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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. v.15 n.2 Ribeirão Preto dez. 2007

 

ARTIGO TRADUZIDO

 

A definição skinneriana de comportamento verbal e a arbitrariedade do signo lingüístico

 

Skinner's definition of verbal behavior and the arbitrariness of the linguistic signal

 

Maria de Lourdes R. da F. Passos

Universidade Federal do Rio de Janeiro e University of Massachusetts Medical School-Shriver Center

 

 


RESUMO

O conceito lingüístico da arbitrariedade do signo lingüístico ocupa posição central na definição de Skinner do comportamento verbal. O papel das convenções da comunidade verbal, em vez de princípios mecânicos e geométricos, no estabelecimento da relação de contingência entre a resposta verbal e suas conseqüências, é crucial na distinção entre comportamento verbal e não verbal. Sugere-se uma mudança de ênfase nos elementos da definição do comportamento verbal: do agente do reforçamento, o ouvinte, para o critério de reforçamento, as convenções da comunidade verbal. A concepção de arbitrariedade da linguagem tem suas origens na filosofia da antigüidade grega e foi mantida viva, através de uma tradição ininterrupta, até a lingüística. A formulação de Skinner do comportamento verbal foi influenciada por essa tradição, em especial na versão apresentada pelo lingüista Leonard Bloomfield.

Palavras-chave: Definição de comportamento verbal, Distinção comportamento verbal/não verbal, Arbitrariedade do signo lingüístico, Skinner, Bloomfield.


ABSTRACT

The linguistic concept of the arbitrariness of the linguistic signal is at the center of Skinner's definition of verbal behavior. The role of the conventions of the verbal community, instead of mechanical and geometrical principles, in establishing the contingent relation between the verbal response and its consequences constitutes the crucial distinction between verbal and non-verbal behavior. A change of emphasis on the elements in the definition of verbal behavior from the agent of reinforcement, the listener, to the criterion for reinforcement, the conventions of the verbal community, is advocated. The concept of the arbitrariness of language has its origins in ancient Greek philosophy and was kept alive through an uninterrupted tradition that reached linguistics. Skinner's formulation of verbal behavior was influenced by that tradition, especially in the version presented by the linguist Leonard Bloomfield.

Keywords: Definition of verbal behavior, Distinction between verbal/non-verbal behavior, Arbitrariness of the linguistic signal, Skinner, Bloomfield.


 

 

Muito foi escrito sobre a abordagem de Skinner do comportamento verbal, que foi avaliada tanto como inovativa e revolucionária, quanto como inadequada e problemática (Hayes, Blackledge, & Barnes-Holmes, 2001; Leigland, 1997; Moore, 2008, p. 162; Osborne, 2003). Este artigo analisa a definição de Skinner do comportamento verbal, examina seus limites e sugere uma mudança da ênfase em seus elementos; discute problemas especiais no estudo do comportamento verbal levantado pela natureza convencional das relações envolvidas em suas contingências de reforçamento; e apresenta brevemente uma fonte da definição de Skinner do comportamento verbal em discussões filosóficas e lingüísticas da linguagem, especialmente na concepção da natureza arbitrária do signo lingüístico.

Elementos-chave na distinção feita por Skinner entre operantes verbais e não verbais já aparecem em The Behavior of Organisms (Skinner, 1938/1991): (a) As respostas verbais são "mecanicamente não eficazes"1 em contraste com as respostas que produzem seu reforçamento agindo sobre o ambiente (p. 50); (b) O campo verbal é "definido como a parte do comportamento que é reforçada somente através da mediação de um outro organismo"2 (p. 116). Além das diferenças em complexidade, o comportamento verbal é considerado como a esfera onde a ciência pode possivelmente encontrar diferenças entre o comportamento dos homens e dos demais animais (p. 442).

Verbal Behavior (Skinner, 1957, p. 1-2) esclarece o significado da expressão mecanicamente não eficaz: enquanto a resposta não verbal é reforçada de acordo com as relações mecânicas e geométricas que suas propriedades têm com o ambiente, a resposta verbal atua indiretamente no ambiente através da mediação de um ouvinte. Apesar da inclusão nesta ampla definição não apenas da linguagem, mas também de gestos, desenho, etc., Skinner tomou o comportamento verbal vocal baseado em línguas, em geral no inglês, como seu dado principal (p. 14), e na prática confinou sua análise a ele. Limitações explícitas foram logo adicionadas à definição: "o ouvinte deve estar respondendo com maneiras que foram condicionadas precisamente a fim de reforçar o comportamento do falante"3 (Skinner, 1957, p. 225). O comportamento verbal é modelado por um ambiente verbal em que as pessoas respondem com as maneiras características do grupo a que pertencem (p. 226). Essas maneiras são a língua da comunidade (p. 36), as línguas estudadas pelo lingüista (p. 461). O comportamento verbal surge da interação entre o falante e o ouvinte, relativa às práticas da comunidade verbal - sua língua (p. 226).

A definição do comportamento verbal em Upon further reflection (Skinner, 1987) é muito clara sobre a relação entre o comportamento verbal e as línguas: "O comportamento verbal é comportamento reforçado através da mediação de outras pessoas, mas somente quando as outras pessoas se comportam com as maneiras que foram modeladas e mantidas por um ambiente verbal resultante da evolução, ou língua"4 (p. 90).

Por agora, falaremos sobre o comportamento verbal baseado em línguas, mas mais tarde retornaremos à definição mais ampla.

Skinner caracterizou e distinguiu o comportamento verbal do não verbal por meio de dois critérios inter-relacionados: (1) As propriedades do operante verbal não o relacionam às suas conseqüências através dos princípios mecânicos e geométricos que descrevem a organização e o funcionamento do ambiente físico, mas através das práticas da comunidade verbal; (2) As conseqüências do comportamento verbal são apresentadas através da mediação de um ouvinte, cujo comportamento de apresentar as conseqüências foi condicionado de acordo com essas práticas. Os dois critérios foram apresentados juntos, mas, enquanto o reforçamento através do ouvinte foi freqüentemente indicado, a ausência de relações mecânicas e geométricas entre o comportamento verbal e suas conseqüências, embora não negada, foi muito mais raramente mencionada. Ainda mais raramente mencionado é o papel da língua da comunidade no condicionamento do comportamento do ouvinte. A língua é referida muito mais freqüentemente pela expressão um tanto vaga "as práticas da comunidade verbal". Quase nunca é destacado que a apresentação das conseqüências pelo ouvinte é contingente à presença no comportamento do falante das propriedades que são convencionalmente características da língua da comunidade verbal.

As propriedades essenciais do comportamento verbal - sua forma (as topografias que integram a classe operante), a probabilidade de uma dada forma de resposta, sua freqüência total, sua energia e altura (Skinner, 1957, p. 22) - surgem da relação que elas mantêm com as conseqüências deste comportamento, e esta relação tem uma natureza particular. Ela não é descrita por princípios mecânicos e geométricos, mas pelos princípios que descrevem a língua, o conjunto das práticas convencionais de uma comunidade verbal. Assim, as propriedades do comportamento verbal são selecionadas pelo ambiente de acordo com as convenções da língua - e um ouvinte é um mediador necessário devido à inabilidade do comportamento verbal para atingir conseqüências práticas por si mesmo. O comportamento verbal tem pouco suporte e constrangimento ambiental, com seus limites ditados pela compatibilidade das topografias envolvidas nas suas muitas e variadas formas, na necessidade de alcançar o ouvinte, e, sobretudo, pelas convenções da comunidade verbal. Desta maneira, a distinção crítica entre comportamento verbal e não verbal reside no critério de reforçamento, não em sua fonte ou agente, porque este critério dá origem às propriedades que distinguem o comportamento verbal do não verbal. De acordo com Skinner (1957,1987), o comportamento verbal vocal: (1) é efetuado com um nível da energia não relacionado à magnitude do efeito que alcança no ambiente (Skinner, 1957, p. 204); (2) é normalmente muito rápido (p. 205); (3) recebe freqüentemente reforço intermitente e atrasado (p. 205); (4) tem seus efeitos multiplicados ao atingir muitos ouvintes (p. 206); (5) não depende da visão para ser eficaz (Skinner, 1987, p. 80); (6) não envolve o uso das mãos (p. 80); (7) tem disponível uma grande variedade de sons da fala (p. 80); (8) permite uma comparação fácil entre sons emitidos e ouvidos, tornando possível obter uma grande similaridade entre eles (p. 80); (9) é aprendido por meio de duplicação do produto, que é altamente precisa (p. 80).

 

O ambiente verbal e os limites da definição do comportamento verbal

Como as relações envolvidas nas contingências que modelam o comportamento verbal são convencionais, arbitrárias, elas precisam ser mantidas estáveis e ser ensinadas pela comunidade verbal. O condicionamento do ouvinte consiste principalmente no estabelecimento de controle discriminativo do comportamento operante pelas formas fonéticas. Esse controle inclui as relações arbitrárias que ligam formas fonéticas aos significados da língua: ao ouvir Dê-me a boneca, o ouvinte deve dar a boneca e não a mesa. O repertório discriminado do ouvinte sob controle de estímulos verbais o transforma automaticamente em um professor do comportamento verbal, em alguém que pode modelar e manter o comportamento verbal do falante. O ouvinte reforçará o comportamento verbal do falante que apresenta as formas contidas nas relações arbitrárias que são convencionais na comunidade verbal.

Embora a ausência de relações mecânicas e geométricas da resposta verbal em relação à sua conseqüência tenha sido mencionada na literatura como a característica crítica do comportamento verbal (por exemplo, Lee, 1984), o papel mediador do ouvinte tem sido mais enfatizado, dando origem a alguns equívocos, como o entendimento de que o comportamento de pressionar a barra do rato é verbal porque é reforçado através do experimentador, treinado por sua comunidade científica para assim o fazer, o qual estaria atuando como um ouvinte (Hayes et al., 2001). Uma nota de rodapé em Verbal Behavior deu origem a este equívoco:

Nossa definição de comportamento verbal, incidentemente, inclui o comportamento de animais experimentais onde os reforços são fornecidos por um experimentador ou por um aparato projetado para estabelecer contingências que se assemelham àquelas mantidas pelo ouvinte normal. O animal e o experimentador compreendem uma pequena mas genuína comunidade verbal.5 (Skinner, 1957, nota de rodapé 11, p. 108)

Este entendimento foi mantido em nosso campo em duas formas: em um sentido mais restrito, cujo conteúdo não é especificado claramente (Osborne, 2003), o comportamento parece ser considerado verbal somente naquelas situações onde o experimentador está liberando pessoalmente o reforço; em um sentido mais extenso, o comportamento de interesse de animais em experimentos operantes é considerado verbal apenas porque o reforço é programado pelo experimentador (Michael & Mallot, 2003; Hayes et al., 2001). Igualmente verbal seria o comportamento do cão cujo latir ou sentar-se à porta tenham sido reforçados pela abertura dela por alguém (Michael & Mallot, 2003). Se as conseqüências são arranjadas ou fornecidas por humanos, então o comportamento selecionado é verbal. A definição de Skinner de comportamento verbal tem sido criticada porque seria de fato tão abrangente a ponto de abarcar realmente todos os estudos experimentais do operante e porque não seria funcional. Pois, em vez de voltar-se para a história do organismo de interesse (o falante), voltar-se-ia para a história de um outro organismo (o ouvinte) (Hayes et al., 2001).

A interpretação mais estrita provavelmente faz mais justiça ao que Skinner aparentemente queria dizer. Em The behavior of organisms (1938/1991) ele apresenta, como uma das razões para escolher pressionar a alavanca pelo rato como o operante que estudará na situação experimental, o fato de que pressionar a alavanca não é como o comportamento verbal, dado que age no ambiente (p. 50). A nota em Verbal Behavior refere-se provavelmente à modelagem manual (Peterson, 2004) e a experimentos onde o reforço é contingente a propriedades da resposta definidas arbitrariamente pelo experimentador, tal como levantar a cabeça a certa altura, independentemente de qualquer tipo de efeito no ambiente (Skinner, 1953, p. 91-92). Em ambos os casos a causa imediata para a liberação do reforço não é a ação da resposta no ambiente, mas a ação de um ouvinte especial, o experimentador.

Se testarmos os exemplos do animal experimental e do cão em relação aos dois critérios inter-relacionados que definem mais completamente o comportamento verbal, eles não passarão no teste e não se qualificarão como tal. É verdade que em todos estes casos há outro organismo envolvido, em níveis diferentes, dependendo do exemplo, na apresentação das conseqüências. Mas a apresentação das conseqüências não é contingente à presença no comportamento do animal de propriedades que são características das práticas de uma comunidade verbal. Ao contrário, na maioria dos casos, a apresentação das conseqüências é contingente a alguma relação do comportamento com o ambiente físico.

As propriedades do pressionar a barra - por exemplo, taxa, magnitude, e topografias das respostas - são selecionadas pelo ambiente de acordo com as relações mecânicas e geométricas que elas têm com o aparato experimental, qualificando este operante como não verbal. Apesar de ser o experimentador quem arranja as contingências, elas funcionam de acordo com princípios mecânicos e geométricos. Mesmo no caso da modelagem, o critério móvel de reforçamento é definido em geral pelo experimentador (ver, por exemplo, Skinner, 1953, p. 91-93; Donahoe & Palmer, 2004, p. 116-117), embora não necessariamente, de acordo com a relação do comportamento com o ambiente físico, não de acordo com as práticas convencionais de uma comunidade.

A similaridade entre as situações do comportamento verbal relativas às línguas e do comportamento de interesse de animais experimentais ou de cães que latem ou se sentam à porta é muito limitada. Por um lado, estas situações compartilham a característica de terem um outro organismo mediando o reforçamento. Por outro lado, a ausência de uma comunidade verbal, no caso dos animais não humanos, priva seu comportamento de características importantes do comportamento verbal: (a) Não há uma comunidade verbal, a cujas ricas e complexas práticas convencionais (sua língua) o comportamento dos animais deveria se conformar. Conseqüentemente, as formas do comportamento em consideração não são ricamente diferenciadas e não mostram o nível de produtividade que é característico do comportamento verbal; (b) Não há uma comunidade verbal constituída por organismos cujo comportamento produz produtos audíveis similares. Assim, o animal não tem a oportunidade de aprender por imitação e modelagem e por funcionar como ouvinte de seu próprio comportamento verbal, processos que possivelmente tornam muito rápida e precisa a aprendizagem do comportamento verbal (Skinner, 1987, p. 74, 80; Donahoe & Palmer, 2004, p. 318-319).

Isto não significa que os animais são necessariamente incapazes de comportamento verbal, mas significa que uma comunidade verbal - um conjunto de práticas convencionais características de um grupo - é uma condição prévia para a modelagem e manutenção do comportamento verbal. E simplesmente não é verdade que o experimentador e o animal, ou o ser humano e o cão, constituem "uma comunidade verbal genuína", porque uma comunidade verbal é constituída por organismos mais um conjunto de práticas convencionais, compartilhadas pela comunidade e transmitidas através das gerações (Bloomfield, 1933/1961, p. 42; Skinner, 1957, p. 226, 461, 1987, p. 75).

A distinção entre o comportamento verbal e não verbal é estabelecida mais propriamente a partir do critério pelo qual o ambiente seleciona as propriedades da resposta: se as propriedades selecionadas da resposta são descritas pelas relações mecânicas e geométricas que elas têm com suas conseqüências, o comportamento não é verbal; se a descrição destas propriedades especifica as convenções de uma comunidade verbal, o comportamento é verbal. Talvez, em vez de ressaltar o papel do ouvinte, nossa definição deveria ser mais ou menos assim: o comportamento verbal é comportamento operante, cujas propriedades são selecionadas de acordo com as convenções de uma comunidade verbal. Esta definição acompanharia as linhas sugeridas por Skinner, particularmente em seu estudo sobre a evolução do comportamento verbal (1987, p. 75), onde ele analisa um exemplo imaginário de dois homens pescando: A empurra e puxa a rede da água em seguida à resposta vocal de B, que observa quando um peixe é capturado na rede. Ao decidir quando o comportamento vocal de B pode ser apropriadamente chamado verbal, Skinner não escolheu a alternativa "quando [a resposta vocal de B] foi fortalecida pela primeira vez pela ação de A de puxar a rede (isto é, quando se [a resposta vocal de B] tornou um operante vocal)"6 (1987, p. 89), mas escolheu a alternativa "quando [a resposta vocal de B] foi modelada e mantida por um ambiente verbal transmitido de uma geração a outra (quando se tornou parte de uma 'língua')"7 (1987, p. 89).

Como mencionado acima (p. 2), a definição de comportamento verbal abrange diversos tipos de comportamento, tais como gesticular e desenhar, além dos que envolvem as línguas. Entretanto, "verbal" é um adjetivo cujo significado usual envolve línguas. A denominação de todo o conjunto de diferentes tipos de comportamento verbal por uma expressão mais adequada ao tipo específico que envolve línguas induz à compreensão de que uma língua está certamente envolvida sempre que a expressão aparece. O comportamento verbal baseado em línguas compreende um domínio que abarca um rico conjunto de fenômenos porque é o produto de ambientes sofisticados chamados línguas. Para deixar claro aquilo de que estamos falando, e também para termos uma expressão para designar este conjunto particular de fenômenos, talvez devêssemos usar a expressão "comportamento verbal lingüístico".

A arbitrariedade da relação entre som e significado no comportamento verbal lingüístico coloca desafios específicos para nossa pesquisa e contribui para retardar a acumulação de conhecimento neste campo. Os princípios mecânicos e geométricos que relacionam operantes não verbais a suas conseqüências funcionam universalmente do mesmo modo, o que facilita a compreensão das contingências envolvidas em procedimentos experimentais. Em acréscimo ao repertório comportamental modelado por contingências que temos em relação a estes princípios, eles são muito bem descritos por ciências, tais como a física e a matemática. Ao contrário, as convenções que relacionam operantes verbais a suas conseqüências variam de acordo com as várias comunidades verbais. O pesquisador terá mais dificuldade para compreender um procedimento que envolva práticas de comunidades verbais em relação às quais não tenha nenhum repertório modelado por contingências porque não é um membro delas (para o mesmo problema no campo lingüístico, veja, por exemplo, Diekhoff (1915/1970) e Aron (1918/1970). Além disso, a maioria das línguas são insuficientemente, ou de forma nenhuma, descritas pela lingüística (Bloomfield, 1933/1961, p. 57; Crystal, 1997, p. 286-287). De qualquer maneira, mesmo quando o analista é um membro da comunidade verbal relativa ao comportamento verbal de interesse, como a análise do comportamento estuda o comportamento de organismos individuais e não o funcionamento de comunidades verbais, nós precisaremos das descrições das práticas das comunidades verbais feitas por outras ciências, especialmente das feitas pela lingüística.

 

A arbitrariedade da linguagem nas investigações filosóficas e lingüísticas sobre a linguagem

A ancoragem da linguagem nas convenções da comunidade verbal, em vez de no ambiente físico, é designada pelos lingüistas como "a arbitrariedade do signo lingüístico". O signo lingüístico é uma unidade da língua constituída por um forma fonética junto com o significado a ela ligado. De acordo com a definição fisicalista oferecida por Bloomfield (1933/1961), o significado lingüístico é constituído pelos estímulos que regularmente precedem e seguem a forma emitida (p. 27).

Os sinais lingüísticos têm sido considerados arbitrários desde o início dos debates filosóficos (para divergências ou considerações limitadoras, ver Benveniste, 1966, p. 49-55; Jakobson, 1990, p. 407-421; Jespersen, 1922/2007, p. 396). Tanto quanto muitos outros itens na lingüística e em outras ciências como a psicologia, as origens deste debate são encontradas entre os gregos da antigüidade. Esta discussão aparece no Crátilo de Platão no debate phýsis-nómos (ou natureza-convenção) como respostas opostas à questão sobre a origem e funcionamento das palavras: a conexão entre as palavras e seus significados é natural e necessária, ou convencional? (Bloomfield, 1933/1961, p. 4; Jakobson, 1990, p. 407-421; Robins, 1997, p. 23-25).

Coseriu (1977, p. 21) considera ser Aristóteles a primeira fonte de uma tradição contínua que afirma a arbitrariedade da linguagem e que se estende da filosofia até a lingüística científica, que emerge no século XIX, e também à lingüística estrutural do século XX. Aristóteles considerou que "o nome é som com significado em razão do que já está estabelecido"8 (Coseriu, 1977, p. 23). De acordo com Coseriu, em fraseado moderno, isto significa que para Aristóteles a relação entre som e significado na linguagem é estabelecida historicamente. A formulação de Aristóteles era descritivo-funcional (era sobre como os sinais lingüísticos funcionam), não genética (não era sobre a origem dos sinais lingüísticos), e significava que as palavras funcionam em virtude da tradição histórica, não por meio de uma relação natural e necessária entre som e significado.

A subseqüente longa viagem desta concepção destacou às vezes o componente negativo da perspectiva de Aristóteles - não necessária por natureza -, às vezes o positivo -instituída historicamente (Coseriu, 1977, p. 24). Um certo deslocamento da perspectiva descritivo-funcional de Aristóteles na direção de uma perspectiva genética apareceu logo em seguida: muito freqüentemente, os autores discutiram a origem da tradição que estabeleceu a relação entre sons e significados. Já na escolástica, o "instituído historicamente" de Aristóteles tornou-se "estabelecido intencionalmente", considerando a intencionalidade de quem estabeleceu o signo lingüístico. Posteriormente, a discussão filosófica foi mantida nas mesmas linhas, e vemos o surgimento de expressões como "ex arbitrio, arbitrary, arbitrarius" (p. 27). Apesar do fato de que desde o início do uso do termo neste contexto arbitrário tenha significado "intencionalmente estabelecido ou imposto", a palavra veio subseqüentemente significar apenas "não motivado ou relacionado por natureza", o que não é necessariamente uma discussão sobre origem (p. 28).

Ao longo do tecido filosófico desta noção, a diversidade das línguas foi considerada evidência que suporta a noção da arbitrariedade do signo lingüístico (p. 28). A arbitrariedade do signo lingüístico foi, e ainda é, compreendida como ausência de uma conexão causal natural (como a encontrada na relação fumaça-fogo) ou de identidade (como a que liga uma coisa à sua imagem) entre som e significado (ou entre o signo lingüístico e o mundo extralinguístico) (p. 51). Mesmo quando os autores algumas vezes consideraram as onomatopéias como uma possível exceção à arbitrariedade, os filósofos, e posteriormente os lingüistas, sustentaram que elas são muito poucas e que seu papel na língua não é muito importante (Coseriu, 1977, p. 33, 49, 55; Robins, 1997, p. 23-24); as onomatopéias são mais freqüentemente concebidas como também arbitrárias, assim como as diferenças entre elas de língua para língua evidencia (Coseriu, 1977, p. 43).

Desde o surgimento de sua ciência no início do século XIX, os lingüistas, em geral, abraçaram a tese da arbitrariedade do signo lingüístico, como o fizeram os influentes lingüistas Whitney e H. Paul (século XIX), e Saussure e Bloomfield (século XX).

Dois livros-texto de Bloomfield, ambos mencionados por Skinner (1979) em cartas escritas em 1934 (Vargas, 1992), são de interesse ao conectarmos a concepção lingüística da arbitrariedade do signo lingüístico à definição de Skinner do comportamento verbal. O primeiro é An introduction to the study of language (1914), escrito sob a influência da psicologia de Wundt (Bloomfield, 1914/1983, p. vi), é fundamentalmente mentalista com respeito a certas concepções da linguagem mais gerais e fundamentais. O livro foi considerado (Bolling, 1917/1970; Diekhoff, 1915/1970; Kess, 1983) como uma síntese erudita do conhecimento lingüístico disponível na época, dando continuidade a algumas introduções à ciência lingüística muito boas, mas não atualizadas, tal como Language and the study of language (1867) de Whitney e Introduction to the study of the history of language (1891), de Strong, Logeman e Wheeler. O livro de 1914 foi influente como um livro-texto, mas foi suplantado pelo extremamente influente Language (Bloomfield, 1933), e, hoje em dia, o primeiro não é muito bem conhecido mesmo no campo da lingüística (Kess, 1983).

O primeiro capítulo do livro (Bloomfield, 1914/1983) discute a natureza e origem da linguagem, essencialmente em linha com a psicologia de Wundt (Aron, 1918; Esper, 1968, p. 188-192; Kess, 1983; ver também Bloomfield, 1913/1970). Ele apresenta um ponto de vista evolucionário de acordo com o qual estados mentais de animais geram movimentos expressivos, reações físicas naturais (como, por exemplo, uma expressão facial de amargura, que poderia aparecer como resultado do movimento de recuar a parte posterior da língua, mais sensível a gostos amargos). Linguagem gestual (como apontar ou descrever algo através de movimentos, por exemplo, um chapéu caracteristicamente usado por alguém) é movimento expressivo enfraquecido ou de alguma forma modificado e usado para comunicação. A relação entre o gesto e o que ele expressa é geralmente aparente, tal como no ato de apontar, que teria evoluído da tentativa da criança de agarrar algo que ela não poderia alcançar. A linguagem vocal surgiu de movimentos expressivos e apareceu quando não o movimento em si mesmo mas o som que ele produzia se transformou em objeto da atenção dos outros. Diferentemente da maioria dos movimentos expressivos, os sons da língua vocal não são indicativos do que expressam. Mesmo as onomatopéias, em que parece haver uma conexão direta entre o som e a experiência relacionada, são muito limitadas em número e suas formas são relacionados a outras formas da língua (Bloomfield, 1914/1983, p. 81). A ausência de uma conexão natural (imediata) entre som e significado permite a transferência de significado e explica a mudança lingüística e a diversidade das línguas através do tempo e do espaço: na linguagem vocal, "nunca houve um estágio em que um ouvinte pudesse reconhecer qualquer coisa além de uma conexão arbitrária entre o som e o sentido"9 (Bloomfield, 1914/1983, p. 16). A forma dos enunciados depende dos hábitos da comunidade lingüística do falante tanto no que diz respeito aos sons quanto aos significados:

assim como cada língua usa apenas um conjunto limitado extraído da infinidade de sons possíveis ao órgão vocal humano, da mesma forma cada língua divide a infinita variedade de experiências da vida em um número limitado de classes dentro de cada qual todas as experiências são nomeadas pela mesma expressão. As classes assim reconhecidas pelas diferentes línguas são... muito diferentes.... [A] descrição das várias classes de experiências e dos complexos de sons usados para expressá-los constitui o léxico ou dicionário de uma língua.10 (Bloomfield, 1914/1983, p. 90)

Bloomfield sublinhou as vantagens da linguagem vocal sobre os movimentos expressivos sem som. Ela: (1) permite maior variação; (2) é menos laboriosa e vagarosa, não exigindo muito esforço muscular; (3) depende da audição em vez da visão, a primeira, mas não a última, estando quase sempre aberta para a estimulação exterior, além de ser independente da necessidade de girar o corpo (1914/1983, p. 8).

O livro-texto Language (1933) de Bloomfield, excepcionalmente influente na lingüística (Coseriu, 1986, p. 149; Hockett, 1984, 1999; Lepschy, 1982, p. 84-85; Robins, 1997, p. 237-238), afirma, sucinta, mas completamente, a arbitrariedade do signo lingüístico e é muito mais conciso sobre gestos e sua relação com a linguagem vocal. A fala e os gestos são concebidos como tipos similares de comportamento no sentido de que não agem diretamente no mundo extralinguístico, mas funcionam como estímulos para um ouvinte, cujo comportamento age diretamente no mundo extralinguístico (Bloomfield, 1933/1961, p. 22-27, 38-39). Apesar de alguma medida de imitação presente nos gestos (por ex.: dois dedos que imitam um homem andando), e assim alguma semelhança ou relação natural com o que significam, eles são principalmente convencionais e usados como um acessório à linguagem (p. 39, 144, 147). Ainda mais do que no caso dos gestos, "a conexão das formas lingüísticos com seus significados é inteiramente arbitrária"11 (Bloomfield, 1933/1961, p. 145) e estabelecida pelas convenções da comunidade verbal. Palavras diferentes com o mesmo significado em línguas diferentes (por exemplo, doll em inglês e boneca em português) indicam a arbitrariedade da relação entre forma e significado, em vez de uma relação natural necessária. Exigindo um pouco mais de sutileza para discernir, mas tendo muita importância para a compreensão das línguas, as formas lingüísticas de línguas diferentes não correspondem a seus significados da mesma maneira (Bloomfield, 1933/1961), isto é, não há uma correspondência biunívoca entre as formas lingüísticas de línguas diferentes. O sistema inteiro da língua é arbitrário, é convencional, e o modo como cada língua classifica o mundo é único. Por exemplo, em português Uma pessoa toca o violão e Uma criança brinca com o brinquedo, mas em inglês Uma pessoa plays o violão e Uma criança plays com o brinquedo. A mesma forma fonética - plays - é relacionada em inglês à ação que uma pessoa executa com o violão e à ação que uma criança executa com o brinquedo. Em português duas diferentes formas fonéticas - toca e brinca - são relacionadas a cada uma destas duas ações.

 

O vínculo entre as concepções de comportamento verbal e arbitrariedade do signo lingüístico

Skinner distinguiu o operante não verbal de pressionar uma barra dos operantes verbais na base de que o primeiro, mas não os últimos, tem um suporte externo (precisa da barra) através do qual age no ambiente (Skinner, 1938/1991, p. 50). O comportamento verbal escapa facilmente do controle de estímulo, "porque por sua própria natureza não requer suporte ambiental - isto é, nenhum estímulo precisa estar presente para dirigi-lo ou formar elos importantes no encadeamento das respostas"12 (Skinner, 1957, p. 47).

Quando respostas que não agem no ambiente, tal como flexionar a perna, são reforçadas, "elas se tornam gestos"13 (Skinner, 1938/1991, p. 50). De acordo com Skinner (1938/1991, p. 50; 1957, p. 47), os gestos são respostas verbais, mas muitos deles podem ter-se originado de respostas que tinham efeitos práticos no mundo, e são extensões destas respostas práticas (tais como o policial de trânsito parando um carro por meio de um gesto que pararia alguém se realmente atingisse a pessoa). Skinner (1957, p. 466) oferece diversos exemplos em que um comportamento que é mecanicamente eficaz sobre alguém (tal como parar uma pessoa pressionando a mão em seu peito) vem a ser apresentado em forma incipiente (tal como apenas estender a mão sem tocar na pessoa), e adquire um efeito no comportamento do outro, caso em que é um gesto e é comportamento verbal. Ao discutir a evolução de um ambiente verbal, uma língua, Skinner (1987, p. 75) debate igualmente a evolução dos gestos. Os movimentos podem ser fisicamente muito similares às situações que significam (como os usados para modelar o comportamento de abrir uma porta deslizante) ou menos similares, na medida em que se tornam mais distantes de ter um efeito prático no mundo e mais próximos de se transformarem em um gesto atuando no comportamento de outros (p. 78-79).

Ele menciona as vantagens do comportamento vocal sobre os gestos na selecção natural, em termos que lembram fortemente a comparação de Bloomfield (1933/1961):

Os sons são eficazes no escuro, nos cantos, e quando os ouvintes não estão olhando, e podem ser feitos quando as mãos estão ocupadas com outras coisas. Há vantagens especiais, entretanto, em extensos repertórios operantes, especialmente na enorme variedade de sons da fala disponíveis. Os gestos não são tão conspicuamente diferentes quanto os sons da fala e por isso seu número é menor, e os sons que alguém produz são mais parecidos com os sons que ouve do que os gestos que alguém faz são parecidos com os gestos que vê (porque são vistos de um diferente ponto de vista). Aprende-se a gesticular através de duplicação do movimento, mas a falar através de duplicação do produto, que é mais precisa.14 (Skinner, 1987, p. 80)

As relações envolvidas no estabelecimento dos operantes verbais são, em geral, arbitrárias, refletindo a arbitrariedade da língua. Em todos os operantes, a relação entre a resposta verbal e o reforço é arbitrária. Igualmente arbitrária é a relação de (Skinner, 1957): (a) o estímulo aversivo ou a privação e a resposta verbal, no mando (1957, p. 35); (b) o estímulo discriminativo não verbal e a resposta verbal, no tato (p. 81); (c) o estímulo discriminativo verbal que controla os textuais (p. 65-69) e os intraverbais (p. 71); (d) e os estímulos discriminativos verbais e não verbais que controlam os autoclíticos (p. 311). Entretanto, embora fortemente relacionados, os operantes verbais não são unidades lingüísticas; nos primeiros, encontraremos similaridade em algumas relações de controle. Nos ecóicos (p. 55) há similaridade formal entre os estímulos discriminativos verbais e a resposta verbal. Nas transcrições (p. 69-71), a relação entre os estímulos discriminativos verbais e a resposta verbal pode ser arbitrária, como acontece ao tomar ditado ou escrever com um tipo diferente dos que estão funcionando como estímulos discriminativos verbais, ou de similaridade formal, no caso de copiar de uma fonte escrita usando o mesmo tipo. A similaridade encontrada nas relações dos estímulos discriminativos verbais com a resposta verbal nos ecóicos e nas transcrições acontece porque sua função no repertório do falante é construir as unidades de que outros operantes verbais são feitos. Estas unidades devem ter similaridade formal com as encontradas na comunidade verbal. Os operantes verbais nos quais há similaridade formal entre estímulos discriminativos e resposta verbal permitem comparação e auto-reforçamento (p. 70), o que pode facilitar sua aprendizagem.

A arbitrariedade das relações envolvidas nos operantes verbais é discutida claramente por Skinner em sua abordagem do controle de estímulo no tato. A correspondência entre as formas de fala que constituem os tatos e os estímulos ou propriedades de estímulos que controlam estes formas não é simples de ser estudada empiricamente. O repertório de tatos encontrados em uma dada comunidade verbal corresponde à maneira particular e arbitrária como esta dada comunidade analisou o mundo não verbal. Assim, por exemplo, em português carne refere-se a uma parte do corpo dos animais, independentemente de o contexto ser ou não ser o da alimentação. Em inglês, duas palavras diferentes, meat e flesh, referem-se a este aspecto idêntico da realidade extralingüística. A arbitrariedade da análise é devida, parcialmente, ao fato de que muitas das propriedades de estímulos que controlam tatos podem ser identificadas apenas por meio de um ambiente verbal. O controle das formas de respostas por estímulos, ou propriedades de estímulos, ocorreu de forma não planejada e não há nenhuma necessidade lógica aparente pela qual alguns, mas não outros estímulos ou propriedades, adquiriram controle sobre as formas:

Ao estudar as propriedades do mundo das coisas ou eventos aos quais respondemos verbalmente, devemos nos erguer por nosso próprio esforço; muitas propriedades da natureza podem ser identificadas e tratadas exclusivamente por meio de práticas verbais. Não obstante, o problema do controle de estímulo no tato pode ser examinado significativamente. Se o mundo pudesse ser dividido em muitas coisas e eventos separados e se pudéssemos estabelecer uma forma separada de resposta verbal para cada um, o problema seria relativamente simples. Mas o mundo não é tão facilmente analisado, ou pelo menos não foi analisado assim por aqueles cujo comportamento verbal devemos estudar. Em qualquer repertório verbal amplo encontramos uma confusa mistura de relações entre formas de resposta e formas de estímulos. O problema é achar as unidades básicas de "correspondência".15 (Skinner, 1957, p. 115-116)

Por não sermos capazes de encontrar as formas originais das palavras, e também por causa da diversidade das línguas do mundo (Skinner, 1987, p. 91), Skinner (1957, p. 468) questiona a apresentação das onomatopéias como uma explicação para a origem da linguagem baseada na similaridade física entre o estímulo e a resposta.

 

Conclusão

A relação peculiar da linguagem com o mundo extralinguístico, corporificada na noção de arbitrariedade do signo lingüístico, está no centro do conceito de Skinner de comportamento verbal. Skinner foi influenciado especialmente pela discussão de Bloomfield sobre a arbitrariedade da linguagem, que enfatizou não apenas a ausência de qualquer tipo de relação natural entre unidades lingüísticas e seus significados, mas igualmente a ineficácia da linguagem no mundo extralingüístico, e sua eficácia sobre o ouvinte. Em resumo, diversos elementos levantados no debate filosófico e lingüístico sobre a arbitrariedade do signo lingüístico aparecem na concepção de Skinner de comportamento verbal: a ineficácia do comportamento verbal no ambiente físico; os gestos como um precursor evolucionário do comportamento verbal vocal e como um tipo de comportamento verbal; as vantagens de sinalizar por meio de sinais vocais em vez de visuais; a natureza da relação entre som e significado nas onomatopéias; as diferenças entre as palavras de diferentes línguas e a variedade das línguas como sinal da arbitrariedade da linguagem; a falta de identidade entre o som da fala e o mundo extralingüístico; a arbitrariedade geral da análise e classificação do mundo feitas pelas línguas.

Bloomfield atribuiu à psicologia a tarefa de explicar o comportamento de falantes e ouvintes:

Não compreendemos o mecanismo que faz as pessoas dizerem determinadas coisas em determinadas situações, ou o mecanismo que as faz responder apropriadamente quando estes sons da fala atingem seus tímpanos. Evidentemente estes mecanismos são um aspecto de nosso equipamento geral para responder a estímulos, sejam eles sons da fala ou outros. Estes mecanismos são estudados na fisiologia e, em especial, na psicologia. Estudá-los em seu papel especial na língua, é estudar a psicologia da fala, psicologia lingüística. Na divisão do trabalho científico, o lingüista trata somente dos signos da fala...; ele não é competente para tratar de problemas da fisiologia ou da psicologia.16 (1933/1961, p. 31-32)

Verbal Behavior de Skinner assume esta tarefa atribuída por Bloomfield à psicologia. É a primeira tentativa na história das ciências da linguagem de especificar e explicar os repertórios do falante e do ouvinte por meio de um modelo científico suscetível de abordagem experimental. A contribuição verdadeiramente original de Skinner foi mostrar os processos comportamentais pelos quais as conexões arbitrárias entre sons e significados que constituem as línguas são inseridas nas contingências de reforçamento que modelam o comportamento de falantes e ouvintes.

 

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Enviado em Dezembro de 2008
Aceite em Janeiro de 2009
Publicado em Outubro de 2009

 

 

Nota da autora: Uma primeira versão deste artigo foi apresentada na 33ª Annual Association for Behavior Analysis (ABA) Convention, San Diego, 2007. Fico muito agradecida a David E. Eckerman por sua leitura cuidadosa do artigo e pelas sábias sugestões.

Nota da autora II: Em setembro de 2007 esta versão do meu artigo foi submetida ao periódico Behavior and Philosophy. Em janeiro de 2008 o editor enviou-me duas revisões, junto com sua decisão de não publicar o artigo (Marr, 2008).

O "Revisor A" considerou que a conexão entre a primeira e a segunda metade do artigo era vaga, mas achou que a primeira parte poderia ser publicada apesar de discordar dos pontos centrais da autora sobre a definição de comportamento verbal. O "Revisor A" considerou ser:

... útil distinguir dois tipos de definição. Quando fazemos um modelo matemático ou qualquer outro tipo de sistema formal, damo-nos ao luxo de definir nossos termos antecipadamente. "Um círculo é um conjunto de pontos em um plano equidistantes de algum [sic] ponto neste plano." Mas quando estudamos a natureza e tentamos classificar nossas observações, nossas definições são empíricas, em vez de a priori. Uma definição a priori pode distinguir claramente entre membros da classe e não membros. Mas as definições empíricas têm limites nebulosos. " Um cão é um quadrúpede peludo que late, persegue carros, molha o tapete, etc." Não importa o quão duramente trabalhemos em tal definição, enfrentaremos casos ambíguos. (Um coiote é um cão? Um coydog é um cão?) O comportamento verbal é deste tipo. As classes de comportamento, assim como as classes de organismos, têm necessariamente limites nebulosos. A melhor definição não dividirá o domínio do comportamento em classes perfeitamente discretas; em vez disso, será útil. Parece-me que a definição que o (a) autor (a) estabeleceu tem esta propriedade. Isto é, acredito que o (a) autor (a) fez um trabalho muito bom ao identificar uma definição útil, mas é pedir demais a esta definição que decida sobre casos limítrofes....

Em resumo, penso que o (a) autor (a) fez um trabalho muito bom ao sumarizar as várias tentativas de Skinner de chegar a uma definição de comportamento verbal e as combinou em um amálgama coerente que é particularmente útil. Entretanto, sinto que o uso que o (a) autor (a) faz desta definição está aberto à controvérsia. O exame do tópico da arbitrariedade do signo, embora de interesse por si mesmo, parece-me ser tangencial.17

Entretanto, a arbitrariedade das relações envolvidas no comportamento verbal têm sido ressaltadas em discussões recentes sobre a definição de Skinner de comportamento verbal. Por exemplo, Palmer (2008) recentemente também publicou um artigo sobre este assunto e sua interpretação da definição skinneriana de comportamento verbal - "O comportamento verbal emerge em uma comunidade que mantém contingências de reforçamento para o comportamento que reflete relações arbitrárias mas convencionais entre estímulos e respostas" (p. 299) - é semelhante à definição de comportamento verbal que meu artigo sugere poderia ser formulada a partir da distinção de Skinner entre comportamento verbal e não verbal: "O comportamento verbal é comportamento operante cujas propriedades são selecionadas de acordo com as convenções de uma comunidade verbal." (No discurso filosófico e lingüístico sobre a linguagem, de onde a nomenclatura "convencional" e "arbitrária" sobre este tema se origina, estas palavras têm basicamente o mesmo uso.)

Marr, J. E-mail para a autora, 4 de janeiro de 2008.

Palmer, D. C. (2008). On Skinner's definition of verbal behavior. International Journal of Psychology and Psychological Therapy, 8(3), 295-307.

1 "non-mechanically effective".
2 "defined as that part of behavior which is reinforced only through the mediation of another organism".
3 "the 'listener' must be responding in ways which have been conditioned precisely in order to reinforce the behavior of the speaker".
4 "Verbal behavior is behavior that is reinforced through the mediation of other people, but only when the other people are behaving in ways that have been shaped and maintained by an evolved verbal environment, or language".
5 "Our definition of verbal behavior, incidentally, includes the behavior of experimental animals where reinforcements are supplied by an experimenter or by an apparatus designed to establish contingencies which resemble those maintained by the normal listener. The animal and the experimenter comprise a small but genuine verbal community."
6 "when it was first strengthened by A's action in pulling the net (that is, when it became a vocal operant)".
7 "when it was shaped and maintained by a verbal environment transmitted from one generation to another (when it became part of a 'language')".
8 "[e]l nombre es sonido con significado en razón de lo que ya está establecido" (citado e traduzido do grego para o espanhol por Coseriu, 1977, p. 23).
9 "there never was a stage in which a hearer could recognize any but an arbitrary connection between sound and sense".
10 "... just as each language uses only a limited set out of the infinity of sounds possible to the human vocal organ, so each language divides the infinitely various experiences of life into a limited number of classes within each of which all experiences are named by the same expression. The classes so recognized by the different languages are ... very different.... the description of the various experience-classes and of the sound-complexes used to express them, constitutes the lexicon or dictionary of a language.".
11 "the connection of linguistic forms with their meanings is wholly arbitrary".
12 "because by its very nature it does not require environmental support -that is, no stimuli need be present to direct it or to form important links in chaining responses".
13 "they become gestures".
14 "Sounds are effective in the dark, around corners, and when listeners are not looking, and they can be made when the hands are busy with other things. There are special advantages, however, in large operant repertoires, especially the enormous variety of available speech sounds. Gestures are not as conspicuously different as speech sounds and hence are fewer in number, and the sounds one produces are more like the sounds one hears than the gestures one makes are like the gestures one sees (because they are seen from a different point of view). One learns to gesture through movement duplication but to speak through product duplication, which is more precise.".
15 "In studying the properties of the world of things or events which are responded to verbally we must lift ourselves by our own bootstraps; many properties of nature can be identified and dealt with only through verbal practices. Nevertheless the problem of stimulus control in the tact can be meaningfully examined. If the world could be divided into many separate things or events and if we could set up a separate form of verbal response for each, the problem would be relatively simple. But the world is not so easily analyzed, or at least has not been so analyzed by those whose verbal behavior we must study. In any large verbal repertoire we find a confusing mixture of relations between forms of response and forms of stimuli. The problem is to find the basic units of 'correspondence'."
16 "We do not understand the mechanism which makes people say certain things in certain situations, or the mechanism which makes them respond appropriately when these speech-sounds strike their ear-drums. Evidently these mechanisms are a phase of our general equipment for responding to stimuli, be they speech-sounds or others. These mechanisms are studied in physiology and, especially, in psychology. To study them in their special bearing on language, is to study the psychology of speech, linguistic psychology. In the division of scientific labor, the linguist deals only with the speech-signal ...; he is not competent to deal with problems of physiology or psychology."
17 "...helpful to distinguish two kinds of definition. When we make a mathematical model or any other kind of formal system, we have the luxury of defining our terms in advance. "A circle is a set of points in a plane equidistant from any [sic] point in that plane. " But when we study nature and attempt to classify our observations, our definitions are empirical, rather than a priori. An a priori definition can cut cleanly between members of the class and nonmembers. But empirical definitions have fuzzy boundaries. "A dog is a furry quadruped that barks, chases cars, sheds on the carpet, etc. " No matter how hard we work on such a definition, we will face ambiguous cases. (Is a coyote a dog? Is a coy-dog a dog?) Verbal behavior is of this sort. Classes of behavior, like classes of organisms necessarily have fuzzy boundaries. The best definition will not carve up the domain of behavior into perfectly discrete classes; rather, it will be useful. It seems to me that the definition the author settles on has this property. That is, I believe the author has done a very good job of identifying a useful definition, but it is asking too much of such a definition to decide on borderline cases....
In summary, I think the author has done a very good job of summarizing Skinner's various attempts at a definition of verbal behavior and has combined them into a coherent amalgam that is particularly useful. However, I feel that the use to which the author puts this definition is open to controversy. The discussion of the topic of the arbitrariness of the signal, while of interest in its own right, seems to me to be tangential."

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