SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.17 número2Aviso de incêndioReorganização de classes de estímulos equivalentes: uma revisão crítica de estudos experimentais índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Temas em Psicologia

versión impresa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.17 no.2 Ribeirão Preto  2009

 

ARTIGOS

 

Correspondência verbal: um panorama nacional e internacional das publicações

 

Verbal correspondence: an overview of national and international publications

 

 

Amanda Muglia Wechsler; Vera Lúcia Adami Raposo do Amaral

Pontifícia Universidade Católica de Campinas - SP - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Correspondência verbal pode ser definida como a relação entre o comportamento verbal e o não verbal de um indivíduo. O objetivo deste estudo foi realizar um levantamento, em periódicos nacionais e internacionais, com o tema de correspondência verbal, no período de 1960 a 2008. Foram pesquisadas palavras-chave que se relacionassem com o tema de correspondência verbal, nas bases de dados eletrônicas: Indexpsi, Psychinfo, Scielo, Bireme, Lilacs, JABA e JEAB. Foram encontradas 60 publicações relacionadas ao tema, sendo 93,33% internacionais e 6,66% brasileiras. Conclui-se que a produção sobre o tema ainda é muito escassa, principalmente no Brasil. Apesar disso, há grande variedade de delineamentos metodológicos, o que possibilita entender melhor o fenômeno da correspondência verbal.

Palavras-chave: Comportamento operante, Comportamento verbal, Correspondência verbal, Estado da arte, Dizer e fazer.


ABSTRACT

Verbal correspondence can be defined as the relation between the verbal and the non-verbal behavior of an individual. This study aimed to do a survey, in national and international journals related to verbal correspondence, from 1960 to 2008. The key-words related to the subject of verbal correspondence, researched in the following electronic databases were: Indexpsi, Psychinfo, Scielo, Bireme, Lilacs, JABA and JEAB. It was found 60 publications related to the theme, 93,33% of them were international and 6,66 brazilian. It is concluded that the production on the subject is still very scarce in Brazil. However, there is a great variety of methodologies, which facilitates to understand the phenomenon of the verbal correspondence.

Keywords: Operant behavior, Verbal behavior, Verbal correspondence, State of the art, Say and do.


 

 

Correspondência verbal pode ser definida como a relação entre o comportamento verbal e o não verbal de um indivíduo (Matthews, Shimoff, & Catania, 1987; Paniagua & Baer, 1982). Para se entender como ocorre essa relação, faz-se necessária uma retomada dos conceitos de comportamento operante e de comportamento verbal.

O comportamento verbal é um tipo de comportamento operante e, portanto, regido pelas mesmas leis que regem o comportamento não verbal, sendo estabelecido e mantido pela tríplice contingência (Skinner, 1957/1978). A tríplice contingência é importante para se analisar o comportamento operante, pois analisa as relações organismo-ambiente (Matos, 1999). Assim, o comportamento operante é definido pelos três termos da tríplice contingência: antecedentes, respostas e consequentes (Todorov, 2002). A contingência tríplice especifica a) os estímulos discriminativos que controlam o comportamento, b) a resposta do indivíduo que, se emitida na presença de tais estímulos, c) tem como consequência uma alteração ambiental que não ocorreria se a resposta fosse emitida na ausência desses estímulos discriminativos ou se a resposta não ocorresse (Todorov, 1985).

Desta forma, o comportamento operante (e, consequentemente, o comportamento verbal) envolve as respostas e suas consequências reforçadoras, que, por sua vez, fortalecem essas respostas e aumentam a probabilidade de nova ocorrência delas no futuro. Além disso, o operante envolve a ocorrência de respostas na presença de um determinado estímulo (Schick, 1971; Skinner 1957/ 1978; Skinner, 1990).

Porém, o comportamento verbal tem um aspecto importante que o distingue dos demais operantes, denominados comportamentos não verbais: a mediação de outras pessoas. Deste modo, o comportamento verbal seria modelado e mantido pelas consequências mediadoras, sendo reforçado pelo intermédio de outras pessoas (Skinner, 1957/ 1978).

A mera presença física de alguém, contudo, não é suficiente para que haja reforçamento do comportamento verbal do falante; é necessário que o ouvinte se comporte, reagindo ao comportamento do falante para reforçar seu comportamento e aumentar a probabilidade de que ele ocorra novamente. Ou seja, o comportamento do falante funciona como um estímulo discriminativo que pode controlar o comportamento do ouvinte e o comportamento do ouvinte pode reforçar o comportamento do falante. Portanto, o ouvinte desempenha um papel crucial, pois sem ele ou sem a comunidade verbal, o comportamento verbal não poderia ter sido adquirido (Skinner, 1957/ 1978).

Como qualquer outro operante, a ocorrência do operante verbal é mais ou menos provável dependendo dos estímulos discriminativos (Baum, 1998/1999). Assim, a comunidade verbal oferece determinada consequência para a resposta verbal de um indivíduo dependendo do fato da resposta ter sido emitida ou não na presença de determinado estímulo (Malerbi & Matos, 1992).

De acordo com estas definições, pode-se pensar na correspondência verbal como uma relação entre o comportamento verbal, mediado por outras pessoas, e o não verbal. Os dois tipos de comportamento interagem e, inclusive, o comportamento verbal atua na aquisição e manutenção dos comportamentos não verbais (Shimoff, 1986).

Os ditados "faça o que eu digo, não faça o que eu faço" e "falar é fácil, fazer é que é o difícil!" indicam um senso comum de uma baixa correlação entre o que uma pessoa diz e o que ela realmente faz. A mentira ou a falsa promessa geralmente são aversivas para o ouvinte e, por isso, a correspondência é um fenômeno social, já que a consequenciação do ouvinte irá afetar comportamentos futuros de correspondência do falante (Lloyd, 2002). A comunidade verbal mantém a correspondência entre o comportamento verbal e os eventos ambientais, porque somente quando o comportamento do falante for consistente é que ele fornece estímulos discriminativos para gerar um comportamento no ouvinte. Ao longo da vida do indivíduo, a comunidade testa intermitentemente a precisão de um relato sobre um evento. O que chamamos de verdade depende de como a comunidade verbal mantém as correspondências entre o comportamento verbal e o ambiente (Catania, 1998/ 1999).

Na medida em que a comunidade verbal estabelece contingências para gerar correspondências, podemos modificar o comportamento modelando o que si diz acerca de si mesmo (Jonas, 1995). Assim, se forem reforçados tanto o dizer, quanto a correspondência entre dizer e fazer, o fazer poderá ocorrer e o próprio comportamento verbal de cada um pode tornar-se eficaz como um estímulo instrucional (Catania, 1998/ 1999).

As pesquisas em correspondência utilizam-se de treino de correspondência, ou seja, uma técnica para estabelecer, manter, diminuir ou extinguir comportamentos não verbais através do controle do comportamento verbal (Karlan & Rusch, 1982). Os treinos de correspondência investigam a relação do controle dos estímulos antecedentes sobre a resposta verbal, visando alterar a relação entre uma resposta verbal e uma resposta não verbal (Lloyd, 2002; Sadi, 2002).

A correspondência pode ser entre dizer e fazer, entre fazer e dizer e entre dizer, fazer e dizer. No treino dizer-fazer, o reforço é liberado quando a pessoa verbaliza o comportamento não verbal futuro e depois o emite. No treino fazer-dizer, a pessoa emite um comportamento não verbal, depois fala sobre ele e aí o reforço é liberado (Beckert, 2005). Já no treino dizer-fazer-dizer, a pessoa promete, faz, relata e só aí o reforço é liberado.

Os estudos na área de correspondência verbal ainda diferenciam dois tipos de correspondência: correspondência positiva, quando o indivíduo diz que vai fazer (ou fez) algo e faz (ou fez) e a correspondência negativa, quando o indivíduo diz que não fará (ou não fez) algo e não o faz (ou não o fez). Já a não correspondência é definida pela existência de somente um dos comportamentos, seja o verbal ou o não verbal, ou seja, a pessoa diz e não faz ou faz e não diz (Karlan & Rusch, 1982).

O treino de correspondência tem a vantagem de aumentar e manter o comportamento não verbal alvo sem a necessidade de contínuo monitoramento e reforçamento, como ocorre com outros procedimentos comportamentais. Ele permite modificar inúmeros comportamentos sem uma ajuda direta, sem necessidade de supervisão, senão através do próprio repertório instrucional do indivíduo. Desta forma, o treino de correspondência pode ser considerado um procedimento de promoção de automanejo, autocontrole, independência e aderência. Além disso, outras vantagens do treino de correspondência é que ele é uma intervenção naturalística, eficiente e fácil de aplicar (Herruzo & Luciano, 1994; Hopman & Glynn, 1989; Karlan & Rusch, 1982; Williams & Stokes, 1982).

Descrever como anda a produção na área de correspondência verbal se faz importante porque se pode verificar quais são os pontos em que há necessidade de aprimoramento ou esclarecimento de seu funcionamento (metodologias, procedimentos etc.), para assim propor pesquisas que possam supri-los futuramente, além de fornecer respostas a alguns questionamentos de pesquisadores da área, por exemplo: que tipo de sequência é mais estudada e qual falta estudar? ou quais são os ambientes e populações mais estudados?, entre outros. A partir deste artigo, pretende-se visualizar como está o estado da área, ou seja, ver o que já foi feito e o que ainda está por fazer, quais são os pontos promissores para serem investigados na área, e quais são as áreas que têm questões para serem respondidas e merecem ser investigadas.

Assim sendo, o objetivo deste estudo foi realizar um levantamento, através de bases de dados disponíveis pela internet, de periódicos nacionais e internacionais que se relacionassem ao tema de correspondência verbal, com o intuito de traçar um panorama nacional e internacional das publicações neste tema.

 

Método

Fontes

Foram pesquisadas as seguintes palavras-chave, que se relacionavam com o tema de correspondência verbal: comportamento verbal, dizer, fazer, dizer e fazer, correspondência verbal e seus correlatos em inglês e espanhol. Estas palavras-chave foram pesquisadas nas seguintes bases de dados: Indexpsi, Psychinfo, Scielo, Bireme, Lilacs, e site do Journal of Applied Behavior Analysis e Journal of Experimental Analysis of Behavior. Estas bases de dados foram selecionadas por serem mais amplamente utilizadas e conhecidas e por, provavelmente, conterem artigos sobre o tema. Os periódicos Journal of Applied Behavior Analysis e Journal of Experimental Analysis of Behavior foram selecionados por serem os mais influentes na área da Análise do Comportamento.

A partir das palavras-chave acima citadas, foram selecionados os artigos que se relacionassem ao tema de correspondência verbal, ou seja, que relacionassem o comportamento verbal com o comportamento não verbal e tivessem como objetivo principal analisar o fenômeno da correspondência verbal.

Procedimento

Das publicações, tanto internacionais, quanto nacionais, foram selecionados apenas artigos, pela maior facilidade de serem encontrados. Somente foram selecionados artigos disponíveis na Internet na íntegra, de forma que fosse possível uma análise mais detalhada das publicações, visto que os resumos muitas vezes estão incompletos, não contendo todas as informações necessárias para a análise aqui proposta.

Dentre os artigos selecionados (que continham as palavras-chave acima citadas), estes foram agrupados para a análise aqui proposta considerando-se as seções de objetivos e método de tais artigos.

 

Resultados

A partir da busca realizada nas bases de dados eletrônicas, foram encontrados artigos com as palavras-chave acima descritas. Assim, os periódicos internacionais que continham tais artigos foram: Journal of Applied Behavior Analysis, Journal of Experimental Analysis of Behavior, The Analysis of Verbal Behavior, Behavior Research and Therapy, Acta Comportamentalia, Behavior Therapy, Behavioral Interventions, The Behavior Analyst, Behaviorism, Journal of Personality Assessment, Research in Developmental Disabilities, Child Development, Psychological Reports, Personality and Social Psychological Bulletin, Journal of Abnormal and Social Psychology, Child and Family Behavior Therapy, The Psychological Record, Journal of Experimental Child Psychology, Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry, Educational Psychology. Além disto, foram encontrados artigos relacionados ao tema em quatro periódicos nacionais: Psicologia Reflexão e Crítica, Psicologia Teoria e Pesquisa, Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva e Revista Brasileira de Análise do Comportamento.

As publicações encontradas estenderam-se desde 1960 até 2008. O critério para iniciar em 1960 foi que a primeira publicação encontrada, com a palavra-chave comportamento verbal, mostrando sua interação com o comportamento não verbal data de 1961.

A Tabela 1 apresenta o total de publicações em periódicos nacionais e internacionais por década.

 

 

De acordo com a Tabela 1, pode-se observar o grande número de publicações internacionais em contrate com o número reduzido de publicações brasileiras. As publicações internacionais representam 88,87% da produção total. Em todo o período, de 1960 a 2008, foram encontrados somente sete artigos brasileiros na área, enquanto que foram encontrados 56 artigos internacionais. Desta maneira, os artigos brasileiros representam 11,1% das produções na área de correspondência verbal.

Pode-se perceber, na Tabela 1, que houve maior produção internacional na década de 1980 e o número de publicações foi caindo com o passar dos anos. Quanto às pesquisas brasileiras, houve uma pequena retomada na década de 2000, porém, o número de publicações é muito pequeno para podermos dizer se houve ou não crescimento de produção. Portanto, parece que a tendência das publicações relacionadas ao tema de correspondência verbal é, de forma geral, de um decrescimento de produção.

Também foram pesquisados os delineamentos empregados nas publicações. 50,79% das pesquisas utilizou delineamento em grupo (demonstrando a percentagem de sujeitos no grupo que apresentaram correspondência) e 49,2% das investigações estudou o sujeito como seu próprio controle, algumas com estudos de caso e outras não.

Na Tabela 2, são apresentados os objetivos mais pesquisados pelas publicações e os tipos de pesquisas.

Verifica-se que a maior parte das publicações é de tipo experimental (65,05%) e outra parte, teórica (25,39%). As pesquisas descritivas tiveram uma parcela muito pequena, totalizando aproximadamente 9,52%. O objetivo mais frequente nas pesquisas foi a discussão teórica do fenômeno da correspondência verbal e suas metodologias, com 25,39%. Em segundo lugar, outro objetivo mais pesquisado foi a aplicação do treino de correspondência a comportamentos relevantes (como ler, iniciar socializações, elogiar etc.), com 20,63%. Finalmente, em terceiro lugar como objetivo mais pesquisado foi a verificação da influência do comportamento verbal sobre o não verbal (isto é, verificando se reforçando-se somente o comportamento verbal, emergiria o comportamento não verbal e vice-versa), com 17,46%.

Na Tabela 3, observa-se a diversidade de procedimentos empregados nas pesquisas.

Foram encontrados 18 tipos de procedimentos diferentes empregados nas pesquisas em correspondência verbal. O procedimento mais utilizado presente na Tabela 3 foi Linha de base - Reforçamento da Verbalização - Treino de Correspondência, com 14,89%. O procedimento que também se mostrou bastante presente, com 12,76% das publicações foi Linha de base - Reforçamento da Verbalização - Treino de Correspondência - Follow-up. Outros procedimentos que se mostraram mais presentes nas publicações, com igual percentagem para cada (10,63%) foram: Descrição da linha de base e Linha de base-Reforçamento da Verbalização - Treino de Correspondência - Linha de base. Outros procedimentos distintos foram utilizados em 24 publicações, totalizando 50,98% das publicações pesquisadas.

A Tabela 4 mostra as sequências utilizadas nos procedimentos das publicações, ou seja, que tipo de cadeia de correspondência verbal as publicações investigaram.

De acordo com a Tabela 4, a grande maioria das pesquisas está centrada na cadeia dizer-fazer (61,7%), em que se buscava investigar se ocorria a correspondência entre o que participante dizia o que iria fazer e fazia aquilo que disse que iria fazer. Em segundo lugar, a sequência mais empregada foi a Fazer-dizer, com 19,14%, em que se buscava observar se ocorria a correspondência na qual o participante faz e depois relata o que fez. A comparação das sequências Dizer-fazer vs. Fazer-dizer também foi empregada em 10,63% das pesquisas. E a sequência menos utilizada nas publicações foi a Dizer-fazer-dizer, com 8,51%, em que se procurava verificar se o participante dizia o que iria fazer, fazia e depois relatava o que havia feito.

Na Tabela 5, são apresentadas as amostras utilizadas e os contextos pesquisados.

Pode-se notar, na tabela acima, um grande número de pesquisas que utilizam como participantes crianças normais, com 28 estudos utilizando esta amostra, ou seja, 59,57% dos artigos encontrados. Em seguida, outra amostra bastante estudada foi a de adultos normais, com 8 estudos (17,02%) e as com crianças e adultos com deficiência mental, totalizando 3 publicações (6,38%) cada uma. Já a população de adolescentes parece não ser muito pesquisada, pois totaliza apenas 4,25% das publicações.

Quanto ao tipo de ambiente, a Tabela 5 evidencia que grande parte das pesquisas foi realizada em escolas (53,19%), seguida de laboratório (25,53%) e hospital geral (6,38%).

De maneira geral, os resultados mais importantes encontrados nos artigos pesquisados dizem respeito ao número de pesquisas em correspondência verbal, que vem decrescendo a partir dos anos de 1980, quando houve maior produção na área e quando se tentava explicar o fenômeno e as variáveis que poderiam facilitar ou dificultar a emergência do mesmo. Outro resultado interessante é o fato de que houve bastante pesquisa do tipo experimental (tanto utilizando grupos como sujeitos, como seu próprio controle), mas poucas pesquisas descritivas, e o objetivo mais frequente nas pesquisas foi a discussão teórica do fenômeno da correspondência verbal e suas metodologias. A população mais estudada foi a de crianças normais, utilizando como ambiente o contexto escolar. Finalmente, o procedimento mais utilizado nos artigos pesquisados foi linha de base-reforçamento da verbalização-treino de correspondência, investigando principalmente a cadeia dizer-fazer, na qual se busca verificar se o participante faria aquilo que disse que iria fazer.

 

Discussão

Diante dos resultados apresentados, percebe-se uma baixa produção científica na área de correspondência verbal, apesar de haver uma retomada das produções na década de 2000. Urge, então, mais pesquisas de modo geral na área, principalmente brasileiras, que sejam publicadas em periódicos científicos para que esta área possa ser melhor estudada. O fenômeno da correspondência verbal ainda é recente na literatura científica, considerando que o primeiro artigo sobre o tema data de 1961, e um maior investimento de pesquisas na área poderia melhorar o entendimento sobre o fenômeno.

Apesar de haver um grande número em publicações teóricas, estas ainda estão bem abaixo do número de publicações experimentais. Porém, se considerarmos que a área de Análise do Comportamento, em geral, está bem consolidada dentro da Psicologia, com produção teórica robusta, pode-se analisar teoricamente o grande número de pesquisas aplicadas sobre correspondência verbal, a partir dos conceitos da Análise do Comportamento.

As pesquisas experimentais ainda estão em número muito mais expressivo do que as descritivas. Um maior engajamento em pesquisas descritivas poderia ampliar a compreensão da área, já que estas pesquisas são fundamentais para entender de que forma o fenômeno ocorre, como ele ocorre, em que condições ocorre, entre outros (Wechsler, 2008). Percebe-se, pelas Tabelas 2 e 3, que a grande maioria das pesquisas em correspondência verbal (com o método experimental) utiliza-se de treino de correspondência, isto é, ensina seus participantes a ter maior congruência entre o que eles dizem e o que eles fazem, sem medir, em primeiro lugar, se esta correspondência já existia naturalmente, sem a necessidade de treino. Estas pesquisas com treino de correspondência medem, em suas linhas de base, o comportamento não verbal alvo (por exemplo, brincar, comer, escrever etc.) e não medem a correspondência em si. Isto pode ser verificado na Tabela 3, em que a descrição da linha de base (isto é, descrever a correspondência ocorrendo naturalmente) está presente em somente 10,63% das publicações pesquisadas.

Ribeiro (1989), em pesquisa pioneira na área, constatou que 99% das crianças participantes de sua pesquisa já possuíam correspondência na linha de base, resultado depois confirmado por replicação do mesmo estudo feita por Sadi (2002). Ou seja, talvez o treino de correspondência não seja necessário, pelo menos com esta população, e que uma descrição de como o fenômeno ocorre naturalmente talvez possa ampliar a compreensão sobre o próprio e melhorar o planejamento de treinos de correspondência, caso estes sejam necessários.

Percebe-se, de acordo com a Tabela 2, que as pesquisas na área de correspondência verbal tem igualmente estudado os três campos importantes para a compreensão de um fenômeno: sua discussão teórica e metodológica, suas implicações para o conhecimento científico e sua aplicação prática. Isto mostra que a área de correspondência verbal está se desenvolvendo de forma coesa para uma construção sólida de conhecimento, embora poucos estudos se tenham se concentrado nesta promissora área.

O delineamento mais presente, demonstrado na Tabela 3, foi o mais básico, empregado na primeira pesquisa realizada na área de correspondência verbal (utilizando tal nomenclatura), de Risley e Hart (1968), que se valeu do delineamento Linha de Base, Reforçamento de Verbalização (ou Reforçamento do Conteúdo, em que o participante recebe o reforço pelo comportamento verbal, independentemente se o não verbal corresponde ou não) e Treino de Correspondência (onde o reforço só é obtido se o comportamento verbal corresponder com o não verbal). O terceiro delineamento mais presente nas pesquisas também é bem semelhante ao delineamento proposto por Risley e Hart (1968), utilizando Linha de base- Reforçamento da Verbalização- Treino de Correspondência e acrescentando uma linha de base ao final, para garantir a reversibilidade do delineamento.

Verifica-se, ainda, na mesma tabela, a grande diversidade de delineamentos empregados na pesquisa, incluindo inclusive outras etapas no delineamento básico, acima citado, como follow-up (monitoramento do comportamento-alvo ao longo do tempo), generalização (verificação se a correspondência verbal treinada ocorre em outros contextos, situações ou na presença de outros estímulos) e reforçamento de comportamentos intermediários (reforçamento de comportamentos que ocorrem entre o comportamento verbal e o seu correspondente não verbal). A grande diversidade de delineamentos é positiva no sentido de que novas metodologias vão sendo testadas para verificar a adequação de cada uma delas, porém, como ainda há poucas publicações na área de correspondência, talvez sejam importantes mais pesquisas (e que testem e comparem delineamentos) para verificar qual delineamento é mais adequado e produz maior e mais duradoura correspondência verbal, além de identificar as variáveis que produzem tal comportamento e tornem a sua ocorrência mais ou menos provável.

Na Tabela 4, verifica-se que a sequência que apareceu com maior frequência nas pesquisas foi a dizer-fazer, considerando também que o primeiro estudo em correspondência verbal (que utilizou tal nomenclatura), o estudo de Risley e Hart (1968), utilizou tal sequência. Em relação à sequência fazer-dizer, apesar de nem todas as pesquisam que envolvam esta sequência tenham como objetivo treiná-la, Rogers-Warren e Baer (1976) justificam que esta cadeia é mais difícil de ser treinada do que a dizer-fazer, pois o período de tempo entre as respostas é maior do que na sequência dizer-fazer, facilitando a emergência de correspondência na sequência dizer-fazer. Paniagua, Stella, Holt, Baer e Etzel (1983) afirmaram que a sequência dizer-fazer é mais eficaz em promover o comportamento não verbal alvo do que a sequência fazer-dizer, porque na primeira a ordem do reforçamento reforça o fazer e na segunda reforça-se o dizer (relatar).

Percebe-se que a cadeia dizer-fazer-dizer, em que o participante promete (isto é, diz o que vai fazer), faz e depois relata o que fez é muito pouco estudada (apenas 6% das pesquisas analisadas). Esta cadeia, que possivelmente mais se assemelha às contingências naturais, poderia ser melhor pesquisada para ampliar os conhecimentos em relação ao fenômeno da correspondência.

Em relação aos resultados em que 52, 27% das pesquisas estudaram a amostra em grupo e 47,72% estudaram individualmente, Israel (1978) faz um alerta em relação à falha de estudos grupais basearem-se em porcentagens, pois estas são enganosas, já que muitas destas pesquisas medem o dizer e o fazer separadamente e não a correspondência verbal de cada participante, o que pode enviesar os resultados. Assim, como exemplifica o autor:

crianças A, B, C e D dizem, mas não fazem "X" enquanto que as crianças E, F, G e H fazem "X" mas não relatam. Isto é registrado como 50% dizer e 50% fazer - o leitor imagina que metade das crianças exibiu correspondência, quando na realidade nenhuma apresentou. (p. 274)

Em relação à Tabela 5, na qual se constata que as crianças foram a população mais estudada nas pesquisas, pode-se supor que a idade dos participantes pode ser uma variável importante na aquisição e emissão de correspondência verbal, pois crianças muito pequenas, por exemplo, podem ainda não ter o repertório de autocontrole e autoconhecimento instalado, assim como sinalizou Beckert (2005), que relaciona estes dois tipos de repertório às cadeias dizer-fazer e fazer-dizer, respectivamente. Já Lloyd (2002) sugere o contrário: que a emergência de correspondência verbal possa estar negativamente relacionada com a idade, já que conforme a criança vai crescendo, sofre maior interferência da comunidade verbal e aprende a "mentir". Assim, elas emitiram mais comportamentos de correspondência do que os adultos, como também sugeriu o estudo realizado por Wechsler (2008). De qualquer forma, mais estudos são necessários, de preferência com coortes de idade para verificar a emergência natural da correspondência.

Quanto aos ambientes estudados, presentes também na Tabela 5, observa-se que o ambiente escolar foi o que teve maior frequência seguido pelo laboratório. Estes resultados se justificam ao se constatar, nesta mesma tabela, que a população de crianças foi a mais estudada e, por isto, o ambiente escolar teve alta prevalência nas pesquisas. Além disto, como grande parte das publicações utilizou-se do método experimental (vide Tabela 2), o ambiente de laboratório também é mais apropriado para este tipo de pesquisa, já que se pode controlar melhor as variáveis envolvidas no experimento.

Assim, apesar da grande variedade de populações e ambientes estudados, pesquisas em outros ambientes seriam interessantes para que se possa ter uma visão mais global do fenômeno da correspondência verbal em diferentes idades e contextos, pois como apontou D'Amorim (1985), o contexto em que a correspondência é medida parece ser uma variável importante, assim como a idade dos participantes (Lloyd, 2002), os estímulos discriminativos presentes no ambiente (Baer & Detrich, 1990), o nível socioeconômico e a escolaridade dos participantes (Wechsler, 2008), entre outras que poderiam auxiliar os pesquisadores a entender melhor a emergência da correspondência verbal.

 

Conclusão

Pode-se concluir que a área de correspondência verbal teve um auge de publicações na década de 1980 e depois estas publicações foram caindo significativamente. No Brasil, a produção sobre este tema ainda é muito escassa e pouco publicada em revistas científicas, o que dificulta o acesso do público à produção na área.

Percebeu-se também um grande número de pesquisas experimentais e poucas descritivas. Apesar da grande importância das pesquisas com método experimental, pesquisas descritivas poderiam enriquecer a área, contribuindo, por exemplo, para explicar como o fenômeno da correspondência verbal ocorre naturalmente, sem treino.

Outros achados importantes deste estudo são a baixa produção de pesquisas com a sequência dizer-fazer-dizer, com ambientes naturais (excetuando-se o escolar) e com populações adultas.

Um ponto positivo foi a distribuição igualitária das publicações em relação aos objetivos por elas propostos: dividiram-se entre teóricas, empíricas e de aplicação, o que contribui para um entendimento global do fenômeno da correspondência.

Portanto, apesar das publicações na área serem escassas, principalmente no Brasil, vale ressaltar que os estudos têm se empenhado em buscar entender melhor o fenômeno da correspondência verbal, visto, por exemplo, a diversidade de delineamentos metodológicos utilizados pelos mesmos.

Uma limitação metodológica importante deste estudo é o número pequeno de artigos analisados, devido à baixa publicação de pesquisas na área de correspondência verbal em revistas científicas. Outra limitação é a pequena quantidade de pesquisas com os diferentes tipos de procedimento empregados, e por isso generalizações deste estudo devem ser feitas com cautela. E uma limitação que geralmente ocorre com estudos meta-analíticos, como é o caso deste, é o problema chamado de arquivos de gaveta, como apontam Pai, Drotar, Zebracki, Moore e Youngstrom (2006), que discutem que os artigos publicados são geralmente aqueles que apresentam efeitos estatisticamente significativos, o que pode sobre-estimar os efeitos das pesquisas realizadas na área.

Sugestões podem ser feitas para futuros estudos, como o uso de grupos-placebo ao invés de grupos controle sem treino (o que se assemelharia mais a uma situação natural), estudos longitudinais (nos quais se poderia ver os efeitos do treino de correspondência a longo prazo) e mais estudos que se dediquem em descrever o fenômeno da correspondência sem treino, para que esta possa ser melhor entendida em sua emergência natural.

 

Referências

Baer, R. A., & Detrich, R. (1990). Tacting and manding in correspondence training: effects of child selection of verbalization. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 54(1), 23-30.         [ Links ]

Baum, W. M. (1999). Compreender o behaviorismo: ciência, comportamento e cultura. ( M. T. A. Silva, M. A. Matos, G. Y. Tomanari & E. Z. Tourinho, Trads.). Porto Alegre: Artmed. (Trabalho original publicado em 1998).         [ Links ]

Beckert, M. E. (2005). Correspondência verbal/ não-verbal: pesquisa básica e aplicações na clínica. In J. Abreu-Rodrigues & M. R. Ribeiro (Orgs.). Análise do comportamento: pesquisa, teoria e aplicação (pp. 229-244). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. (4ª ed.; D. G. Souza, Trad.). Porto Alegre: Artmed. (Trabalho original publicado em 1998).         [ Links ]

D'Amorim, M. A. (1985). Dizer e fazer: a concordância entre atitude e comportamento. Psicologia, Teoria e Pesquisa, 1(2), 118-122.         [ Links ]

Herruzo, J., & Luciano, M. C. (1994). Procedimientos para establecer la "correspondencia decir-hacer". Un análisis de sus elementos y problemas pendientes. Acta Comportamentalia, 2(2), 192-218.         [ Links ]

Hopman, M., & Glynn, T. (1989). The effect of correspondence training on the rate and quality of written expression of four low achieving boys. Educational Psychology, 9(3), 197-213.         [ Links ]

Israel, A. C. (1978). Some thoughts on correspondence between saing and doing. Journal of Applied Behavior Analysis, 11(2), 271-276.         [ Links ]

Jonas, A. L. (1995). Controle por regras e por contingências: uma analogia com o processo terapêutico. Dissertação de mestrado, Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo.         [ Links ]

Karlan, G. R., & Rusch, F. R. (1982). Correspondence between saying and doing: some thoughts on defining correspondence and future directions for application. Journal of Applied Behavior Analysis, 15(1), 151-162.         [ Links ]

Lloyd, K. E. (2002). A review of correspondence training: suggestions for a revival. The Behavior Analyst, 25(1), 57-73.         [ Links ]

Malerbi, F. E., & Matos, M. A. (1992). A análise do comportamento verbal e a aquisição de repertórios autodescritivos de eventos privados. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 8(3), 407-421.         [ Links ]

Matos, M. A. (1999). Com o que o Behaviorismo radical trabalha? In R. A. Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista (2ª ed.) (pp.45-53). Santo André: Esetec.         [ Links ]

Matthews, B. A., Shimoff, E., & Catania, A. C. (1987). Saying and doing: a contingency-space analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 20, 69-74.         [ Links ]

Paniagua, F. A., & Baer, D. M. (1982). The analysis of correspondence training as a chain reinforceable at any point. Child Development, 53(3), 786-798.         [ Links ]

Paniagua, F. A., Stella, M. E., Holt, W. J., Baer, D. M., & Etzel, B. C. (1983). Training correspondence by reinforcing intermediate and verbal behavior. Child & Family Behavior Therapy, 4(2/3), 127-139.         [ Links ]

Pai, A. L. H., Drotar, D., Zebracki, K., Moore, M., & Youngstrom, E. (2006). A meta-analysis of the effects of psychological interventions in pediatric oncology on outcomes of psychological distress and adjustment. Journal of Pediatric Psychology, 31(9), 978-988.         [ Links ]

Ribeiro, A. F. (1989). Correspondence in children's self-report: tacting and manding aspects. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 51(3), 361-367.         [ Links ]

Risley, T. R., & Hart, B. (1968). Developing correspondence between the non-verbal and verbal behavior of preschool children. Journal of Applied Behavior Analysis, 1(4), 267-281.         [ Links ]

Rogers-Warren, A., & Baer, D. M. (1976). Correspondence between saying and doing: teaching children to share and praise. Journal of Applied Behavior Analysis, 9(3), 335-354.         [ Links ]

Sadi, H. M. (2002). A correspondência entre o fazer e o dizer no auto-relato de crianças: uma replicação de Ribeiro. Dissertação de mestrado, Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.         [ Links ]

Schick, K. (1971). Operants. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 15(3), 413-423.         [ Links ]

Shimoff, E. (1986). Post-session verbal reports and the experimental analysis of behavior. The Analysis of Verbal Behavior, 4, 19-22.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1978). O comportamento verbal. (M. P. Villalobos, Trad.). São Paulo: Cultrix. (Trabalho original publicado em 1957).         [ Links ]

Skinner, B. F. (1990). Can Psychology be a science of mind? American Psychologist, 45(11), 1206-1210.         [ Links ]

Todorov, J. C. (1985). O conceito de contingência tríplice na análise do comportamento humano. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1(1), 75-88.         [ Links ]

Todorov, J. C. (2002). A evolução do conceito de operante. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 18(2), 123-127.         [ Links ]

Wechsler, A. (2008). Dizer e fazer: correspondência verbal de mães e filhos em situação de exame médico. Dissertação de mestrado, Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo.         [ Links ]

Williams, J. A., & Stokes, T. F. (1982). Some parameters of correspondence training and generalized verbal control. Child & Family Behavior Therapy, 4(2/3), 11-32.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Amanda Muglia Wechsler
Rua Cardeal Arcoverde, 25. Cond. San Conrado, Sousas
Campinas, SP, Brasil. CEP.: 13104-07
E-mail: amanda_wechsler@yahoo.com.br

Enviado em Outubro de 2007
Texto reformulado em Maio de 2009
Texto reformulado em Abril de 2010
Aceite em Julho de 2010
Publicado em Outubro de 2010

Creative Commons License