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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.17 no.2 Ribeirão Preto  2009

 

ARTIGOS

 

Andar de bicicleta: constribuições de um estudo psicológico sobre mobilidade

 

Riding a bicycle: contributions of a psychological study about mobility

 

 

Marley Rosana Melo de AraújoI; Diogo Araújo de SousaII; Jonathan Melo de OliveiraII; Maísa Santos de JesusII; Nelma Rezende de SáII; Párbata Araújo Côrtes dos SantosII; Rodomarque Macedo Jr.II; Thiago Cavalcante LimaII

IUniversidade Federal de Sergipe e GP Relações Sociais em Contextos Urbanos - Brasil
IIUniversidade Federal de Sergipe - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

À medida que as cidades crescem, o trânsito transforma-se em problema urbano. Este estudo objetivou investigar as características e o comportamento de aracajuanos usuários da bicicleta, com a finalidade de discutir suas contribuições em termos de mobilidade, acessibilidade e mediação de affordances. Foram ouvidos 140 sujeitos, de ambos os sexos. A coleta foi residencial com desenho amostral de conglomerados em múltiplas etapas e técnica de entrevista estruturada. Após análise dos dados, verificou-se que usuários da bicicleta como meio de transporte encontram-se mais expostos ao tráfego e carecem de maior atenção quando do planejamento do sistema cicloviário. Usuários da bicicleta com o objetivo de lazer/esporte concentram seus passeios nas imediações de suas moradias, o que possibilita um conhecimento único das particularidades deste lugar. Conclui-se que, para que a bicicleta possa ser viabilizada como facilitadora da mobilidade urbana, é necessário direcionar investimentos para essa área, os quais se mostram relativamente baratos.

Palavras-chave: Psicologia do trânsito, Bicicleta, Mobilidade urbana, Affordances.


ABSTRACT

As cities get bigger, traffic turns into an urban problem. This study aimed to investigate the characteristics and behavior of people who ride bicycles in Aracaju, intending to discuss bicycle contributions in terms of mobility, accessibility and affordances mediation. 140 subjects were heard, both genders, that live in Orlando Dantas neighborhood. Data was captured house-by-house, with conglomerates in multiple steps sampling draw and structured interviewing technique. After data processing and analysis, it was verified that people who use the bicycle as means of transportation are more exposed to the traffic and require more attention when planning the cycle path system. People who use it as a leisure/sport concentrate their rides around their homes, what makes possible a unique knowledge about peculiarities of the place. It was concluded that, in order to turn the bicycle into an instrument for urban mobility, investments are necessary, which are relatively cheap in this area.

Keywords: Psychology of transit, Urban mobility, Bicycle, Affordances.


 

 

À medida que as cidades crescem, o trânsito transforma-se em problema urbano. As cidades, especialmente as capitais, estão sofrendo com o crescente número de veículos que são incorporados ao trânsito diariamente. A estrutura urbanística dessas cidades, por falta de espaço físico e/ou recursos financeiros, não tem suportado esse crescimento. Consequentemente, o trânsito tem ficado mais congestionado, a poluição atmosférica e sonora alcança níveis alarmantes e o stress gerado pelas dificuldades de deslocamento aumenta (Goes, 2000). Além desses problemas urbanos provocados pelo adensamento do trânsito, também podemos citar o excesso de velocidade que pode acarretar em acidentes com ou sem vítimas fatais e a dificuldade de acesso e/ou de mobilidade gerada pelos congestionamentos e pelo planejamento do sistema de tráfego que privilegia, via de regra, alguns usuários em detrimento de outros.

A histórica dificuldade de incorporar a ideia de mobilidade urbana ao planejamento urbano e regional coloca-se com relevância dentre as causas da crise de qualidade das cidades brasileiras, contribuindo fortemente para a geração dos cenários atuais onde se constatam cidades insustentáveis do ponto de vista ambiental e econômico. Independentemente das causas do crescimento descontrolado das cidades brasileiras, nelas se instalou uma crise de mobilidade sem precedentes. A qualidade da mobilidade urbana tem se deteriorado dia após dia e os índices de mobilidade da população vêm sendo brutalmente reduzidos.

Ao longo do tempo, têm sido adotadas várias soluções de engenharia para minorar esses problemas (construção de metrôs, viadutos, novas avenidas etc.), embora tais soluções nem sempre sejam economicamente viáveis. Além disso, o aumento sistemático da capacidade infraestrutural existente com a abertura de novas vias, pontes, viadutos, tem contraditoriamente mantido o ciclo vicioso de congestionamento - aumento de oferta - aumento de procura - congestionamento (Goes, 2000). O modelo de mobilidade adotado nos grandes centros urbanos brasileiros, reproduzido pelas cidades de porte médio, favorece o uso do veículo particular. Cidades se estruturam e se desenvolvem para acolher o veículo particular e assegurar-lhe a melhor condição possível de deslocamento nas áreas urbanas. No entanto, faz-se mister aprofundar o debate sobre as condições de utilização do automóvel que influenciam a própria organização das cidades. A nosso ver, a cidade deveria ser pensada considerando-se a maioria da população que depende dos meios coletivos e não motorizados de transporte.

"O trânsito é uma disputa pelo espaço físico, que reflete uma disputa pelo tempo e pelo acesso aos equipamentos urbanos" (Vasconcelos, 1985, p. 19). É uma negociação permanente, coletiva e conflituosa do espaço. Essa negociação não acontece entre pessoas iguais na nossa sociedade. Sob o ponto de vista ideológico, a posição que as pessoas se atribuem na sociedade vai condicionar sua disputa pelo espaço. Por exemplo, o pedestre, no Brasil, por ser frágil na disputa de poder simbólica e concreta no trânsito, é relegado nas suas necessidades de deslocamento, desrespeitado e atropelado.

O conceito de mobilidade comparece como base para a viabilização de novas políticas no âmbito do trânsito e de planejamento das cidades. Traz em seu bojo a ideia de democratização do espaço urbano, de maneira segura, socialmente sustentável e que permita a todos um acesso irrestrito aos equipamentos urbanos e ao espaço público. A inserção da sustentabilidade no conceito de mobilidade abre espaço para um novo enfoque sobre o tema e suscita novas variáveis pertinentes, quais sejam: a superação do planejamento que produz a necessidade de deslocamentos somente através de modos motorizados particulares, com substituição por modos não motorizados e pelo transporte coletivo urbano (transferência modal); a busca e geração de alternativas energéticas para o transporte; o incentivo ao desenvolvimento tecnológico de veículos de forma a torná-los menos poluentes. Saber usar apropriadamente os recursos naturais disponíveis no ambiente de trânsito implica economia de recursos não mais facilmente renováveis e redução de consequências indesejáveis decorrentes da escolha e uso de certos meios de transporte. Em síntese, ter acessibilidade não se resume em poder entrar em determinados locais, mas em circular com autonomia plena no espaço urbano.

Trânsito: alguns conceitos

Diferentes autores conceituam o trânsito. Dentre eles, Vasconcelos (1985) define trânsito como o "conjunto de todos os deslocamentos diários, feitos pelas calçadas e vias da cidade, e que aparece na rua na forma da movimentação geral de pedestres e veículos" (p. 11). É o deslocamento de pessoas ou coisas pelas vias de circulação, distinto de tráfego, que seria o mesmo trânsito, mas em missão de transporte (Meirelles & Arrudão, 1966, citado por Rozestraten, 1988). É o "conjunto de deslocamentos de pessoas e veículos nas vias públicas, dentro de um sistema convencional de normas, que tem por fim assegurar a integridade de seus participantes. (...) O trânsito é um movimento essencialmente social" (Rozestraten, 1988, p. 48).

Sistema é o conjunto de elementos que cooperam na realização de uma função comum. No trânsito, a função comum é o deslocamento: chegar ao destino são e salvo (Rozestraten, 1988). Todos os deslocamentos no trânsito (viagens) estão diretamente ligados às características socioeconômicas da população, como idade, trabalho, renda e local de moradia, entre outras (Vasconcelos, 1985). O homem, a via e o veículo são subsistemas no trânsito, contudo, o homem é o subsistema mais complexo e o que tem maior probabilidade de desorganizar o sistema. A via, com seus componentes estáticos e dinâmicos, está enquadrada num ambiente global maior, que em parte é natural e em parte é construído. Nesse sentido, a via é todo ambiente que rodeia o veículo ou o pedestre e no meio da qual ambos se movimentam (Rozestraten, 1988).

Olhando pela ótica do sistema viário, a via precisa exercer duas funções conflitantes: permitir o movimento (passagem) e possibilitar o acesso (parada). Qualquer melhoria numa das funções afeta negativamente a outra. Vasconcelos (1985) pontua que a movimentação ocorre em detrimento do ambiente e da qualidade de vida. Por exemplo, o movimento do tráfego gera, invariavelmente, poluição sonora e atmosférica, dentre outras externalidades negativas. Para o autor em questão, "Otimizar o movimento significa aumentar a velocidade do tráfego, facilitando a circulação dos veículos pelo sistema viário, o que aumenta (potencialmente) a insegurança na circulação" (p. 21).

As pessoas mudam de interesse ao longo de suas viagens no trânsito: desejam fluidez, ou segurança, ou acessibilidade, ou qualidade de vida, ou vários objetivos ao mesmo tempo. No trânsito, é impossível atender a todos os interesses ao mesmo tempo e no mesmo espaço. Ao tentar melhorar a fluidez, afeta-se a segurança e a acessibilidade. Ao tentar aumentar a segurança, afeta-se a fluidez. Ao tentar melhorar a acessibilidade, afeta-se a fluidez e a qualidade de vida. Tal realidade facilita a compreensão da razão do trânsito ser um fenômeno humano conflituoso. Além de conflitos de interesse de diversos usuários do sistema, temos também o conflito físico ocasionado pela situação de movimentação humana. A disputa pelo espaço acarreta a negociação deste espaço pautada pelo poder real ou imaginário de cada ator social envolvido. Por exemplo, no Brasil, o motorista julga-se muito mais portador do direito à circulação que os demais participantes do trânsito, o que está ligado às características autoritárias da sociedade e à falta de conscientização sobre os direitos do cidadão, o que faz com que os motoristas ocupem o espaço viário com violência. O processo tem o seu oposto (e complemento) que o confirma: o pedestre geralmente submete-se ao aceitar a prioridade imposta pelos motoristas, assumindo o papel de "cidadão de 2ª classe" numa cidade que é cada vez mais o habitat do veículo e o anti-habitat do homem (Vasconcelos, 1985).

Em muitos países, os problemas causados pelo trânsito configuram-se na perspectiva do meio ambiente, da saúde pública, tamanho é o seu impacto na qualidade de vida das pessoas. (...) Tal perspectiva implica para o psicólogo do trânsito uma formação comprometida com o estudo das cidades e seu planejamento urbano, a saúde pública, o convívio humano, a diversidade e a diferença. (Conselho Federal de Psicologia, 2000, p. 9).

A Psicologia do Trânsito é a área que investiga os comportamentos humanos no trânsito e os fatores e processos externos e internos, conscientes e inconscientes que os provocam ou os alteram (Conselho Federal de Psicologia, 2000). A Psicologia do Trânsito tradicional caracteriza o trânsito como um sistema composto por via, veículo e ser humano (Rozestraten, 1988). Trata-se de área de aplicação da Psicologia Ambiental e Psicologia Social que, por meio de métodos científicos, estuda o comportamento humano no ambiente de trânsito, sua multideterminação no contexto no qual está inserido e sua correlação com fatores sociais, políticos, econômicos e estruturais que influenciam o sistema de funcionamento, gestão, organização e fiscalização desse trânsito (Conselho Federal de Psicologia, 2000). Günther (2004) caracteriza o trânsito como um sistema composto por contexto social, pessoa, veículo e via, adicionando o contexto socioambiental entre os componentes do sistema.

Pesquisas em Psicologia do Trânsito podem gravitar em duas grandes áreas, no entendimento de Günther (2004): a) o uso apropriado dos recursos naturais; b) o problema dos acidentes de trânsito encarado como epidemia (questão de saúde pública). Dentre os temas de pesquisa cabíveis na primeira grande área são mencionados estudos acerca de opções de mobilidade com a possibilidade de transferência modal do transporte individual para o transporte coletivo; estudos sobre a aceitação e representação social de certos meios de transporte; estudos que atentem para as políticas públicas que criam oportunidades para meios de transporte alternativos e estimulam a procura dos mesmos. Temas de pesquisa que abordem a segunda grande área compreenderiam estudos sobre segurança no trânsito em termos do comportamento do indivíduo, do desempenho do veículo e das características da via.

Gorz (2004, citado por Delabrida, 2004) recomenda que o transporte não resulte em um assunto em si mesmo ao se estudar o trânsito. A pesquisa sobre transportes e mobilidade humana precisa estar conectada ao problema da cidade e à maneira que isto compartimentaliza as muitas dimensões da vida. Como as pessoas se relacionam com a cidade está relacionado a vários fatores: tempo de moradia, fase de vida (infância, velhice etc.), local da cidade, meio de transporte utilizado, tipo de ocupação, renda, cidade rural ou urbana, metropolitana ou histórica (Delabrida, 2004). Segundo Günther (2003), mobilidade, seja enquanto comportamento concreto, experiência passada ou antecipada, proporciona acesso às affordances disponíveis nos diferentes espaços físicos percorridos. Affordances são o que há no ambiente que demanda ou provoca determinados comportamentos por reação. Delabrida (2004) cita o exemplo de uma mesa (affordance) que pode ser utilizada para refeições, para empilhar objetos, para alguém sentar sobre, subir ou brincar embaixo dela. Sendo assim, o tipo de transporte utilizado pelas pessoas media o contato com as affordances da cidade (sua história, sua cultura, suas dificuldades), refletindo na constituição da identidade do sujeito.

 

 

O presente trabalho objetivou investigar as características e comportamento de usuários de um meio de transporte em específico (a bicicleta) na cidade de Aracaju-SE, com a finalidade de discutir as contribuições em termos de mobilidade, acessibilidade e mediação de affordances possibilitadas pelo uso desse veículo.

Bicicleta: características e pesquisas

A bicicleta é o veículo de propulsão humana mais eficiente já inventado pelo homem. Trata-se de um veículo extremamente útil para deslocamentos curtos, permitindo velocidades de até 25 km/h a um custo baixíssimo. É um meio de transporte porta a porta, amigável, não poluente, espacialmente econômico, de fácil manuseio e de barata manutenção, de fácil integração com outros meios de transporte, acessível a todas as idades e classes sociais, e um excelente exercício físico (Delabrida, 2004). Concede elevada flexibilidade ao seu usuário por não estar presa a horários e rotas prefixadas, pode circular em locais inacessíveis a outras modalidades de transporte, constitui um meio de deslocamento rápido em áreas urbanas mais densas, necessita de pouco espaço público tanto para o seu deslocamento como para seu estacionamento e pode ser utilizada integrada com modalidades motorizadas de transporte público e individual (sistemas integrados de transferência modal ao longo do percurso). As suas grandes desvantagens são a dificuldade de circulação em terrenos não planos, a falta de proteção à chuva e a exposição demasiada do ciclista em casos de acidente (Vasconcelos, 1985).

A bicicleta, no Brasil, tem um uso relativamente comum. Seu emprego como meio de transporte acontece principalmente onde prevalecem algumas características: distâncias relativamente curtas, pequeno número de automóveis, sistema de transporte coletivo precário, topografia favorável e, acrescenta-se ainda, a baixa renda de grandes camadas da população (Gomes, 1984, citado por Delabrida, 2004). Em função da concentração de renda presente em todo o país, a bicicleta é o veículo mais utilizado, mesmo em cidades com acesso ao transporte coletivo. Entre seus usuários mais frequentes estão trabalhadores da construção civil, da indústria e do comércio, estudantes, entregadores de mercadorias, carteiros, dentre outros (Delabrida, 2004).

Em todo o mundo são feitos muitos estudos para o melhor aproveitamento da bicicleta nas cidades, mas a operação de sistemas de transporte por bicicleta - as 'ciclovias' - esbarram sempre em dificuldades ligadas à disponibilidade de espaço, à existência de rampas e - mais grave - à garantia de uma circulação segura, devido à competição desigual pelo espaço. Isto se dá porque a bicicleta não protege o seu condutor em caso de um eventual choque e, na violência do trânsito urbano, a bicicleta perde a guerra sempre. (Vasconcelos, 1985, p. 63).

Para que a bicicleta possa se tornar efetivamente uma alternativa viável de transporte, é necessário que sejam oferecidas boas condições para seu uso. A existência de ciclovias preenche uma dessas condições (Goes, 2000). As cidades brasileiras com maior malha cicloviária são Rio de Janeiro (RJ), Curitiba (PR), São Paulo (SP) - em parques, Belém (PA), Governador Valadares (MG) e Campo Bom (RS). É interessante que um sistema cicloviário seja composto não somente por uma rede de ciclovias, mas também por estacionamentos, sinalização adequada e educação da população.

Qualquer promoção de novos hábitos como, por exemplo, a implementação de uma ciclovia, deve ser acompanhada de medidas educativas para que o usuário saiba utilizar esse novo recurso. Essas medidas podem ser de variadas formas, desde campanhas educativas até sinalização específica. (Delabrida, 2004, p. 16).

Igualmente, saber quem são os ciclistas, qual o uso da bicicleta, qual o trajeto regularmente feito e com que finalidade auxilia no planejamento e na implantação de melhores intervenções visando, entre outros, a melhoria do sistema de tráfego e a segurança e qualidade de vida dos seus usuários. Se o andar de bicicleta transmutar-se em algo mais fácil que andar de carro, a transferência modal será uma consequência natural.

É inevitável que para o aumento do uso da bicicleta se organize a utilização de outros meios de transporte, principalmente, a utilização do carro que é tão disseminada na nossa sociedade e pouco se integra com outros meios de transporte. (Delabrida, 2004, p. 17)

A bicicleta tem poder de transformação social: com ela, as pessoas têm condições de descobrir seu bairro, cidade, história, influenciando na constituição de sua identidade, além de contribuir para a melhoria de sua saúde física e psíquica. (Delabrida, 2004). No estudo de Delabrida e Günther (1999) sobre raio de ação de jovens (amplitude explorada da cidade), foram entrevistados 40 jovens entre 11 e 14 anos na cidade de Taguatinga (DF), com a solicitação de que marcassem em um mapa da cidade onde eles costumavam ir e que traçassem os locais por onde passavam que eles conheciam bem e que conheciam pouco. Também foi investigado o tipo de transporte utilizado para fazer o trajeto. Os resultados mostraram que a grande maioria de jovens locomovia-se de carro e, por conseguinte, possuía o maior raio de ação. Por outro lado, eram os que apontavam menos locais bem conhecidos na cidade. Já os jovens que usavam outros meios de transporte (a pé, ônibus, bicicleta) possuíam um menor raio de ação, mas uma maior frequência de lugares bem conhecidos na cidade. Concluiu-se que o meio de transporte mediava o contato desses jovens com a cidade. "A mobilidade enquanto exploração é essencial para o desenvolvimento e bem-estar humanos" (Günther, 2003, p. 8). O meio de transporte está diretamente vinculado à qualidade de vida na cidade (Delabrida, 2004).

Aracaju e seu sistema cicloviário

Aracaju possui características que favorecem o uso da bicicleta (distâncias curtas, terreno plano). A Prefeitura de Aracaju, através da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT), implantou 14,6km de ciclovias, readequou tecnicamente 3,8km e planeja readaptar mais 5,3km, dotando Aracaju de 23,7km de ciclovias interligando a Zona Sul e Oeste ao centro da cidade. Com essa iniciativa, Aracaju recebeu, no ano de 2005, o prêmio destaque nacional da Associação Brasileira de Fabricantes de Bicicletas (ABRADIBE) como a capital brasileira que implantou a melhor proposta de mobilidade por bicicleta (Goes, 2000).

As finalidades das ciclovias da cidade são: auxiliar no escoamento do trânsito, facilitar os deslocamentos através da cidade e a função recreativa, embora esta última não seja a prioridade do projeto cicloviário. O projeto cicloviário de Aracaju foi pensado como um sistema de interligação em rede, possibilitando ao usuário de bicicleta o deslocamento entre os principais bairros com segurança e comodidade, incentivando o uso da bicicleta como alternativa e/ou complemento ao transporte (transferência modal).

Por ocasião da implantação do sistema cicloviário, foram executadas algumas campanhas educativas acerca da participação do ciclista no trânsito e orientações sobre manutenção do equipamento. Aracaju também foi abastecida com dois bicicletários públicos, que se acredita serem subutilizados por receio de furto das bicicletas.

 

Método

Amostra

Foram ouvidos 140 sujeitos, ambos os sexos, moradores do Conjunto Orlando Dantas (zona Sul da capital). Este local foi selecionado para abrigar a pesquisa por reunir as seguintes características: bairro eminentemente residencial com alta densidade de casas em detrimento de prédios; presença de uma ciclovia (Av. Gasoduto) com 1,3km de extensão; e alta variabilidade socioeconômica interna. Foi fixado como critério para participação na pesquisa a conclusão, pelo menos, da 5ª série de escolaridade, para garantir a inteligibilidade da mesma pelo sujeito, assim como evitar a participação de crianças muito pequenas. Somente moradores residentes em casas foram abordados. A amostra foi composta por 60 mulheres (42,9%) e 80 homens.

Em relação à idade dos entrevistados, a maior parte deles informou a idade de 17 anos, com média de 27,14 anos (DP=12,9, Amplitude = 9-68). Quanto à escolaridade, 23% dos sujeitos haviam estudado até o ensino fundamental, 47,5% até o ensino médio e os 29,5% restantes tinham concluído o ensino superior.

Foram relatadas 39 profissões/ocupações diferentes, das quais estudante (45%), dona de casa (8,6%), desempregado e funcionário público (ambos com 5,7%) foram as mais citadas. A variável renda individual apresentou uma dispersão muito grande (amplitude de nenhuma renda até R$ 6.000,00), havendo necessidade de melhorar sua distribuição para atender a critérios de normalidade. Foram deslocados seis outliers univariados para o ponto de corte eleito (R$ 3.000,00). A distribuição ficou como descrita a seguir: M = R$ 374,36, Mo=R$ 0,00; DP = R$ 638,60, apresentando valores entre R$ 0,00 e R$ 3.000,00.

A variável renda familiar apresentou um outlier univariado (R$ 15.000,00), o qual foi deslocado para o ponto de corte eleito (R$ 8.000,00) a fim de melhorar sua distribuição para atender a critérios de normalidade. A distribuição ficou como descrita a seguir: M= R$ 1.727,21; DP= R$ 1.359,26, dentro de valores os quais oscilaram entre R$ 250,00 e R$ 8.000,00. O valor mais citado de renda familiar foi R$ 1.000,00, o que chega a representar 10% de respostas válidas. A maior parte dos sujeitos disse que já morava no Conjunto Orlando Dantas há 20 anos. Em média, os sujeitos já estavam em suas residências há 12,5 anos (DP= 6,98).

Instrumentos

Foi utilizado o instrumental desenvolvido por Delabrida (2004), após adaptações para a realidade local. O questionário era composto por dois tipos diferentes de investigação sobre o comportamento do participante em função deste ser usuário da bicicleta com finalidades para lazer/esporte ou para meio de transporte. O término da interação se dava com a coleta dos dados sociodemográficos do sujeito para caracterização da amostra. O instrumento revisado foi submetido ao pré-teste Análise Semântica (Pasquali, 1999) para garantir sua inteligibilidade pela amostra.

Procedimento

A coleta foi residencial, empreendida durante o mês de fevereiro/2008, em dias de semana variados de segunda-feira a sábado. Os turnos de coleta eram matutino e vespertino, segmentados em intervalo de 3 horas de trabalho cada turno. A equipe de pesquisadores foi composta de seis pessoas (a coordenadora do grupo de pesquisa e 5 acadêmicos do curso de Psicologia), as quais trabalharam em duplas distribuídas revesadamente por turnos e dias de coleta na semana. Todos estavam munidos de identificação (crachás), pranchetas, questionários e mapa de ruas do bairro.

O desenho amostral foi de conglomerados em múltiplas etapas. Foram selecionadas aleatoriamente 30 ruas do bairro (clusters). Em cada rua selecionada, residências dos dois lados da rua foram abordadas e um morador de cada residência foi convidado a participar da pesquisa (desde que cumprisse o requisito de escolaridade mínima). A fim de garantir o formato probabilístico da amostragem, as casas foram abordadas sistematicamente respeitando-se o intervalo de uma casa para cada abordagem seguinte, com reposição automática pela casa vizinha caso o morador da casa inicialmente abordada se recusasse a participar da pesquisa, ou caso a casa estivesse vazia. As instruções de preenchimento do questionário foram explicadas ao participante, bem como o seu caráter sigiloso e anônimo. A intervenção junto ao sujeito assumiu o formato de entrevista estruturada, o que diminuiu a perda de informação por falha de preenchimento do sujeito. A todos os sujeitos foi solicitado que assinassem o termo de consentimento em participar da pesquisa conforme disposto na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Análise dos dados

Os dados foram inseridos em um banco de dados estatístico para sua análise (Statistic Package Social Science - SPSS 13.0). Dados qualitativos foram submetidos à Análise de Conteúdo e categorizados. Foram executadas estatísticas descritivas (média, desvio padrão, amplitude, frequência), inferenciais (teste t, correlação, análise de variância) e não paramétricas (qui-quadrado) para análise dos dados quantitativos.

 

Resultados e Discussão

O perfil do usuário

Em função do uso da bicicleta, os sujeitos da pesquisa foram divididos em dois grupos: usuários de bicicleta como lazer/esporte (52,1%) e usuários como meio de transporte (implica o uso da bicicleta para trabalhar, para pequenos trajetos e para deslocar-se ao trabalho/escola). Dentro da porcentagem do uso como transporte, a maior parte dos usuários (39,3%) destina a bicicleta para pequenos trajetos. Dentro do uso como lazer/esporte, 38,6% dos usuários usam-na para lazer.

Ao relacionar sexo ao tipo de uso da bicicleta, entre as mulheres temos 61,7% como usuárias para lazer/esporte (sendo o uso prevalente para lazer) e 38,3% como usuárias para meio de transporte (prevalência de pequenos trajetos). Entre os homens, 55% utilizam a bicicleta como meio de transporte (prevalência de pequenos trajetos) e 45% utilizam como lazer/esporte (uso prevalente para lazer). Percebe-se o uso diferencial da bicicleta entre sexos, com o sexo feminino aparentemente usando-a de forma menos recorrente, já que o lazer não figura como atividade cotidiana. Já quanto ao sexo masculino, o uso majoritário da bicicleta para meio de transporte aponta para uma utilização mais intensa ou mais frequente. Tal fato pode indicar as representações típicas do masculino e do feminino quanto à sua inserção no trânsito: mulheres seriam ciclistas mais esporádicas, usando a bicicleta para entretenimento descomprometido; homens seriam ciclistas usuais, extraindo funcionalidades da bicicleta no sentido de viabilizar viagens.

Quando comparadas as idades dos usuários da bicicleta em função do uso que fazem dela, foi encontrada diferença significativa entre os dois grupos (t138=2,05, p=0,042). Pessoas mais velhas (M=29,5 anos, DP=12,9) utilizam a bicicleta como meio de transporte mais frequentemente que pessoas mais jovens (M=25 anos, DP = 12,6), as quais a utilizam preferencialmente para lazer/esporte. Como a amplitude de idade variou de 9 a 68 anos, é natural o fato de que pessoas mais jovens deem função lúdica à bicicleta, já que nessa faixa etária os interesses e a liberdade de compromissos para com atividades laborativas enseja o uso do próprio tempo com mais vagar. Justamente estas pessoas poderiam ser mais contempladas com os benefícios que a bicicleta proporciona em termos de acionar os affordances da cidade, já que se deslocar por lazer, sem roteiros fixos e sem premência de horários, permite um contato maior com a cidade, uma experiência diferenciada de uso de caminhos alternativos, de confrontação de facetas únicas de seu ambiente.

As profissões dos usuários como meio de transporte mais citadas foram estudante (34,3%), dona de casa (11,9%) e autônomo (7,5%). Quanto aos usuários como lazer/esporte, foram estudante (54,8%) e funcionário público (6,8%), além dos desempregados (8,2%). Evidencia-se que estudantes são público-alvo promissor para o uso desse meio de transporte, tanto com finalidades de deslocamento, como com finalidades de lazer/esporte, reforçando o comentário acima.

Quanto ao nível de escolaridade, os participantes que possuem nível fundamental em sua maioria são usuários como lazer/esporte (59,4%), assim como aqueles que possuem nível superior (53,7%). Para os de nível médio, o uso mais frequente é para meio de transporte (51,5%).

Para a amostra total, o principal motivo do uso da bicicleta foi gostar de andar de bicicleta (28,1%). As outras justificativas mais apontadas foram a escolha para fazer exercício (24,5%) e a rapidez da bicicleta como veículo (18,7%). Com isso, comprova-se uma imagem positiva da bicicleta por parte dos usuários quanto a sua funcionalidade e mobilidade. A principal justificativa para o uso da bicicleta entre os usuários como meio de transporte é o fato de a bicicleta ser um meio de transporte rápido (34,8%), além de ter sido apontado o gosto por andar de bicicleta (19,7%). Para os usuários como lazer/esporte, o motivo mais apontado foi o uso da bicicleta como forma de se exercitar (37%), também seguido pelo fato de gostar de andar de bicicleta (35,6%) (Tabela 1).

 

 

Ambos os grupos gostam de andar de bicicleta e apontaram esse fato como um dos principais motivos para fazê-lo. A diferença é que o grupo de usuários como transporte ressalta as vantagens em mobilidade desse veículo, ao passo que os usuários como lazer/esporte, a qualidade de vida, indicando os interesses diversos desses grupos (chegar rapidamente ao seu destino X manter o condicionamento físico).

Na Tabela 2, é possível verificar que tanto as mulheres, quanto os homens apontaram que o maior motivo para que usassem a bicicleta era o gostar de andar de bicicleta (33,3% e 24,1%, respectivamente) e fazer exercício (26,7% e 22,8%).

Quanto à idade, aqueles que justificaram usar a bicicleta devido ao fato de ter bicicleta em casa (acessibilidade) possuem a menor média de idade (23 anos; DP= 9,47), seguido por aqueles que indicaram a indisponibilidade do carro próprio (M= 23,75 anos; DP= 7,93), em contraste a uma maior sensação de autonomia, indicada por aqueles com a maior média de idade (40 anos; DP= 5,65) e o uso da bicicleta por ser um transporte barato (M= 32,6 anos; DP= 9,8). Nas justificativas dadas pelos respondentes mais velhos, transparece a importância da acessibilidade econômica, além da flexibilidade de horários e rotas comparativamente ao transporte coletivo (vantagens em mobilidade), embora quando comparadas as justificativas para andar de bicicleta em função da idade, não tenham sido encontradas diferenças estatisticamente significativas.

O uso da bicicleta

A maior parte dos usuários da bicicleta (59,6%) afirmou pedalar na ciclovia, ao invés de pedalar no acostamento, na pista junto aos carros, no meio da rua; outras opções de local não foram significativas, a exemplo de andar "na lateral da rua" ou "na contramão" (ambos citados por apenas um usuário) (Tabela 3).

 

 

Considerando a discriminação do tipo de uso, dos usuários como lazer/esporte, 68,1% andam na ciclovia; já os usuários como transporte que andam na ciclovia representam 50%. Verifica-se que os usuários como lazer/esporte concentram seu deslocamento nas ciclovias, ao passo que foi grande a incidência de usuários como meio de transporte que utilizam o acostamento da rua para seus deslocamentos (40,6%), ainda que a maioria deles tenha relatado o uso da ciclovia. Esse é um dado preocupante, haja vista que o usuário como meio de transporte, aparentemente, é um participante mais exposto ao trânsito conforme a extensão de seus trajetos regulares, os quais muitas vezes ultrapassam os limites do bairro (ver mapa de trajetos em Anexo 1). Embora os trajetos dos usuários como lazer/esporte também ultrapassem os limites do bairro, verifica-se que o destino mais procurado daqueles que pedalam para além do conjunto é a praia (ver mapa de trajetos em Anexo 2), enquanto que os destinos dos usuários como meio de transporte são mais diversos e extensos.

Quanto ao tempo que os entrevistados passavam por dia usando a mesma, a média para aqueles que a usavam para trabalhar foi de 4 horas, a média para pequenos trajetos foi cerca de 44 minutos, a média para ir ao trabalho ou escola com a bicicleta foi de 2 horas e 50 minutos, a média para esporte foi de 1 hora e 45 minutos e a média para lazer foi de 1 hora e 15 minutos. A diferença de tempo entre os grupos de usuários para meio de transporte e para lazer/esporte não foi significativa.

Os dados quanto ao tempo que o sujeito passa pedalando no trânsito, assim como quanto ao trajeto feito, reforçam a conclusão de que o usuário como meio de transporte está mais exposto, principalmente aquele que usa a bicicleta para trabalhar ou para se deslocar ao trabalho/escola, visto que estes permanecem mais tempo pedalando durante o dia. Diante desse quadro, é imperativo que o poder público invista recursos na efetivação de um projeto de interligação de ciclovias por toda a extensão urbana, em que pese que este usuário em específico é quem percorre as maiores distâncias, muitas vezes transitando por locais inadequados (acostamento) divido à inexistência de ciclovias em determinados pontos.

Para os usuários como lazer/esporte, era ainda questionado em que outros locais eles mais andavam de bicicleta. As respostas mais frequentes envolveram locais dentro do próprio Conjunto Orlando Dantas (18,4%) e a praia (4,3%). Quanto ao meio de transporte utilizado para chegar a esses locais, a grande maioria dos usuários disse ir com a própria bicicleta (87,3%). É um bom indicativo para começar a mudar a percepção acerca da possibilidade do uso da bicicleta como um meio de transporte viável. Esses passeios nas imediações do local de moradia possibilitam o conhecimento único acerca das particularidades deste lugar, suas vantagens e desvantagens em termos de serviços disponíveis que deem sustentabilidade à vida coletiva (comércio, praças, órgãos prestadores de atendimento básico - igrejas, postos de saúde, postos policiais, escolas e outros). As viagens em direção à praia retratam o usufruto de um patrimônio geográfico, a apropriação de um recurso da natureza que se transmuta em típico entretenimento local - não há como falar de lazer para o aracajuano sem mencionar a praia.

Em relação às ciclovias citadas como existentes no Conjunto Orlando Dantas, 77,3% dos sujeitos afirmaram utilizá-las, sendo destes 41,7% usuários como lazer/esporte. Já em relação às demais ciclovias de Aracaju, 51,1% disseram utilizar alguma delas, em sua maioria os usuários como meio de transporte (27,7%). Tais dados permitem a conclusão que as ciclovias possuem um uso diversificado de acordo com o objetivo do usuário: pessoas que andam de bicicleta como lazer/esporte utilizam mais as ciclovias do conjunto (uma vez que geralmente fazem trajetos mais curtos), enquanto que os usuários como transporte fazem mais uso das ciclovias pela cidade como um todo (já que tal deslocamento exige um uso mais diversificado das ciclovias).

A respeito de suas opiniões acerca do sistema cicloviário de Aracaju, os usuários da bicicleta como meio de transporte, em sua maioria (37,3%), afirmaram que o sistema é algo "bom, ótimo ou excelente", embora 16,4% tenham citado que o sistema é "precário, fraco ou deixa a desejar". Resultado semelhante foi encontrado para os usuários da bicicleta como lazer/esporte. Desses, 32,9% citaram "bom, ótimo ou excelente" e 20,5% disseram "precário, fraco ou deixa a desejar". A Tabela 4 compara as opiniões positivas, negativas ou neutras em função do tipo de usuário.

 

 

Dos ciclistas entrevistados, 45,7% afirmaram já terem enfrentado alguma dificuldade para andar de bicicleta. De acordo com a Tabela 5, o perigo no trânsito foi a dificuldade mais citada pelos usuários como lazer/esporte (17,8%) e meio de transporte (26,9%).

 

 

A Tabela 6 compara as dificuldades citadas em função do sexo e da idade dos participantes. Tanto as mulheres (18,3%), quanto os homens (25%) citaram principalmente o perigo no trânsito. Sujeitos mais novos mencionaram a dificuldade para aprender e a falta de local adequado para andar de bicicleta, enquanto os respondentes mais velhos referiram a falta de respeito e o perigo no trânsito.

 

 

Entre os participantes, 40% afirmaram ter uma bicicleta em casa, 25,7% afirmaram ter duas e 20% afirmaram ter três bicicletas. Curiosamente, alguns usuários (10%) não possuíam bicicletas em casa, mas usavam bicicletas emprestadas, corroborando o caráter de "veículo que está à mão" (acessibilidade) que, inclusive, desvencilha o seu proprietário de sentimentos individualistas de posse, favorecendo o exercício da solidariedade e da empatia. A Tabela 7 compara o número de bicicletas em casa pelo tipo de uso feito do veículo.

 

 

Quanto à finalidade da viagem, os usuários como meio de transporte distribuíram sua escolha por determinadas formas de deslocamento conforme a Tabela 8. O ônibus prevalece em ambas as situações (ir à escola ou ao trabalho), embora a bicicleta seja o segundo veículo mais utilizado por quem se desloca para o trabalho, ilustrando mais uma vez seu potencial em mobilidade e acessibilidade.

 

 

Conclusão

Um dos principais meios para permitir a inclusão social e o aumento da acessibilidade econômica no que tange ao espaço urbano é a priorização dos chamados veículos não motorizados. É justamente nessa categoria em que se encontra a bicicleta. O conhecimento das características do uso da bicicleta facilita a compreensão da posição que esta ocupa e que poderá ocupar no transporte urbano. Essas informações convergem para torná-la mais eficiente e segura e para compatibilizar e integrar o transporte não motorizado e o motorizado numa convivência menos conflituosa. Além disso, contribuir com informações fundamentadas em pesquisa para a identificação dos fatores que estimulam e restringem o uso da bicicleta encaminha à orientação de programas públicos e medidas sociais de incremento do ciclismo como efetiva alternativa de transporte.

A transferência modal mostra-se como uma das principais medidas para possibilitar um desenvolvimento urbano sustentável e viável. A transferência modal promovida pelo aumento do uso da bicicleta mostra-se pluralmente eficaz: melhora o desenvolvimento das cidades, já que diminui a emissão de excedentes de CO na atmosfera, evita outras "deseconomias" relacionadas a consumo de combustível e ao aumento do tempo para alguns deslocamentos, além de reduzir sensivelmente a exclusão social. Mas, para que possa ser viabilizado tal tipo de mobilidade urbana, é necessário direcionar investimentos para essa área. Felizmente, além de eficaz, a implantação do uso da bicicleta traduz-se em investimentos relativamente baratos.

Consiste um avanço o fato de a Psicologia do Trânsito deixar de ser vista apenas como avaliação psicológica para habilitação de condutores de veículos, passando a compreender o potencial da área em planejamento urbano e educação (Conselho Federal de Psicologia, 2000). Cabe ao psicólogo do trânsito realizar cada vez mais pesquisas que possam subsidiar a elaboração e implantação de programas de saúde, educação e segurança no trânsito, de maneira a ter assento perene em equipes multiprofissionais para planejamento e realização de políticas públicas.

 

Referências

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Delabrida, Z. N. C., & Günther, H. (1999). O espaço de vida do jovem urbano: uma réplica brasileira [Resumo]. In Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de Comunicações Científicas. XXIX Reunião Anual de Psicologia. Resumos (p. 385). Campinas: SBP.         [ Links ]

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Pasquali, L. (1999). Testes referentes a construto: teoria e modelo de construção. In L. Pasquali (Org.). Instrumentos psicológicos: manual prático de elaboração (pp. 127-140). Brasília: LabPAM.         [ Links ]

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Vasconcelos, E. A. (1985). O que é o trânsito? São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Marley Rosana Melo de Araújo
R. Maria de Amarante, 72, Conj. Augusto Franco. Farolândia
Aracaju, SE. CEP.: 49030-610
Fone: (79) 3251-4635 e (79) 9117-6288
E-mail: marleymeloaraujo@gmail.com

Enviado em Janeiro de 2009
Aceite direto em Abril de 2010
Publicado em Outubro de 2010

 

 

Sessão Coordenada: Veículos, atitudes e comportamentos: a pluralidade do trânsito. XXXVIII Reunião Anual de Psicologia.
Trabalho gerado pelo grupo de pesquisa Relações Sociais em Contextos Urbanos, linha Dinâmica do Trânsito e Relações Psicossociais, com financiamento pelo Programa de Auxílio à Integração de Docentes e Técnicos Administrativos Recém-doutores às Atividades de Pesquisa (PAIRD) da Universidade Federal de Sergipe, processo nº 12748/07-32.

 

 

Anexo 1

 


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Anexo 2

 


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