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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.17 no.1 Ribeirão Preto  2009

 

ARTIGOS

 

Registros históricos do Conselho de Psicologia da sétima região (CRP-07) no período da ditadura no Brasil

 

Registries of the history of Conselho Regional de Psicologia of the seventh region (CRP-07) in the period of the military dictatorship in Brazil

 

 

Helena ScarparoI; Jeanice da Cunha OzorioII

IPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Brasil
IIPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O texto relata resultados de uma investigação acerca da criação do Conselho Regional de Psicologia da sétima região, em 1974, na vigência da Ditadura Militar no Brasil. Através das análises de depoimentos de ex-conselheiros, do exame de documentos e da análise de imagens, foi possível compreender estratégias de instalação e gestão do CRP-07 no que se refere ao contexto histórico, à consecução de espaços formais para a profissão, às lutas coletivas e às preocupações com a formação em Psicologia. A partir da análise dessas estratégias se constatam ambigüidades da sociedade brasileira quanto à vida política do País, nas diferentes etapas do processo do golpe civil-militar. As peculiaridades históricas e políticas deste período favorecem reflexões acerca da profissão, especialmente no que se refere aos lugares sociais e políticos por ela ocupados desde sua oficialização, em 1962.

Palavras-chave: História da Psicologia no Brasil, Golpe civil-militar, CRP-07.


ABSTRACT

The text informs results of an investigation about the Regional Psychology Board institution of the seventh region (CRP-07), in 1974, in the context of the military dictatorship in Brazil. Through the analysis of ex-councilors narratives and through documents and images examination it was possible to comprehend strategies of the installation and management of the CRP-07 referring to the historical context, to the achievement of formal spaces to the profession, to the collective struggle and to the preoccupations with the professional development in Psychology. The historical and political peculiarities of this period, favors reflections about the profession especially concerning the social places it has occupied since it has been considered official, in 1962.

Keywords: History of psychology in Brazil, Civil-military dictatorship, CRP-07.


 

 

O texto que segue é o relato dos resultados de um estudo acerca das especificidades da criação do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul da sétima região (CRP-07). Tal estudo foi realizado em parceria com o referido Conselho e é parte de um projeto do Grupo de Pesquisa "Psicologia e Políticas Sociais: Memória, História e Produção do presente", do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). O projeto citado busca compreender movimentos referentes à Psicologia no Estado, no que tange aos processos de construção dos conhecimentos e das práticas que a conformaram, num período em que o livre pensar encontrava-se severamente reprimido. Trata-se da ditadura civil-militar que ocorreu no Brasil de 1964 até meados da década de oitenta do século XX.

O trabalho justifica-se pela necessidade de destacar as especificidades históricas e políticas da Psicologia e seus efeitos. Para tanto, é preciso questionar seus silêncios e o que eles guardam, a exemplo do que manifestou Perrot (1998) em seus escritos sobre o feminino. Algumas atribuições e as práticas da Psicologia têm promovido espaços de compreensão e representação da área nos quais ela tem sido relegada ao plano do não-dito, do latente, do inconsciente e das entrelinhas. Nesse caso, lacunas e silêncios marcam as histórias de certos fazeres o que se traduz, no mais das vezes, em explicações simplórias e reproduções das atribuições convencionais, num mundo complexo. Nesses casos, espera-se da Psicologia pensamentos lineares e ajustes de comportamentos ou sentimentos, em padrões previamente concebidos. Todas as particularidades devem estar configuradas ao padrão esperado psi: texto, verbo, interpretações, explicações. O mito de Procustro1 se reedita, na adequação a escalas de inteligência, atitudes e habilidades, sem considerar modos de vida distantes do cotidiano de cada território político e cultural. No caso do Brasil, nos anos da ditadura, as práticas psicológicas contribuíram para calar o grito dos injuriados, a indignação dos desrespeitados e o livre pensar.

A consolidação de uma profissão resulta de inúmeras relações sociais que derivaram prescrições identitárias. Assim, é relevante que as reflexões sobre a Psicologia considerem a incidência de aspectos histórico-sociais (Figueiredo, 2005) para compreender movimentos que engendraram as especificidades dos fazeres associados à área. Nesse sentido, a conjunção de um momento político conturbado e os esforços de regulamentação profissional marcaram as práticas psicológicas, os lugares sociais ocupados pela profissão (Scarparo, 2005). Essas questões traduzem preocupações do CRP-07 que tem, dentre suas atribuições, a de criar, ampliar e qualificar o diálogo com a categoria e com a sociedade, mantendo canais e espaços permanentes e diversificados de comunicação (CRP-07, 2009).

Em 2006, o CRP-07 adquiriu uma nova sede e instalou-se nela. A gestão de então tinha, dentre suas metas, a disponibilização de espaços de conforto, circulação e interlocução, em uma sede que favorecesse o diálogo entre diferentes construções de fazeres psicológicos no decorrer dos 44 anos de oficialização da profissão. A mudança do espaço físico fez com que documentos e referências da história de constituição desta instituição tivessem maior visibilidade, o que contribuiu para a criação do Grupo de Trabalho (GT) de História da Psicologia. Tal grupo foi constituído por conselheiros do CRP-07, funcionários e psicólogos que desejassem participar. Uma das tarefas desenvolvidas foi a coleta de depoimentos dos primeiros gestores do Conselho Regional para registro e posterior apoio a estudos e discussões referentes aos processos de construção da Psicologia. Tais objetivos coincidiam com os trabalhos de pesquisa em História da Psicologia, por nós desenvolvidos na Universidade, o que promoveu a articulação entre a academia e o referido GT.

Associaram-se ao exame dos depoimentos análises de imagens e de documentos. Tais materiais provieram do acervo do CRP-07 e de coleções organizadas por alguns participantes. A articulação desses materiais resultou na explicitação da experiência de participar dos movimentos de oficialização da profissão, a partir de 1974. Finalmente, a partir de depoimentos, documentos e imagens tecemos significados sobre as ações das pessoas, acerca de instituições e de práticas sociais no campo da Psicologia. Um breve relato dos procedimentos metodológicos escolhidos e os resultados das análises efetivadas são apresentados a seguir.

 

Caminhos escolhidos para construir essa história

Para realização desta investigação, buscamos analisar percursos da Psicologia no Estado através da voz de seus protagonistas e dos registros contidos em documentos e imagens. A pesquisa, então, reuniu variadas perspectivas que favorecem reflexões sobre a constituição das experiências em foco e abrem possibilidades de expandir a compreensão de sentidos que pautaram a história e atravessaram as escolhas que a configuraram.

Os depoimentos coletados eram de ex-conselheiros e/ou protagonistas de eventos relevantes para a criação do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul. Os participantes contaram, em linguagem informal e cotidiana, suas vivências, percepções e versões sobre o tema investigado (Bauer & Jochelovitch, 2002).

Dentre o material coletado, encontram-se entrevistas inéditas e outras recolhidas anteriormente para outros estudos relacionados ao tema (Scarparo, 2005; Scarparo, Moraes & Almeida, 2007). Cabe destacar a realização de encontros entre os integrantes de cada gestão estudada. Tais reuniões aconteciam na sede do CRP-07, onde se oferecia um coquetel para um momento de reencontro e, posteriormente, organizava-se uma reunião em que os participantes narravam suas lembranças dos tempos em que assumiram o lugar de conselheiros dos psicólogos do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Foram realizados, então, quatro encontros desse tipo cujos depoimentos foram filmados e transcritos para posterior análise, de acordo com as indicações de Bauer e Jovchelovitch, (2002) e Scarparo (2008). Cabe ressaltar que a pesquisa foi aprovada pelo Comite de ética da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e que todos os participantes assinaram um "Termo de Consentimento Livre e Esclarecido" acerca do uso dos dados coletados.

Concomitante à coleta dos depoimentos, efetivou-se o levantamento do acervo documental e fotográfico do CRP-07. Tal acervo tem sido organizado por datas e é parte do memorial construído e disponibilizado para a categoria pelo Conselho. O referido espaço conta com documentos oficiais (atas de sessões plenárias, cartas oficiais, ofícios e circulares) e coleções fotográficas atinentes a eventos promovidos nas diferentes gestões do CRP-07. Esse trabalho é efetivado pelo Grupo de Trabalho em História da Psicologia (GT de História do CRP-07) e pelo grupo de Pesquisa "Psicologia e Políticas Sociais - Memória, História e produção do presente", da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, no sentido de favorecer espaços de discussão e compreensão da construção da Psicologia no Estado.

Os documentos foram organizados tendo em vista sua origem, seus objetivos, sua autoria e a época de sua elaboração. O conjunto das análises na sua verticalidade (cada documento) e horizontalidade (relação entre os documentos e demais dados coletados) trouxe subsídios para uma compreensão das circunstâncias de constituição do CRP-07.

As coletas e exames das imagens tinham como objetivo revelar o potencial de análise da articulação entre material, simbólico e contextos presentes em fotografias (Hernandez & Scarparo, 2008). Além do acervo do CRP-07, também nos foram disponibilizadas fotografias de coleções dos diversos participantes da pesquisa. As análises foram feitas de acordo com as indicações para pesquisas com imagens paradas de Barthes (1984) e Penn (2002). Conforme esses autores, as imagens sugerem sentidos indissociáveis do plano contextual do qual emergiram. Assim, analisamos a dimensão fotográfica sob duas óticas: uma dada, óbvia, explícita e outra que está por trás, que se origina das mobilizações provocadas pela imagem. A esses planos Barthes (1984) denominou "studium" e "punctum", respectivamente.

O exame de documentos associado às narrativas, assim como às imagens examinadas, resultou na escolha de três grandes temas para abordar as práticas das quatro gestões examinadas: o contexto histórico que envolvia as experiências, as estratégias para consecução de espaços formais para a criação do CRP-07 e as lutas coletivas que caracterizavam a profissão e a formação na área. Passamos a descrevê-los a seguir.

Contexto histórico: experiências na e da política brasileira

O contexto histórico de repressão política parece ter sido decisivo na articulação dos modos de instituir oficialmente a Psicologia. Como sabemos, a regulamentação da profissão aconteceu em 1962, (Brasil, 1962, 1964) na antevéspera do Golpe Militar no Brasil e o Conselho Federal de Psicologia (CFP) só foi instituído quase 10 anos depois (Brasil, 1971). Além disso, foi somente em 1974 que foi instalado oficialmente o CRP-07.

Os conselheiros da primeira gestão, em sua maioria, não se descreveram como alvos de ameaças, pressões ou controle diretos. Mesmo assim, a análise dos arquivos documentais flagrou um "Registro de Publicação" emitido pela Divisão de Censura de Diversões Públicas do Departamento de Polícia Federal em 17/09/1975. Tal documento cadastrava naquela divisão o Boletim Informativo a ser elaborado e divulgado pelo Conselho para a categoria.

Como disseram as psicólogas Clarice Averbuck e Inúbia Duarte em depoimento para estudo anterior, havia um processo de assimilação do sistema que fazia com que a maioria dos profissionais e estudantes da época não se envolvesse diretamente com as questões políticas referentes à ditadura (Scarparo, 2005).

A ata de instalação desse Conselho Regional, do dia 27 de agosto de 1974, relata a presença significativa de militares na cerimônia de instalação desse órgão. Podemos citar como exemplo, o Comandante do III Exército, o representante do Comandante da III Região Militar e o representante do Comandante Geral da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul. Tais presenças traduzem o contexto político da época, no qual era considerado importante manter um relacionamento amistoso com as autoridades militares. Esta lógica também esteve presente na narrativa do conselheiro representante dos gaúchos em nível federal, Francisco Pedro de Souza, quando abordou estratégias para organização do Conselho Federal de Psicologia. Disse que, para a instalação do CFP, foram usadas "estratégias aprendidas" com a absorção da lógica do Governo Militar: começou "por cima", contando com a participação de pessoas "ilustres e credenciadas" junto ao grupo dos militares, pois não se permitia "uma voz que viesse de baixo".

Quanto ao CRP-07, a conquista da oficialidade parece ter contribuído para a delimitação de territórios de maior proteção e mobilidade. A partir da instalação do Conselho, era menos arriscado empreender ações para o fortalecimento da identidade profissional e do sentimento de pertença a essa jovem categoria profissional. Assim, como também mostram os documentos examinados, foi possível cadastrar os profissionais, fazer o levantamento das especificidades de suas práticas, reunir e representar psicólogos na esfera pública, além de divulgar as possibilidades da profissão.

A segunda gestão [1977-1980] nasceu de uma estratégia de oposição política à situação. Tratou-se da primeira gestão eleita pelos psicólogos, já que a primeira foi constituída a partir de convites. O grupo de conselheiros recém-eleito priorizou a discussão da elaboração de um código de ética, de um sindicato e de ações de orientação para a categoria. Nesta gestão, efetivou-se a contratação formal de um fiscal e cogitou-se instauração da Casa do Psicólogo, um espaço profissional e de convivência. As expressões usadas pelos conselheiros para descrever o contexto vivido demarcam a intensidade dos processos que viviam. Referiram a "dureza" em "fazer existir" a Psicologia no Estado, pois tentativas de criar entidades de referência social podiam ser "complicadas". Lembram que adotavam "estratégias subterrâneas" de mobilização da categoria como telefonemas e envio de cartas.

Os integrantes da terceira gestão [1981-1984] referiram que se tratava de uma época muito difícil quanto à construção da identidade profissional. Dulce Cordioli lembrou que discutiam "madrugada adentro" questões relativas à profissão e que havia esforços contínuos para manter canais de comunicação com os psicólogos e estimular sua participação. Alguns integrantes dessa gestão afirmaram que, nas suas práticas, não era dada ênfase nas "questões políticas" o que atribuíram à juventude dos psicólogos e à recente oficialização do Conselho. Ponderaram que posições políticas individuais não interferiam no trabalho e que as diferenças, quando havia, eram abandonadas no momento em que "botavam o pé na ante-sala do Conselho... Ali éramos conselheiros de todos os psicólogos..."

Em 1984, demonstrações de indignação e revolta do povo brasileiro denotavam o desgaste da Ditadura Militar. Era um período de intensa mobilização coletiva para transformação das circunstâncias políticas do País (Hernandez & Scarparo, 2007). Dificuldades e esperanças se imbricavam. Como disse o conselheiro da quarta gestão, Claudio Hutz:

Foi difícil eu acho, para todo mundo. Mas ainda assim havia expectativa e crença de que se poderia fazer alguma coisa que levaria a um crescimento, a um desenvolvimento, não em função da Psicologia, mas da sociedade ou da Psicologia atuando em benefício da sociedade. Era um período de muita esperança.

Nesse período, integrantes do CRP-07 decidiram manifestar sua adesão à campanha pelas eleições diretas para Presidente da República, expondo essa posição no Boletim Informativo de abril de 1984. Os documentos analisados demonstram que essa não era uma unanimidade na gestão. Uma das conselheiras, por carta, explicitou sua discordância e pediu renúncia de seu cargo. Seu argumento era de que "quando uma representação de classe começa a agir à revelia da lei e sem consulta a seus representantes, estabelece uma situação que se configura como abuso de poder".

De acordo com os depoimentos coletados, esse episódio causou estranhamento nos integrantes da gestão, o que faz pensar que o contexto de abertura política que se iniciava não era percebido como esperança de um mundo melhor por todos os integrantes do plenário. Um dos conselheiros participantes do presente estudo assim se manifestou: "...e o maior choque (...) é que uma das conselheiras pediu demissão (...) Era uma conselheira antiga, e pediu demissão do Conselho por discordar da postura do Conselho, que era favorável".

O plenário, na sessão correspondente àquele período, aceitou o pedido de exoneração e decidiu enviar correspondência à conselheira, na qual fazia o contraponto dos argumentos por ela utilizados. Segundo essa carta, tratava-se da ação de um órgão de representação de uma categoria profissional frente à grave crise da nação brasileira. Como se constata nos depoimentos, a conquista dos direitos de cidadania passava a ser tema dos debates e ações no Conselho: "com a prática nas nossas atividades, a gente trabalhou num p onto de vista de cidadania quanto às Diretas Já".

Nessa perspectiva, uma ata de outubro de 1984, refere o relato da participação em uma reunião organizada pela inter zonal do Partido do Movimento Democrático Brasileiro de Porto Alegre. Este partido propunha a participação de entidades representativas da sociedade civil organizada em um seminário no qual se produziria subsídios nas áreas da saúde, habitação, educação e cultura, para a elaboração do plano de governo de Tancredo Neves. O Plenário aprovou a participação por unanimidade e designou como representantes do CRP-07 as conselheiras Beatriz Schmitt e Nara Bernardes.

Ações em parceria com outras categorias profissionais são freqüentemente registradas nos documentos e imagens examinados. Um dos temas mais freqüentes para tal associação era a abertura política, quando, na fala de um dos conselheiros entrevistados, entidades de classe, principalmente coordenadas pela Ordem dos Advogados do Brasil trabalhavam a questão do movimento pelas eleições diretas.

O material examinado revela também que, em 1985, o CRP-07 participou do lançamento do Movimento Gaúcho pela Constituinte, num ato público na Assembléia Legislativa no dia 17/06/85. Associado a esse Movimento está o relato do conselheiro da segunda gestão, Nedio Seminotti, acerca do uso do Psicodrama como instrumento para estimular a participação no processo constituinte. Lembrou que realizaram diversos encontros nos quais se estabelecia uma dramatização, um "como se" de um Congresso Constituinte para posterior debate com os participantes. Recordou de, pelo menos, dois eventos como esse em Porto Alegre: um no Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul e o outro com o público que estava visitando a Feira do Livro de Porto Alegre. Ressaltou que a primeira dramatização teve a participação de "quase uma centena de pessoas". Contou que o trabalho desenvolvido na Feira do Livro contou com a colaboração de Leônidas Xausa, um advogado que era, também, suplente de senador, na época. Esse fazia um discurso a respeito do processo constituinte e, no final, convidava as pessoas para uma experiência psicodramática na sala de teatro localizada na sede dos Correios e Telégrafos. Acrescentou que essa experiência foi replicada em Brasília, Recife e em Salvador e considerou ter sido esta uma experiência politicamente relevante.

As narrativas, os documentos e os registros fotográficos evidenciaram que o contexto político de repressão impulsionou e limitou as práticas coletivas, num complexo processo de interação social através do qual se organizaram estratégias de emancipação política apoiadas na esperança de conquistar relações mais democráticas.

 

Estratégias de consecução de espaços formais para a criação do CRP-07

Uma das primeiras articulações, logo após a inauguração do CRP-07, foi buscar um espaço físico para a constituição da sede na qual se efetivariam os projetos e rotinas de organização da Psicologia como profissão oficialmente respaldada. O empenho para consecução desse intento era tal que, nas narrativas, documentos e imagens examinadas esse foi tema recorrente. Na ata do dia 21/09/1974, referente à primeira reunião do CRP-07, na sala da Comissão de Educação e Cultura da Assembléia Legislativa do RS, há o registro dos debates quanto à busca de locais para a sede. Consta que o então diretor do Instituto de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)- Prof. Dr. Ir. Pedro Finkler - disponibilizou uma sala no Centro Psicotécnico daquela Universidade para servir de sede provisória da secretaria do CRP-07. Entretanto, na ata do dia 26 de outubro, o então presidente, Cícero Vaz, fez a leitura dos ofícios do Ministro e do Delegado Regional do Trabalho, assim como do Secretário do Trabalho e Ação Social, comunicando a disponibilização ao CRP do espaço físico da Fundação Gaúcha do Trabalho. No depoimento de um dos conselheiros participantes encontramos a descrição desta experiência:

Resolvemos procurar o Secretario do Trabalho, do qual conseguimos uma sala bastante grande (...) na galeria da Fundação Gaúcha do Trabalho, (...) uma sala no térreo, que não tinha parede, era toda gradeada. Conseguimos fechar um cubículo para ali trabalhar, sem estar atrapalhando a vista de quem transitava na galeria.

Para equipar esta sala também lançaram mão de empréstimos como nos revela o depoimento abaixo:

Tudo era emprestado da Sociedade de Psicologia, o Hermes que era secretário (...) pegou uns armários da PUCRS, (...) e começamos. Abrimos as inscrições, foi entrando, foi entrando devagarzinho um dinheirinho (...) e, lá pelas tantas, a gente estava contando com algum dinheiro para comprar pelo menos os papéis (...) a imprensa, a comunicação para os colegas.

O sonho de uma sede própria era constante. Na primeira gestão, ele foi acrescido da idéia da Casa do Psicólogo um espaço para congregar profissionais e entidades de Psicologia, fortalecendo, assim, a integração da categoria. Tal sugestão, conforme a ata correspondente, surgiu numa Assembléia Geral Ordinária e resultou na organização de uma comissão para tratar do assunto.

A aquisição definitiva da sede aconteceu no decorrer da terceira gestão, pois, segundo Nédio Seminotti, a tramitação ultrapassou o período correspondente à segunda gestão da qual ele participava:

Quando nós saímos, até a comissão de compra da nova sede já estava constituída e tinha olhado alguns locais, mas não deu tempo... Para Suely Teitelbaum a compra foi um desafio enfrentado com muita coragem: Compramos nossa primeira sede (...)e aquilo deu assim, um impulso, inclusive em relação a própria identidade profissional, nós tínhamos uma casa também, nós éramos profissionais.

As imagens do momento da inauguração e as narrativas relativas a esse tema evidenciaram a importância dada ao fato pelos conselheiros, funcionários e demais envolvidos. Os registros fotográficos do momento da inauguração denotam a importância dada ao momento: além do cuidado com a indumentária e os convites a instituições influentes da sociedade da época, transparecia nos semblantes dos presentes a alegria pela possibilidade de ver cumprida essa etapa, que significava, mais do que um espaço físico, o fortalecimento do sentimento de pertença a uma categoria profissional em expansão. Além do número expressivo de participantes na comemoração e do cuidado com os detalhes para um ritual de inauguração, era evidente a emoção das pessoas que presenciavam a conquista da ampliação de possibilidades de encontro entre psicólogos, apesar das restrições aos direitos civis que caracterizava aqueles tempos.

As lutas coletivas na busca de autonomia

Como já mencionado acima, uma das primeiras lutas dos conselheiros recém-empossados, em 1974, foi a instalação da sede e o empenho em organizá-la. Tal esforço dirigia-se à necessidade de confirmar lugares sociais de relevância para a profissão. Como lembra Francisco Pedro de Souza: "este lado institucional foi mais um movimento assim, como eu diria, de entusiasmo natural pelo espaço que se abria, a gente sentia que era uma profissão que estava em alta demanda". Tal demanda implicou interlocuções coniventes com os espaços conquistados tanto no que toca às demais entidades vinculadas à Psicologia como a outras instituições sociais.

O contato direto com o CFP foi considerado apoio para dar os primeiros passos para o cumprimento das exigências oficiais de manutenção de um Conselho Regional. Em 1975, os representantes regionais se reuniram com o CFP para desenvolver Regimentos Internos dos Conselhos. A pauta dessa reunião descrevia a intenção do CFP de respeitar, dentro do possível, a autonomia e o espaço de cada regional. Francisco Pedro de Souza descreve essa época como sendo de primeiras negociações:

É como se fizesse uma coalizão, para que fosse possível atender às necessidades dos regionais e, ao mesmo tempo, os critérios do Federal, que tivesse o poder de vetar alguma coisa que não estivesse bem, mas não fazer o contrário.

Neste início de instauração havia grande esforço por parte dos representantes dos três estados que formavam o CRP-07 para estar presentes nas reuniões e participar das decisões, o que é exemplificado pela fala de Cícero Vaz: "tínhamos colegas que vinham de fora (...) esses colegas vinham e pagavam passagem; os que moravam aqui tinham hospedagem em casa de família, tudo bem, mas os que não tinham hospedagem pagavam com o próprio bolso".

Acrescentou que: "Ninguém nunca cobrou ressarcimento e a diretoria também deixou passar porque era uma espécie de contribuição, de solidariedade a uma classe".

Um ano após a fundação do CRP-07, os psicólogos paranaenses, através da Conselheira Pórcia Alves, começaram a sustentar a idéia de criação de um Conselho Regional próprio. Em setembro desse ano, a Associação Profissional dos Psicólogos do Paraná, encaminhou ao CFP uma carta na qual se posicionava favorável ao referido desmembramento. Nesse documento foi destacado o grande contingente de excelentes psicólogos radicados no Paraná e foram apontadas dificuldades causadas especialmente pela distancia geográfica da sede. Podemos citar como exemplos a falta de entrosamento e o não-atendimento aos interesses dos associados do Paraná citadas pelos depoentes. O Conselho Federal de Psicologia - de acordo com parecer do conselheiro Osvaldo de Barros Santos - foi contrário ao desmembramento. O argumento era de que se deveria evitar a dispersão dos Conselhos Regionais. Ponderou que os problemas de comunicação, de trânsito e de fiscalização também existiam em outras regiões e que o desmembramento poderia acarretar problemas orçamentários tanto para o CFP quanto para o CRP-07. Decidido em apoiar a demanda dos psicólogos paranaenses, os integrantes do CRP-07 produziram uma resposta ao CFP, através do parecer de autoria do conselheiro Aristeu Vieira da Silva. Neste parecer, se argumentava existir no Rio Grande do Sul e Santa Catarina um número suficiente de profissionais para garantir autonomia e que a criação do Conselho no Paraná facilitaria o atendimento diário, com boa qualidade aos psicólogos lá radicados. Em ata da reunião plenária desse período, consta a leitura pela conselheira Suely Teitelbaum do parecer final do CFP sobre o tema. Nesse, era indicada a nomeação de uma comissão que organizasse um plano de desmembramento e instalação do novo Conselho Regional. Apesar disso, os documentos analisados registram a inauguração, em 1976, de uma subsecretaria executiva do CRP-07 no Paraná, o que prolongou o antigo vínculo com o CRP-07 até 1979, quando com 495 profissionais, passou a ter jurisdição naquele estado (CPPPR, 2009).

O desmembramento de Santa Catarina teve início no decorrer da terceira gestão. Conforme os depoimentos, um dos objetivos desse grupo foi a aproximação da classe e o acirramento das atividades referentes à orientação, à ética e à fiscalização do exercício profissional. A partir de então, foram implantadas representações setoriais, em caráter experimental. Dessas, duas localizavam-se em Santa Catarina e seis, no Rio Grande do Sul. Dulce Cordioli narrou esse processo e destacou que "com base nas universidades ou associações, (...) foram instituídos grupos de colegas, que fomentavam o trabalho do Conselho, em nível de fiscalização, de ética nas suas regiões".

Entretanto, havia opiniões divergentes entre os psicólogos catarinenses quanto ao desmembramento. Dulce Cordioli revelou que um dos empecilhos a este processo foi de cunho geográfico:

O pessoal lá de Lajes não quis o desmembramento porque a sede deles seria em Florianópolis e, para eles, (...) era mais difícil ir a Florianópolis do que vir ao Rio Grande do Sul... e mais barato também (...) outra razão (...) foi que havia um grupo lá do Vale do Itajaí bastante grande (...) e outro grupo com a universidade em Florianópolis, (...) os dois queriam a primazia da sede.

Em função disso, não houve o desmembramento naquele momento e ficou conciliado que os psicólogos formariam grupos de estudos e, assim, amadureceriam estratégias para emancipação. Apesar do empenho descrito para integração dos profissionais atuantes em Santa Catarina, em ata de reunião de diretoria desse período, foi mencionado não ter sido possível designar representantes das setoriais em Santa Catarina por falta de quorum na reunião destinada para tal finalidade. Sendo assim, foram indicadas algumas pessoas para mobilizar os psicólogos a comparecerem à reunião. Como lembra Berenice do Canto:

E aí começaram a se articular bastante para que houvesse um fortalecimento dos representantes e para que elas fossem fomentadoras da formação dos grupos, da manutenção do grupo e da articulação entre eles e aí depois a separação se deu.

Outra temática que emergiu no material coletado é a constituição do Sindicato dos Psicólogos do Rio Grande do Sul. Segundo o ex-conselheiro Ney Medeiros, foi "mais lá na Sociedade que se configurou essa mentalidade de se arrumar os órgãos de representação". Entretanto, a primeira marca de historicidade desse processo é uma ata de uma Assembléia geral dos psicólogos inscritos para aprovação da anuidade de 1976. Nesta assembléia, alguns dos presentes consideraram as taxas muito caras se comparadas aos salários dos psicólogos. Com isso, o presidente Cícero Vaz alegou que o salário era de competência do Sindicato, devendo os próprios psicólogos empreender esforços para a criação do mesmo. Teve assim início um árduo e lento processo de reuniões, debates e negociações do qual participaram a Sociedade de Psicologia, o Conselho de Psicologia e os psicólogos do Hospital Psiquiátrico São Pedro. Elma Kristensen revelou que se tratou de uma difícil conquista devido ao contexto da época: Referiu que este era um dos objetivos primordiais da gestão da qual fez parte e que as dificuldades enfrentadas deviam-se ao contexto ditatorial da época. Para ela, a oficialização do Sindicato traria maior força política para a categoria, o que não condizia com os propósitos da Ditadura. Acreditando que referida entidade traria benefícios para a classe, os conselheiros se dispuseram a ajudar na divulgação e documentação necessária, além de conseguir o apoio de autoridades para facilitar o processo. Em 1980, os Conselheiros Ney Medeiros e Suely Brunstein, que integravam uma comissão Pró-Sindicato junto com representantes da Sociedade de Psicologia do RS e da Associação Profissional dos Psicólogos, relataram o desempenho da Comissão e o andamento do processo em Brasília, demonstrando o empenho de inúmeros conselheiros direcionado a tal feito. Essa fase é exemplificada por Ney Medeiros: "para nós conseguirmos a carta de autorização do sindicato, nós tínhamos que apresentar mais de 80 % de assinaturas dos psicólogos inscritos no Conselho. Então, cada um foi com uma lista".

Elma Kristensen também rememora essa época: "ninguém podia falar, só tínhamos que conseguir... Cada um de nós se comprometeu de convencer o maior número de colegas pra participar de uma votação para isso".

A Carta Sindical foi conquistada no ano de 1980 e conforme lembrança de Sueli Brunstein: "Esse foi um movimento armado todo, suado".

Dentre as movimentações e lutas do CRP-07, também se destaca o repúdio ao Projeto -Lei nº 2726/80 do Deputado Salvador Julianelli. Este projeto tirava a autonomia dos profissionais da saúde, pois afirmava que, qualquer decisão de tratamento no campo da saúde deveria ser precedida pela avaliação médica, o que retirava a liberdade, a valorização e a credibilidade dos profissionais não-médicos. De acordo com Nara Bernardes: "era submeter essas categorias profissionais chamadas de paramédicas, a direção dos médicos".

Esse movimento contou com a participação de diversos conselhos federais e regionais da área da saúde e o mobilizaram-se profissionais e estudantes das diversas áreas afetadas. Como afirmou Nara Bernardes: "como existia um inimigo comum, então era mais fácil de agregar". Como decorrência, facilmente se estabeleceram parcerias, principalmente com os representantes dos órgãos de classe da enfermagem, Psicologia, fisioterapia e terapia ocupacional, nutrição, assistência social, medicina veterinária, odontologia, especialistas em educação física e farmacêuticos, dentre outras. Conforme as palavras de Nédio Seminotti, se tratou-se de "uma luta de grande alcance, uma luta que eu queria marcar..."

Esses profissionais encaminharam um documento ao deputado Lélio Souza, evidenciando as falhas no Projeto. Dentre essas, destacaram a perda das conquistas já angariadas pelas categorias que subscreviam o documento. Nesse sentido, reivindicavam a retirada do projeto ou, caso fosse apreciado, sua rejeição. Segundo os depoimentos, o Projeto foi interrompido devidà pressão e apelo aos deputados da época, que receberam inúmeros telegramas solicitando o abortamento do Projeto.

Existem, ainda, registros de lutas coletivas relativas à equiparação da Psicologia com outras categorias profissionais, à possibilidade de inserção das consultas de psicólogos na declaração do imposto sobre a renda e à discussão sobre a qualidade da formação profissional que passaremos a descrever a seguir.

 

A formação na área

A preocupação com a formação foi tema recorrente de todas as gestões estudadas. Com a criação do Conselho houve mobilizações na universidade no sentido de ressaltar a importância da inscrição dos recém-formados. Muitas publicações eram veiculadas nos jornais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Essas informavam os procedimentos para realizar a inscrição. Até o final do ano de 1974, o número de psicólogos inscritos totalizava 120.

Em 1975, em uma reunião com o CFP para elaboração dos regimentos internos, foi sugerida pelos conselheiros do CRP-07:propor ao Conselho Federal de Educação que, nas disciplinas profissionalizantes do curso de Psicologia, os professores fossem psicólogos. Nédio Seminotti lembrou que o plenário concluiu que, naquele momento, não se justificava impedir professores de notório saber de ministrar suas aulas pelo fato de não ser psicólogos. Decidiram, então, estimular a capacitação de psicólogos para, mais tarde assumir essas funções.

Por volta de 1976 já se atentava para a quantidade de universidades que estavam criando cursos de Psicologia e se estimava o número de profissionais disponíveis no mercado a médio e longo prazo. Destaca-se uma entrevista do então presidente do CFP, Arthur de Mattos Saldanha, publicada no jornal Diário do Paraná. Nessa, explicou que os cursos de Psicologia apoiavam-se num currículo de 1962, e já não atendiam às necessidades do presente. O mesmo material revelou que o Departamento de Assuntos Universitários do Ministério da Educação, após ter recebido estudos do Conselho Federal de Psicologia, designaria uma comissão para a elaboração de uma proposta curricular.

As questões relativas à formação contribuíram para a articulação do Código de Ética dos Psicólogos. Com o número crescente de profissionais, ficaram freqüentes reclamações e consultas acerca das suas condutas, o que foi decisivo para estimular as discussões sobre a confecção de um "regulamento de ética". A Conselheira Juracy Marques foi membro da comissão que passou a debater esse tema. Afirmou:

"A tentativa de fazer um código de ética e o regulamento de aplicação de questões éticas na Psicologia nos ocupou bastante, mais nos bastidores do que propriamente nas reuniões". Juracy afirmou ainda que o constrangimento de julgar e punir colegas, descritos por ela como "mais poderosos", impedia avanços na formalização das questões éticas; por isso, passaram a valorizar as práticas de orientação, sem deixar de atentar para a elaboração do referido Código. Essa temática foi destaque no discurso de posse da Segunda gestão, no qual Edela de Souza, então presidente, afirmou que buscaria enfatizar a orientação e o assessoramento da categoria. O primeiro Código de Ética formal da categoria foi concluído e lançado em 1975 (Martins Pereira & Pereira Neto, 2003).

Dentre os dados coletados sobre esse assunto, destacamos que, em 1981, o professor de Ética, no Curso de Psicologia da Universidade Católica de Pelotas, sugeriu que o Conselho fornecesse exemplares do Código aos Cursos de Psicologia da região, para consulta e exame na academia. Desta sugestão abriu-se a discussão sobre possibilidades de estabelecer interlocuções sobre esse tema com nos cursos de Psicologia. O plenário definiu, então que os Boletins Informativos do CRP, endereçados a todos os psicólogos e aos Diretórios e/ou Centros Acadêmicos das Universidades, deveriam divulgar seus planos de Ética e Fiscalização no sentido de divulgar o trabalho e ampliar o debate sobre o tema. Também foi sugerido ao CFP que editasse e distribuísse nas Universidades do Brasil o Código de Ética a todos os estudantes de Psicologia. Esse processo de interlocução sobre a ética com a academia teve um ponto alto quando, em 1982, ocorreu o 1º Encontro com os professores de Ética Profissional dos cursos de Psicologia, nos níveis graduação e pós-graduação, das universidades do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.

Outra questão relevante relativa à formação foi a instauração da Comissão de Supervisão Acadêmica, que se iniciou em 1985 e foi coordenada pela psicóloga Ítala Maria de Puga. O andamento dos trabalhos mostrou a necessidade da formação do supervisor em Psicologia. Esta idéia foi levada e discutida com a Comissão de Supervisão do CFP, o que também manifestava preocupação com as necessidades e os caminhos que o ensino da Psicologia estava tomando. Mais tarde, o Instituto de Psicologia da PUCRS, disponibilizou o Curso de Especialização em Supervisão, que teve entre seus docentes a psicóloga Terezinha Lins de Albuquerque, oriunda do Rio de Janeiro (Schroeder & Faustino, 1991).

Os dados acima expostos denotam, no decorrer das quatro gestões examinadas, a relevância de discutir a formação como mais um espaço de reflexão sobre a profissão, suas lutas, incertezas e conquistas. As falas e documentos atinentes a esse tema denotam projetos profissionais e expectativas de construir práticas profissionais justificadas pelos critérios de excelência de cada sujeito construtor da Psicologia daquele período.

 

Considerações finais

Empreender esforços em registrar processos marcados pela historicidade, a partir de diferentes fontes, implica se embrenhar nas diversas possibilidades do perceber humano. Optamos, neste estudo, pelas análises mediadas pelo diálogo; assim, diversas vozes, de diferentes tempos, possibilitaram acesso a outros universos de interações, na medida em que avançava a coleta de dados. Nessa caminhada, temos encontrado maneiras peculiares de imaginar e descrever os acontecimentos que constituíam o foco desse estudo.

As gestões estudadas coincidiram no desejo de fortalecer e visibilizar a psicologia como profissão. As diferenças podem ser atribuídas à diversidade de posicionamentos e intencionalidades quanto aos contextos históricos e políticos experimentados em cada período. Na primeira gestão, ficou evidente o esforço por instaurar o Conselho regional e conferir-lhe o status da oficialidade. Isso se evidenciou na organização da sede, no empenho em inscrever os profissionais e organizar espaços formais para a categoria. A segunda gestão mostrou a necessidade de transformar a feição política do Conselho e traduziu o desejo da categoria no sentido de explicitar contraposições e favorecer espaços de discussão e incentivo à consciência e à participação política. Na terceira e na quarta gestão, o momento político propiciava busca de maior autonomia na consolidação dos projetos que vinham se delineando: a aquisição de uma sede própria, os debates quanto à ética e à formação e, acima de tudo, a esperança de participar do processo de redemocratização do País.

Especificidades pessoais, sócio-culturais, políticas e econômicas permearam nossos modos de historicizar a oficialização da Psicologia no Brasil. As fontes com as quais contatamos produziram sentidos atravessados por fatores extralingüísticos. Ao examiná-las, consideramos relevante refletir sobre quem falava e a quem esses sujeitos dirigiam sua fala (Certeau, 1982). Tal exercício brindou-nos com o espaço de participação na construção das memórias produzidas, transformando as circunstâncias da autoria. Ou seja, além de ouvintes atentos, estávamos escolhendo prioridades no conjunto de conteúdos coletados e atribuindo sentidos ao que foi dito, escrito ou fotografado.

Desse modo, as informações acima expostas só terão sentido na medida em que o texto produzido for concebido como um interlocutor. Acreditamos que, assim, poderemos evitar cristalizações temáticas tão comuns em estudos acadêmicos. Então, a presente sessão pode ser considerada um convite à reflexão sobre as condições e efeitos da constituição do Conselho Regional de Psicologia da Sétima Região.

Primeiramente, convém ressaltar que se tratou, sobretudo, da constituição de um espaço explicitamente político, em tempos de repressão à vida civil. É evidente, no material coletado, a pregnância desse contexto nas imagens carregadas de uniformes militares, nas relações ambíguas, nas falas cuidadosas e nos documentos que, quando não eram explícitos, deixavam transparecer a consideração das circunstâncias de viver em tempos de ditadura.

Sem mencionar as intencionalidades de cada protagonista desse processo histórico, a opção pela política inaugura-se com a iniciativa de instalar oficialmente um órgão de classe, o que ampliou as possibilidades de diálogo e inserção social para a profissão.

Ao mesmo tempo, efetivar e a manter essa experiência revelou algumas necessidades coletivas e as encaminhou, num momento em que a Psicologia era configurada a partir da importação de teorias e práticas voltadas para o individualismo e para a adaptação a padrões abstratos de ser e de viver (Scarparo, 2005). Podemos afirmar, então, que apesar das contradições e ambigüidades evidentes no material analisado, houve processos políticos caracterizados pela capacidade de ação e pela disposição de transformar (Arendt, 1997).

Esses processos transcenderam os limites institucionais na medida em que favoreceram questionamentos, denotaram disposição para inovar e modificaram as relações da categoria com a sociedade. Finalmente, o exame global do material pesquisado e as reflexões advindas dos inúmeros contatos com esse conteúdo, apontam para a urgência de ampliar e aprofundar espaços de reflexão sobre os lugares oficiais engendrados pela Psicologia e seus efeitos como práticas sociais. Nas últimas quatro décadas, a Psicologia tem ampliado seus espaços de oficialidade no Brasil para além da regulamentação da profissão e da instalação do Sistema Conselhos. Conquistamos lugares de destaque na academia, inauguramos e pertencemos a associações científicas, assumimos cargos de gestão nas políticas sociais e temos sido chamados a posicionar-nos frente aos diversos fenômenos que caracterizam a vida do tempo presente. Esta ampliação de lugares e responsabilidades sociais implica o exercício cotidiano de compreender o âmbito social dos tempos em que vivemos e nele intevir politicamente. Ou seja, implica criticar e criar fazeres atentos aos movimentos da vida no planeta. Implica, ainda, considerar a diversidade com posturas dialógicas e, a partir de então, abandonar lógicas lineares, unidisciplinares e acríticas. Trata-se de um convite a ocupar o lugar dos personagens em torno dos quais se constroem as tramas que delineiam as histórias da Psicologia.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Helena Scarparo
Av. Ipiranga, 6681, Prédio 11, Sala 929. Partenon
Porto Alegre, RS. CEP: 90619-900
E-mail: scarparo@pucrs.br

Enviado em Fevereiro de 2009
Revisado em Janeiro de 2010
Aceite final Abril de 2010
Publicado em Junho de 2010

 

 

Nota das autoras:

Profa. Dra. Helena Scarparo - PPG da Faculdade de Psicologia da PUCRS. Jeanice da Cunha Ozorio - Acadêmica do Curso de Graduação da Faculdade de Psicologia da PUCRS.

 

 

A pesquisa da qual se originou o presente artigo teve apoio financeiro do CNPq e contou com uma bolsa de iniciação científica da FAPERGS. Além disso, teve o respaldo do Grupo de Trabalho de História, do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul. Cabe ressaltar que esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de ética da PUCRS e que todos os participantes assinaram termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando plenamente com a publicação dos dados coletados. Agradecemos, especialmente, a colaboração da Profa. Dra. Aline Hernandez na realização deste trabalho.
Trabalho apresentado no Simpósio da ANPEPP - 2008, no GT de História da Psicologia.
1 Procusto, na mitologia grega, foi um bandido que recebia viajantes em sua casa e os torturava. Para tal forçava-os a se deitar num leito e buscava ajustar o prisioneiro ao seu tamanho. "Cortava as pernas dos que se excediam na medida e, por meio de cordas, esticava os que não a atingiam" (Abrão & Coscodai, 2000, p. 253).

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