacionais e a filosofia geral norteadora do curso de Psicologia da UFSCar, inclusive quanto ao conjunto de competências definidas para a formação do psicólogo. Entre os aperfeiçoamentos, a nova legislação exigia uma revisão em vários aspectos operacionais do Curso, especialmente em termos de definição e explicitação de ênfases e de ajustes na organização didático-pedagógica proposta em função destas ênfases.

 

Justificativa e filosofia do curso de Psicologia da UFSCar

A justificativa geral e a filosofia que embasaram a criação do curso de Psicologia na UFSCar, originalmente elaboradas no final da década de 1980 e início da década de 1990, basearam-se em ampla reflexão sobre referenciais, presentes naquele momento e prospectivos, gerando um projeto considerado inovador para a formação do psicólogo. Estas bases, ainda que historicamente contextualizadas naquela época, descrevem e examinam um cenário que se manteve em vários de seus pontos críticos, e que, em alguns aspectos, se tornou ainda mais grave, permanecendo, desde então, como referência norteadora do curso de Psicologia da UFSCar.

Tais bases, retomadas nas seções seguintes, incluem: problemas e necessidades sociais que caracterizam o campo de atuação do psicólogo em diferentes âmbitos (mundial, nacional, regional); perspectivas para o campo de atuação e das tendências da profissão do psicólogo em nosso meio e sua relação com características da formação na maioria dos cursos no Brasil e, em particular, no Estado de São Paulo e região; lugar e o papel político das Universidades (e, em particular, da UFSCar) na criação de novos cursos de graduação; metas do curso tendo em vista um perfil de psicólogo entendido como necessário para atuar efetivamente na solução de problemas e na ampliação do conhecimento; e princípios gerais de funcionamento do curso de Psicologia da UFSCar.

Problemas e necessidades sociais como demandas para psicólogos e pesquisadores em Psicologia

A extrema complexidade da sociedade moderna, o ritmo frenético do avanço científico e tecnológico, a influência avassaladora dos meios de comunicação de massa, o desemprego crescente – tendência que parece irreversível face à evolução tecnológica e às pressões geradas pela forma de produção capitalista –, a monotonia do trabalho da grande maioria não qualificada, entre outros fatores, fizeram com que se configurasse toda uma nova gama de problemas, cujo atendimento exige a participação do profissional de Psicologia. São exemplos disto a existência de crianças em condições de risco que, pelas condições durante a gestação e nos primeiros meses de vida, face ao nível econômico e cultural das mães, apresentam alta probabilidade de atraso no desenvolvimento; a situação do menor carente; do menor infrator; as questões relacionadas à qualidade do ensino, em todos os seus aspectos, mas especialmente o da reprovação e evasão escolar nas primeiras séries, com a conseqüente segregação e estigmatização da criança; os problemas relacionados ao atendimento ao idoso; os problemas relacionados ao alcoolismo e consumo de drogas; a escalada da violência em todos os níveis e formas, e seus múltiplos determinantes; a multiplicação das doenças mentais com suas especificidades típicas desse final de século (as chamadas “síndromes”: de pânico, depressiva, etc.); o problema do desenraizamento cultural decorrente da migração interna e externa; entre muitos outros que envolvem condutas de indivíduos, grupos, organizações, etc.

Com as transformações sociopolíticas no Leste Europeu e o final da Guerra Fria – nas últimas décadas do Século XX –, estes problemas se agravaram, exacerbando-se algumas tendências que já vinham se delineando, tal como a fragmentação cada vez maior da sociedade e a explosão dos particularismos e racismos. Como já apontava o jornalista Renato Pompeu (1993) ao destacar a multiplicação dos conflitos entre diferentes etnias, diferentes grupos religiosos, diferentes gerações, entre subgrupos os mais variados de uma mesma etnia, etc. A violência presente em todas as instâncias de relacionamento entre os homens, e que encontra sua apologia implícita ou explícita nos meios de comunicação, tornou-se, cada vez mais, parte do cotidiano e fator gerador de problemas emocionais de toda ordem. Merecedoras de destaque são, ainda, a crescente destruição do ambiente, as ameaças de catástrofes e a conseqüente degradação da qualidade de vida. Enfim, uma condição de agravamento de problemas sócio-políticos e de seus efeitos sobre o ambiente, com o decorrente agravamento do quadro de problemas humanos, especialmente no Terceiro Mundo – este muito mais desprovido de defesas contra todos esses problemas.

Em decorrência, tem-se um cenário de aumento de demanda por profissionais que possam diagnosticar problemas que envolvam o comportamento humano, propor e implementar formas adequadas de resolvê-los ou minimizá-los e, sobretudo, de preveni-los1. Uma vez que tanto a miséria quanto outros problemas políticos e econômicos na sociedade moderna resultam de um complexo sistema de ações humanas. Decorrem do fato de muitos homens terem agido e agirem de certa forma em vários momentos (ou de terem deixado de agir) e de outros tantos homens terem reagido e reagirem de um modo particular a estas ações. Sob essa compreensão, dizer que a miséria, bem como outros flagelos, é uma questão política ou econômica, corresponde a dizer que problemas políticos e econômicos são, antes de qualquer coisa, problemas de comportamento (Duran, comunicação pessoal, outubro, 1983).

Há várias décadas, mesmo considerando a elaboração do projeto original do curso de graduação em Psicologia da UFSCar, já eram reconhecidas a importância do papel do profissional de Psicologia e a necessidade de um fluxo regular de formação deste profissional. A crescente complexidade das sociedades modernas e, em decorrência, de seus problemas e das possíveis soluções, tornou ainda mais relevante a formação de profissionais e pesquisadores voltados para a análise científica do comportamento. Com vistas a garantir o atendimento da contínua e crescente demanda da sociedade por serviços que ajudem na compreensão, prevenção, minimização e eliminação de problemas humanos de cunho psicológico e na promoção de melhores níveis de qualidade de vida. A perspectiva de contribuir para a formação deste tipo de profissional, sensível aos problemas sociais e preparado para lidar com eles no complexo contexto estabelecido a partir do Século XX, constituiu uma das bases da proposição do curso de Psicologia da UFSCar, mantida e reiterada mesmo nos momentos em que este passou por reformulações, tais como as decorrentes da implantação das Diretrizes Curriculares na Psicologia.

Campo de atuação em Psicologia e evolução da profissão

Se de uma perspectiva ampla, a demanda por profissionais de Psicologia era, no início dos anos 90, uma realidade que só tendia a aumentar, de um ponto de vista mais localizado e restrito, a criação de novos cursos de Psicologia parecia, em um exame preliminar, não constituir uma necessidade. Nesta época, somente no Estado de São Paulo, 27 instituições de ensino superior ofereciam cursos de formação de psicólogo. No entanto, apenas duas destas instituições pertenciam à rede pública de ensino, sendo responsáveis por quatro cursos (a Universidade de São Paulo, com cursos nos campi de São Paulo e Ribeirão Preto, e a Universidade Estadual Paulista, com cursos nos campi de Assis e Bauru).

O contingente de psicólogos inscritos na Seção 06 do Conselho Regional de Psicologia, que abrange São Paulo e Mato Grosso do Sul, crescia aceleradamente. Em 1981 havia aproximadamente 33.000 inscritos. Desde 1985 o número de inscrições anuais tinha variado de 2.000 a 2.500 por ano. Porém, considerando que o número de psicólogos formados era – e ainda é – maior do que o número de inscritos (dado que uma parte dos formados não chega a se inscrever nos Conselhos), foi possível estimar a existência, no início da década de 90, apenas nos dois estados referidos, de um total de psicólogos da ordem de 50.000.

Embora o número absoluto parecesse muito elevado, defendia-se a necessidade de considerar, no entanto, a qualificação destes profissionais, seu efetivo envolvimento em atividades profissionais na área e a proporção destes profissionais em relação à população. Em São Paulo, por exemplo, considerando a totalidade dos formados na época (nem todos trabalhando como psicólogos) e uma população estimada de 32 milhões de pessoas, a proporção chegaria a um psicólogo para mais de 900 habitantes.

Por outro lado, apesar do número de psicólogos formados, a demanda pelos cursos de Psicologia permanecia relativamente alta, especialmente nos poucos cursos de Psicologia oferecidos pelas universidades públicas. Na Universidade de Brasília, por exemplo, o número de candidatos por vaga vinha sendo, em média, 15, em concursos vestibulares semestrais. Dados da FUVEST2 indicavam que na Universidade de São Paulo a nota de corte era, na época, em torno de 35 pontos, posicionando a Psicologia entre as 15 ou 20 carreiras mais procuradas – das 50 a 60 carreiras disponíveis aos candidatos, na época.

Para pesquisadores que haviam examinado aspectos relativos à formação do psicólogo, o problema se apresentava de forma um tanto diferente. Em essência, não haveria um problema com a quantidade (muitos psicólogos formados e em formação!), uma vez que a demanda também era grande. O que preocupava era a qualidade da formação: capacitação técnico-científica, responsabilidade ética e sensibilidade do psicólogo para sintonizar problemas socialmente significativos que demandam sua atuação.

Neste último aspecto, por exemplo, havia sido sistematicamente detectado um viés profissional que levava a maioria dos psicólogos a optar pela prática clínica em consultório particular, pulverizando drasticamente o trabalho e reduzindo o impacto da Psicologia na solução de problemas que afligiam a sociedade (Borges-Andrade, 1991; Botomé, 1979/1988; Carvalho, 1982; Carvalho & Kavano, 1982; Mello, 1975).

Os cursos ganharam uma unidimensionalidade compacta de maneira que não apenas formam psicólogos clínicos, mas também transformam os alunos, graças ao conteúdo predominante das disciplinas, em psicólogos clínicos. Dessa maneira, os alunos são reforçados em seus desejos de se tornarem profissionais liberais, mesmo com todas as características sociais atuais sugerindo um outro tipo de atuação (Mello, 1975, p. 60).

Esses cursos [de formação de psicólogos] deformam todos os tipos de profissionais que precisam trabalhar em equipes, seja como psicólogos organizacionais, educacionais, ou mesmo aqueles que atuam em instituições hospitalares ou ambulatoriais (Borges-Andrade, 1986, p. 32).

Em “A profissão em perspectiva”, Carvalho (1982) analisou um modelo teórico acerca das relações entre os fatores que poderiam determinar a opção de psicólogos recém-formados pelas áreas de trabalho profissional (p. 10). A autora identificou diferentes “circuitos de retro-alimentação” em tal modelo, envolvendo movimentos mais rápidos ou mais lentos e características mais conservadoras ou mais sensíveis a mudanças:

o Curso determina o tipo de profissional que sairá formado, mas também sofre influências deste, pelo menos de duas maneiras: o aluno, que já traz uma imagem da Psicologia, orienta-se dentro dos cursos de certas maneiras, através de suas opções por áreas, estágios, etc., reforçando certas partes do curso em detrimento de outras; além disso, os próprios professores, que freqüentemente são também profissionais, levam para os cursos basicamente a sua imagem e a sua prática da profissão, que nem sempre estão atualizadas com as transformações que vêm ocorrendo no mercado e nas necessidades sociais. [...] Um circuito sensível a mudanças seria o que permitisse um efeito forte das necessidades sociais, que são o mais dinâmico dos fatores que estamos considerando (Carvalho, 1982, p. 10-11).

Como então explicar que, apesar dos diferentes campos de atuação (clínica, escola, organização e trabalho social) oferecerem condições semelhantes e favoráveis para a obtenção de ocupação ou emprego (em termos de tempo de espera, forma de obtenção e acesso), houvesse uma expressiva preferência dos recém-formados pela atividade clínica? A autora buscava uma explicação para estes dados nas justificativas que os próprios alunos apresentavam para a opção pelo campo clínico, no início e no término do curso. As justificativas revelavam que a concepção sobre a atuação do psicólogo, em termos de relação de ajuda e de relação direta e íntima com pessoas, era reforçada no decorrer do curso:

Porque os cursos apresentam ao aluno basicamente uma atuação em termos de atendimento psicoterapêutico individual, que corresponde exatamente à expectativa anterior dos alunos sobre o que seja trabalhar em Psicologia (Carvalho, 1982, p. 16).

Fechava-se aí o circuito conservador que tornava o psicólogo recém-formado imune ou insensível a outras demandas de atuação – ao ser inserido no mercado de trabalho. Os dados encontrados pela autora confirmavam o predomínio do circuito que ligava os fatores curso-psicólogo-auto-imagem e sugeriam que a relação espaço-atuação era muito fraca:

Se, como supusemos, o único canal pelo qual as necessidades sociais afetam a atuação do psicólogo recém-formado é a criação de espaços de atuação, isto significa que as necessidades sociais praticamente não estão determinando essa atuação; e isto torna compreensível porque, apesar de toda a transformação ocorrida nos últimos 10 anos, a distribuição dos psicólogos recém-formados no mercado de trabalho permanece praticamente inalterada (Carvalho, 1982, p. 16).

Afinal, a formação e os serviços de Psicologia eram, então, voltados fundamentalmente para as solicitações que tradicionalmente definiam o mercado de trabalho do profissional desse campo de atuação (Botomé, 1988). As percepções de quem solicitava esta atuação, contudo, não eram diferentes das dos estudantes, a respeito das situações com as quais o psicólogo pode ou deve atuar, e revelavam uma limitada compreensão do que é possível fazer com o domínio do conhecimento em Psicologia. Uma mudança nos rumos da profissão requeria que o aluno em formação aprendesse a distinguir entre as possibilidades de exercício da profissão e os limites do mercado de trabalho, que são muito mais restritos do que as possibilidades:

Mercado profissional define-se pelas ofertas de emprego existentes ou ‘esperáveis’. Campo de atuação profissional é definido pelas possibilidades de atuação profissional, independentemente de ‘ofertas de emprego’. O que importa [...] são as possibilidades (ou, mesmo, as necessidades) de atuação e não os empregos oferecidos. [...] Um campo de atuação profissional caracteriza-se por um conjunto de atividades, em realização ou potenciais, cujo objetivo é uma intervenção imediata (ou o mais rápida possível) e abrangente da realidade, de maneira a resolver problemas ou a impedir a ocorrência deles, além de outras possibilidades de atuação (Botomé, 1988, p. 281).

Os problemas existentes, contudo, em geral, transcendem as definições formais de um campo profissional, cuja delimitação é, em certa medida, artificialmente convencionada e exige conhecimentos de diferentes áreas. É na busca de solução para os problemas que se faz premente a necessidade do conhecimento inter e multidisciplinar, e da correspondente atuação inter e multiprofissional (Botomé, 1988, p. 281-282). Assim, o campo de atuação profissional em Psicologia era – e permanece sendo –, uma questão de “construção”: construção das oportunidades e construção da representação social dos psicólogos sobre as propriedades fundamentais de sua própria atuação. Tal construção é, também, função da Universidade e, especialmente, de um curso para a formação de psicólogos.

Os dados e análises sobre a formação de recursos humanos na área de Psicologia sugeriam, por ocasião da elaboração do projeto original do curso de Psicologia da UFSCar, e ainda sugerem, atualmente, que esta tarefa não está esgotada. Pelo contrário, era premente a formação de um novo profissional aliado a uma correção de rumos na atuação de muitos dos profissionais que já estavam no mercado (e com a qual a Universidade tem responsabilidade e uma contribuição a dar). Estas considerações indicavam que a UFSCar estava, portanto, plenamente justificada na sua pretensão de implantar um curso de Psicologia. A disposição em fazê-lo decorreu do fato de estar comprometida com um projeto de formação de um psicólogo mais atento às necessidades sociais, e mais sensível às conseqüências ou efeitos de sua própria atuação (Pardo, 1989).

A análise que justificou a criação do curso de Psicologia da UFSCar levou também em consideração dados que apontavam para a necessidade de investir no ensino público e na qualidade da formação em Psicologia, como um dos requisitos para a ampliação e consolidação deste campo profissional. Ainda que baseada em indicadores datados, referentes ao período de elaboração do projeto original do curso, a análise permanece atual. Os problemas estão ainda mais graves, especialmente quando se considera a proliferação dos cursos universitários (sobretudo no âmbito do ensino privado) que têm caracterizado a expansão universitária dos últimos anos, com a conseqüente “saturação” de oferta de vários segmentos profissionais no mercado de trabalho. Este quadro torna ainda mais crítica a implementação de cursos inovadores e de qualidade, preocupação que tem se mantido como guia norteador da prática didático-pedagógica deste curso da UFSCar.

Papel social da universidade

A implantação do curso de Psicologia da UFSCar representou a concretização de um projeto institucional que se inseriu no âmbito de um conjunto de perspectivas sobre o papel social da Universidade. A preocupação com o “ensino público, gratuito e de qualidade”, comprometido com o trinômio ensino-pesquisa-extensão, que já se moldava como marca característica da UFSCar, também deveria ser impressa nos novos cursos e, em particular, no de Psicologia.

Implantar um curso de graduação em Psicologia foi, por muito tempo, aspiração dos docentes do Departamento de Psicologia da UFSCar. Ao longo dos anos, muitas foram as contribuições dos docentes desta área para a formação de professores (licenciaturas e pedagogia) e de profissionais da área de saúde, além do esforço coletivo para a implantação e consolidação do Programa de Pós-graduação em Educação Especial, representando um esforço considerável na formação de recursos para uma área com tão sérias necessidades nacionais (o programa é único no país, nesta área). Contudo, nortear os esforços de atuação para a formação de novos psicólogos representava uma oportunidade de contribuir, mais diretamente, no direcionamento da profissão, estendendo o ensino público, gratuito e de qualidade à formação desse tipo de profissional. Além, é claro, da possibilidade de aumentar muito o potencial produtivo do Departamento pela força da participação dos alunos da própria área e por seus efeitos multiplicativos. A este anseio somaram-se os interesses do governo em expansão de atividades acadêmicas e a disposição da UFSCar em seguir cumprindo seu papel social, até mesmo quando o aporte de recursos não é correspondente ao investimento requerido, dando, então, impulso à elaboração da proposta de um novo curso de Psicologia.

A proposta de implantação de um curso de graduação em Psicologia, aprovada pelas instâncias superiores da UFSCar, foi o resultado de um longo trabalho que se desenvolveu desde a discussão inicial em 1990, quando as aspirações dos docentes de Psicologia foram consideradas como uma possibilidade a ser seguida. Em maio daquele ano foi nomeada uma Comissão Departamental, constituída por Maria Benedita Lima Pardo, Nancy V. F. de Almeida e Maria de Jesus Dutra dos Reis, para estudar a viabilidade de implantação do curso. Esta comissão procedeu a um extenso trabalho de consulta a documentos, a órgãos vinculados ao exercício da função de psicólogo e ao ensino da Psicologia, e também aos próprios docentes do Departamento.

Como resultado desse trabalho, a comissão apresentou um relatório final (Pardo, Almeida, & Reis, comunicação pessoal, 15 de fevereiro, 1993) em que submetia à consideração do Departamento de Psicologia uma série de questões da maior pertinência e que, na ótica dos relatores, deveriam ser examinadas como condição prévia a uma tomada de decisão. As questões focalizavam múltiplos e diversificados aspectos do complexo empreendimento: razões que justificavam a proposição de mais um curso de graduação em Psicologia; condições efetivas, estruturais e funcionais para a implementação do curso; possibilidade de vinculação do ensino de graduação e de pós-graduação (que já estava implantado) de modo a otimizar os esforços dos recursos humanos; condições de ensino para promover as habilidades profissionais do psicólogo (tipos de atividades, locais, supervisão, fluxo no currículo, etc.); estrutura e organização do departamento para garantir o engajamento dos alunos; atuação dos docentes, formados de acordo com uma tradição que decididamente não era desejável manter na formação de novos psicólogos (para se superar aquele modelo de formação); entre outros.

O trabalho desenvolvido pela Comissão foi a base a partir da qual a Assembléia do Departamento de Psicologia decidiu que a alternativa de criação do curso era não só pertinente, mas uma obrigação de um Departamento que contava com um corpo docente qualificado e com condições respeitáveis de pesquisa na área, sobretudo quando era considerada a realização das demais instituições oficiais de ensino superior. A exigência do Departamento, no entanto, era a de que o empreendimento significasse não apenas “mais um curso de Psicologia”, mas um curso que estivesse voltado permanentemente para necessidades sociais não atendidas – ou atendidas apenas parcialmente pelos cursos existentes na época e pelos profissionais que eles vinham formando.

A opção de abertura do curso passou a ser assumida como meta do Departamento, para a qual deveria ser elaborado um projeto que contemplasse a consideração aos aspectos críticos apontados pela comissão. A elaboração do projeto, coordenada por Deisy de Souza, Nivaldo Nale e Júlio de Rose, foi concluída em 1993, depois de amplos debates com o corpo docente e com professores convidados (Carolina Bori, Jairo Eduardo Borges, José Aparecido da Silva, Maria Bernadete Amêndola Contart de Assis, Sílvia Leser de Mello, entre outros) que examinaram o projeto e participaram de debates e seminários especialmente planejados para esta finalidade. Portanto, o projeto aprovado pelos colegiados da UFSCar, em 1993, era resultado das contribuições mais variadas dos docentes e de colegas da comunidade científica em Psicologia, sob diferentes formas e em diferentes momentos, ao longo do processo de criação da proposta.

Perfil do profissional psicólogo pretendido no curso da UFSCar

Em consonância com uma visão de educação que enfatiza o desenvolvimento de indivíduos capazes de resolver problemas, tomar decisões e aprender a aprender, o curso de graduação em Psicologia da UFSCar indicou, como orientação geral para a elaboração e detalhamento de seu projeto pedagógico, o interesse em impulsionar, como elementos essenciais do profissional psicólogo a ser formado, a autonomia individual e a capacidade de criar, produzir e compartilhar, entendendo-as como condições essenciais para o exercício da cidadania e para a inserção responsável e comprometida no mundo do trabalho. Um desempenho inovador e de qualidade deste psicólogo a ser formado se deriva na concepção orientadora do Curso: (a) das relações que o profissional é capaz de estabelecer com seu ambiente, enquanto cidadão e enquanto profissional; (b) do domínio do conhecimento dos fenômenos psicológicos; (c) da sensibilidade e compromisso com a solução de problemas sociais significativos; (d) da competência técnico-científica para gerar soluções como um estudioso crítico, capaz de examinar com critérios de relevância, rigor e ética a produção científica na área, e de produzir conhecimentos novos com independência e originalidade; (e) da competência para interagir e produzir em perspectivas multidisciplinares e pluri-profissionais; (f) do compromisso ético com a melhoria das condições da vida humana e com o desenvolvimento da Psicologia como ciência e profissão.

A UFSCar fundamentou sua proposta de curso em uma perspectiva de Psicologia comprometida com uma visão global do homem, e com uma visão dos fenômenos psicológicos enquanto relações entre o homem, considerado em sua pluralidade, e os fatores físicos, biológicos, sociais e culturais que o circundam e com os quais interage. Na base desse compromisso encontra-se a compreensão de Psicologia como ciência em construção, em que a diversidade de teorias e de métodos em evolução impõem o desenvolvimento do senso crítico e obriga à reflexão epistemológica. Assim como área de conhecimento que, além de sua especificidade, mantém interface com outras ciências, entendendo o fazer científico como um empreendimento coletivo e socialmente responsável e abrangente.

Princípios gerais de funcionamento do Curso da UFSCar

Como parte das condições requeridas para atender a exigências nacionais e institucionais e, principalmente como forma de construir linguagem, concepção e condutas comuns à implementação de um curso de Psicologia na UFSCar que alcançasse os resultados pretendidos, foram indicados também, como parte do projeto original, um conjunto de princípios e compromissos, indicados a seguir:

1. Oferecer fundamentação teórico-metodológica sólida no campo da ciência psicológica e conhecimentos básicos que complementem o estudo dos fenômenos psicológicos;

2. Promover o desenvolvimento de habilidades de planejamento, intervenção e avaliação necessárias para: produzir e desenvolver conhecimento científico e tecnológico; atuar na prevenção e solução de problemas psicológicos, bem como no estudo de condições favoráveis ao desenvolvimento satisfatório do ser humano e da sociedade em que se insere; e gerenciar condições e recursos que oportunizem efeitos multiplicativos do trabalho em Psicologia;

3. Promover uma postura profissional fundamentada na ética, no respeito aos direitos humanos e na consciência de cidadania, respaldada no compromisso com a realidade social e com a qualidade de vida;

4. Incrementar a pesquisa científica como método privilegiado de ensino, requerendo a participação constante do aluno em projetos de pesquisa; assegurar que o próprio estágio profissionalizante seja conduzido como pesquisa científica – reconhecida a necessidade de geração de conhecimentos não apenas para o pesquisador, mas também para os que fazem aplicação do conhecimento;

5. Desenvolver o sentido de Universidade, contemplando o estudo e a integração com as ciências que têm tradição de interface com a Psicologia, o incentivo ao desenvolvimento de áreas emergentes de interface e a indissociabilidade entre os processos de produção, disseminação e aplicação do conhecimento (pesquisa, ensino e extensão).

Os princípios norteadores da definição do perfil do profissional e alguns princípios básicos de aprendizagem aplicados à formação do psicólogo da UFSCar - aprender fazendo, aprender a aprender, aprender a solucionar problemas –, constituíram, desde o início do curso, uma perspectiva inovadora em relação aos projetos de graduação então existentes no ensino de Psicologia, incluindo:

1. Favorecer um contato imediato e significativo do aluno (por observação direta, leitura, exposição ou outros recursos) com o objeto de estudo da Psicologia, enquanto ciência e profissão, e com o fazer da Psicologia, no país e no exterior, privilegiando-se a diversidade de problemas, áreas e metodologias de investigação e intervenção;

2. Garantir a instrumentação do aluno para o fazer (pesquisa e/ou intervenção) quando ele já tiver um domínio razoável de "problemas" afetos à Psicologia e de como eles têm sido solucionados, entendendo-se estes pré-requisitos sob uma perspectiva funcional do repertório do aluno, mais do que como seqüência lógica ou temporal necessária;

3. Garantir uma fundamentação teórica sólida sobre processos psicológicos aliada à fundamentação metodológica, isto é, ao domínio dos processos de produção de conhecimento em Psicologia. As condições de ensino devem possibilitar que o aluno, além de ser capaz de recorrer ao conhecimento já produzido na área, também possa analisar as condições de sua produção e produzir conhecimentos novos;

4. Garantir oportunidade ao aluno para complementar ou especializar seu currículo, em função de seus interesses individuais e de preferências que forem se estabelecendo ao longo do curso. Se, por um lado, compete ao currículo obrigatório promover equilíbrio na formação e nas experiências relacionadas aos diversos campos de atuação profissional, o elenco de disciplinas optativas, por outro lado, deve ser planejado como oportunidade de aprofundamento teórico e prático, em sintonia com os problemas que os alunos forem elegendo como objeto de estudo e de trabalho.

 

Da implantação do Curso até as Diretrizes Curriculares

O curso de graduação em Psicologia da UFSCar foi autorizado pelo MEC em 2003 (Parecer nº 158/93, de 20 de julho de 1993), recebeu sua primeira turma em 1994 e foi reconhecido em 1997 (Portaria 709/97, de 17 de junho de 1997). Até 2006 funcionou em turno integral, vespertino-noturno, oferecendo as habilitações de bacharelado e formação de psicólogos e com entradas anuais de 40 alunos. A partir de 2007 passou a funcionar no período diurno integral.

Nos anos iniciais de sua implantação, o projeto original do curso de Psicologia da UFSCar foi submetido a ajustes para torná-lo mais compatível com as condições concretas de oferta, particularmente em função do corpo docente reduzido, muito menor do que o previsto na criação do Curso. Uma destas iniciativas de avaliação interna ocorreu no período de 2002-2004 com a constituição da Comissão de Reformulação Curricular, em atendimento à demanda institucional da UFSCar de revisão dos cursos de graduação. Esta Comissão realizou uma exaustiva análise do curso em andamento, sistematizou os principais problemas e apresentou sugestões de aperfeiçoamento de aspectos, tais como definição do perfil e competências do profissional a ser formado, áreas e subáreas de conhecimento necessárias/desejáveis para a formação deste profissional, carga horária, grade e características das disciplinas.

A referida comissão entregou um relatório final em novembro de 2003, apresentando, adicionalmente, um relatório complementar com a sistematização de contribuições recebidas a partir da apresentação do produto final dos trabalhos ao Departamento de Psicologia (DPsi). A comissão não contou com as Diretrizes Curriculares para a Psicologia, que vieram a ser aprovadas em maio de 2004. A partir de então, os cursos de Psicologia no Brasil passaram a ser regidos por um conjunto de normas, denominadas Diretrizes Curriculares3, que contém orientações sobre princípios, fundamentos, condições de oferta e procedimentos para planejamento, implementação e avaliação dos cursos de Psicologia no território brasileiro.

Tanto as versões intermediárias, quanto o documento final que regulamenta as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Psicologia foram intensamente estudados e debatidos pelos docentes do curso da UFSCar. Por meio da coordenação do curso, que esteve atenta às demandas da Comissão de Especialistas, responsável pela elaboração das Diretrizes, e às oportunidades de manifestação dos cursos, foi possível garantir uma participação efetiva da UFSCar no processo de discussão e de elaboração daquele documento. Esta participação foi particularmente relevante devido à natureza e às características do curso da UFSCar, que já respondiam, e de forma satisfatória, a muitas das dificuldades existentes na formação do psicólogo que as Diretrizes Curriculares buscavam enfrentar. O produto final das diretrizes curriculares, incluindo o conceito de eixo estruturante para a organização do currículo, foi inspirado, em parte, no modelo de curso da UFSCar, confirmando a relevância e o caráter inovador de seu projeto original. No entanto, como resultado de um amplo debate social, envolvendo atores com perspectivas por vezes antagônicas em relação ao que seria desejável prever, as Diretrizes Curriculares trouxeram elementos adicionais à proposta original do curso. Embora não contradizendo aspectos fundamentais de sua filosofia, elas impuseram a necessidade de ajustes para além daqueles que já vinham sendo propostos na revisão curricular da UFSCar, em relação aos seus cursos de graduação, e pela comunidade mais diretamente ligada ao curso de graduação em Psicologia.

Com base nos estudos até então realizados, o Conselho de Coordenação chegou a alguns pontos de consenso sobre ajustes que seriam ainda necessários para adequar o Curso às Diretrizes Curriculares e para aperfeiçoá-lo na direção de melhor consecução de seus objetivos. Estes pontos de consenso foram baseados nos resultados já alcançados, nos recursos (principalmente humanos) disponíveis e na identificação de características desejáveis no âmbito da UFSCar – que já contemplavam amplamente a proposta e a filosofia de formação de psicólogos regulamentada pelo documento das Diretrizes. Segue-se uma síntese dos principais pontos dessa análise.

Os principais aspectos constitutivos dos fundamentos para a elaboração da nova versão do projeto pedagógico para o curso de Psicologia da UFSCar são, em essência, os mesmos que deram sustentação à elaboração da proposta original, considerando o cenário atual a ser examinado.

 

Revisão do projeto pedagógico a partir das Diretrizes Curriculares

A meta central do curso de Psicologia da UFSCar (formação do Psicólogo voltado para a atuação profissional, para a pesquisa e para o ensino de Psicologia) e os compromissos envolvidos na formação do psicólogo foram redefinidos nas Diretrizes Curriculares (Art. 3º), bem como os objetivos gerais em termos de competências e habilidades (Art. 4º). Além disso, o texto final das Diretrizes Curriculares, em sua formulação oficial, estabeleceu uma noção de “ênfases” associada à idéia de que os cursos deveriam garantir ao aluno a escolha de uma direção de “aprofundamento” para sua formação final (Artigos 11º, 12º e 14º das Diretrizes Curriculares). O conceito de ênfase refere-se a um “conjunto delimitado e articulado de competências e habilidades que configuram oportunidades de concentração de estudos e estágios em algum domínio da Psicologia” (Art. 10º das Diretrizes Curriculares). A ênfase deve ser definida tanto com base nas “demandas sociais atuais e ou potenciais [como na] vocação e condições da instituição”, conforme indicado nas Diretrizes Curriculares (Art. 11º, § 1º).

No Projeto Pedagógico do curso de Psicologia da UFSCar, metas, compromissos e objetivos, em termos de competências e habilidades, foram sempre direcionados para duas vertentes de formação, entendidas como indissociáveis e complementares: a de Pesquisa ou Produção de Conhecimento e a de Atuação em termos de Serviços e Intervenção. Estas duas vertentes correspondem, assim, à noção de ênfases das Diretrizes Curriculares, à medida que constituem a base da estruturação do curso, com crescente aprofundamento ao longo dos semestres.

A intransigente defesa da articulação e indissociabilidade entre estes dois focos da formação do psicólogo foram, desde o início, marca diferenciadora do curso de Psicologia da UFSCar em relação aos outros cursos existentes na época em que foi criado. A opção por excluir a possibilidade de escolha do aluno por apenas uma das vertentes decorreu de um processo prolongado e intenso de debates e exame de alternativas, para atender, em seu âmago, ao conceito de ênfases proposto pelas Diretrizes Curriculares. Uma noção que, na compreensão dos responsáveis pelo curso de graduação em Psicologia, surgiu como resposta à preocupação de garantir uma formação de qualidade que, mantendo uma uma base nacional homogênea, em termos de um “Núcleo Comum”, também atendesse às necessidades regionais e potencialidades institucionais, preparando, portanto, profissionais comprometidos com as demandas sociais dos diferentes contextos que serão objeto e foco de sua atuação.

Tal opção foi favorecida, ainda, pela constatação da qualidade alcançada pelo Curso ao longo desses seus 12 anos de funcionamento, reconhecida nas avaliações oficiais e reafirmada pelos dados internos a respeito de egressos do curso (Branco, 2007). Portanto, a manutenção da proposta original, em termos dos dois eixos articulados e indissociáveis de formação, resultando em um único currículo, foi mantida no projeto revisado pelo entendimento de que esta estratégia atende satisfatoriamente ao espírito do que foi proposto nas Diretrizes Curriculares da Psicologia. Com relação à escolha por uma direção de aprofundamento da formação, a proposta do curso permite e garante ao aluno, a cada ano, um conjunto de escolhas de problemas, necessidades, temas e perspectivas conceituais e metodológicas associadas a projetos de pesquisa e de serviços nos quais ele pode se engajar.

Ênfase do Curso

A ênfase do curso foi definida originalmente, e é reafirmada no atual projeto, como articulação indissociável de duas vertentes:

1. Produção de Conhecimento em Psicologia: aquela na qual ocorre concentração em conhecimentos, habilidades e competências básicas de pesquisa definidas no núcleo comum da formação, que devem capacitar o formando a: a) analisar criticamente diferentes estratégias de pesquisa; (b) conceber e redigir projetos de pesquisa; (c) conduzir processos de pesquisa; (d) relatar investigações científicas de distintas naturezas. Adicionalmente, para formação específica em relação à produção de conhecimento, está prevista a oferta de condições para garantir ao aluno o desenvolvimento de competências, como: divulgar pesquisas realizadas por meio de produtos bibliográficos (artigos, capítulos, trabalhos completos) em diferentes veículos, apresentar esses produtos em reuniões científicas, organizar eventos de divulgação, bem como planejar e favorecer sua trajetória de formação como pesquisador ao término da graduação;

2. Atuação em Psicologia: na qual ocorrem concentração em conhecimentos, habilidades e competências básicas de pesquisa e intervenções definidas no núcleo comum da formação, que devem capacitar o formando a: (a) diagnosticar necessidades; (b) planejar condições de intervenção e serviços psicológicos; (c) realizar procedimentos; (d) avaliar efeitos de intervenção e serviços psicológicos na solução de problemas humanos cuja origem e/ou solução dependam do comportamento humano. Adicionalmente, para formação específica em intervenção, está prevista a oferta de condições para garantir ao aluno o desenvolvimento de competências como: propor, planejar e implementar alternativas de atuação profissional em Psicologia, em termos de serviços, a partir de necessidades sociais identificadas.

O projeto da UFSCar, com estas duas vertentes de formação, concebidas como indissociáveis e complementares (e não alternativas a serem escolhidas pelo aluno), tem sido viabilizado por meio de “conteúdos e experiências de ensino capazes de garantir a concentração no domínio abarcado pelas ênfases propostas” (Art. 11º, § 2º, das Diretrizes Curriculares). Essas duas vertentes contemplam os domínios mais consolidados de atuação profissional do psicólogo no país, conforme proposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais: os processos de investigação científica (Art. 12º, d 1º, item a) e os processos de atuação (Art. 12º, d 1º, itens b a f). Com relação à segunda vertente, dada a gama de possibilidades e campos de atuação do psicólogo, cabe destacar que, ao invés de eleger uma dessas possibilidades como ênfase, a proposta do curso de Psicologia da UFSCar tem buscado garantir ao aluno, simultaneamente, a instrumentalização necessária para lidar com diferentes demandas e problemas sociais e, mais que isto, identificar demandas e possibilidades emergentes de atuação. Isto tem sido feito por meio de escolhas do aluno para inserção em diferentes projetos de intervenção profissional ao longo do curso.

Competências e habilidades do psicólogo que são alvos do curso de Psicologia na UFSCar

Em relação às competências, habilidades e conhecimentos que constituem o Núcleo Comum de formação e fornecem a identidade do psicólogo (Arts. 6º, 7º, 8º e 9º), a análise das aptidões de competências e habilidades propostas nas Diretrizes Curriculares demonstrou que grande parte das previstas no texto legal (Art. 8º) já estava contemplada no projeto original. De fato, o projeto pedagógico do curso de Psicologia da UFSCar foi estabelecido com base em ampla discussão e uma definição precisa dos desempenhos (incluindo atitudes e valores a eles relacionados) que o profissional psicólogo deve ser capaz de apresentar em sua atuação profissional.

Um dos documentos gerados pela Comissão de Reformulação Curricular consistiu em um detalhamento do perfil e das competências do profissional psicólogo, elaborado a partir: (a) da revisão dos documentos relativos ao curso em que estes aspectos foram abordados; (b) do perfil do profissional de nível superior a ser formado pela UFSCar; (c) de diferentes formulações de Diretrizes Curriculares para o curso de Psicologia, então disponíveis; (d) de observações oriundas do exame das condições atuais do curso de graduação em Psicologia.

O conjunto de competências e habilidades, proposto pela Comissão de Reformulação Curricular (aprovado em reunião do Conselho do Departamento de Psicologia em 30/03/2005), passou a orientar o desenvolvimento do curso, na busca das condições de ensino necessárias para que os estudantes se tornem aptos a apresentarem os desempenhos definidos como alvo da formação. Estas capacidades foram definidas como aptidões gerais para o Núcleo Comum e como aptidões gerais e específicas para: (a) a vertente Atuação em Psicologia (Intervenção); (b) a vertente Produção de Conhecimento em Psicologia (Pesquisa); (c) a preparação do psicólogo para capacitar outras pessoas para uso do conhecimento em Psicologia (Ensino) e em promover seu próprio desenvolvimento (Desenvolvimento Pessoal). O termo aptidões é utilizado de forma correspondente aos termos competências e habilidades definidas nas Diretrizes Curriculares.

O conjunto das aptidões propostas para a formação do psicólogo, no caso do Curso da UFSCar, pode ser visto no Anexo 1. Como as Diretrizes Curriculares foram regulamentadas posteriormente, considerou-se importante conferir se as competências e habilidades propostas para o profissional psicólogo a ser formado pela UFSCar contemplavam adequadamente aquelas previstas nas Diretrizes Curriculares. Esta tarefa foi feita por dois docentes independentes e permitiu constatar, com 100% de concordância entre eles, que todas as indicações presentes no documento das Diretrizes Curriculares estavam sendo atendidas (Anexo 1). Foi possível notar, ainda, que várias das competências indicadas nas Diretrizes Curriculares correspondiam a mais de uma aptidão no conjunto das indicações feitas para o profissional da UFSCar. Evidenciando, assim, a definição de um perfil mais completo para este profissional, do que o decorrente diretamente das Diretrizes Curriculares.

Eixos estruturantes no curso de Psicologia

As Diretrizes Curriculares Nacionais organizam informações sobre conhecimentos que devem subsidiar a formação do profissional psicólogo em termos de eixos estruturantes. Estes eixos são definidos como conjuntos de conhecimentos, habilidades e competências (Art. 5º) que devem garantir um “núcleo básico de competências que permitam a atuação profissional e a inserção do graduado em diferentes contextos institucionais e sociais, de forma articulada com profissionais de áreas afins”(item f do Art. 5).

A proposta curricular original do curso de Psicologia da UFSCar foi organizada considerando cinco eixos estruturantes que, de certa forma, sumarizam os objetos ou áreas de conhecimentos considerados mais fundamentais para a formação e para a atuação do psicólogo. Estes eixos foram, na época, assim definidos:

1. Fenômenos e Processos Psicológicos;

2. Investigação e Intervenção sobre Processos e Fenômenos Psicológicos;

3. Instrumentação para Investigação e Intervenção sobre Processos e Fenômenos Psicológicos;

4. Determinantes Biológicos e Sócio-Culturais de Processos e Fenômenos Psicológicos;

5. Psicologia como Ciência: Filosofia e História da Psicologia.

Uma comparação, entre os eixos estruturantes do projeto pedagógico do curso de graduação em Psicologia da UFSCar e aqueles propostos nas Diretrizes Curriculares Nacionais, foi realizada como parte do processo de discussão que culminou com esta proposta. Estes eixos contemplam e articulam diferentes áreas ou objetos de conhecimento da Psicologia (aqui referidas conforme classificação usual das agências de fomento à pesquisa), definidas como fundamentais para a formação do profissional psicólogo. Essas áreas são indicações baseadas no perfil e em aptidões propostas como desejáveis, nas condições institucionais disponíveis. Elas devem ser compreendidas como um conjunto em aberto, considerando-se que o conhecimento em Psicologia depende de outras áreas de conhecimento e que mudanças decorrentes de avanços no conhecimento podem sugerir a inclusão de áreas emergentes e padrões alternativos de linguagem para facilitar a interlocução com a comunidade acadêmica e científica. Uma tarefa permanente para o Curso deve ser a de especificar conhecimentos a serem contemplados em diferentes disciplinas e atividades, bem como a necessidade de viabilizar, ainda que em caráter opcional, aprendizagens complementares de fundamental importância para a formação em Psicologia.

Organização didático-pedagógica no curso de graduação em Psicologia

A organização didático-pedagógica do projeto original do curso de Psicologia, decorrente da filosofia e dos princípios que nortearam a sua criação, foi objeto de ajustes compreendidos como necessários para adequá-la às Diretrizes Curriculares e decorreu de avaliações internas sobre o desenvolvimento do Curso, desde o início de seu funcionamento.

Com relação às Diretrizes Curriculares, a maior parte dos itens referidos no documento legal faz parte da rotina do curso de Psicologia da UFSCar. Entre tais itens é possível destacar: a) procedimentos de auto-avaliação periódica, dos quais deverão resultar informações necessárias para o aprimoramento do curso (Art 16º), explicitados adiante neste documento; b) abordagem gradual às competências, habilidades e conhecimentos básicos necessários ao exercício profissional (Art. 17º); c) eixos estruturantes do Curso decompostos em conteúdos curriculares e agrupados em atividades acadêmicas, com objetivos de ensino, programas e procedimentos específicos de avaliação (Art. 18º); d) diversidade de atividades individuais e de equipe (Art. 19º), sendo possível ressaltar, neste caso, que o planejamento acadêmico do curso de Psicologia contempla todos os itens indicados; e) seguimento das normas referentes a estágios supervisionados (Art. 20º a 24º), com um Serviço de Psicologia cujas funções respondem às exigências para a formação do psicólogo, congruente com as competências que o curso objetiva desenvolver no aluno e a demandas de serviço psicológico da comunidade na qual está inserido.

Atividades curriculares

A busca de consistência e congruência entre as concepções do curso e a adoção de estratégias pedagógicas destinadas a promover repertórios de aprender a aprender e aprender fazendo, traduzem-se, no cotidiano do curso, em várias condições ou atividades de ensino. Parte dessas atividades já vinha sendo desenvolvida desde a criação do curso e outras foram posteriormente adotadas. As atividades educativas que fazem parte da grade curricular do curso de Psicologia, apresentada nesta seção, podem ser organizadas em seis conjuntos: a) Disciplinas obrigatórias do Núcleo Comum; b) Estágio Básico; c) Disciplinas específicas de cada vertente da Ênfase; d) Estágio de Ênfase; d) Disciplinas optativas; e) Atividades Complementares.

Seguem descrições destes conjuntos de atividades:

a) Atividades realizadas pelos alunos no âmbito das Disciplinas Obrigatórias do Núcleo Comum, que se realizam tanto no contexto de sala de aula, como no âmbito dos laboratórios de ensino e nos contextos comunitários em que são realizadas as práticas previstas para cada uma delas. Aqui estão incluídas as disciplinas relativas a fundamentos, instrumentação, determinantes sociais e biológicos do comportamento, história e filosofia, nas quais é mantida, como estratégia geral de ensino, a perspectiva do aprender fazendo, aprender a aprender e aprender a solucionar problemas. Possuem temas e habilidades que são retomados nas atividades de pesquisa e intervenção e, principalmente, nos Estágios Básicos do Núcleo Comum e nos Estágios Específicos de cada uma das vertentes da Ênfase, individualmente ou em pequenos grupos, com nova perspectiva, de outro ponto de vista. A possibilidade de retomar conceitos e habilidades em uma outra situação, de natureza prática, acresce informações, cria novas condições de manejo dos conceitos e de exercício das habilidades por parte dos alunos, possibilitando seu maior esclarecimento e generalização;

b) Atividades realizadas pelos alunos no âmbito do Estágio Básico, constituído pelas disciplinas Intervenção em Psicologia 1 a 6, e Pesquisa Psicológica 1 a 4. No caso da disciplina Serviço e Intervenção em Psicologia (SIP-1, SIP-2, SIP-3, etc.), os alunos desenvolvem atividades vinculadas a projetos de intervenção na comunidade interna e externa à Universidade, sob acompanhamento direto dos supervisores, aprendendo, por meio da observação de modelos e de uma atuação monitorada, aptidões que constituem pré-requisito para a atuação profissional em Psicologia. São expostos, ainda, a condições para o desenvolvimento conceitual nas áreas relativas ao tipo de campo em que o projeto se desenvolve, a partir de leituras e discussões com colegas de anos mais adiantados do curso e de supervisores. No caso das disciplinas Pesquisa Psicológica 1 a 4, os alunos aprendem, conceitualmente e na prática, a desenvolver diferentes tipos de processos de pesquisa, participando, em grupo, de projetos propostos por docentes. A articulação destas dimensões da atuação do psicólogo constitui a estrutura em torno da qual são construídas as aptidões necessárias para que este profissional possa lidar com diferentes tipos de situações e contextos que envolvem o objeto da Psicologia, produzindo conhecimento, identificando lacunas neste conhecimento, transformando o conhecimento disponível em condutas profissionais e derivando, da intervenção, conhecimento novo;

c) Atividades realizadas pelos alunos no âmbito do Estágio Específico de Ênfase. Na vertente Atuação em Psicologia, o estágio é desenvolvido ao longo das disciplinas de Intervenção em Psicologia 7 a 10, exigindo a atuação direta de professores e alunos na comunidade. Esta condição adiciona, ao compromisso de supervisores e alunos com a formação em Psicologia, um compromisso profissional e ético implicado no exercício direto do atendimento à comunidade, em qualquer local onde se realize. Tal compromisso se expressa, assim, em um duplo vínculo de professores e de alunos: com a comunidade na qual atua e com a formação profissional. Na vertente Produção de Conhecimento, o estágio é desenvolvido ao longo das disciplinas de Pesquisa em Psicologia: Monografia 1 a 4, exigindo uma atuação direta de professores e alunos na realização de pesquisas que servem de base à elaboração, pelo aluno, de sua própria monografia, em linha de pesquisa escolhida dentre as oferecidas pelos docentes.

Conforme descrito nos itens b e c, as atividades práticas para o aluno, nas disciplinas vinculadas à pesquisa e ao serviço/intervenção, ocorrem, portanto, desde o primeiro semestre do Curso até seu final, em grau crescente de complexidade. Elas proporcionam diversidade de experiências em relação ao tipo de população estudada ou atendida, natureza dos problemas abordados e nível de intervenção realizado, visando uma formação básica sólida e a independência do futuro profissional. No caso de pesquisa, tal diversidade é limitada apenas pelo requisito de familiarizar o aluno com as exigências da pesquisa experimental e da pesquisa descritiva. Em outras palavras, todos os alunos realizam atividades vinculadas à pesquisa experimental e à pesquisa descritiva, embora estejam vinculados a diferentes projetos, previamente elaborados com a finalidade de ensino (“projetos-escola”). O estímulo à diversidade, nas possibilidades de serviço e intervenção, nas disciplinas práticas e estágios (Intervenção em Psicologia), é garantido pela exigência de que cada aluno se engaje em projetos diferentes do segundo ao quinto ano (diferentes supervisores e, de preferência, diversificados objetos, populações, necessidades sociais ou campos de intervenção).

d) Disciplinas Optativas. São atividades de complementação e aprofundamento, escolhidas pelos alunos a partir do rol semestral de ofertas apresentadas por docentes do departamento, bem como de outros departamentos, sendo garantidas, assim, perspectivas variadas sobre diferentes temáticas;

e) Atividades Complementares. Conforme documento da UFSCar sobre Normas para Definição e Gerenciamento das Atividades Complementares4, atividades ministradas por docentes de vários departamentos e destinadas a alunos de diferentes cursos - Atividade Curricular Integrada Ensino Pesquisa e Extensão ou ACIEPEs – e uma gama de outras realizadas pelo aluno ao longo de sua permanência na Universidade (Iniciação Científica, congressos, participação em projetos de extensão, órgãos colegiados, representação estudantil, publicações, etc.) podem ser transformadas em créditos de natureza complementar. Cada curso de graduação deve definir, a partir das normas institucionais, a sistemática de implementação de atividades curriculares, incluindo aí os tipos de atividades a serem aceitas, condições, limites e créditos a serem atribuídos a alunos que realizem tais atividades (a norma interna aprovada pelo Conselho de Coordenação do Curso de Psicologia data de 19/10/2005).

A carga horária e a distribuição de todas as atividades previstas, ao longo dos dez semestres letivos regulares para a integralização dos créditos da formação, tomam como referência um total de 4050 horas (270 créditos). A distribuição da carga horária para as diferentes atividades curriculares resultou em 46% para Disciplinas Obrigatórias do Núcleo Comum; 17% para Estágio Básico; 21% para Estágio Específico das vertentes da ênfase; e 16% para Disciplinas Optativas (podendo incluir as Atividades Complementares, quando o sistema de controle acadêmico possibilitar a incorporação de créditos para este tipo de atividade, mas recomendando-se, neste último caso, não mais de 40% ou 17% dos créditos optativos para Atividades Complementares).

 

Alguns indicadores de impacto do curso de Psicologia da UFSCar e considerações finais

O curso de Psicologia da UFSCar foi avaliado pelo desempenho de seus alunos por meio do Exame Nacional dos Cursos (ENC) nos anos de 2000, 2001 e 2002, avaliações em que obteve conceito A. O curso voltou a ser submetido à avaliação externa pelo ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), em 2006, na qual obteve conceito máximo (cinco)5. O curso também foi avaliado pelo MEC, com duas avaliações in loco, nas quais obteve conceito Muito bom para a Organização Didático-Pedagógica e para o Corpo Docente (mas não para Instalações, em função das dificuldades de manutenção das universidades públicas federais nesse período).

Em relação aos egressos, que começaram a concluir o curso em 1998, foi implantado um sistema institucional virtual, interativo, na página web da UFSCar, que era preenchido pelos alunos. Ele ainda não alcançou abrangência e estabilidade suficiente para subsidiar o monitoramento dos resultados alcançados pelo curso. Em 2007, um grupo de alunos de estágio supervisionado por Ana Lúcia Cortegoso iniciou a tarefa de contatar os egressos, via endereço eletrônico, solicitando que eles preenchessem um questionário (e.g. Branco, 2007). Este questionário solicitava informações atualizadas sobre a atuação profissional dos ex-alunos, bem como uma avaliação de diferentes aspectos do curso de Psicologia da UFSCar. Uma atualização do banco de dados em 2008, realizada por Débora H. Souza, evidenciou que uma parcela considerável de egressos vem investindo em seu aprimoramento profissional: mais de 60% encontram-se realizando ou já concluíram um curso de mestrado em Psicologia ou áreas afins; e aproximadamente 25% estão realizando ou já concluíram doutorado em diferentes programas de pós-graduação do país e do exterior. Aproximadamente 20% deles encontram-se atuando como docentes do ensino superior. Outra parcela dos egressos tem buscado cursos de aprimoramento e tem sido admitida em serviços públicos, em instituições de saúde e em organizações de diferentes naturezas. A porcentagem de egressos que se direcionou para a atuação clínica foi de aproximadamente 20%. Constata-se, portanto, que esta alternativa ainda permanece como objeto de escolha profissional – e é importante que o seja, mas esta escolha é uma entre outras variadas alternativas, o que pode refletir efeitos das amplas discussões, no âmbito do curso, sobre possibilidades de atuação do profissional em Psicologia. Isto revela um redirecionamento em relação às estimativas que seriam previsíveis a partir das tendências mostradas pelos estudos nas décadas de 70 a 90. Este resultado sugere a pertinência e o efeito da formação com ênfase em pesquisa científica a partir da graduação. Como seria de se esperar, parte dos egressos ainda não encontrou uma definição profissional e outros, deixaram de atuar em Psicologia. Mas, a proporção desta categoria é bem menor do que a dos que se encontram cursando pós-graduação e ou atuando profissionalmente na área.

Em que pesem as dificuldades decorrentes da precária situação das instituições federais de ensino superior, sobretudo pela escassez de docentes e de pessoal de apoio, o esforço coletivo de construção do curso de graduação em Psicologia tem gerado um ambiente altamente favorável a interações produtivas, afetivas e comprometidas entre alunos, docentes e funcionários, como uma equipe em busca de qualidade nas relações e nos produtos de aprendizagem. Os resultados alcançados até o momento, avaliados por múltiplas perspectivas, sugerem que os objetivos essenciais (a formação de psicólogos como pesquisadores, profissionais bem qualificados e cientes de seu papel como educadores) vêm sendo atingidos e evidenciam o importante papel norteador de um projeto pedagógico compartilhado.

 

Referências

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Branco, R. (2007). Relatório da disciplina de Serviço e Intervenção em Psicologia 3 e 4: implementação de organizações e serviços.: Relatório de disciplina, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.        [ Links ]

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Pardo, M. B. L. (1989). Um estudo de condições significativas para a formação do psicólogo. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo.        [ Links ]

Pompeu, R. (1993). ...Como se toda a rede da história fosse tecida a partir de loucura. Jornal da Tarde, 06/03/1993, Caderno de Sábado, p. 5.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Deisy das Graças de Souza.
Departamento de Psicologia – Centro de Educação e Ciências Humanas.
Via Washington Luís, Km 235 – 13.565-905 – São Carlos – SP.
Telefone: 16-3372 0270 / 16-3351 8459. FAX: 16-3351 8492.
E-mail: ddgs@power.ufscar.br.

Enviado em Dezembro/2007
Revisado em Setembro/2008
Aceite final em Novembro/2008
Publicado em Março/2009

 

 

I O texto resume a proposta original e as inovações acrescentadas, ao longo de sucessivas gestões, no projeto do curso de Psicologia da UFSCar. Os autores estão apresentados em ordem cronológica de envolvimento na elaboração da proposta ou da gestão do curso, a partir de sua implantação, em 1994. O artigo é dedicado à memória da Dra. Carolina M. Bori.
1 Sem ignorar o papel relativo dos múltiplos determinantes de tais problemas e a necessidade do concurso de profissionais de vários campos para soluções mais globais (ver Botomé, 1988, p. 289-290, sobre níveis possíveis de intervenção intra, inter e multi-profissional).
2 Ver http://www.fuvest.br/scr/hist1f.asp?anofuv=1993&tipo=1&carreira=701
3 Página web: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces08_04.pdf
4 Disponível em: http://www.prograd.ufscar.br/normas/Por461.pdf
5 Ver http://enade2006.inep.gov.br/novo/Site/?c=CUniversidade&m=mostrar_lista_area

 

 

Anexo 1 – Lista das competências e habilidades (aptidões) definidas no perfil do profissional a ser formado no curso de Psicologia da UFSCar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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