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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.18 no.2 Ribeirão Preto  2010

 

DOSSIÊ "PSICOLOGIA E DOR"

 

Experiência de dor e variáveis psicossociais: o estado da arte no Brasil

 

Pain experience and psychosocial variables: the state of the art in Brazil

 

 

Fabrício Fernandes Almeida; Áderson Luiz Costa Junior; Fernanda do Nascimento Pereira Doca; Virgínia Turra

Universidade de Brasília - DF - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A dor é definida como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a um dano tissular real ou potencial ou descrita em termos de tal dano. Neste contexto, são considerados não apenas os componentes físicos e químicos envolvidos, mas, também, aspectos subjetivos e psicológicos são cruciais à compreensão da queixa dolorosa. Assim, o objetivo deste estudo foi o de identificar estudos psicológicos brasileiros sobre dor e as principais variáveis que são analisadas. Utilizou-se o método padronizado por Doca (2009), que prioriza a avaliação de periódicos avaliados pela CAPES que receberam a avaliação QUALIS A. Foram analisados 14 artigos, provenientes de 32 periódicos brasileiros, bem como artigos publicados na Revista Dor. Observou-se que a Psicologia brasileira não tem ocupado seu espaço nesse campo e que, em discordância com a necessidade apontada pela literatura da área, os artigos identificados neste artigo analisam um pequeno número de variáveis psicossociais de relevância para o estudo da dor.

Palavras-Chave: Dor, Psicologia, CAPES.


ABSTRACT

Pain is defined as an unpleasant sensorial and emotional experience, associated to a real or potential tissue damage or described in terms of such damage. In this context, not only the physical and chemical components involved are considered, but also the subjective and psychological aspects are crucial to the understanding of pain complaints. Thus, the objective of this study was to identify Brazilian psychological studies about pain and their variables. Through Doca's (2009) standardized method, that makes a priority of the journals evaluated by CAPES that were qualified as QUALIS A. Fourteen articles, provided by 32 possible Brazilian journals were subjected to analysis, as well as articles published in the Dor Journal. It was observed that the Brazilian psychology has yet to fill in its space in this field and, in disagreement to the need suggested by the literature of the field, the articles noted in this article there is a low absolute number of psychosocial variables relevant to the study in the field of pain.

Keywords: Pain, Psychology, CAPES.


 

 

A experiência de dor sempre fez parte da história da humanidade. Mesmo na atualidade, apesar dos avanços científicos e tecnológicos das ciências da saúde e da grande quantidade de pesquisas que buscam um maior controle sobre o fenômeno da dor, algumas lacunas de conhecimento ainda dificultam análises funcionais acerca do processo doloroso. A simples definição do fenômeno doloroso exigiu a criação de um comitê da International Association for the Study of Pain (Merskey & Bogduk, 1994), que, após discussões ocorridas de 1976 a 1978, definiu a dor como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a um dano tissular real ou potencial ou descrita em termos de tal dano. Um novo comitê da IASP adicionou à definição anterior a observação de que cada indivíduo aprende a utilizar esse termo através das suas próprias experiências (IASP, 1994). Ainda em 1994, a IASP destacava que a ocorrência da dor é mediada por processos neurais que modulam a percepção, amplificando-a ou reduzindo-a sob ações límbicas e corticais. Assim, a experiência dolorosa não constitui uma função isolada, ou direta, da quantidade de dano tecidual, mas é o resultado da interação entre diversas funções.

Nos termos desses conceitos, não apenas componentes físicos e químicos envolvidos no evento doloroso devem ser considerados, mas, também, aspectos subjetivos e psicológicos são cruciais à compreensão da queixa dolorosa. Consequentemente, e de acordo com Katz e Melzack (1999), a dor é uma experiência pessoal e subjetiva que pode apenas ser sentida intrinsecamente pelo indivíduo, podendo ser descrita como íntima e não compartilhada e que é modificada quantitativamente e qualitativamente em função de uma série de fatores internos e externos à pessoa. Contudo, embora apresente tais características, Carvalho (1999) destaca que "a dor não é abstrata" (p. 11). Na verdade, segundo Pereira e Sousa (2007) "a dor não é uma qualidade sensorial específica que varia apenas em intensidade, mas uma infinidade de qualidades sob um único rótulo linguístico de dor" (p. 564).

Descrita em termos de parâmetros físicos e indicadores biológicos, a concepção de saúde e doença como um fenômeno multidimensional constitui uma proposta relativamente recente (Costa Junior, 2005), sendo a percepção da dor um de seus indicadores. Controversamente, há mais de 30 anos, a experiência dolorosa já era considerada como um fenômeno de cunho multidimensional, apresentando componentes sensoriais, afetivos e cognitivos, conforme descreviam Melzack e Torgerson (1971, citados por Pimenta & Teixeira, 1996). Ou seja, na vanguarda dos estudos científicos da época, Melzack e Torgerson classificavam os componentes não biológicos como dimensões psicossociais da dor e, por conseguinte, indicadores da qualidade de vida dos indivíduos que dela padeciam.

Para Loeser (2008), uma concepção multidimensional da dor pode refletir-se na utilização léxica do vocábulo e no modelo de interpretação resultante do fenômeno doloroso. De acordo com esta proposta, delimitam-se quatro componentes formadores e necessários à descrição da experiência dolorosa: (a) nocicepção; (b) dor; (c) sofrimento; e (d) comportamento doloroso. Em consonância com Katz e Melzack (1999), o modelo proposto por Loeser leva em conta que todos os componentes, à exceção do comportamento doloroso, constituem eventos pessoais, privados e internos.

A Nocicepção refere-se à detecção de lesão tissular por transdutores especializados e ligados às fibras nervosas (especificamente às fibras A-delta e C), que transmitem sinais ao Sistema Nervoso Central, e que podem sofrer influências internas ou externas modulatórias ou de bloqueio. A Dor diz respeito à resposta funcional do corpo à nocicepção, podendo ocorrer mesmo na ausência do estímulo nóxico nos casos de lesões do Sistema Nervoso Central. O Sofrimento expressa uma resposta afetiva e adversa, gerada pela dor, medo, ansiedade, estresse e/ou por outros estados psicológicos desagradáveis (Katz & Melzack, 1999). Como último componente, o Comportamento Doloroso é a consequência esperada do sofrimento e emitido pelo indivíduo como forma de expressão de sua experiência dolorosa. As alterações posturais (posturas cautelosas ou não usuais e inatividade), expressões faciais (caretas, arqueamento de sobrancelhas e sulco nasolabial aprofundado), atividade motora (fricção ou proteção da área dolorosa, sobressalto), atividades autonômicas (palidez, rubor, sudorese), expressões vocais como as paralinguísticas (choro, gemido, grito e suspiro) e linguagem (apelos, exclamações, descrições qualitativas, queixas e solicitações) constituem expressões de comportamentos dolorosos referidos por Pereira e Sousa (2007).

Ainda segundo Loeser (2008), "os comportamentos são sempre influenciados por antecedentes e consequências ambientais, sejam reais ou previstos. Os comportamentos dolorosos crônicos e expressos ao longo do tempo revelam com especial clareza a influência do ambiente: o comportamento, neste sentido, resulta do aprendizado" (p. 3). Isso significa que qualquer análise do comportamento doloroso requer a reconstrução da história de interação do indivíduo com o ambiente ao longo do tempo.

Esses comportamentos, segundo McKinlay (1972, citado por Andrade & Fontaine, 2000), são explicados por modelos psicossociais de saúde (por exemplo, pelo modelo de crenças em saúde, descrito por Maiman & Becker, 1974), aqui compreendidos como um conjunto de variáveis de cunho psicológico e social e caracterizados pela abordagem das crenças e motivações que levam os indivíduos a desenvolverem certas atitudes que podem gerar determinados comportamentos. Ainda de acordo com McKinlay, os modelos psicossociais explicativos dos comportamentos de saúde são frequentemente apresentados de uma forma mista, em associação a dois tipos de construtos: (a) socioestruturais - que se caracterizam por uma orientação sociológica, analisando aspectos sociais, culturais e institucionais (p.ex.: organização e distribuição do sistema de cuidados de saúde); e (b) processuais - que lidam fundamentalmente com a doença e o papel do doente e utilizam variáveis analisadas pelos construtos socioestruturais, salientando os aspectos da dinâmica da mudança, quer ao nível individual quer ao nível social (por exemplo, as redes de suporte social ao indivíduo).

Portanto, no que tange à experiência dolorosa, aspectos cognitivo-comportamentais, socioculturais, de personalidade, dentre vários outros, podem influenciar a percepção da experiência. De fato, uma visão psicossocial e, por consequência, uma atuação interdisciplinar de manejo, é essencial para a análise da experiência de dor (Melzack, 1975; Merskey & Bogduk, 1994; Turk & Flor, 1999; Robinson et al., 2001; Sufka & Price, 2002; Flor & Hermann, 2004; Mogil & Devor, 2004; Price & Bushnell, 2004; Riley & Wade, 2004). Turk e Okifuji (2002) chamam atenção para tal fato, atestando que para uma atuação eficaz no campo da dor há que se entendê-la como uma interação dinâmica e recíproca entre variáveis biológicas, psicológicas e socioculturais que modelam a resposta da pessoa a ela.

Procurando responder às questões relacionadas à importante colaboração da Psicologia no campo dinâmico da atuação em dor e como tem sido delineada esta colaboração, definiu-se como objetivo deste estudo identificar os estudos sobre dor publicados em revistas de Psicologia, ou seja, a produção acadêmica brasileira no campo da Psicologia nos estudos da dor, identificando a experiência dolorosa e os fenômenos psicossociais envolvidos nestes estudos.

 

Método

Para atender ao objetivo proposto, realizou-se um estudo de cunho descritivo documental e seccional transversal. Estes também reconhecidos por utilizarem procedimentos de caráter inventariante e descritivo sobre o tema investigado, incidindo as análises sobre dissertações/teses, publicações em periódicos e comunicações em anais de congressos e de seminários (Ferreira, 2002).

Optou-se pelo método padronizado por Doca (2009), realizando-se um estudo de todos os periódicos brasileiros de Psicologia classificados pelo Sistema QUALIS como "A" Nacional e disponíveis no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Além destes, foi incluída a Revista Dor, da Sociedade Brasileira para os Estudos da Dor (SBED).

Os periódicos consultados tiveram todos sumários dos volumes de 2007 e 2008 analisados entre fevereiro a junho de 2009.

A CAPES gerencia os sistemas de informação do Ministério da Educação sobre teses e de dissertações existentes nas Instituições de Ensino Superior brasileiras, reunindo os trabalhos científicos em um banco de dados. Conforme a definição disponível no sítio do Ministério da Educação (Capes, Brasil, 2009), o Sistema QUALIS se refere a uma classificação feita pela CAPES dos veículos utilizados pelos programas de pós-graduação para a divulgação da produção intelectual de seus docentes e alunos, cujo objetivo é atender às necessidades específicas da avaliação da pós-graduação realizada por esta agência. Ainda segundo a CAPES, a classificação é elaborada e coordenada por uma comissão de consultores de cada área e passa por processo anual de atualização. Os veículos de divulgação, citados na produção intelectual dos programas de pós-graduação, são enquadrados em categorias indicativas da qualidade do veículo utilizado, e, por inferência, do próprio trabalho divulgado, recebendo menções, respectivamente da maior para menor, de A a C. Foram incluídos no portal, nos meses referentes à realização da análise para este estudo, apenas os periódicos que receberam menção A ou B no triênio de 2007 a 2009.

Em setembro do ano de 2009, o Conselho Técnico Científico do programa QUALIS publicou em seu portal uma nova lista de periódicos, resultante das alterações dos princípios norteadores do sistema de classificação. Esta nova forma de classificação apresenta, além das menções, estratos aplicados às menções, aqui descritos detalhadamente, para periódicos de Psicologia. A Tabela dos critérios de avaliação de 2009 pode ser acessada no site http://qualis.capes.gov.br/arquivos/avaliacao/webqualis/criterios2007_2009/Criterios_Qualis_2008_37.pdf

De acordo com os princípios norteadores do sistema de classificação anterior, permanece a norma de inclusão no portal de apenas periódicos de menção A ou B, independente do estrato a que pertença.

Procedimento

A partir do título e do resumo do artigo, foram identificadas as publicações que se referiam à temática de dor, que, por sua vez, foram organizadas e armazenadas em um Banco de Dados da Produção Científica Nacional em Psicologia da Dor (BPCPD), criado especialmente para este trabalho.

Para a geração do BPCPD, todos os periódicos incluídos no Sistema QUALIS, do triênio de 2007 a 2009, e identificados como 'A', além da Revista Dor, tiveram seus títulos de artigos coletados e organizados, entre os meses de fevereiro e junho de 2009. Na tentativa de contornar a baixa frequência de artigos encontrados nesta primeira versão do BPCPD, nova consulta ao portal WEBQUALIS foi efetuada em setembro de 2009, e, já sob novo critério estratificado de qualificação, três novos periódicos foram incluídos na segunda versão do BPCPD, resultando na inclusão de um artigo adicional à amostra selecionada, totalizando 14 artigos identificados.

Estes dados subsidiaram análises gerais sobre o panorama de publicações na área da Psicologia no Brasil, no que se refere ao número de publicações anuais e aos periódicos mais receptivos a temática dos estudos da dor. No entanto, apenas as publicações diretamente pertinentes ao tema foram analisadas pormenorizadamente e subsidiam a discussão proposta pelo estudo.

Para selecionar as publicações pertinentes aos estudos da Psicologia relacionados à temática dor, procedeu-se à análise qualitativa por meio de uma categorização funcional dos títulos, e resumos quando necessário, das publicações de acordo com o seu tema principal. Esta categorização funcional se deu a partir de conteúdos ou palavras que fizessem referência aos componentes formadores da experiência dolorosa segundo o modelo de Loeser (2008). As categorias para a seleção dos artigos foram: (a) Nocicepção; (b) Dor; (c) Sofrimento; e (d) Comportamento doloroso.

Na etapa seguinte e com o auxílio do Programa Statistical Package for de Social Sciences (SPSS) versão 13.0, os artigos selecionados foram tabulados quanto à formação acadêmica e profissional do(s) autor(es), Unidade da Federação onde o trabalho se realiza, ano de publicação, presença e descrição de variáveis psicossociais avaliadas, utilização ou não instrumentos de mensuração, delineamento metodológico do estudo, presença ou não de dados e análises estatísticas, número de participantes e, por fim, gênero dos participantes.

 

Resultados e Discussão

O levantamento das produções disponibilizadas pelo Sistema QUALIS com critério 'A' nacional e disponíveis no Portal de Periódicos da CAPES, no período em que o estudo foi realizado, identificou 29 periódicos, no triênio de 2007 a 2009. De setembro a outubro de 2009, foram selecionados mais três periódicos aos anteriormente selecionados e que faziam parte do então novo QUALIS estratificado e que completaram, juntamente com a Revista Dor da SBED, 33 periódicos entendidos neste artigo como qualificados, segundo o critério utilizado, à avaliação do estudo da dor em Psicologia no Brasil. Entre os 33 periódicos, foram encontrados, em sete deles, 14 artigos cujos títulos e resumos apresentavam conteúdos que faziam referência aos componentes formadores da experiência dolorosa, segundo o modelo de Loeser (2008). A Tabela 1 apresenta a lista dos 33 periódicos e os artigos selecionados.

Vale ressaltar que um artigo, foi excluído da amostra do estudo por tratar-se de uma produção internacional portuguesa, não se adequando aos critérios de inclusão da amostra, que fazia referência apenas a artigos produzidos no país.

Na Tabela 01, como pode ser observado, o número de periódicos potencialmente interessados nos estudos da dor publicados em revistas de Psicologia. Cerca de 21,21% dos periódicos disponíveis apresentam publicações sobre dor. Observa-se também um número reduzido de artigos sobre dor no período estudado (aproximadamente 0,56% do total), considerando o caráter epidemiológico da dor, que tem prevalência mundial de 7 a 40% (SBED, 2007). No Brasil, estudos indicam prevalências de 41,4% de dor crônica em Salvador (Sá, Baptista, Matos & Lessa, 2008), 51,4% de lombalgia em Londrina (Dellaroza, Pimenta & Matsuo, 2007) e 55,4% de cefaleia no Rio Grande do Sul (Mendoza-Sassi, Béria, Fiori & Bortolotto, 2006).

No que se refere à autoria, quatro dentre os 14 primeiros autores dos artigos analisados, pertencem a outras áreas de formação, que não a Psicologia. Este fato reforça a constatação de que a área da Psicologia, ainda, pouco investe em pesquisas no campo da dor. O periódico mais receptivo ao assunto estudado foi a Revista Dor, responsável por oito dos 14 artigos identificados. Esta revista apresenta um caráter multidisciplinar, constatado pelo fato de que metade dos primeiros autores dos artigos nela publicados, eram não psicólogos. Apesar da representatividade da publicação da Revista Dor, sua produção psicológica pouco aborda o componente sofrimento e comportamento doloroso segundo as definições propostas por Loeser (2008) e utilizadas neste trabalho. Ao contrário, são publicados estudos que abordam estes componentes a partir de uma perspectiva filosófica, a qual não apresenta aplicabilidade no contexto avaliação e manejo da dor.

Quanto às variáveis analisadas pelos artigos, especialmente aquelas de interesse para o estudo psicológico da dor, segundo a proposta de Melzack e Torgerson (1971, citados por Pimenta & Teixeira, 1997) e segundo o modelo de McKinlay (1972, citado por Andrade & Fontaine, 2000), apenas seis artigos abordavam o tema dor do ponto de vista psicossocial. A Figura 01 identifica tais variáveis.

No que se refere ao delineamento metodológico dos artigos estudados e do controle e mensuração de variáveis, psicossociais ou não, cinco dos 14 artigos apresentavam coleta de dados com algum tipo de instrumento relacionado a escalas ou inventários, sendo que dois desses estudos se referiam a estudos de caso individuais, sem análise estatística dos dados. A população estudada nos 14 artigos foi cumulativamente de 861 indivíduos, sendo estes, respectivamente, 47,15% homens e 52,85% mulheres. Deve-se destacar que um dos artigos utilizou 715 participantes (354 homens e 361 mulheres). Outro dado importante a ser observado é a Unidade da Federação onde atuava o autor ou grupo de autores dos periódicos estudados. Tal variável chama atenção à possível presença de pólos de estudo brasileiros sobre a atuação e/ou pesquisa em Psicologia da dor. Dos 14 artigos, nove se referiam a pesquisadores do estado de São Paulo, dois se referiam a pesquisadores do Rio Grande do Sul e outros três artigos pertenciam a pesquisadores de Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal, sendo um para cada estado. Há uma clara predominância do estado de São Paulo como maior detentor de pesquisadores estudando e publicando na área de Psicologia da dor. A Tabela 02 ilustra as principais características dos 14 artigos selecionados.

Como sugestão em termos de prioridade de estudos no campo da dor, todos os autores, independentemente da orientação teórica ou abordagem metodológica, chamam atenção, em algum grau, à necessidade de que os estudos avaliem a distinção preponderante, mas cabal indissociação, entre a dor e o sofrimento e, ainda, que proponham medidas específicas e diferenciadas para estes dois constructos. Tal observação vai ao encontro da divisão teórica do fenômeno doloroso, advogada por Loeser (2008) e defendida, neste artigo, como uma importante via de reconhecimento de variáveis psicossociais na análise do fenômeno doloroso entre indivíduos e grupos.

 

Considerações Finais

O estudo da dor tem constituído um campo multidisciplinar fértil para crescente colaboração da Psicologia, desde a definição dessa pela IASP no fim da década de 1970. Com o presente estudo, contudo, observa-se que a Psicologia brasileira não tem ocupado seu espaço suficientemente nesse campo. Mais especificamente, e em discordância com a necessidade apontada pela literatura da área, os artigos identificados neste artigo analisam um número reduzido de variáveis psicossociais de relevância para o estudo da dor.

Flores e Costa Junior (2008), por exemplo, apontam para a necessidade de uma compreensão biopsicossocial do fenômeno doloroso, destacando que para a formulação de tratamentos mais eficientes e coerentes com uma proposta realmente sistêmica e idiográfica, é essencial reconhecer a relevância de fatores comportamentais e sociais sobre o fenômeno doloroso e a expressão do sofrimento decorrente.

Por fim, a dor está presente, de uma forma ou de outra, em todos os campos de atuação da Psicologia. Seja no consultório, nos hospitais ou nas organizações, o psicólogo lida com seu impacto adverso, se não pela natureza de sua profissão, por sua própria condição de ser humano, o que o coloca sob o risco de vivenciá-la a qualquer momento. Assim, destaca-se a necessidade não apenas da atuação desse profissional no campo da dor, mas de sua produção no contexto científico, no desenvolvimento de tecnologias para o manejo mais eficiente dessa condição humana muitas vezes irremediável.

 

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Endereço para correspondência:
Fabrício Fernandes Almeida
Centro Empresarial Mont Blanc
SEP/Sul 705/905, Bloco C, Sala 323
Asa Sul -Brasília -Distrito Federal. CEP.: 70390-055
Fax: (61) 3244-6524. Tel.: (61) 8403-7886
E-mail: fabriciofalmeida@unb.br

Enviado em Junho de 2010
Aceite em Outubro de 2010
Publicado em Dezembro de 2010

 

 

Sobre os autores:

Fabrício Fernandes Almeida - Psicólogo. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Áderson Luiz Costa Júnior - Doutor em Psicologia. Professor Adjunto do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Fernanda do Nascimento Pereira Doca - Mestre em Psicologia. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Virgínia Turra - Mestre em Psicologia. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.

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