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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.17 no.2 Ribeirão Preto  2009

 

DOSSIÊ "PSICOLOGIA, VIOLÊNCIA E O DEBATE ENTRE SABERES"

 

O cuidado na educação contra a violência na primeira infância

 

Care in education against violence in early childhood

 

 

Marie Claire Sekkel

Universidade de São Paulo - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo desse trabalho é discutir a importância do cuidado na perspectiva de uma educação contra a violência, especialmente na primeira infância, e também ao longo da vida. Alguns pontos serão colocados em destaque: as concepções de cuidado nas práticas educativas, que são variadas e contraditórias; a necessidade de abertura à experiência com o outro; a consideração de que o cuidado nas relações com as crianças coloca em questão a prioridade deste junto aos professores e outros profissionais da educação infantil; a relação do eixo educar/cuidar com a concepção de educação inclusiva.

Palavras-chave: Cuidado, Educação infantil, Violência.


ABSTRACT

The aim of this study is to discuss the importance of care in the perspective of education against violence, especially in early childhood, as well as all life long. Some of the main points are: the conceptions of care in educational practice, which are variable and contradictory; the need of opening to the experience with the other; consideration that the care in relation to children questions the priority of it in junction with professors and other professionals of childhood education; the relation between the axis to educate/to care with the conception of inclusive education.

Keywords: Care, Childhood education, Violence.


 

 

No Brasil, a criança pequena adquiriu o status de cidadã com a Constituição de 1988, mas foi somente no século XXI, muito recentemente portanto, que as creches e pré-escolas foram retiradas da Assistência Social e passaram a integrar a primeira etapa da Educação Básica. Esse movimento veio acompanhado de mudanças importantes na concepção de criança e de educação. A creche passa a ser entendida como um direito das crianças e estas, por sua vez, começam a ter suas competências reconhecidas. A infância deixa de ser concebida como preparação para a vida adulta e busca-se entendê-la em sua especificidade. O compromisso do Estado com a educação da criança pequena trouxe consigo a proposta de articulação entre educação e cuidado. A idéia de cuidado é nova no âmbito educacional e evidencia a importância do reconhecimento das necessidades das crianças. A violência existe quando esse reconhecimento não está presente e, nesse sentido, o cuidado se opõe a ela.

A questão da violência relacionada à educação das crianças se inscreve em muitos casos entre ações historicamente aceitas no âmbito das instituições de guarda e cuidados ligadas à infância. Trata-se de violência sutil, muitas vezes invisível ao olhar despreparado, cuja gravidade escapa ao juízo de uma sociedade na qual se encontra naturalizada. Ao longo de muitos anos, nossa cultura assimilou a idéia de que bater, infringir castigos, intimidar com o olhar, mandar calar as crianças, etc., são meios adequados de educar. Essas ações evidenciam a desigualdade presente nas relações entre adultos e crianças. A humilhação aparece com várias roupagens: o pai que "olha feio", o professor que expõe os erros dos alunos, os castigos em público, entre outros, e, segundo La Taille (2002), há ainda certa tolerância social para com este tipo de violência. A frieza, forma de violência que se manifesta como indiferença diante do sofrimento do outro, é um aprendizado social que tem início na infância. É preciso, pois, produzir um estranhamento com relação a esses modos de agir e de sentir aprendidos e presentes em nosso cotidiano, a fim de possibilitar a tomada de consciência necessária à mudança. É importante destacar que educar contra a violência é muito diferente de educar para a paz, pois esta busca uma situação idealizada e apela a valores universais, deixando de colocar o foco sobre as formas concretas como a violência se manifesta nas relações sociais.

Afirmei acima que o cuidado se opõe à violência, mas em nosso senso comum está presente a ideia do cuidado como vigilância e atenção com o corpo. O cuidar do bebê é muitas vezes reduzido a ações assistenciais como dar banho, dar de mamar, trocar as fraldas, evitar que se machuque e pôr pra dormir, passíveis de serem realizadas com indiferença e desprovidas do olhar cuidador. Essa concepção restringe o cuidado à dimensão física e vem muitas vezes acompanhada de dizeres como "não pegue a criança no colo para ela não ficar mimada", "deixe que chore até cansar", entre outras. Para poder pensar sobre a importância do cuidado na educação, cabe primeiro buscar o entendimento sobre o que é o cuidado.

No Dicionário (Houaiss & Villar, 2001) (2001) encontram-se, entre outras, as seguintes definições: "s.m. 7 atenção especial (leu com cuidado) 8 comportamento vigilante, precavido; inquietação, preocupação (adoecera, mas não inspirava cuidados)".

Dentre os sentidos apontados, a concepção de atenção merece destaque. Esse entendimento dialoga com aquele manifestado por Boff (1999), segundo o qual o cuidado "representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro" (p.33). O cuidado se traduz na abertura e reconhecimento das necessidades do outro, o que requer atenção. É importante frisar que reconhecer as necessidades não significa necessariamente atendê-las, pois tal realização pode não estar ao alcance por diversos motivos. No entanto, a doação de atenção e o ato de escutar com aceitação, é em si mesmo uma forma de cuidado.

Convém recorrer ainda a outras fontes, a fim de aprofundar o entendimento sobre o cuidado. A ideia do cuidado já estava presente na Roma Antiga, há 2000 anos, quando Higino fez constar "A fábula-mito do cuidado", em seu livro de Fábulas (apud Boff, 1999):

Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro. Logo teve uma ideia inspirada. Tomou um pouco de barro e começou a dar-lhe forma. Enquanto contemplava o que havia feito, apareceu Júpiter.

Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele. O que Júpiter fez de bom grado.

Quando, porém Cuidado quis dar um nome à criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu. Exigiu que fosse imposto o seu nome.

Enquanto Júpiter e o Cuidado discutiam, surgiu, de repente, a Terra. Quis também ela conferir o seu nome à criatura, pois fora feita de barro, material do corpo da terra. Originou-se então uma discussão generalizada.

De comum acordo pediram a Saturno que funcionasse como árbitro. Este tomou a seguinte decisão que pareceu justa:

"Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de volta este espírito por ocasião da morte dessa criatura.

Você, Terra, deu-lhe o corpo; receberá, portanto, também de volta o seu corpo quando essa criatura morrer.

Mas como você, Cuidado, foi quem, por primeiro, moldou a criatura, ficará sob seus cuidados enquanto ela viver.

E uma vez que entre vocês há acalorada discussão acerca do nome, decido eu: esta criatura será chamada Homem, isto é, feita de húmus, que significa terra fértil".

A fábula nos conta que é o cuidado que dá forma à criatura, que é corpo e é espírito, e se torna responsável por ela enquanto viver. É interessante ressaltar como as dimensões de corpo e espírito presentes no cuidado são ambas igualmente valorizadas. É o cuidado que humaniza e dá o contorno humano. Em nossa sociedade capitalista, competitiva, na qual a frieza perpassa as relações humanas, não é de estranhar que o modo de entender o cuidado tenha ficado reduzido ao cuidado com o corpo, negando sua dimensão espiritual.

Entendendo o cuidado como atenção e reconhecimento das necessidades - próprias e do outro - cabe destacar ainda a importância de compartilhar essas necessidades, sem o que elas não poderão ser percebidas. O conto "Angustia", de Tchekov (1999), fala sobre essa busca de compartilhamento e a coloca como uma necessidade vital. Iona é um cocheiro pobre e velho que busca no trabalho numa noite de neve, além do dinheiro necessário à sobrevivência, algum alento para a morte do filho. A cada oportunidade que se apresenta, Iona tenta compartilhar a dor que lhe vai na alma. Ele precisa que alguém o ouça, e ele precisa falar. Depois de várias tentativas infrutíferas de falar aos fregueses e mesmo a outras pessoas que encontrou na rua aquela noite sobre a morte do filho, Iona resolve voltar para casa.

Iona olha para os que dormem, coça a cabeça e lamenta haver voltado tão cedo para casa...
"Não ganhei nem para a aveia", pensa.
"Daí essa angústia. Uma pessoa que conhece o ofício... que está bem alimentada e tem o cavalo bem nutrido também, está sempre calma..."
Num dos cantos, levanta-se um jovem cocheiro, funga, sonolento, e arrasta-se para o balde d'água.
- Ficou com sede? - pergunta Iona.
- Com sede, sim!
- Bem... Que lhe faça proveito... Pois é, irmão, e eu perdi um filho... Está ouvindo? Foi esta semana, no hospital...
Que coisa!
Iona procura ver o efeito que causaram suas palavras, mas não vê nada. O jovem se cobriu até a cabeça e já está dormindo. O velho suspira e se coça... Assim como o jovem quis beber, assim ele quer falar. Vai fazer uma semana que lhe morreu o filho e ele ainda não conversou com alguém sobre aquilo... É preciso falar com método, lentamente...
(...)
Veste-se e vai para a cocheira, onde está o seu cavalo. Iona pensa sobre a aveia, o feno, o tempo... Estando sozinho, não pode pensar no filho... Pode-se falar sobre ele com alguém, mas pensar nele sozinho, desenhar mentalmente sua imagem, dá um medo insuportável...
- Está mastigando? Pergunta Iona ao cavalo, vendo seus olhos brilhantes. - Ora, mastiga, mastiga... Se não ganhamos para a aveia, vamos comer feno... Sim... Já estou velho para trabalhar de cocheiro... O filho é que deveria trabalhar, não eu... Era um cocheiro de verdade... Só faltou viver mais...
Iona permanece algum tempo em silêncio e prossegue:
- Assim é, irmão, minha eguinha... Não existe mais Kuzmá Iônitch... Foi-se embora para o outro mundo... Morreu assim, por nada... Agora, vamos dizer, você tem um potrinho, que é teu filho... E, de repente, vamos dizer, esse mesmo potrinho vai para o outro mundo... Dá pena, não é verdade?
O cavalinho vai mastigando, escuta e sopra na mão de seu amo... Iona anima-se e conta-lhe tudo. (Tchekov, 1999, p.137)

O conto expressa a dificuldade e a importância do compartilhamento de experiências como uma necessidade vital, tal qual beber água. Conta de situações em que, para conseguir entrar em contato consigo mesmo, é preciso a presença e a ajuda do outro. Isso pode acontecer em muitas situações diante das quais nos sentimos ameaçados: na hora do parto, de enfrentar uma cirurgia, o medo de avião, a morte de alguém querido etc. Expor-se diante de si mesmo, entrar em contato com a própria fragilidade, dor, medo etc., não é tarefa fácil, embora necessária. Iona sente a necessidade de compartilhar sua dor ao mesmo tempo em que se dá conta do medo insuportável de falar do filho estando sozinho; o cuidado de que necessita é que alguém o escute, mas a barreira da indiferença impede seu contato com o outro de diferentes formas: a pressa, o barulho, o sono, entre outras.

Muitas ações repetidas de forma irrefletida nos mantêm alienados e alheios ao outro, perpassados pela frieza. A tomada de consciência com relação a esses modos de pensar, sentir e agir cristalizados é fundamental para que possamos refletir e mudá-los intencionalmente. O mais importante é ser capaz de produzir um estranhamento nos modelos habituais de pensar, sentir e agir e proceder a uma autorreflexão crítica, abrindo-se à experiência com o outro. Não se trata de incentivar o amor e a compreensão entre as pessoas, mas de combater a indiferença diante do sofrimento alheio. Isso significa olhar para a violência presente entre nós. Como diz Adorno (1995): "o primeiro passo seria ajudar a frieza a adquirir consciência de si própria, das razões pelas quais foi gerada" (p.136).

Podemos reconhecer essa abertura à experiência no narrador descrito por Walter Benjamin (1993), que "retira da própria experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes" (p. 201). Esse movimento exige que o narrador se exponha, pois aquilo que conta é inseparável de sua própria experiência: "Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade é contá-la inteira" (p. 221, grifo do autor).

Contar sua vida é, sem dúvida, expor-se, e nessa qualidade de inteireza encontra-se um ponto fundamental: não se trata tão somente de rememorar o vivido. As recordações são vivas e podem propiciar a redescoberta do presente. Essa intensidade viva indica a qualidade de inteireza. Trata-se de um movimento sobre o qual o narrador não tem controle, mas ao qual se entrega, revelando-se a si mesmo e ao outro. E é na relação com o outro que essas recordações podem ser suscitadas.

A experiência representa a oportunidade de viver o presente, e obriga ao enfrentamento de nossas defesas e dos medos que subjazem a elas. É importante destacar que a concepção de experiência aqui utilizada não se refere àquela presente no senso comum a que se refere Benjamin (2002): "(...) depois vem a grande 'experiência', anos de compromisso, pobreza de ideias, lassidão. Assim é a vida, dizem os adultos, eles já experimentaram isso" (p.22). A ideia de experiência aqui empregada está intimamente associada à consciência da realidade, como aponta Adorno (1995):

Mas aquilo que caracteriza propriamente a consciência é o pensar em relação à realidade, ao conteúdo - a relação entre as formas e estruturas de pensamento do sujeito e aquilo que este não é. Este sentido mais profundo de consciência ou faculdade de pensar não é apenas o desenvolvimento lógico formal, mas ele corresponde literalmente à capacidade de fazer experiências. (p.151)

Os estereótipos, fornecidos pela cultura, impedem a experiência com aquele que querem representar, servindo às atitudes preconceituosas e à discriminação. O preconceito guarda sempre um desconhecimento em relação àquele que é o seu alvo, e impede a experiência com este (Amaral, 1998). Abrir mão das formas enrijecidas de relacionamento com o outro é um processo que tem início com a tomada de consciência sobre esse modo de agir e exige o enfrentamento dos sentimentos e a reflexão sobre as crenças e valores a eles subjacentes. O cuidado, como visto anteriormente, requer a atenção, que pressupõe a abertura à experiência com o outro, a qual não pode prescindir da atenção para consigo, inspirada em muitos casos pela experiência com o outro. Pelas duas vias: a superação de ações cristalizadas e o cuidado - consigo mesmo e com o outro - a abertura à experiência é fundamental.

Levando esse entendimento para o ambiente escolar, podemos pensar que a abertura à experiência não é um pré-requisito, mas algo que deverá ser alcançado no exercício da prática educativa. Esse entendimento parte do princípio de que na sociedade atual a frieza atinge a todos (Adorno, 1995), o que coloca a questão da aceitação. É previsível que qualquer profissional da educação aja de forma irrefletida e em contradição com os princípios e valores assumidos coletivamente na escola, sem ter consciência disso. Se tal contradição puder ser apontada por outro (algum colega de trabalho) a partir de situações concretas, sem ser tomada como falha pessoal, poderá se converter numa oportunidade de desenvolvimento. Por outro lado, se tal ação for tomada (apenas) como um erro pessoal, isso poderá levar à fragilização diante do olhar do outro, que se converte em ameaça, o que pode ter como consequência a necessidade de fortalecimento das defesas.

A ameaça produz formas de exclusão muitas vezes difíceis de serem identificadas, que levam a evitar ou a agir defensivamente em situações nas quais as nossas fragilidades apareçam. Muitas ameaças têm origem na cultura, gerando nos indivíduos a necessidade de defesa. O preconceito é uma defesa contra esse sentimento de ameaça. E é por ser defesa psicológica contra ameaças reais ou imaginárias, que a atitude preconceituosa resiste à mudança e à abertura para a experiência, constituindo-se em barreira atitudinal, difícil de ser superada em todos os âmbitos em que se manifeste (Amaral, 1998; Amaral, 1995; Crochík, 2006).

Vivemos atualmente numa sociedade na qual a violência é o maior problema social a ser enfrentado. A escola não estará isenta de reproduzir a violência presente na sociedade, mas é possível trabalhar no sentido de fortalecer o cuidado nas relações. A educação escolar inclusiva visa a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem, bem como das relações que se dão no universo escolar. Os processos inclusivos podem se fortalecer com a criação de condições nas quais os valores sejam postos em discussão a partir das situações concretas, de modo a buscar o seu entendimento a partir dessas situações e não pressupor uma compreensão universal a respeito deles. Isso pode contribuir para diminuir o sentimento de ameaça, criando um ambiente institucional mais seguro. É importante que uma escola inclusiva fortaleça as articulações entre seus atores, de modo a permitir o compartilhamento das experiências nos vários âmbitos institucionais, sem perder de vista a importância da construção de um coletivo no qual as diferenças possam ser aprendidas e passem a coexistir em condições de igualdade. Esse entendimento se aproxima do conceito de ambiente escolar inclusivo, como sendo

(...) aquele que tem uma articulação coletiva e uma ação comprometida com o reconhecimento e busca da satisfação das necessidades de cada um, a qual se inscreve no âmbito da construção de uma sociedade verdadeiramente humana, em que as pessoas possam se diferenciar e se desenvolver em busca de felicidade (Sekkel, 2003, p.162).

Essa compreensão amplia o foco da discussão sobre a forma de inclusão de crianças com deficiência em creches e pré-escolas regulares, incluindo também os outros atores que participam do processo educacional: crianças, professores, profissionais de apoio, equipe técnica, pais e comunidade. A participação, a documentação do processo pedagógico, o respeito mútuo, a atenção com a memória institucional e com o reconhecimento das contribuições de cada um, são alguns pontos fundamentais a considerar. A construção da memória institucional a partir da experiência de seus vários atores é um aprendizado fundamental. Se a escola não retém na memória institucional as marcas daqueles que ali passaram toma-os por descartáveis em fluxo contínuo de substituição.

A Educação Infantil inaugura a presença do cuidado no âmbito da educação nacional. O cuidado com a criança pequena poderá iluminar a necessidade de cuidar de seus cuidadores, fortalecendo a cultura do cuidado nas relações humanas. É importante pensar as diferenças e potencialidades de cada nível de ensino, a fim de possibilitar um investimento mais efetivo na mudança social. Nesse sentido, a Educação Infantil parece ser um lugar e um momento cuja importância merece destaque para os propósitos da educação inclusiva. Os objetivos amplos, descritos na LDB 9.394/96:

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. (Lei n. 9.394/96)

Além disso, a Educação Infantil não tem caráter obrigatório, nem objetivos de promoção para o acesso ao Ensino Fundamental. Assim, ela se caracteriza como uma etapa mais livre e menos sujeita às pressões das expectativas de desempenho (o que não significa que ela esteja livre dessas expectativas). Somando-se a essas características, é importante considerar que é na faixa etária de 0 a 6 anos que se estabelecem as bases da formação do caráter, o que é determinante na formação de atitudes (Freud, 2003). Adorno (1995) enfatizou a importância da educação das crianças no sentido de impedir que Auschwitz se repita, tomando por base os conhecimentos da psicanálise. Podemos supor que, se houver a oportunidade de convívio entre crianças normais e aquelas significativamente diferentes - do ponto de vista social, econômico, físico, religioso etc. - num ambiente de cuidado e em condições de igualdade, essas experiências fortalecerão a predisposição de abertura ao diferente ao longo da vida.

 

Referências

Adorno, T. W. (1995). Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra.         [ Links ]

Amaral, L. A. (1995). Conhecendo a deficiência (em companhia de Hércules). São Paulo: Robe editorial.         [ Links ]

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Boff, L. (1999). Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

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Endereço para correspondência:
Marie Claire Sekkel
Avenida Professor Mello Moraes, 1721
CEP.: 05508-900. São Paulo, SP
E-mail: sekkel@usp.br

Enviado em Novembro de 2009
Aceite em Janeiro de 2010
Publicado em Outubro de 2010

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