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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.18 no.2 Ribeirão Preto  2010

 

DOSSIÊ "PSICOLOGIA E DOR"

 

Sensibilidade, felicidade e cultura

 

Sensibility, happiness and culture

 

 

José Antônio Damásio Abib

Universidade Federal de São Carlos, SP e Universidade Estadual de Maringá/Fundação Araucária, PR - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este ensaio revisita o conceito de sensibilidade. Argumenta-se que ele pode se referir à sensação, à percepção e a sentimento. Argumenta-se também que a evolução legou-nos uma sensibilidade aos acontecimentos do presente, do aqui e agora. O valor dessa sensibilidade é inegável. Mas é necessário desenvolver projetos de educação da sensibilidade a consequências culturais remotas, com valor de sobrevivência para os indivíduos, grupos sociais e culturas. Sugere-se que uma educação da sensibilidade orientada pela imaginação e por uma ética da felicidade pode contribuir para desenvolver uma sensibilidade a consequências culturais dessa natureza.

Palavras-chave: Sensação, Percepção, Sentimento, Imaginação, Ética.


ABSTRACT

The concept of sensibility is reviewed in this essay. Sensibility may refer to sensation, perception and feeling. Sensibility has evolved until hedonic sensibility. Evolution has given us sensibility to events of the present, here and now. This sensibility's value is unquestionable. But it is necessary to develop educative projects of sensibility to distant consequences in the future, with survival value to the individuals, social groups and cultures. It is suggested that an education enlightened by ethics of hapiness may contribute to develop sensibility to cultural consequences with survival value of this kind, societies and cultures.

Keywords: Sensation, Perception, Feeling, Imagination, Ethics.


 

 

O conceito de sensibilidade é semanticamente carregado. Pode até não parecer, pois, de certo modo, tem saído de cena. Mas isso apenas porque se esconde sob outros processos, e sob outros nomes.

Houve uma transformação significativa na evolução da sensibilidade, mas essa evolução limita-se a referi-la aos acontecimentos presentes, ao que acontece no aqui e agora. O valor dessa sensibilidade é inegável. Porém, se estivermos interessados em desenvolver projetos culturais, com valor de sobrevivência para os organismos, indivíduos, grupos sociais e culturas, precisaremos de uma sensibilidade ao não acontecimento: uma sensibilidade destinada a consequências remotas, distantes no tempo, longe, lá no futuro. A formação desse gênero de sensibilidade pode ser o projeto de uma educação da sensibilidade.

Este ensaio tenta esclarecer alguns sentidos do conceito de sensibilidade. Com essa finalidade, argumentamos inicialmente que o conceito de sensibilidade refere-se à sensing, no sentido de sensação e percepção. E em seguida, que ele se refere à suscetibilidade, no sentido de sentimento. Finalmente, desenvolvemos uma reflexão sobre ética da felicidade, sob a perspectiva do hedonismo epicurista, como possível lume de um projeto de educação da sensibilidade

 

Sensing

Skinner (1989) define sensing: "Para responder efetivamente ao mundo em nosso entorno devemos ver, ouvir, cheirar, saborear, ou senti-lo" (p. 15, itálico nosso). Segundo Skinner, ver é comportamento. Deduzimos que, se ver é comportamento, então ouvir, cheirar, saborear, sentir o mundo em nosso entorno também são comportamentos. Mas Skinner também diz que ver é somente parte do comportamento. Deduzimos que, se ver é somente parte do comportamento, então ouvir, cheirar, saborear, sentir o mundo em nosso entorno também é somente parte do comportamento.

Afirmamos que essa parte do comportamento consiste na sensibilidade. Afirmamos também que essa parte do comportamento existe em relação com outra parte do comportamento: a motricidade. Logo, a elucidação do conceito de sensibilidade envolve, ao menos, duas investigações. A primeira consiste em responder a esta pergunta: O que é sensibilidade? A segunda consiste em responder a esta outra pergunta: Como acontece a relação entre a sensibilidade e a motricidade?

O conceito de sensibilidade refere-se a sensações (Geldard, 1975; Piéron, 1951/1972; Warren, 1934/1956). Piéron (1951/1972) escreve: "Sensibilidade emprega-se, sobretudo, em relação a um estímulo definido.... Sensibilidade luminosa considerada em função de uma variável de estímulo" (p. 390). Warren (1934/1956) escreve isto sobre a sensibilidade: "Capacidade sensorial medida pelos atributos de qualidade, intensidade, extensibilidade e duração" (p. 327). O conceito de sensibilidade pode significar ainda "predisposição psicofísica" (p. 327).

O conceito de sensibilidade refere-se também a "marcada suscetibilidade para experiências afetivas e emotivas" (Warren, 1934/1956, p. 327). Geldard (1975) limita o estudo da sensibilidade ao exame das sensações. E estuda suscetibilidade a experiências afetivas e emotivas quando examina as emoções, prática frequentemente encontrada em outros autores (Baker, 1960; Fantino, 1973; Hilgard, 1962; Woodworth & Schlosberg, 1938/1995).

Se há uma parte do comportamento que consiste na sensibilidade e se o conceito de sensibilidade refere-se não só a sensações, mas também a suscetibilidade para experiências afetivas e emotivas, não é evidente que precisamos sondar como acontece a relação entre essa parte do comportamento, a sensibilidade, e outra parte do comportamento, a motricidade?

Embora seja difícil estabelecer prioridades históricas, o texto canônico sobre a relação entre a sensibilidade e a motricidade talvez seja O conceito de arco reflexo na psicologia do filósofo pragmatista norte-americano John Dewey (1896). O filósofo critica o conceito de arco-reflexo na psicologia. Esse conceito explica a dependência que a motricidade tem da sensibilidade, embora seja inadequado para explicar a dependência que a sensibilidade tem da motricidade. Isso porque a relação entre a sensibilidade e motricidade é um circuito e não um arco.

O que o filósofo critica é a concepção mecanicista do arco-reflexo. De acordo com essa concepção, os processos psicofísicos e psicofisiológicos são lineares e independentes. Dewey afirma que isso não é verdade. Não há, diz o filósofo, uma sequência de processos lineares e independentes com início no estímulo físico, ou ainda, na sensação1, com desfecho na motricidade ou no movimento dos organismos. O filósofo defende então uma concepção organicista do arco. De acordo com essa concepção, a relação entre a sensação e a motricidade é interdependente, e não linear.

A organicidade, o circuito envolvendo a sensação e o movimento, pode ser ilustrada com a análise do comportamento de uma criança ao tentar pegar a chama de uma vela. Segundo Dewey, ver a chama de uma vela é um comportamento. Isso quer dizer que ver a chama de uma vela não é uma sensação. Como comportamento, ver a chama de uma vela é uma coordenação sensório-motora. Com mais precisão, podemos dizer que é uma coordenação ótico-ocular. Nessa coordenação, a sensação visual ajusta os movimentos do corpo, da cabeça, e dos músculos dos olhos. Por sua vez, os movimentos do corpo, da cabeça e dos músculos dos olhos ajustam a sensação visual. A coordenação ótico-ocular envolve, portanto, um circuito de ajustes e reajustes. Com efeito, a sensação visual ajusta os movimentos; os movimentos ajustam o olho à chama; o olho ajusta a sensação visual. Ou ainda, os movimentos ajustam o olho à chama; o olho ajusta a sensação visual; a sensação visual ajusta os movimentos. Com razão, conclui o filósofo: ver é um comportamento, não é uma sensação.

Podemos descrever o circuito reflexo partindo da sensação ou do movimento. A escolha é arbitrária. Mas é necessário cautela para não designar um estatuto ontológico a tais descrições. Pois a sensação inexiste sem o movimento e o movimento inexiste sem a sensação. O que existe é o comportamento: a coordenação sensório-motora, a relação orgânica entre movimento e sensação. Ontologicamente, portanto, o ponto de partida é o comportamento. A descrição que fazemos a partir da sensibilidade enfatiza a dimensão sensorial coordenada à dimensão motora. Isso quer dizer que a dimensão sensorial inclui e pressupõe a dimensão motora. Já a descrição que fazemos a partir da motricidade enfatiza a dimensão motora coordenada à dimensão sensorial. Isso quer dizer que a dimensão motora inclui e pressupõe a dimensão sensorial.

Outros exemplos de coordenação sensório-motora podem ser encontrados no comportamento de amebas, protozoários e bactérias (Maturana & Varela, 1987/1995). Esses autores afirmam que o meio ambiente de uma ameba pode ser alterado por substâncias produzidas por um protozoário e que a constituição físico-química da membrana da ameba é afetada por tais substâncias. Como resultado de tais alterações, ocorrem modificações protoplasmáticas que dão origem a um pseudópode, uma expansão ou digitação, que desloca o organismo em seu meio ambiente. A posição e direção do organismo são modificadas, elevando a concentração de substâncias em interação com sua membrana, até que a ameba engole o protozoário. Os biólogos chilenos explicam o comportamento da ameba referindo-se a uma coordenação recorrente entre uma superfície sensorial e outra motora.

Maturana e Varela (1987/1995) afirmam que algumas bactérias possuem flagelos em forma de hélices propulsoras que giram fixas sobre sua base. Giram em duas direções. Em uma, giram e tombam sem sair do lugar. Em outra, se deslocam. Se forem colocadas em um meio contendo um gradiente de açúcar, giram em sua direção. Como as membranas das bactérias possuem moléculas que reagem ao açúcar, elas modificam e ajustam o giro de suas hélices conforme a quantidade de açúcar que penetra em suas moléculas. Os biólogos chilenos usam o conceito de coordenação sensório-motora2 para explicar o comportamento das bactérias.

Maturana e Varela (1987/1995) afirmam que, quando um protozoário se choca com um obstáculo em um meio aquoso, uma estrutura em forma de flagelo no interior de sua célula se dobra. Ocorrem então alterações no citoplasma que levam o flagelo a fazer um breve giro, arrastando a célula em outra direção. Mais uma vez os biólogos chilenos explicam o comportamento do protozoário em termos de coordenação sensório-motora. Além disso, ressaltam que a estrutura sensorial e a estrutura motora do protozoário ainda não se separaram. Há apenas uma estrutura que é, ao mesmo tempo, sensorial e motora. Esse exemplo mostra que, do ponto de vista evolutivo, a coordenação sensório-motora não é um processo que pressupõe primeiro a separação das superfícies sensorial e motora para só então se desenvolver a coordenação. Ao contrário, essa coordenação é originária, primitiva3.

A inseparabilidade ontológica da dimensão sensível em relação à dimensão motriz foi ressaltada por Piaget em sua crítica à teoria da origem sensorial do conhecimento científico. O psicólogo suíço argumenta que, quando percebemos uma casa, não vemos primeiro seus pormenores, como, por exemplo, a cor de uma parede, a largura de um cômodo, o tamanho do pé direito, e depois a casa. Ao contrário, ele diz: "Percebo, imediatamente, a casa como Gestalt e só depois passo à análise do pormenor" (Piaget, 1957/1978, p. 72). A propósito, cita o neurologista V. Weizsäker (citado em Piaget, 1957/1978): "Quando percebo uma casa, não vejo uma imagem que entra em meus olhos; vejo, ao contrário, um sólido no qual posso entrar" (p. 72). O que existe de imediato são as percepções. As sensações são abstrações analíticas. Piaget com a palavra: "Existe de imediato percepção como totalidade e as sensações são então apenas os elementos estruturados e não mais estruturantes" (p. 71-72).

Mas logo o psicólogo suíço se pergunta: "A percepção constitui realidade autônoma?" (Piaget, 1957/1978, p. 72). Afirma que não, porque a percepção depende da motricidade. Refere-se, então, ao conceito de Gestaltkreis (círculo Gestáltico) do neurologista V. Weizsäker, para ressaltar o efeito da motricidade sobre a percepção. Piaget conclui que se deve ao modelo simplista do arco-reflexo (leia-se: mecanicista) a concepção que vê a ação como resultado exclusivo "da percepção sobre a motricidade" (p. 72).

A dimensão sensível da ação refere-se, agora, em Piaget (1957/1978), à percepção. O que existe de imediato não são as sensações, são as percepções. A concepção sensório-motora do comportamento fundamenta-se na psicologia clássica4, que diferencia a sensação da percepção; a sensação referindo-se às qualidades sensoriais (qualidades de cor, som, pressão, etc.) e a percepção, aos objetos (a casa, a árvore, etc.). Porém, "não se acredita mais hoje em dia nas sensações "elementares" e preliminares" (Piaget, 1957/1978, p. 71). As observações de Piaget podem ser generalizadas para os exemplos de Maturana e Varela (1987/1995). Pois os microorganismos são dotados de percepção (Margulis & Sagan, 1998/2002).

Para os que concordam com Piaget, a unidade sensório-motora passa a ter o sentido de percepção. Diriam que: ver, ouvir, cheirar, saborear, sentir o mundo em nosso entorno é percepção. Sendo assim, da perspectiva de Piaget, seria mais correto chamar a unidade sensório-motora de unidade perceptual-motora.

Para assimilar os conceitos de unidade sensório-motora e perceptual-motora, podemos usar a expressão relação sensível-motora.

A sensibilidade refere-se, também, como disse Warren (1934/1956), a "marcada suscetibilidade para experiências afetivas e emotivas" (p. 327). Nosso próximo ponto.

 

Suscetibilidade

Em um de seus exames sobre as consequências do comportamento, Skinner (1987) afirma que uma "consequência imediata", ingestão de alimento, por exemplo, envolve "duas consequências, uma relacionada à seleção natural e outra a uma suscetibilidade evoluída ao reforçamento por um gosto particular" (p. 70-71).

Se a suscetibilidade a consequências reforçadoras é evoluída, então há uma suscetibilidade a consequências do comportamento que, ou não é evoluída, ou é menos evoluída. Provavelmente, essa suscetibilidade refere-se às consequências naturais do comportamento. Há duas suscetibilidades às consequências do comportamento: uma natural, outra reforçadora. À primeira vista, não temos como distinguir suscetibilidade às consequências naturais de suscetibilidade às consequências reforçadoras. Essa dificuldade persiste até que possamos esclarecer o que significa suscetibilidade evoluída ao reforço.

Skinner (1987) refere-se ao gosto particular do alimento. Segue-se, então, que a suscetibilidade evoluída ao reforço pode se referir a ver, ouvir, cheirar e sentir coisas particulares. O acento está na expressão gosto particular do alimento. O que ele enfatiza é uma sensibilidade particular: ver, ouvir, cheirar e sentir coisas particulares. Há uma passagem que fornece evidências para essa conclusão:

Quando o comportamento é simplesmente o produto da seleção natural, o contato não necessita ser, e presumivelmente não é, um reforçador. Mas quando, através da evolução de suscetibilidades especiais, alimento e contato sexual tornam-se reforçadores, novas formas de comportamento podem ser estabelecidas. (p. 53, itálicos nossos).

Agora, Skinner (1987) usa a expressão suscetibilidades especiais. Sensibilidades particulares e sensibilidades especiais. O que significam? O psicólogo norte-americano fornece uma pista quando se refere ao comportamento que pode ser reforçado com alimento ou sexo: "O comportamento não é necessariamente adaptativo. Comem-se alimentos que não são saudáveis. E fortalece-se comportamento sexual que não é relacionado à procriação" (p. 53). Um gosto particular é reforçador, outro não é. Um contato sexual é reforçador, outro não é.

Skinner (1974) explicou a suscetibilidade especial às consequências reforçadoras em termos do seu valor de sobrevivência. Passando-lhe a palavra: "A suscetibilidade ao reforço é devida ao seu valor de sobrevivência" (p. 47). É possível que, no curso da evolução, tal suscetibilidade tenha surgido devido a um valor de sobrevivência. Mas seria mais adequado vincular esse valor às consequências naturais. Pois, logicamente, não se concebe que comportamentos que não são necessariamente adaptativos possam ser fortalecidos por consequências reforçadoras devido ao seu valor de sobrevivência.

A suscetibilidade às consequências reforçadoras é especial ou particular, características que, aparentemente, faltam à suscetibilidade às consequências naturais. É no aspecto de ser especial ou particular que a suscetibilidade às consequências reforçadoras é evoluída. Mas, ao que se refere essa suscetibilidade, se não tem valor de sobrevivência, se não tem necessariamente valor adaptativo, se certo alimento pode reforçar o comportamento, mesmo quando não é saudável, se certo contato sexual pode reforçar o comportamento, mesmo quando não envolve procriação?

Uma possibilidade consiste em retomar o hedonismo e afirmar que a suscetibilidade evoluída refere-se ao valor hedônico. Isso nos leva a dizer que o reforço fortalece o comportamento porque produz prazer e sua remoção o enfraquece porque produz desprazer, dor, sofrimento. Ou ainda, o reforço fortalece o comportamento porque o organismo sente prazer e sua remoção o enfraquece porque o organismo sente desprazer, dor, ou simplesmente, sofre. O comportamento pode ser fortalecido ou selecionado por consequências naturais ou reforçadoras. Mas as razões são diferentes. As consequências naturais fortalecem o comportamento porque têm valor de sobrevivência. As consequências reforçadoras fortalecem o comportamento porque são fonte de prazer e de eliminação de desprazer, dor e sofrimento.

Estamos diante de outro sentido do conceito de sensibilidade: a sensibilidade hedônica. Warren (1934/1956) afirma que a teoria da sensibilidade refere-se à hedônica (hedónica). A hedônica é o "ramo da psicologia que estuda os afetos agradáveis e desagradáveis" (p. 159). Refere essa caracterização ao francês "théorie de la sensibilité" (p. 199). E afirma que o termo hedônico "refere-se ao afeto ou tom afetivo" (p. 160).

De acordo com Skinner (1969), sentimos prazeres, dores e emoções. Sentimos os desprazeres das dores da fome, da bexiga cheia, do dente inflamado, bem como os prazeres que advêm da eliminação dessas dores. Sentimos emoções: "Uma pessoa que foi atacada por outra não apenas responde agressivamente, mas também sente raiva" (p. 257). Sentimos o prazer ou desprazer do gosto de determinado alimento ou de um contato sexual particular. Sentimos o prazer da alegria. Sentimos o prazer do amor. Sentimos o desprazer da raiva. Sentimos o desprazer da tristeza. Sentimos prazeres e desprazeres mais ou menos intensos (Hilgard, 1962). Sentimos desprazeres mais intensos na fúria, no horror, na agonia, no luto do que na raiva, no medo, na dor, na tristeza. Sofremos nos desprazeres mais intensos do que nos menos intensos. O sofrimento da fúria, do horror, da agonia e do luto é mais intenso do que o sofrimento da raiva, do medo, da dor, da tristeza.

São prazeres, desprazeres, dores, sofrimentos, emoções que devemos sentir para responder efetivamente ao mundo em nosso entorno. Se, por uma razão qualquer, não formos capazes de sentir essas coisas, não responderemos de modo efetivo ao mundo em nosso entorno. E isso vale para os prazeres ou desprazeres, para as emoções prazerosas ou não, para as que são fontes de dor e sofrimento ou não.

Sentir é comportamento: é coordenação afetivo-motora5 Mas Skinner disse: "sentir o mundo em nosso entorno". Sentir prazer, desprazer, dor, sentir emoções, é sentir o mundo em nosso entorno? Sentimos o mundo em nosso entorno quando sentimos prazeres, desprazeres, dores, emoções? Evidentemente que sim! Pois as relações entre a sensibilidade e o comportamento são mundanas: relacionam-se com o mundo. São relações que produzem consequências no mundo, que, por sua vez, as fortalecem ou as enfraquecem ou as modificam. Sentimos esses efeitos que vêm do mundo: sentimos o mundo.

As sensibilidades sensorial, perceptual e hedônica fazem parte da história natural da sensibilidade. Mas a evolução da sensibilidade, conquanto sofisticada, não é suficiente para apoiar projetos culturais com valor de sobrevivência para os organismos, indivíduos, grupos sociais e culturas. Para eventualmente tratar com essa insuficiência, é necessário discutir o que pode vir a ser um projeto de educação da sensibilidade.

 

Ética da Felicidade

Um projeto de educação da sensibilidade defronta-se com duas dificuldades. A primeira refere-se à sensibilidade hedônica às consequências imediatas do comportamento. A segunda refere-se à ausência de uma sensibilidade às consequências remotas ou ulteriores do comportamento.

Um projeto de educação da sensibilidade começa aonde termina a história natural da sensibilidade. Entendemos que o conceito de sensibilidade não deva restringir-se ao significado que carrega vinculado ao término dessa história. Se assim fosse, ele ficaria limitado ao imediatismo e, evidentemente, um projeto de educação da sensibilidade estaria inviabilizado por princípio.

Um projeto de educação da sensibilidade visa à formação de uma sensibilidade a consequências remotas. Mas, para que isso possa ser pensado, precisamos de um conceito mais amplo de sensibilidade. Um que vise nos tornar sensíveis ao não acontecimento. Pois a consequência remota refere-se ao não acontecimento ou ao acontecimento que se ocorrer pode ou não fazer uma diferença e se fizer uma diferença ela pode ou não ser significativa. A sensibilidade ao não acontecimento relaciona-se com o primeiro sentido do conceito de sensibilidade, isto é, à "capacidade de um organismo para receber estimulações" (Warren, 1934/1956, p. 327). Um exemplo pode ilustrar a relação entre a formação da sensibilidade ao não acontecimento e essa capacidade.

O cineasta Florian Henckel von Donnersmarck, diretor e roteirista do belo filme A vida dos outros (Von Donnersmarck, 2008), diz em uma entrevista (Von Donnersmarck, 2010) o seguinte: "Li em um livro de Máximo Gorki, que Lênin havia lhe dito": "Não quero mais ouvir minha música favorita, Apassionata, de Beethoven. Ela me faz querer acariciar as pessoas e dizer-lhes coisas boas, e, desse modo, eu não conseguiria seguir matando-as e realizar a revolução". "Parecia o exemplo extremo de alguém bloqueando a própria humanidade. Resolvi criar uma situação em que Lênin fosse obrigado a ouvir a Apassionata. Lênin virou Ulrich, e a Apassionata, a bela sonata composta por Gabriel para o filme".

Podemos imaginar e criar situações que propiciem a ocorrência do não acontecimento, isto é, o acontecimento que não ocorreria na ausência da situação imaginada e criada. Ou ainda, podemos perguntar: O que é que não aconteceu que se acontecesse faria uma diferença que seria uma notável diferença? O critério que decide o que pode ser uma diferença notável ou não, um acontecimento notável ou não, depende dos sentimentos que possam ser despertados. No comentário de Florian, Lênin sente que se continuar ouvindo a Apassionata, a bela sonata, ele não será capaz de continuar matando as pessoas, e não realizará a revolução. O cineasta então obriga Ulrich, capitão da Stasi (polícia secreta da Alemanha Oriental) a ouvir a bela sonata que Gabriel compôs para o filme. A humanidade de Ulrich desabrocha e suas ações subsequentes mudam completamente o curso da história.

O capitão que espionava um casal de artistas comove-se com suas vidas e faz precisamente o contrário do que deveria fazer: tenta salvá-los ao invés de denunciá-los aos seus superiores, seja porque o escritor estava envolvido com atividades subversivas, seja porque a atriz (e sua mulher) é obrigada a fazer favores sexuais a um chefão da Stasi. O capitão se torna sensível a uma consequência remota, a um não acontecimento, quase inimaginável para um policial da Stasi. Poderíamos até dar o seguinte título a esse filme: A Apassionta contra a Stasi.

Uma nova sensibilidade depende de sensações, percepções e prazeres. Mas o processo psicológico fundamental dessa nova sensibilidade é a imaginação. Quais são as situações que podemos imaginar que nos levem a querer acariciar as pessoas e dizer-lhes coisas boas ao invés de querer matá-las? Ou: como fazer a paz e não a guerra6? Ser sensível à paz é ser sensível a uma consequência remota. É ser sensível ao não acontecimento. Como, então, desenvolver essa sensibilidade? Podemos imaginar situações que ajudem as pessoas a se tornarem sensíveis a esse não acontecimento? Situações que nos levem a querer acariciá-las, dizer-lhes coisas boas, tratá-las amigavelmente, mesmo quando são estranhas para nós, não pode ser uma possibilidade? E não é a imaginação, o processo psicológico central para sondar novas possibilidades? Nesse sentido, um projeto de educação da sensibilidade é um projeto de educação da imaginação.

Consequências naturais e reforçadoras fortalecem comportamentos. Mas, repetimos, as razões pelas quais o fazem são diferentes. As consequências naturais o fazem porque têm valor de sobrevivência para os organismos7 . As consequências reforçadoras o fazem porque têm valor hedônico para os indivíduos e grupos sociais. As razões pelas quais as consequências naturais e reforçadoras fortalecem o comportamento dependem de uma sensibilidade imediata.

As consequências culturais também fortalecem o comportamento. E o fazem por razões similares. Seja porque têm valor de sobrevivência (medicamentos, alimentos etc.) ou hedônico (drogas, prazeres da sociedade de consumo etc.) para os indivíduos e grupos sociais. As consequências culturais que fortalecem o comportamento por razões hedônicas frequentemente ameaçam a sobrevivência dos indivíduos e grupos sociais (e, por decorrência, ameaçam também a sobrevivência das culturas). Essas razões estão relacionadas com a sensibilidade imediata. Mas há consequências culturais que fortalecem o comportamento devido ao seu valor de sobrevivência para os indivíduos e grupos sociais (e, por decorrência, promovem também a sobrevivência das culturas). Essas consequências dependem da formação de um tipo diferente de sensibilidade: a sensibilidade a consequências remotas.

As consequências culturais são obras do homem e não da natureza (salvo, evidentemente, na medida em que o homem é também uma obra da natureza e não somente de sua própria invenção). As obras do homem são as tecnologias, as artes, as ciências, os medicamentos, os costumes, as vestimentas, as regras jurídicas e morais de convivência, os governos democráticos, etc., que visam, em princípio, promover e garantir sua sobrevivência individual e coletiva, bem como seus prazeres. Mas, seja porque os interesses individuais se sobrepõem aos da coletividade, seja porque as obras do homem possuem a médio e longo prazo consequências imprevistas e, frequentemente, ameaçadoras, para a sua própria sobrevivência, individual e coletiva, bem como para o ventre que o gerou, a mãe natureza, a relação do homem com sua cria pede atenção e cuidado.

À primeira vista, a sensibilidade evoluída poderia ajudar o ser humano nessa tarefa. Mas a sensibilidade hedônica, talvez a maior fragilidade humana, é a que requer o maior cuidado. Pois, sequer no curto prazo, essa sensibilidade mede o risco das consequências para a sobrevivência individual e coletiva. O conceito de evolução não significa progresso. Referindo-se à teoria da evolução, Nouel-Rénier (2007/2009) escreve que "não há plano, e também não há progresso: nenhuma espécie é superior a outra" (p. 32). O conceito de evolução significa mudança e a sensibilidade evoluída surge como obra da evolução. Portanto, a evolução dá origem a um tipo de sensibilidade que é diferente da sensibilidade ao valor de sobrevivência. Mas como o valor hedônico não significa progresso em relação ao valor de sobrevivência, ele não é superior a esse valor. E, na verdade, pode ameaçá-lo.

O valor hedônico pode ameaçar a sobrevivência dos indivíduos, grupos sociais e culturas. Seria até mesmo ocioso fazer uma identificação e classificação das fontes de prazer que ameaçam a sobrevivência das pessoas e das comunidades, das sociedades e das culturas. Basta pensar por um instante na sociedade de consumo, que, paradoxalmente, mas com admirável astúcia, fomenta insatisfações através da satisfação instantânea de prazeres ilimitados, à custa de tornar as pessoas fragilizadas, quer do ponto de vista físico, ou psicológico. Ou ainda, à custa de esgotar os recursos do espaço vital, um dos oito pecados mortais do homem civilizado (Lorenz, 1973/1991).

Epicuro (s.n./1997, 323-270 a. C.) escreveu uma carta a seu discípulo Meneceu. A carta é sobre a felicidade. Aí ele escreve que "o prazer é o início e o fim de uma vida feliz" (p. 37). Mas não se trata de um prazer qualquer. Já na abertura de sua missiva ele nos diz que "ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz" (p. 21, itálicos nossos). Nas palavras do filósofo, ser feliz é alcançar a saúde do espírito. Ou ainda, o prazer é a saúde do espírito. E, continua a lição de Epicuro, a saúde do espírito consiste na serenidade.

A felicidade refere-se também à realização dos prazeres do corpo. Mas isso deve ser feito com moderação. O Jardim de Epicuro é prova dessa moderação. Viviam no jardim de sua casa, acampados em barracas, mestres e discípulos. Nesse jardim, "vicejava uma autêntica comunidade, onde mestres e discípulos viviam de maneira quase ascética, consumindo apenas as hortaliças que eles próprios cultivavam, às quais acrescentavam apenas pão e água, ou ainda queijo em ocasiões especiais" (Lorencini & Carratore, 1997, p. 10). Joyau e Ribbeck (1988) comentam que, para Epicuro, o sábio é aquele que "com um pouco de pão e de água rivaliza com Júpiter em felicidade" (p. XII).

A serenidade do espírito, a realização moderada dos prazeres do corpo, a amizade que caracteriza a relação de Epicuro com seus discípulos e colegas, no jardim, um homem bondoso, terno e amável, que auxilia seus irmãos, que trata delicadamente os escravos, aí estão os valores do hedonismo do filósofo.

Se afastarmos a vulgata hedonista que difunde o hedonismo como o gozo dos prazeres do corpo e do mundo, gozo imoderado, sem limites, e assimilarmos o hedonismo no sentido de Epicuro, teremos aí uma ética da felicidade que pode iluminar a elaboração e desenvolvimento de um projeto de educação da sensibilidade.

A ética da felicidade, no sentido de Epicuro (s.n./1997), contém algumas lições que podemos extrair diretamente de suas páginas. Diz o filósofo que "há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo" (p. 39). Epicuro pensa que, por sua própria natureza, todo prazer é um bem, e que toda dor é um mal. Mas nem por isso escolhemos todos os prazeres e evitamos todas as dores. Sendo assim, convém "avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério de benefícios e danos. Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem" (p. 39).

Nem todo prazer conduz à felicidade e nem todo desprazer conduz à infelicidade. Há prazeres que conduzem à infelicidade e há desprazeres que conduzem à felicidade. Essa lição está esquecida. Pensamos que todo prazer é felicidade e que todo desprazer é infelicidade.

Konrad Lorenz (1973/1991) escreveu no seu livro Os oito pecados mortais do homem civilizado que "os progressos tecnológicos e farmacológicos favorecem uma crescente intolerância contra tudo que provoca desprazer" (p. 112). Um dos oito pecados mortais do homem civilizado consiste precisamente em que "está desaparecendo a capacidade humana de procurar aquele tipo de alegria que somente se obtém superando obstáculos ao preço de um pesado esforço" (p. 112). Esse é o pecado, continua Lorenz, que nos condena aos sentimentos e emoções fracas. Sentimentos e emoções fortes ou fracas enraízam-se na natureza de nossas relações com o mundo.

 

Conclusão

O conceito de sensibilidade contribui para integrar diversas áreas de pesquisa psicológica. Sensação, percepção, sentimento, emoção, são processos psicológicos que pertencem à esfera da sensibilidade.

A sensibilidade não existe como interioridade fechada sobre si mesma. Ao contrário, ela existe em relação com o comportamento. E como o comportamento existe em relação com o mundo, a sensibilidade também existe em relação com o mundo. Quando sentimos emoções, estamos sentindo o mundo.

Relacionados às formas imediatas de sensibilidade, sejam elas sensoriais, perceptuais ou afetivas, o valor de sobrevivência das consequências naturais e o valor hedônico das consequências reforçadoras fortalecem, enfraquecem ou modificam o comportamento.

Mas a evolução nos legou uma ausência. Ela não criou uma sensibilidade a consequências remotas do comportamento. Essa ausência representa um notável obstáculo a projetos com a finalidade de gestar consequências culturais com valor de sobrevivência para as gerações presentes e futuras.

Nossa sensibilidade ao não acontecimento, ou não existe, ou é pouco desenvolvida. O projeto de educação da sensibilidade é o projeto de desenvolvimento da sensibilidade ao não acontecimento. Refere-se à imaginação do ausente. Quais são os acontecimentos e os sentimentos ausentes que se vierem a acontecer poderão contribuir para o desenvolvimento de relações pacíficas entre as pessoas, as culturas, e os países?

Com esse projeto, pode-se, eventualmente, esclarecer a sensibilidade hedônica através do exercício cotidiano de uma ética da felicidade que ilumine a busca de prazeres e desprazeres. Que descubra ou invente, não só prazeres que não ameacem a sobrevivência dos indivíduos e dos agrupamentos humanos, mas também desprazeres que no longo prazo sejam fontes de prazeres mais intensos do que os prazeres imediatos que ameacem a sobrevivência das humanidades.

Que contribua, enfim, para enfrentar um dos pecados mortais do homem civilizado: a incapacidade de tolerar o desprazer.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
José Antônio Damásio Abib
E-mail: j.abib@terra.com.br

Enviado em Junho de 2010
Aceito em Outubro de 2010
Publicado em Dezembro de 2010

 

 

Sobre o autor:

José Antônio Damásio Abib - Professor Adjunto do Departamento de Filosofia, Universidade Federal de São Carlos, SP. Pesquisador visitante do Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Estadual de Maringá/Fundação Araucária, PR.

 

 

1 Em seu livro, Psicologia da forma, Paul Guillaume (1979) afirma que a noção de estímulo é ambígua: pode se referir aos estímulos físicos como, por exemplo, energia luminosa, energia acústica, energia mecânica, etc., bem como aos efeitos desses estímulos sobre os órgãos receptores (as terminações nervosas periféricas) e as projeções nervosas centrais, isto é, as sensações ou qualidades sensoriais (qualidades de cores, sons, pressão, dor, etc.).
2 Maturana e Varela (1987/1995) mostram que o comportamento pode ser definido por seus aspectos adaptativos ao ambiente sem envolver o movimento. Discutimos essa possibilidade em outro lugar (Abib, 2007). Para os propósitos deste texto, enfatizamos a característica motriz do comportamento. O que, evidentemente, não nega suas funções adaptativas. Pois, como escreve Piaget (1976/s.n.):

Entendemos por comportamento o conjunto das ações que os organismos exercem sobre o meio exterior para modificarem os seus estados ou para transformarem a sua própria situação, em relação a esse meio: por exemplo, a procura de alimentação, a construção de um ninho, a utilização de um instrumento, etc. (p. 5).

3 Como a superfície sensorial e a superfície motora do protozoário é a mesma, Maturana e Varela (1987/1995) afirmam que o acoplamento estrutural do organismo ao meio é imediato. O que nos leva a crer que não é imediato nos exemplos da ameba e da bactéria. Contudo, nos três exemplos, eles afirmam que a coordenação sensório-motora "se dá por meio de processos no interior da célula, ou seja, por transformações metabólicas próprias da unidade celular" (p. 179). Pode-se indagar se a coordenação sensório-motora não se refere ao processo de irritabilidade. Por um lado, sim, porque a irritabilidade é "suscetibilidade a estimulação", bem como "característica fundamental da matéria orgânica, ou (nos organismos superiores) dos nervos, receptores, músculos e glândulas" (Warren, 1934/1956, p. 190). Mas, por outro lado, não, porque a irritabilidade, no "sentido técnico é quase sinônimo de sensibilidade, porém sem referência a uma sensação consequente" (Warren, 1934/1956, p. 190).
4 A psicologia clássica refere-se à psicologia introspectiva. A crítica de Piaget a essa psicologia é análoga àquela que foi feita por Köhler (1929/1970). A crítica da psicologia da Gestalt à psicologia introspectiva foi determinante para a concepção de que o que existe de imediato é a percepção, e não a sensação (Köhler). Evidentemente que nem Piaget, nem Köhler estão a negar que as sensações existam. Pois sem elas não há percepção. O que estão a negar é que sensações isoladas sejam percebidas de imediato. O que é percebido de imediato são sensações estruturadas. Os dados imediatos da percepção são sensações estruturadas e não sensações isoladas.
5 Não devemos esquecer que Skinner (1989) disse que ver é comportamento. De onde inferimos que sentir (como ver, ouvir, cheirar, saborear) também é comportamento. Skinner também disse que esses comportamentos são obrigatórios (pois usou o termo must, que indica necessidade, obrigação, alguma coisa indispensável) para respondermos com efetividade ao mundo em nosso entorno. Deduzimos, portanto, que, se há coordenação sensório-motora no ver, ouvir, cheirar, saborear, há também coordenação afetivo-motora no sentir. Por exemplo, não sei se vou sentir, ou se devo sentir, um mal-estar em uma situação que se configura agora, neste preciso momento, em meu entorno, como fortemente estressante. Mas sei que se sentir um mal-estar, vou me movimentar, vou agir de algum modo, vou tomar um medicamento, vou fugir da situação, vou tentar modificá-la, vou evitá-la em ocasiões posteriores.
6 O filme brasileiro Tempos de paz (Filho, 2010) encena um intenso e comovente diálogo entre um imigrante polonês tentando obter um visto de entrada no Brasil como lavrador em 1945 e um burocrata brasileiro da Alfândega especializado em tortura. O burocrata duvida das reais intenções do polonês. Afinal, suas mãos não são ásperas, nem calejadas como deveriam ser as mãos de um lavrador. O polonês, que fala o português muito bem, termina revelando sua real profissão: ele é um ator. Mas o burocrata continua duvidando de suas reais intenções. Afinal, se é um ator, por que pretende entrar no Brasil como lavrador? Porque, diz o imigrante, o Brasil precisa de braços para a lavoura. O burocrata propõe então um teste ao polonês: que o leve ao choro em dez minutos fazendo uma representação baseado em suas lembranças da Europa destruída pela guerra. Se conseguir, obterá o visto. A comovente representação do ator leva o burocrata ao choro (embora, como ele diz, não tenha entendido nada!). Concede-lhe então o visto. Na cena final, o ator continua sua representação. Sua audiência? O burocrata e seus colegas (além de alguns outros personagens emblemáticos para o desenvolvimento e desfecho da história).
7 Darwin defende a seleção do organismo; Wallace, a seleção da espécie; Lorenz, a seleção da espécie e de grupo. Dawkins, a seleção do gene; Gould, a seleção de todas essas unidades (Continenza, 2005; Dawkins, 1976/1979). Skinner foi criticado por defender a seleção da espécie ou de grupo. Respondendo a seus críticos, reconheceu que deveria ter dito que a primeira seleção refere-se à seleção do organismo e negou que defendesse a seleção de grupo (Skinner, 1984a, 1984b).

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