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Temas em Psicologia

Print version ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.16 no.1 Ribeirão Preto June 2008

 

ARTIGOS

 

Entrevista motivacional em grupo com alcoolistasI

 

Group motivational interviewing for the treatment of alcohol addiction

 

 

Antônio JaegerI-II; Margareth da Silva OliveiraI; Suzana Dias FreireI

I Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS)
II Hospital Parque Belém

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Entrevista Motivacional é uma intervenção breve que visa trabalhar a resolução da ambivalência frente à mudança de comportamentos dependentes. O presente trabalho teve como objetivo apresentar uma experiência de aplicação da Entrevista Motivacional em um formato grupal. Contou com 36 homens com idades entre 35 a 62 anos, alcoolistas, que no início do estudo estavam em fase de desintoxicação. Os participantes foram submetidos à entrevista motivacional em um formato de grupo e avaliados duas vezes quanto ao consumo de álcool: ao iniciar o tratamento e 90 dias após o mesmo; através da entrevista semi-estruturada FORM-90. Na primeira avaliação, o consumo médio de álcool era de alto risco: aproximadamente 200 unidades de álcool por semana. Na segunda, o consumo diminuiu significativamente, sendo que mais de 60% dos participantes não tiveram consumo de álcool. A entrevista motivacional em grupo se mostra uma importante e valiosa ferramenta para o tratamento de pessoas dependentes de álcool, se apresentando como uma abordagem eficaz e economicamente viável.

Palavras-chave: Motivação, Alcoolismo, Psicoterapia de Grupo, Psicoterapia breve.


ABSTRACT

Motivational Interviewing is a brief intervention aimed to resolve the ambivalence elicited by the process of changing addictive behaviors. The present article reports an experience of intervention in groups for alcohol-dependent patients in which the Motivational Interviewing approach was employed. It included 36 alcohol-dependent males aged 35 to 62 years, who were detoxification inpatients at the beginning of the study. The subjects took part in the intervention and their alcohol consumption was assessed before and 90 days after it, using the FORM-90 inventory. The alcohol consumption at the first evaluation was high: approximately 200 alcohol standard units per week. At the second evaluation the alcohol consumption decreased significantly, and more than 60% of the subjects did not drink alcohol whatsoever. The Motivational Interviewing in a group format was revealed as an important and economically advantageous tool for the treatment of alcohol addiction.

Keywords: Motivation, Alcoholism, Group Psychotherapy, Brief Psychotherapy.


 

 

O alcoolismo representa uma preocupação constante, desde que é entendido como uma doença crônica, progressiva, e de grande poder destrutivo. Visto sua alta prevalência, e os diversos fatores envolvidos, atualmente o alcoolismo tem sido visto como um problema de saúde pública. A prevalência de dependentes de álcool no Brasil é de 12,3%, segundo o II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil. A prevalência de dependência de álcool para o sexo masculino é de 19,5%, bastante superior à observada entre as mulheres (6,9%) (Carlini & Galduróz, 2006).

Muitos são os acidentes de trânsitos causados pelo consumo de bebidas alcoólicas (Galduróz & Caetano, 2004). Também freqüentes, são os altos índices de atos violentos quando álcool e outras drogas estão presentes entre agressores e suas vítimas (Chalub & Telles, 2006).

As implicações do alcoolismo na esfera biopsicossocial têm conseqüências negativas em todas as etapas do desenvolvimento do indivíduo. Pais alcoolistas frequentemente comprometem a educação de seus filhos em aspectos emocionais e comportamentais. Estas crianças apresentam timidez, insegurança e baixa auto-estima (Souza, Jeronymo & Carvalho, 2005). Não raro, a violência doméstica se faz presente nessas famílias, fato associado à dependência de substâncias (Zilberman & Blume, 2005). O consumo abusivo de álcool é mais freqüente em pacientes crônicos quando comparados à população em geral. Este dado pode ser entendido como decorrência dos prejuízos conseqüentes do uso abusivo de álcool, bem como a carência nos cuidados pessoais, exemplificado pelo menor índice de consultas em relação aos não consumidores de álcool (Costa, Silveira, Gazalle, Oliveira, Hallal, Menezes, Gigante, Olinto & Macedo, 2004).

A Entrevista Motivacional tem sido freqüentemente empregada como modelo de tratamento para o alcoolismo (Miller, 1983; Miller & Hester, 1986; Miller, Sovereing & Krege, 1988; Miller & Rollnick, 1991; Project Match, 1993, Oliveira, 2001), sendo reconhecida como uma das abordagens de escolha no tratamento deste problema (Hettema, Steele & Miller, 2005). O tratamento em grupo também tem sido amplamente utilizado com este objetivo, sendo considerado uma abordagem tipicamente oferecida pelos centros de tratamento de dependência química (Yalom, 1995; Falkowski, 1996; Van Horn & Bux, 2001). Entretanto, são poucos os trabalhos científicos que visam avaliar a integração de aspectos da Entrevista Motivacional à abordagem em grupo.

Estudos com este objetivo foram desenvolvidos por Van Horn e Bux (2001) e Ana, Wulfert e Nietert (2007) e estudaram a Entrevista Motivacional adaptada ao contexto de grupo em pacientes com diagnóstico concomitante de abuso ou dependência de substâncias e outro diagnóstico psiquiátrico, o qual incluía transtornos de humor e transtornos psicóticos. Em um estudo desenvolvido por Foote, Deluca, Magura, Warner, Grand, Rosenblum e Stahl (1999), um grupo terapêutico com enfoque motivacional foi projetado para o tratamento de indivíduos com diferentes dependências. Lincourt, Kuettel e Bombardier (2002) investigaram a eficácia da entrevista motivacional em grupo com pacientes encaminhados ao tratamento por mandato judicial; e Laranjeira, Almeida e Jungerman (2000) observaram esta intervenção com pacientes dependentes de diferentes substâncias, utilizando também, técnicas de prevenção da recaída. Estes estudos apresentam conclusões positivas em favor da utilidade da Entrevista Motivacional em um formato de grupo, entretanto somente o estudo desenvolvido por Ana, Wulfert e Nieter (2007) avaliou o padrão de consumo dos participantes após a intervenção, e nenhum deles investigou uma amostra exclusiva de alcoolistas.

Devido à quantidade limitada de pesquisas semelhantes às descritas acima, o presente artigo apresenta a aplicação da Entrevista Motivacional em grupo, descrevendo o formato da intervenção especialmente planejada para o tratamento de indivíduos dependentes do álcool.

 

Método

Trata-se de um estudo pré-experimental com medidas antes e depois. A variável independente é a intervenção grupal de Entrevista Motivacional, e a variável dependente é o consumo ou a abstinência do álcool.

Participantes

A amostra foi composta de 36 participantes, que estavam internados para desintoxicação numa unidade especializada no tratamento de dependência química. A idade média foi 46,44 (DP 7,55) variando entre 35 e 62 anos. Os participantes tinham estudado no mínimo até a quinta série do Ensino Fundamental e preenchiam os critérios diagnósticos para dependência do álcool conforme DSM IV-TR (American Psychiatric Association, 2002). Dependência de tabaco não foi critério de exclusão, porém abuso ou dependência de outras drogas além do álcool foi critério de exclusão. A intervenção ocorreu em grupos de 5 a 7 pacientes por vez. Cada participante era incluído em cada grupo específico de forma aleatória.

Instrumentos

Quantidade e freqüência de consumo de álcool: realizou-se uma análise do padrão de consumo típico de cada indivíduo, da maneira mais precisa possível. Para isto, foi utilizada a entrevista estruturada FORM-90-AI (Drinking Assessment Interview – Intake) (Client Intake Interview), que foi inicialmente desenvolvida para medir e avaliar o consumo de álcool para o Projeto MATCH (Project Match, 1993; Miller, 1996; Tonigan, Miller & Brown, 1997). Com base no calendário corrente e na lembrança de cada dia, este instrumento reconstrói os últimos 90 dias, detalhando o padrão de consumo de álcool. Através desta entrevista torna-se possível identificar a quantidade de álcool ingerida pelos participantes em um dia típico de consumo em unidades de álcool internacionalmente padronizadas (uma unidade internacional de álcool equivale a 15 ml de álcool puro) (Miller, Heather & Hall, 1991). Para a segunda avaliação, a entrevista de seguimento utilizada para investigar freqüência e quantidade de consumo foi a FORM-90 versão AQ (Quick Drinking Assessment Interview) (Miller, 1996). Esta versão objetiva reconstruir o período desde a última entrevista até o dia da entrevista corrente. Devido às freqüentes mudanças no padrão de consumo, que varia nas diferentes semanas e episódios, é utilizado o método da grade de média de consumo (Miller & Marlatt, apud Tonigan, Miller & Brown, 1997).

Gravidade da dependência do álcool: esta medida foi realizada por meio da escala SADD (Short Alcohol Dependence Data) padronizada para uso no Brasil por Jorge e Masur (1986). A escala é composta de 15 itens e as respostas são do tipo Likert de um a quatro pontos. A partir da soma de pontos pode-se classificar a severidade da dependência em leve, moderado e grave.

Procedimentos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FAPSI-PUCRS. A coleta iniciou após a apresentação e autorização dos coordenadores da unidade de internação. Aos participantes, foi garantido o anonimato e a confidencialidade das informações.

Os sujeitos eram convidados a participar do estudo por volta do 6º ou 7º dia de internação para desintoxicação do álcool. Nesta ocasião, eram explicados os objetivos da pesquisa, apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, feita a primeira avaliação e aplicação dos instrumentos.

Além da medida da gravidade da dependência e do padrão de consumo de álcool, foram levantados dados clínicos como parte da rotina do tratamento de internação. Estas informações foram organizadas e trabalhadas no primeiro encontro grupal, quando o material de check up era usado na devolução como feedback do estado clínico, cognitivo e emocional de cada participante. Para isso, foram avaliados sintomas de depressão e ansiedade com o Inventário de Depressão de Beck (BDI) e o Inventário de Ansiedade de Beck (BAI) (Cunha, 2001). Estas escalas graduam os sintomas em nível leve, mínimo, moderado e grave, e os resultados foram utilizados apenas como parte da técnica, para check up e feedback no primeiro encontro. Utilizou-se também para a sessão de devolução o teste psicológico Figuras Complexas de Rey (Rey, 1999), que avalia a percepção e a memória recente. Como procedimentos padrão da rotina de internação, eram coletadas as dosagem das enzimas hepáticas Gama Glutamil-Transferase (GGT), Transaminase Glutâmico-Oxalacética (TGO) e a Transaminase Glutâmico-Pirúvica (TGP), que identificam o estado geral do fígado do paciente.

Os resultados do BAI e BDI (Cunha, 2001), Figuras Complexas de Rey (Rey, 1999) e exames laboratoriais fizeram parte do check up abordado com o grupo na primeira sessão e foram coletados com esta finalidade, por isso não serão apresentados neste estudo.

Os participantes seguiam o tratamento padrão do local, seguindo um programa de atendimentos próprio da unidade hospitalar, que incluía, entre suas atividades, acompanhamento psiquiátrico e grupos com enfoque de prevenção da recaída.

Os participantes da pesquisa, além de passarem por este programa, participavam também da intervenção em grupos com enfoque motivacional em quatro encontros semanais em sala específica no local da internação. Após 90 dias da primeira avaliação, os participantes foram contatados e novamente entrevistados individualmente para registro do padrão de consumo alcoólico.

Para fundamentar e operacionalizar esta intervenção em grupo utilizou-se como base o manual desenvolvido pelo Mid-Atlantic Addiction Technology Transfer Center, de autoria de Ingersoll, Wagner e Gharib (2000). Este material é destinado ao trabalho com a Entrevista Motivacional em grupos dentro de programas de tratamento para dependência de substâncias e, a partir dele, desenvolveu-se a estrutura da intervenção em grupo implementada no presente estudo.

Nesta intervenção, os participantes participaram de quatro atendimentos em grupo visando elevar a motivação para o abandono do beber problemático. As sessões tiveram duração de 90 minutos, e foram compostas por 5 a 7 pacientes, sendo que era considerado abandono de tratamento se os participantes participassem de menos de 50% destas. Estes encontros eram coordenados por um psicólogo e tiveram a participação de um estagiário de psicologia. Esta abordagem foi estruturada, na qual cada sessão se concentrou em determinados tópicos (Jaeger e Oliveira, 2003). Os tópicos abordados em cada sessão são descritos a seguir:

1ª. Sessão – Este encontro tinha o objetivo de dar início ao processo de devolução de resultados de exames laboratoriais e de avaliação cognitiva, coletados na primeira entrevista de aplicação do protocolo de pesquisa e nos procedimentos próprios da internação. Nesta devolução, foram utilizados os resultados do: FORM-90 (Project Match, 1993; Miller, 1996); SADD (Short Alcohol Dependence Data, Jorge & Masur, 1986); Figuras Complexas de Rey (Rey, 1999); BDI e BAI (Cunha, 2001). Outro recurso utilizado com o intuito de tornar a sessão de devolução mais abrangente foi a dosagem das enzimas hepáticas Gama Glutamil-Transferase (GGT), Transaminase Glutâmico-Oxalacética (TGO) e a Transaminase Glutâmico-Pirúvica (TGP). A partir deste feedback, se exemplificava os prejuízos do álcool na percepção e na memória recente, na qualidade de vida emocional, complicações clínicas, além da classificação quanto à gravidade da dependência.

Esta primeira sessão seguia uma estrutura na qual, após a apresentação dos membros do grupo, o terapeuta distribuía para cada paciente os resultados destes instrumentos em uma ficha personalizada. Estas informações eram trabalhadas com o grupo de maneira didática, utilizando-se um quadro negro para a exposição do que estes resultados significavam, e o que isto poderia acarretar para a saúde de cada indivíduo. Os pacientes não eram estimulados a expor os resultados que acabavam de receber, mas sim, estimulados a compartilhar suas reações, frente a estas informações, com os outros membros do grupo. Tais informações poderiam ser difíceis de suportar em um primeiro momento, o que poderia vir a gerar resistência por parte do paciente (Miller, Benefield & Tonigan, 1993). Para evitar que isto acontecesse, o terapeuta utilizou técnicas como a escuta reflexiva, o encorajamento, e se posicionou de maneira empática frente ao desconforto e sofrimento do paciente, conforme os pressupostos da Entrevista Motivacional (Miller & Rollnick, 1991).

2ª. Sessão – Este encontro objetivou a exploração do estilo de vida dos pacientes. Inicialmente conceituava-se o que é estilo de vida, e seguia-se com os pacientes trazendo os seus próprios exemplos. Desenvolvia-se um entendimento dos dias típicos e da semana típica, descrevendo-os no quadro. Explorava-se o quanto este estilo de vida influencia na saúde, na vida emocional, nas relações, na segurança financeira, etc. Depois se questionava sobre o uso de álcool, e qual o papel dele no estilo de vida do sujeito.

3ª. Sessão – Neste encontro utilizava-se a técnica da balança decisional, trabalhando-se os prós e os contras de continuar ou mudar o comportamento de beber. Nos primeiros minutos, o terapeuta perguntava aos pacientes qual seria para eles a definição da palavra “motivação”, e colocava no quadro as respostas apropriadas, perguntando depois “o que influencia a motivação”, e novamente colocava no quadro as respostas apropriadas. O terapeuta, então, fazia uma definição mais ampla, apontando a existência da ambivalência como algo normal frente à tomada de uma decisão difícil, ressaltando a importância de se ver “os dois lados dos sentimentos ao mesmo tempo”. Os pacientes recebiam um material com um quadro para ser preenchido com os prós e os contras de usar e de não usar o álcool. Após preenchê-los, os pacientes eram estimulados a dividir as suas respostas com o grupo e o terapeuta colocava as respostas mais adequadas no quadro negro. Antes do término da sessão, os pacientes recebiam um material para leitura denominado “O álcool e você” (Miller, Zweben, DiClemente & Rychtarik, 1992), para ser abordado no próximo encontro.

4ª. Sessão – Em um primeiro momento deste último encontro, era feita uma breve discussão sobre a leitura entregue na sessão anterior. Este encontro era destinado ao fornecimento de suporte para auto-eficácia e para o estabelecimento de um plano de mudança. O primeiro tópico era trabalhado estimulando-se que cada participante relembrasse e compartilhasse uma situação vivenciada de mudança na qual obteve sucesso, como, por exemplo, conseguir iniciar o tratamento, algum período de abstinência, ter completado o colégio, etc. Utilizava-se para isto um material escrito apropriado. Para definir um plano de mudança, também era utilizado um material o qual os pacientes preenchiam e depois discutiam o que foi escrito.

Após o trabalho do plano de mudança e suporte da auto-eficácia, o último encontro grupal revisava os tópicos das sessões anteriores e proporcionava a escuta dos participantes quanto ao tratamento no grupo. Desta forma, era feito o fechamento e enfatizado que seriam contatados e convidados a retornar para a entrevista final individual nos próximos três meses. Este contato era feito após 90 dias contados a partir da primeira entrevista individual e os participantes eram avaliados quanto à gravidade da dependência, quantidade e freqüência de consumo de álcool no período entre as avaliações individuais.

Para análise estatística das diferenças entre a quantidade de álcool consumida durante os três meses anteriores ao tratamento e a quantidade de álcool consumida durante os três meses posteriores ao mesmo, utilizou-se o teste não paramétrico Wilcoxon (Conover, 1971).

 

Resultados

A média de idade dos participantes do estudo foi de 46,44 anos (mínima de 35 e máxima de 62 anos) com DP 7,55.

Os dados demográficos dos participantes podem ser visualizados na Tabela 1.

 

Tabela 1: Distribuição dos dados sócio demográficos.

 

A amostra se constituiu, em sua maioria, de participantes com grau de dependência grave (72,2%; N = 26), e apenas ¼ da amostra com dependência moderada. Estes dados podem ser mais bem ilustrados na Tabela 2.

 

Tabela 2: Distribuição percentual do grau de dependência ao álcool (SADD).

 

Como resultado da avaliação inicial do consumo de álcool realizado pelos participantes, verificou-se que estes ingeriram em média 36,13 unidades de álcool por dia (DP 29,71), durante os três meses anteriores ao início do tratamento. Através da segunda avaliação, verificou-se que 62,2% dos participantes pesquisados se mantiveram em abstinência completa durante o período decorrente da avaliação inicial, sendo que a quantidade média ingerida pelos participantes que realizaram algum consumo neste período foi de 7,98 unidades por dia (DP 13,13). A partir da segunda avaliação constatou-se também que os participantes que ingeriram álcool, o fizeram em média durante 19,03 dias (DP 32,77), conforme ilustrado na Tabela 3. Através da análise estatística constatou-se que, mesmo alguns participantes tendo ingerido álcool após o tratamento motivacional em grupo, estes indivíduos diminuíram significativamente a quantidade de álcool consumida após a intervenção (Z = -2,197; p < 0,028).

 

Tabela 3: Média de consumo de álcool na 1ª e 2ª avaliações (Form 90).

 

Discussão

A amostra se constituiu de participantes do sexo masculino, sendo que este não era um critério de exclusão. Este dado está de acordo com a prevalência de consumo abusivo de álcool identificada como diferente entre os gêneros. Um estudo de base populacional realizado na zona urbana de Pelotas, Rio Grande do Sul, encontrou uma prevalência de consumo abusivo de bebidas alcoólicas de 29,2% para os homens e de 3,7% para as mulheres (Costa & cols., 2004).

A média de idade dos participantes foi 46,44 (DP=7,55) o que exemplifica os subsídios da literatura, que indicam que os problemas mais freqüentes com o álcool aparecem na idade adulta (Edwards & Lader, 1994). A origem étnica da amostra foi predominantemente caucasiana (94,4%), visto que na população do Rio Grande do Sul há o predomínio de descendentes da primeira à terceira geração de imigrantes europeus (Carlini-Cotrim, 1999). Ainda que o comprometimento psicossocial decorrente da dependência do álcool seja abrangente e destrutivo, 61,1% dos participantes se mantêm em atividades ocupacionais. Ou seja, a maior parte da amostra ainda desenvolve alguma atividade produtiva, independente da natureza e da qualidade do desempenho profissional. Na amostra, 52,8% são casados, elemento que pode favorecer a recuperação, visto que a rede de apoio estruturada pode auxiliar no tratamento, quando comparados a participantes solteiros.

Quanto à gravidade da dependência do álcool, observou-se que a quantidade de participantes com nível de dependência grave (72,2%) foi significativamente maior que a de participantes com nível de dependência moderado (25%). Tal dado pode ser entendido pelo fato de a amostra ser constituída de participantes em tratamento de internação para desintoxicação do álcool.

Constatou-se também, que a quantidade de álcool consumida pelos participantes antes do início do tratamento era extremamente alta, consistindo em uma média semanal de aproximadamente 200 unidades internacionais de álcool. Ao estabelecer índices relativos às quantidades alcoólicas de risco, Laranjeira e Pinsky (1997) referem que a ingestão de mais de 50 unidades de álcool por semana é considerada de alto risco para saúde, o que demonstra que os participantes participantes da presente pesquisa ingeriram, em média, aproximadamente quatro vezes a quantidade de álcool considerada de alto risco. Estes dados são coerentes com o fato desta amostra ser predominantemente composta de participantes com dependência ao álcool considerada grave, e auxilia na constatação do perfil da amostra quanto à gravidade da dependência à substância.

Um estudo de base populacional utilizou o ponto de corte para definir consumo abusivo de álcool como sendo o uso de 21 unidades internacionais de álcool por semana. Esta pesquisa encontrou uma prevalência de 14,3% para abuso de bebida alcoólica na população adulta residente na zona urbana da cidade de Pelotas (Costa & cols., 2004). A quantidade de álcool ingerida pelos participantes do presente estudo, na primeira avaliação, foi cerca de 200 unidades internacionais de álcool por semana, bastante superior à medida utilizada para definir um padrão de consumo abusivo.

Durante os três meses seguintes à intervenção motivacional, mais de 60% dos participantes da pesquisa se mantiveram em abstinência, e dentre os participantes que ingeriram bebidas alcoólicas neste período, a diminuição da quantidade de dias e da quantidade de álcool consumida foi claramente inferior. Isto tem importantes implicações para a indicação e eleição de abordagens terapêuticas para o tratamento do alcoolismo. Em um estudo realizado por Moyer, Finney, Swearingen e Vergun (2002), que consistiu em revisão meta-analítica de 54 trabalhos controlados que visavam avaliar intervenções breves no tratamento do alcoolismo, foi encontrado que as intervenções breves foram mais efetivas quando os participantes mais severamente afetados pelo álcool foram excluídos. O presente estudo não corrobora este dado, demonstrando que uma intervenção grupal breve e dirigida, baseada em devolução e aconselhamento (Miller & Rollnick, 1991), pode ser benéfica mesmo para populações mais severamente prejudicadas pelo álcool.

Um estudo longitudinal demonstrou que o tratamento motivacional em grupo, quando comparado a intervenções individuais, apresenta melhores índices de participação em grupos de apoio (Alcoólicos Anônimos, por exemplo) nos 6 meses seguintes a intervenção grupal (John, Veltrup, Driessen, Wetterling & Dilling, 2003), o que pode ter sido também um fator terapêutico inerente à intervenção reportada aqui.

Apesar de ainda ser necessário desenvolver mais resultados quantitativos quanto à utilidade da Entrevista Motivacional em grupo para alcoolistas, outros trabalhos também mostram que ela pode ser útil para o tratamento de outras dependências (Foote, Deluca, Magura, Warner, Grand, Rosenblum & Stahl, 1999; Laranjeira, Almeida & Jungerman, 2000; Lincourt, Kuettel & Bombardier, 2002), ou para pacientes com comorbidades mais sérias (Van Horn & Bux, 2001; Ana, Wulfert & Nietert, 2007). É essencial que em pesquisas futuras se avaliem diferentes formatos de grupo, verificando-se as vantagens de utilizar-se maior número de sessões ou estratégias terapêuticas grupais diferentes.

Esta abordagem se mostrou também muito vantajosa no presente estudo ao ser observada quanto a alguns aspectos qualitativos. Como foi exposto anteriormente, a Entrevista Motivacional possui uma série de princípios e técnicas para aumentar a motivação e a adesão do paciente ao tratamento. O efeito disto foi claro nas reações dos participantes participantes do grupo, pois estes criaram um vínculo seguro com o terapeuta e com os outros participantes do grupo. Eles referiam sentir-se à vontade para falar sobre o álcool, pois percebiam que seriam facilmente compreendidos sem serem confrontados. Referiam também que o resultado de testes e exames era algo “muito importante” e “muito interessante”, e que isto lhes proporcionava uma idéia muito melhor sobre a quantidade de álcool que eles ingeriam e sobre os prejuízos que isso acarretava em seu estado de saúde geral. Estes aspectos são importantes indicadores das vantagens terapêuticas proporcionadas por esta técnica.

 

Conclusão

Poucos são os artigos sobre a aplicação da Entrevista Motivacional em grupo com alcoolistas. A partir do presente estudo, foi possível aplicar e identificar esta intervenção breve como um instrumento adequado no tratamento em grupo para dependentes de álcool. Avaliados antes e após do atendimento grupal, os participantes reduziram os dias de consumo e a quantidade de álcool consumida nos dias em que beberam quando avaliados depois da intervenção. A observação destes dados, e a descrição da estrutura adaptada para o contexto grupal de alcoolistas internados, apresentam a Entrevista Motivacional aplicada a esta realidade, viabilizando redução dos custos.

As limitações deste estudo devem servir de diretrizes para o aprimoramento de futuras pesquisas que adotem ampliação de amostra e inclusão de grupo controle.

Os achados apresentados neste artigo demonstram a importância de se estudar abordagens terapêuticas promissoras, como a Entrevista Motivacional, e de explorar-se as possibilidades que as mesmas oferecem para o tratamento de diferentes populações em diferentes realidades sócio-econômicas. As vantagens econômicas e os aspectos terapêuticos inerentes ao trabalho em grupo, reforçadas pelos resultados promissores gerados pela sua associação à Entrevista Motivacional, fazem desta uma opção segura para o tratamento de pacientes dependentes de álcool.

 

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Endereço para correspondência
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS)
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Grupo de Pesquisa Avaliação e Atendimento em Psicoterapia Cognitiva
prédio 11 – 9º andar – sala 932. Avenida Ipiranga, 6681
CEP 90619-900 – Porto Alegre – RS – Brasil
E-mail: marga@pucrs.br

Enviado em Janeiro de 2009
Revisado em Abril de 2009
Aceite final em Maio de 2009
Publicado em Dezembro de 2009

 

 

I Nota dos autores:O presente trabalho é originário da dissertação de mestrado intitulada “A Entrevista Motivacional em Grupo no Tratamento de Alcoolistas”, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Antônio Jaeger, Psicólogo, Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), FAPSI ,Centro de Dependência Química (CDQUIM), unidade do Hospital Parque Belém. Margareth da Silva Oliveira, Psicóloga Clínica, doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP/EPM. Pós-Doutorado na University of Maryland - Baltimore County – UMBC. Professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: marga@pucrs.br. Suzana Dias Freire, Psicóloga, Especialista em Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais pela UNISINOS, Mestranda em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: supsicologia@gmail.com.

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