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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.18 no.2 Ribeirão Preto  2010

 

DOSSIÊ "PSICOLOGIA E DOR"

 

Fibromialgia e estresse: explorando relações

 

Fibromyalgia and stress: exploring relations

 

 

Maria de Jesus Dutra dos ReisI; Laura Zamot RabeloII

IUniversidade Federal de São Carlos - SP - Brasil
IIUniversidade Federal de São Carlos - SP - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo descrever possíveis correlações entre estresse, transtornos físicos e/ou mentais e diferentes formas de vitimização em pacientes com fibromialgia (FM). Foram examinados 16 prontuários de pacientes que recebiam tratamento por fisioterapeuta e psicólogo. Os prontuários incluíam os resultados de avaliações em Psicologia e Fisioterapia, indicadores de saúde geral, de nível socioeconômico e registros, em áudio e vídeo, de sessões em psicoterapia. Adicionalmente, foram analisados os escores em inventários de estresse, ansiedade e depressão, obtidos no início do tratamento. As sessões de psicoterapia foram examinadas e os relatos de eventos vitimizadores ao longo da vida foram organizados em cinco categorias: negligência e abuso emocional, abuso físico, assédio e abuso sexual. As pacientes eram 16 mulheres, com idade variando entre 22 e 73 anos. Todas apresentaram indicadores de estresse. Correlações significativas foram estabelecidas entre tender points, estresse e ansiedade. No relato dos pacientes, Negligência e abuso emocional foram as categorias predominantes, tanto na infância, quanto na vida adulta. Categorias de vitimização na infância foram positivamente relacionadas à ansiedade, depressão e tender points. Vitimização na infância e trabalho infantil foram correlacionados a um maior número de doenças na vida adulta, enquanto abuso físico foi positivamente associado a doenças musculoesqueléticas. Uma proposta tenta integrar as diversas correlações observadas de uma perspectiva analítico-comportamental.

Palavras-chave: Fibromialgia, Estresse, Ansiedade, Depressão, Vitimização.


ABSTRACT

The present study aimed to investigate possible correlations between stress, mental and physical disorders, and different forms of victimization in fibromyalgia patients (FM). The medical records of 16 patients who received treatment from both a physiotherapist and a psychologist were examined. The medical records included the results from psychological and physiotherapeutic assessments, general health information, economic indicators, as well as both transcripts and copies of videotaped and audiotaped therapy sessions. Additionally, the patients' records included stress, anxiety and depression's scores obtained at the beginning of treatment that were taken into consideration. The therapy sessions were analyzed and lifelong victimization events were classified in the following five categories: emotional neglect and abuse, physical abuse, sexual harassment and abuse. The patients were women between 22 and 73 years of age. All of them presented stress indicators. The analysis revealed significant correlations between tender points, stress, and anxiety. Emotional neglect and abuse during childhood and adulthood were the predominant categories in patients reports. Victimization categories in childhood were positively related to anxiety, depression and tender points. Early victimization and child labor were correlated with different medical conditions in adult life, while physical abuse was associated with pathologies of the muscular-skeletal system. A tentative proposal to integrate the observed correlations from the perspective of Behavior Analysis is presented.

Keywords: Fibromyalgia, Stress, Anxiety, Depression, Victimization.


 

 

A Fibromialgia (FM) tem sido definida como uma síndrome dolorosa crônica, caracterizada por dor musculoesquelética difusa, ocorrendo ao longo do esqueleto axial. Nos critérios clínicos de diagnóstico, estabelecidos pelo American College of Rheumatology (ACR) em 1990, no exame por apalpação devem ser identificados pelo menos 11 pontos dolorosos dos 18 tender points estabelecidos. Distúrbios do sono, fadiga, depressão e ansiedade são alguns dos sintomas frequentemente associados à síndrome (Cavalcante et al., 2006; Goldenberg, 2005; Wolfe et al., 1990).

Estudos de prevalência da FM, em população adulta, têm mostrado uma variação entre 0,66% e 3,2%, com maior incidência no sexo feminino (aproximadamente 6:1), na faixa etária entre 35 e 60 anos. A prevalência pode aumentar para 24,7% quando o estudo restringe a população a filhos e familiares de mulheres com FM (Cavalcante et al., 2006). Em estudo com população brasileira, a FM foi a segunda mais frequente patologia reumatológica em atendimento ambulatorial, com prevalência de 2,5% (Senna et al., 2004).

A FM somente foi reconhecida como doença em 1990 e, até os dias de hoje, inexiste consenso com relação à sua etiologia e manutenção. Embora os sintomas possam persistir ao longo dos anos, não existem anormalidades bioquímicas, imunológicas ou anatômicas que se mantenham constantes ao longo do tempo, permitindo um diagnóstico mais preciso. Contudo, a comorbidade recorrentemente documentada entre esta patologia e transtornos psicológicos tem levado alguns autores a postular que uma explicação plausível para esta síndrome possivelmente deverá ser construída considerando as interconexões entre processos biológicos, psicossociais e psicopatológicos da dor (Thieme, Turk, & Flor, 2004; Van Houndenhove & Luyten, 2005).

A comorbidade entre FM e Depressão Maior pode variar de 22% a 90%, levando autores a hipotetizar que FM poderia ser uma desordem subjacente a processos relativos à depressão (Ahles, Yunus, & Mais, 1987; Meyer-Lindenberg & Gallhofer, 1998; Pae et al., 2009). Da mesma forma, estudos identificam uma relação entre transtornos de ansiedade e FM. Arnold et al. (2006) relatam que pacientes com FM, comparados com portadores de outros quadros em reumatologia, apresentam seis vezes mais possibilidade de comorbidade com diferentes transtornos de ansiedade (ex.: Estresse Pós-Traumático, Síndrome do Pânico, entre outros). Em estudo com população brasileira, foram avaliadas 74 mulheres casadas com idade entre 21 e 65 anos; 47 alcançaram os critérios da ACR e 27 não apresentavam dor crônica (grupo controle). Utilizando Testes de Hamilton para avaliação da Depressão e da Ansiedade, observou-se que 80% das pacientes com FM obtiveram escore de depressão contra 12% do grupo controle; 63,3% apresentaram ansiedade, contra 16% do controle. Estas diferenças entre os grupos foram estatisticamente significativas (Martinez, Ferraz, Fontana, & Atra, 1995).

Investigações têm examinado ainda a relação das dores crônicas e um processo psicobiológico relativamente importante: o estresse (Cleare, 2004; Van Houndenhove & Egle, 2004). Sempre que um organismo identifica alterações no ambiente, potencialmente positivas ou danosas, que exigiriam mudanças significativas no responder, entra em curso um conjunto de alterações adaptativas com componentes hormonais, físicos, comportamentais e cognitivos. De uma perspectiva biológica, define-se resposta de estresse como um processo filogeneticamente selecionado envolvendo a ativação de dois eixos neurobiológicos distintos e interrelacionados: (1) o Eixo Hipotalâmico-Pituitário-Adrenal (HPA) e (2) o Eixo Simpático Adrenomedular (SAM). O Eixo HPA tem seu funcionamento acionado por um evento estressor, levando o hipotálamo a liberar o hormônio corticotropina (CRH); este agirá sobre a glândula pituitária, liberando adrenocorticotropina (ACTH) na corrente sanguínea. Ao mesmo tempo, o ACTH irá estimular o funcionamento das glândulas adrenais, liberando três hormônios que aumentam a prontidão do organismo para responder ao perigo: epinefrina (conhecida como adrenalina), noraepinefrina e glicocorticoides. O Eixo SAM, componente do Sistema Nervoso Autônomo, estimulado pela descarga de CRH e dos hormônios liberados pelo Eixo HPA, controla respostas autônomas que regulam a pressão sanguínea, o batimento cardíaco e a digestão; também é responsável por orquestrar dimensões do funcionamento do sistema límbico, amígdala e hipocampo, responsáveis por regular respostas emocionais e de luta/fuga, processamento da memória e motivação. A liberação continuada de glicocorticoides, particularmente cortisol, inibirá a produção de CRH pelo hipotálamo, fechando o ciclo da resposta de estresse (Almeida, 2003; Gunnar & Quevedo, 2007).

O funcionamento destes dois sistemas converge para um conjunto de mudanças que maximiza as chances de sobrevivência, protegendo o indivíduo em um ambiente hostil. Mudanças na pressão sanguínea e sistema respiratório aumentam a eficiência de respostas musculares de defesa; o sangue se afasta das extremidades, concentrando-se nas coxas e bíceps, evitando sangramento excessivo no caso de ferimento. Processos perceptivos e atencionais colocam o indivíduo em permanente vigilância, devotando sua atenção à localização e identificação de fontes de danos. O aumento de corticoides facilita a cicatrização, amplia o efeito anti-inflamatório e inibe o funcionamento do sistema imunológico, diminuindo o risco imediato de infecções. Ácidos estomacais agilizam o processo digestivo, permitindo o aproveitamento de fontes de energia (glicose e gorduras). Comportamentos reflexos e operantes, previamente selecionados, terão sua probabilidade de ocorrência aumentada. Esta cascata de eventos, denominada fase de alerta, deve ser inibida tão logo as condições do ambiente se mostrem favoráveis.

Em condições continuamente estressoras, o organismo progride na direção de ativação máxima do sistema, alcançando um patamar em curva assintótica de funcionamento; denominou-se à persistência neste contexto de funcionamento de fase de resistência. Nesta fase observa-se o aumento de sintomas, tais como: insônia; alterações de funções psicológicas como percepção, memória e concentração; irritabilidade; fadiga; hipertensão arterial; diabetes; doenças no sistema digestório (ex. gastrite, úlceras, entre outras); perda de eficiência do sistema imunológico, favorecendo o aumento de infecções (ex., rinites, sinusites, gripes, pneumonias, etc); entre outros. Autores propõem que, quando do aparecimento de doenças crônicas e sistêmicas, uma nova fase deveria ser considerada, denominada de quase-exaustão (Lipp, 2003).

Em última instância, a permanência em ambiente estressor, com persistência da fase de resistência (ou de quase-exaustão) por ativação ininterrupta da resposta de estresse, pode conduzir o sistema a um colapso, levando o organismo à fase de exaustão. Nesta última fase, o indivíduo apresentará disfunções múltiplas que, eventualmente, poderão levar a óbito (Lipp, 1984; Lipp, 2003; Moreno Jr., Melo, & Rocha, 2003; Selye, 1965; Wyler, Masuda, & Holmes, 1968).

Estudos têm apontado que uma população significativa de pacientes com dores crônicas, em particular FM, parecem apresentar alterações no funcionamento do Eixo HPA (Okifuji & Turk, 2002). Foram relatados hipersensibilidade, resposta excessiva a estressores físicos e/ou psicológicos, disfunções relativas ao cortisol, entre outros (Crofford et al., 1994; Crofford et al., 2004; Okifuji & Turk, 2002). Além disto, investigações parecem indicar que estratégias terapêuticas voltadas para um melhor funcionamento do Eixo HPA têm demonstrado um razoável grau de eficácia no tratamento da patologia (Bonifazi et al., 2006; Holtorf, 2008).

Pesquisas têm estabelecido uma relação significativa entre exposição a situações estressoras sociais na fase inicial do desenvolvimento e disfunções dos eixos do estresse, similares àquelas observadas nos pacientes com FM. Revisões bibliográficas, sumarizando resultados de pesquisa com diferentes modelos animais (ex. roedores e primatas não humanos) e com humanos, parecem indicar que a privação social, particularmente do cuidado materno, pode produzir mudanças anatômicas e funcionais no sistema do estresse, comprometendo a eficiência e eficácia do seu funcionamento (Sanchez, Ladd, & Plotsky, 2001; Gunnar & Quevedo, 2007; Uchida et al., 2009).

De fato, resultados parecem corroborar a teoria de que alguns padrões estressores de relações familiares, particularmente negligência e abusos na infância, podem contribuir para a predisposição, etiologia e manutenção das dores crônicas em geral e, em particular, da FM (Davis, Luecken, & Zautra, 2005; Murray Jr., Murray, & Daniels, 2007; Otis, Keane, & Kerns, 2003; Raphael, Spatz, & Lange, 2001). Foi observado que mulheres com FM relatam mais abusos físicos e sexuais, ao longo da vida, do que aquelas em tratamento por outras doenças reumatológicas (Boisset-Pioro, Esdaile, & Fitzcharles, 1995; Ciccone, Elliott, Chandler, Nayak, & Raphael, 2005). Vivências traumáticas, relações coercitivas, conflitos e sobrecarga familiar também foram descritos em relatos de casos clínicos com população brasileira (Queiroz, 2009).

Van Houndenhove et al. (2001) investigaram o papel de eventos estressores por vitimização e sua relação com a dor crônica. Participaram 242 mulheres, distribuídas em três diferentes grupos. No Grupo 1 estavam arroladas 41 mulheres com FM e 54 com Síndrome de Fadiga Crônica (SFC); no Grupo 2 participaram 52 mulheres com outras patologias reumatológicas sem cronicidade e, no Grupo 3, 95 sem problemas de saúde. Os tipos de vitimização analisadas foram negligência emocional, abuso emocional, abuso físico, assédio sexual (sem contato físico) e abuso sexual. Um questionário era apresentado aos participantes solicitando: a descrição de ocorrência de eventos sociais adversos, uma estimativa de como teriam afetado sua vida e o tipo de relação com o vitimizador. Foram considerados eventos da infância aqueles que ocorreram quando o indivíduo tinha menos de 14 anos; eventos que ocorreram depois desta idade foram arrolados como sendo da vida adulta. A prevalência geral de vitimização foi maior para o grupo de pacientes com dor crônica; este grupo descreveu mais negligência emocional, abuso emocional e abuso físico quando comparado com os demais grupos. Além disto, pacientes com dores crônicas foram vitimizados mais frequentemente por familiares próximos ou parceiros.

Recentemente pesquisadores (Smith et al., 2010) investigaram a relação entre eventos traumáticos, estresse e indicadores de saúde física e mental. Os autores compararam o desempenho de 41 mulheres com FM (Grupo FM) e 44 mulheres saudáveis (Grupo Controle). Foram avaliados eventos traumáticos, estresse percebido, indicadores de saúde mental e de saúde física. Os eventos traumáticos foram divididos nas categorias (1) abusos na infância (idade inferior a 16 anos), (2) abusos na fase adulta e (3) outros eventos traumáticos (ex. cirurgias, acidentes de carros, etc.). Os resultados mostraram que eventos sociais traumáticos na infância foram significativamente relacionados a maior comprometimento da saúde física e mental, no grupo com FM.

O presente trabalho teve como objetivo descrever relações entre estresse, vitimização ao longo da vida e indicadores de saúde física e mental, por meio do exame de prontuários e instrumentos de avaliação de pacientes com diagnóstico de FM, em tratamento com profissionais de Fisioterapia e Psicologia.

 

Método

Amostragem

Inicialmente foram examinados todos os prontuários de pacientes, com diagnóstico fechado de FM, que tivessem recebido (ou estivessem recebendo) durante os quatro anos de funcionamento da unidade de saúde, atendimento psicológico, individual e/ou em grupo, sob supervisão ou atendimento direto de um dos autores; foram arrolados neste primeiro exame vinte (20) prontuários. Desta amostra, foram selecionados os prontuários que atendessem aos seguintes critérios: (1) contivessem a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) autorizando o uso de dados para pesquisa; (2) registrassem a participação do paciente em pelo menos oito sessões de psicoterapia, e (3) contivessem um instrumento de avaliação de FM, implementado por Fisioterapeuta da unidade. Dezesseis (16) dos prontuários atenderam a todos estes requisitos; estes prontuários apresentavam o histórico de avaliação e atendimento de dezesseis mulheres adultas, com idade variando entre 22 a 73 anos.

Local/Materiais/Instrumentos

Todos os pacientes estiveram (ou estavam) sob atendimento em uma unidade saúde-escola, ligada a instituição de ensino, localizada no interior da Região Sudeste. Esta unidade de atendimento de saúde encontra-se ligada ao Sistema Único de Saúde (SUS), funcionando como uma Unidade de Média Complexidade. Os prontuários institucionais são unificados, constando dos mesmos a avaliação, procedimentos e evolução realizada por todos os profissionais envolvidos no tratamento.

Uma Avaliação Inicial Geral da Instituição, rotineiramente implementada no início do atendimento para todos os serviços de intervenção da unidade, levanta os seguintes aspectos: 1) identificação; 2) sinais vitais e antropométricos; 4) genograma; 3) histórico de saúde e clínico; 5) avaliação de aspectos relativos ao sono, nutrição, sexualidade e dependências químicas; 6) indicadores de transtornos psicopatológicos; 7) indicadores socioeconômicos, incluindo: escolaridade, dados ocupacionais, condições de moradia, saneamento básico e informações para o cálculo do Critério Econômico Brasil do IBEP. O histórico de saúde e clínico contém três questões, entre outras, que envolvem o registro de diferentes informações: (1) resultados de exames laboratoriais realizados nos dois anos anteriores ao início do atendimento na Unidade (ex. exames de sangue, urina, radiografias, etc); (2) registro da medicação e posologia consumida pelo paciente no início do atendimento, por prescrição ou automedicação, através do exame de receituário, da bula medicamentosa e do relato verbal; (3) Uma lista fechada de 26 patologias e um espaço para o registro de outras não listadas. Nesta parte do questionário era solicitado que o paciente declarasse se estaria fazendo, ou se já teria feito, tratamento (medicamentoso ou cirúrgico) para cada uma das patologias; solicitava-se, ainda, se esta haveria sido diagnosticada e tratada em outros membros da família (filhos, parceiros e Pais). Esta lista de patologias a serem investigadas foi gerada, no momento da elaboração do Instrumento, pela compilação de indicações feitas por diferentes profissionais de saúde da unidade (ex. Psiquiatra, Neurologista, Fisioterapeutas, Enfermeiros, Psicólogos, Terapeutas Ocupacionais, Farmacêuticos, entre outros).

No atendimento em Psicologia, todas as sessões foram gravadas em mídia de áudio e, eventualmente, algumas foram registradas por filmadora digital (seis sessões); as quatro primeiras sessões realizadas por estagiários, além disto, apresentavam registro adicional na forma de transcrições. Durante as sessões iniciais, em quaisquer condições de atendimento, três inventários psicodiagnósticos eram aplicados: o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de LIPP (ISSL), o Inventário Beck de Depressão (BDI) e o Inventário Beck de Ansiedade (BAI).

O Inventário de Sintomas de Stress solicita a autoidentificação da ocorrência de sintomas (1) no dia anterior à avaliação, (2) na semana anterior e (3) no último mês. Quatro fases de estresse, segundo o modelo proposto por Lipp (2003), são identificáveis, da mais leve à de maior cuidado: Alerta, Resistência, Quase-exaustão e Exaustão.

O Inventário de Depressão (BDI) é composto por 21 grupos de afirmativas que devem ser identificadas pelo paciente como autodescritivas de aspectos do seu comportamento, sentimentos ou emoções, na última semana. Seu cômputo leva à identificação de quatro níveis de depressão: Mínimo, Leve, Moderado e Grave. O Inventário de Ansiedade (BAI) apresenta uma lista de 21 sintomas, a serem autoavaliados, que teriam ocorrido na última semana. Os resultados podem indicar quatro níveis de ansiedade: Mínima, Leve, Moderada e Grave. Nestes inventários são usualmente considerados de maior cuidado em saúde os níveis Moderado e Grave.

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, apresentado no início das intervenções, é composto de duas partes. A primeira parte descreve as condições gerais de atendimento e normas da unidade, devendo obrigatoriamente ser assinado pelo paciente, comprovando ciência das mesmas. A segunda parte do TCLE autoriza o uso de dados do prontuário, registro e instrumentos psicodiagnósticos para pesquisa, desde que mantido o sigilo; o paciente é livre para assinar ou não esta parte do documento, sem comprometimento no seu atendimento.

Procedimento

A pesquisa consistiu numa análise documental, realizada em duas diferentes fases: 1) uma análise quantitativa de instrumentos de avaliação e 2) uma análise qualitativa de relatos sobre eventos vitimizadores ao longo da vida.

A análise quantitativa de instrumentos de avaliação teve dois objetivos gerais: 1) identificar características dos pacientes e 2) identificar variáveis relativas à saúde em geral, e de saúde mental e estresse, em particular. Três conjuntos de instrumentos foram examinados: a) a avaliação inicial geral da instituição, b) a primeira avaliação de diagnóstico de FM por fisioterapeuta da unidade e c) escores nos inventários psicodiagnósticos aplicados. Do exame da avaliação inicial geral foram selecionados elementos referentes à saúde, retirados especialmente das questões que avaliavam o histórico de saúde e clínico (particularmente identificando patologias diagnosticadas e tratadas em momento anterior à entrada na Unidade), avaliação do sono e indicador econômico do IBEP; do instrumento de avaliação da FM registrou-se o número de tender points.

Para a análise qualitativa de informações foram examinados integralmente os registros em áudio ou vídeo referentes a, no mínimo, oito (8) sessões de psicoterapia; quando era o caso, escrutaram-se adicionalmente as transcrições de sessões realizadas pelos estagiários. Inspecionou-se, ainda, o genograma da avaliação geral da instituição para identificação de óbitos e divórcios na rede familiar. Os registros audiovisuais foram analisados buscando identificar e registrar a ocorrência de relatos verbais referentes a eventos que pudessem ser incluídos nas categorias propostas por Van Houndenhove et al. (2001). Aos moldes do que foi feito por Smith et al. (2010), os eventos vitimizadores que tiveram lugar antes dos 16 anos foram identificados como relativos à infância; àqueles que ocorreram aos 16 anos ou mais foram computados como sendo da fase adulta.

Os eventos vitimizadores estressores foram organizados em cinco categorias: 1) Negligência emocional: Relatos que indicassem ausência de redes sociais de cuidado e apoio por familiares ou pares, descrição de sentimentos de abandono ou solidão. No estudo de Van Houndenhove et al. (2001) foi, também, tratado nesta categoria a descrição de exercer, na infância, sem supervisão de adulto (Pais ou cuidadores), atividades de cuidado da casa, de adultos doentes, idosos e/ ou de irmãos; 2) Abuso emocional: incluía relatos que envolvessem ser constantemente diminuído, perseguido, humilhado, intimidado ou vitimado por castigos verbais. 3) Abuso físico: relatos de maus tratos físicos, como ser espancado e/ ou torturado. 4) Assédio sexual: relatos de investidas sexuais desagradáveis, sem contato físico (ex., falas eroticamente abusivas, comentários e convites inapropriados, vítimas de exibicionismo, etc). 5) Abuso sexual: relatos de atos sexuais indesejáveis envolvendo contato físico, com ou sem intercurso sexual (ex. toques invasivos, estupro, etc.). Como nos estudos parcialmente replicados procurou-se identificar o grau de proximidade familiar/afetiva com o agente vitimizador.

O Quadro 1 apresenta exemplos de relatos que caracterizam as diferentes categorias e algumas queixas de estressores sociais na fase adulta. Um observador ingênuo examinou o registro de caso e uma lista de eventos da vida de seis participantes (37,5% da amostra), distribuindo os mesmos entre as cinco categorias, em ambas as fases de desenvolvimento. O índice de acordo entre codificadores, para avaliação da fidedignidade variou de 94,3% a 100%.

 

Resultados

Os resultados foram organizados utilizando-se para análise estatística o Programa SPSS 11.5; as correlações entre as variáveis foram computadas por teste não paramétrico de Spearman, two-tailed, com significância de p<0,05.

A Tabela 1 apresenta características gerais das participantes. Foram computados idade, estado civil, escolaridade, classe econômica, tender points detectados e histórico de patologias diagnosticadas antes do atendimento na unidade; para cada uma destas variáveis analisadas, podemos ver a distribuição no TOTAL da amostra e nos diversos níveis de Estresse. A área sombreada realça, para cada variável, onde se concentram a distribuição de valores iguais ou maiores de 60% da amostra, no TOTAL dos prontuários e nos níveis de cuidado do estresse (Resistência, Quase-exaustão e Exaustão). Por exemplo, a variável idade foi computada considerando quatro diferentes intervalos. Observa-se que a maior distribuição no TOTAL da amostra (43,7%) estava concentrada no intervalo de 51 a 60 anos; a segunda maior (25%) entre 41 e 50 anos. Estas duas distribuições somadas correspondem a 68,7% do total da amostragem (12 diferentes prontuários). Examinando, ainda, a variável idade, considerando os níveis de cuidado do estresse, observamos que o maior valor de distribuição seria 18,7 %, nos níveis de estresse de resistência e quase exaustão, depois vemos 12,5% em quase exaustão e 6,2% distribuído em diferentes níveis de estresse. Valores iguais de distribuição foram sombreados obedecendo ao critério de ordem decrescente nos níveis de cuidado do estresse, até que a somatória de todos os valores sombreados fosse igual ou superior a 60%. Estes critérios para sombreamento foram utilizados para todas as variáveis.

Adicionalmente, foram computadas as correlações entre as diferentes variáveis: idade, estado civil, classe social, tender points, patologias diagnosticadas, patologias do sistema musculoesquelético e estresse.

Todas as participantes apresentaram indicadores de estresse; onze (69%) distribuídas entre as fases de resistência e quase exaustão e duas mulheres (12%) em exaustão. A maioria das participantes (68,7%) tinha idade variando entre 41 e 60 anos, eram casadas (62,5%), com formação igual ou superior ao nível médio (62,5%). O nível socioeconômico estava concentrado entre as classes C1 e E (62%), indicando renda igual ou inferior a três salários mínimos. A participante mais jovem da amostra (22 anos) é filha de outra paciente, também presente nesta análise, ambas atendidas por diferentes profissionais, em momentos distintos.

Embora todas as pacientes tenham sido referenciadas para a unidade com diagnóstico fechado de FM, o exame refeito por profissionais do setor indicam que 25% não alcançaram o critério mínimo dos 11 pontos. Participantes com mais de 11 tender points apresentam escores mais elevados de estresse (68,7%), sendo esta relação estatisticamente significativa (tender points X estresse, r=0,60; p<0,02).

Na Tabela 1, vemos, ainda, que os maiores níveis de estresse parecem estar significativamente relacionados a um número maior de patologias previamente diagnosticadas (r=0,75, p<0,001). Distúrbios do sono foram reportados por 87,5% das pacientes, enquanto 75% (12) tinham diagnóstico de transtorno do humor. Doenças do sistema gastrointestinal e transtorno de ansiedade são registrados em 68,8% e 50% da população, respectivamente. Chama a atenção que três (3) das pacientes (19%) convivam com uma segunda dor crônica: a enxaqueca; duas destas têm idade inferior a 40 anos, apresentando níveis de estresse de quase exaustão e exaustão. Notamos que 10 das participantes (62,5%) apresentaram algum tipo de patologia do sistema musculoesquelético (ex., artropatias, osteosporose, LER/DORT, Síndrome do Túnel do Carpo), algumas tendo recebido tratamento medicamentoso e/ou cirúrgico para pelo menos duas destas.

A Tabela 2 apresenta frequência e porcentagem da amostra nos diferentes níveis de depressão e de ansiedade. Nela, podemos examinar, ainda, os resultados referentes às categorias de eventos vitimizadores, na infância e na fase adulta. Uma distribuição das variáveis considerando número de tender points e níveis de Estresse foi disponibilizada; o sombreado, assim como descrito na Tabela 1, realça onde 60% ou mais da amostra encontra-se distribuída nos diferentes níveis das variáveis apresentadas, tanto para os critérios de tender points, quanto para os níveis do estresse. Uma análise estatística correlacional foi realizada cruzando todas as variáveis descritas na Tabela 1 e aquelas apresentadas aqui: depressão, ansiedade, as cinco categorias da infância, as cinco categorias na fase adulta. Foi inclusa na análise uma variável que representava a somatória da ocorrência de categorias na infância (vitimização geral na infância) e outra que seria a somatória de categorias na vida adulta (vitimização geral no adulto).

Um número visível de participantes apresentou escores de cuidado (moderado e grave) em depressão (56,2%) e de ansiedade (74,9%). Aparentemente, os maiores escores nestas variáveis encontram-se distribuídos entre pacientes com 11 pontos ou mais. Contudo, Tender Points mostrou uma correlação significativa com ansiedade (r=0,49; p<0,05), mas não com depressão (r=0,31, p<0,24). Ambas mostraram, contudo, uma relação positiva com os indicadores de estresse (estresse x depressão, r=0,63, p<0,01; estresse x ansiedade, r=0,74, p<0,001). Correlações foram observadas também entre ansiedade e depressão (r=0,53, p<0,04), ansiedade e patologias diagnosticadas (r=0,55, p<0,03) e depressão e patologias diagnosticadas (r=0,54, p<0,04).

Na parte inferior da Tabela 2, podemos examinar a porcentagem de ocorrência das categorias de vitimização na infância e na vida adulta. Todas as variáveis foram distribuídas considerando tender points e níveis de estresse. Ao sistematizar os resultados referentes à Categoria de Negligência Emocional, foram implementadas duas análises distintas. Na primeira delas foram computados e apresentados todos os relatos que correspondiam à definição da categoria como no estudo originalmente replicado. Entretanto, uma análise dos relatos sobre o exercício de atividades no cuidado da casa e de menores, não supervisionado por Pais ou cuidadores, levou os autores a organizarem alguns dados numa nova categoria denominada trabalho infantil. Nesta categoria, foram incluídos os relatos dos pacientes que descreviam duas instâncias: (1) assumir os cuidados DO LAR e dos irmãos, durante cinco a seis dias da semana, sem supervisão direta de adulto responsável, realizando tarefas domésticas em geral (ex. limpeza da casa, cozinhar, cuidar de irmãos, lavar e passar roupa, carregar água de rios para abastecimento da casa, entre outros) e (2) assumir, total ou parcialmente, as responsabilidade de Pais ou cuidadores na provisão de dinheiro e bens, trabalhando para terceiros e sendo a REMUNERAÇÃO deste trabalho incorporada na manutenção geral da família. Os resultados da categoria trabalho infantil foram disponibilizados também na Tabela 2, sendo incluída, ainda, como uma das variáveis nas análises estatísticas de correlação.

Todas as participantes apresentaram ocorrência em pelo menos uma das categorias da infância e uma da vida adulta, mostrando situações adversas ao longo da vida. Examinando as categorias na fase da infância (menos de 16 anos), 12 (75%) das participantes descrevem Negligência Emocional, enquanto 15 (93,7%) relatam algum tipo de abuso emocional. Em todos os casos nos quais foram descritos Abuso Físico (43,7%), observou-se ocorrência de Negligência e Abuso Emocional.Negligência emocional apresentou uma significativa relação com depressão (r=0,53, p<0,03) e patologias diagnosticadas (r=0,54, p<0,04), enquanto Abuso físico foi correlacionado à depressão (r=67, p<0,004). Nenhuma categoria desta fase apresentou correlação significativa com estresse. Considerando o somatório total de categorias na infância (Vitimização geral na infância), encontramos uma correlação significativa com ansiedade (r=0,74, p<0,001), depressão (r=0,63, p<0,01), tender points (r=53, p<0,03) e patologias diagnosticadas (r=0,75, p<0,001).

Vemos, ainda na Tabela 2, que dez das pacientes (62,5%) relatam Trabalho infantil. Três (18,7%) assumiram os cuidados do lar, com idade entre 6 e 8 anos, para que os Pais ou cuidadores pudessem trabalhar; estas pacientes assumiram esta função por um período mínimo de quatro anos, sendo as filhas mais velhas do gênero feminino, cuidando cada uma de um conjunto de irmãos com três, quatro e oito crianças, com idades e gêneros diversos. Sete das pacientes iniciaram trabalho remunerado por terceiros com idade entre 7 e 9 anos, desenvolvendo tarefas como colheita do campo, doméstica em casa de família, produção de artesanatos ou salgados para revenda (junto com um dos progenitores), entre outros. Uma correlação positiva foi observada entre trabalho na infância e patologias diagnosticadas (r=0,52, p<0,05).

Na vida adulta, também predominam as categorias de Negligência (93,7%) e de Abuso emocional (93,7%); em todos os casos onde se observou relatos de Abuso físico (43,7%), foram registradas ocorrências de Negligência e de Abuso emocional. Correlações significativas foram observadas entre depressão e as categorias de Abuso físico (r=0,53, p<0,03) e Abuso sexual (r=0,56, p<0,02) em adultos; Abuso físico, nesta fase, também foi positivamente relacionado a ocorrências de patologias musculoesqueléticas (r=0,53, p<0,03). O somatório geral de categorias na fase adulta (vitimização geral no adulto) foi positivamente relacionado à de vitimização geral na infância (r=0,61, p<0,01). As categorias da fase adulta, computadas individualmente ou em conjunto, não mostraram correlação com estresse. Na infância os Pais foram descritos como os principais responsáveis por negligência, abuso emocional e/ou abuso físico. Na fase adulta, o marido ou parceiro passa a ser apontado como o principal vitimizador.

 

Discussão

Como uma patologia recentemente identificada, o estudo sistemático da FM coloca para os profissionais de saúde e pesquisadores desafios constantes. Medidas do fenômeno são operacionalmente inexistentes, exceto pelo exame clínico de apalpação; a investigação sobre etiologia, manutenção e fatores de resiliência ainda são incipientes.

Estudos correlacionais, contudo, têm procurado identificar variáveis críticas potencialmente importantes para investigações experimentais futuras e para a construção do corpo teórico. Nesta direção, resultados promissores e consistentes parecem ser aqueles descrevendo uma relação estreita entre estresse e FM (Davis et al., 2005; Okifuji & Turk, 2002; Raphael et al., 2001; Van Houndenhove & Egle, 2004). O presente trabalho tentou organizar informações nesta direção teórica.

Uma contribuição importante deste estudo está relacionada à própria origem dos dados. Demonstra que, mesmo quando estamos trabalhando numa condição de atendimento público e gratuito do Sistema Único de Saúde (SUS), cuidados na sistematização e registro de caso podem possibilitar a quantificação e análise posterior na forma de relato de pesquisa. Para tanto, garantir algumas condições mínimas parece ser crucial, tais como: providenciar um Termo Geral de Consentimento padrão, autorizando o uso de dados para pesquisa; incorporar uma entrevista estruturada, padronizada na aplicação e comum a todos os usuários, incluindo indicadores econômicos e sociais relevantes; registrar de forma sistemática e organizada as rotinas de avaliação e atendimento, entre outros. Dadas estas condições, os autores entrando em contato com a literatura que explorava as relações entre estresse e FM, mesmo sem projeto prévio de pesquisa, conseguiram organizar informações quantitativas e qualitativas, pelo exame de prontuários e registros de sessões.

A amostra apresenta características comumente encontradas em estudos envolvendo indivíduos com diagnóstico de FM. Um número representativo de pacientes preenchem todos os critérios exigidos para diagnóstico da patologia (Goldenberg, 2005; Wolfe, et al., 1990). Todas as pacientes apresentavam indicadores de estresse, observando-se que, quanto maior o número de tender points, significativamente maiores pareciam ser os escores de estresse. Vimos, ainda, que patologias usualmente correlacionadas ao estresse foram identificadas na população: por exemplo, doenças gastrointestinais, hipertensão, distúrbios do sono, entre outros (Lipp, 1984; Moreno Jr. et al., 2003). Usualmente, isto pode indicar que um nível significativo de estresse esteve presente no dia a dia, por um período representativo de tempo.

Como previamente descrito na literatura (Martinez et al.,1995), indicadores de depressão (Ahles et al., 1987; Meyer-Lindenberg & Gallhofer, 1998; Pae et al., 2009) e de ansiedade (Arnold et al., 2006; Thieme et al., 2004) ocorreram com alta prevalência, considerando-se pelo menos duas medidas: os escores obtidos nos Inventários (BAI e BDI) e o diagnóstico prévio de transtornos de depressão e ansiedade.

Como na população com FM dos estudos replicados (Smith et al., 2010; Van Houndenhove et al., 2001), as pacientes relatam vitimização ao longo da vida, com exposição a eventos sociais estressores e coercitivos, similares àqueles encontrados no estudo de Queiroz (2009). Vitimização geral na infância mostrou-se positivamente correlacionada a maiores indicadores de depressão, ansiedade, tender points, patologias previamente diagnosticadas e Vitimização geral no adulto. Possivelmente, como observado por diferentes autores, para alguns indivíduos, a vitimização na infância pode iniciar uma cascata de eventos que exacerbaria a sensibilidade ao estresse a longo prazo e teriam efeitos persistentes e negativos sobre a saúde física e mental. (Davis et al, 2005; Murray Jr. et al., 2007; Otis et al., 2003; Raphael et al., 2001; Smith et al., 2010).

A análise em separado das patologias musculoesqueléticas mostrou uma correlação positiva com o abuso físico no adulto; entretanto, todas as pacientes que relatavam abuso físico, também descrevem exemplos de negligência e de abuso emocional. Estes resultados dão suporte a estudos que postulam, na etiologia da FM, a interação entre eventos vitimizadores ao longo da vida, suscetibilidade ao estresse e vulnerabilidade biológica, referindo-se particularmente ao sistema modulador da dor (Cleare, 2004; Davis et al., 2005; Smith et al., 2010). Contudo, os resultados podem indicar uma segunda vulnerabilidade a ser examinada mais cuidadosamente: a do sistema musculoesquelético. Como exemplos que fortalecem as hipóteses nesta direção, podemos observar que, mesmo em uma amostra tão pequena, 19% das participantes tiveram o diagnóstico e recebem tratamento de outra dor crônica: a enxaqueca; além disto, 62,5% apresentaram (ou apresentam) pelo menos duas ou três outras patologias do sistema musculoesquelético.

O trabalho infantil também foi positivamente correlacionado com patologias diagnosticadas, não sendo, contudo, uma categoria examinada nos estudos replicados; provavelmente por não ser uma prática significativa das culturas onde foram implementados. Pesquisas futuras poderão endereçar mais diretamente os efeitos do estresse produzido pelo trabalho infantil e seu impacto sobre a saúde em geral, em particular, nas alterações dos sistemas de modulação da dor e do musculoesquelético.

Alguns autores têm enfatizado o papel do assédio e abuso sexual na FM (Boisset-Pioro et al., 1995; Ciccone et al., 2005); contudo, na presente população, ficou difícil analisar o papel isolado destas categorias. Uma das pacientes relatou abuso sexual exclusivamente na infância, duas na fase adulta e uma na infância e na fase adulta. A paciente vitimizada em ambas fases apresentou exaustão em estresse.

Embora a população com FM deste estudo apresente resultados similares daqueles participantes com FM descritos nos trabalhos parcialmente replicados (Smith, et al., 2010; Van Houndenhove et al., 2001), a presente investigação carece de dados com portadores de outras patologias reumatológicas ou, ainda, indivíduos sem histórico de dor, impossibilitando uma comparação representativa entre os estudos. Contudo, é importante enfatizar que os estudos originais utilizaram para coleta de dados questionários estruturados, aplicados através de entrevistas com um único contato, por telefone ou presencial. No presente trabalho, entretanto, questões similares à dos instrumentos foram examinadas, considerando informações obtidas em um tempo mínimo de dois meses de psicoterapia. Desta forma, especula-se que os pacientes podem ter voluntariado informações que não teriam sido endereçadas numa única entrevista de coleta.

Vale salientar também que estresse, ansiedade e depressão apresentaram correlações estatisticamente significativas. Contudo, somente estresse e ansiedade apresentaram correlações significativas com o número de tender points. Embora não possamos sistematicamente atribuir uma relação de causalidade entre as diversas variáveis examinadas, um modelo explicativo hipotético pode ser sugerido, considerando o arcabouço conceitual da Análise do Comportamento, para auxiliar na organização de futuras investigações.

Podemos pressupor, de forma geral, que comportamentos descritos como pertencentes às categorias de negligência e abuso (físico ou emocional), dizem respeito a contingências selecionadas e mantidas por controle aversivo. Consideremos, por exemplo, que abuso em geral parece estar relacionado a consequências aversivas apresentadas por agências sociais, contingentes ou contíguas à diferentes classes de respostas. Quando um organismo fica exposto a estímulos aversivos, contingentes ou não contingentes, um número representativo de estímulos neutros do ambiente parecem adquirir valor aversivo, sendo esta a base do paradigma da ansiedade (Estes & Skinner, 1941). Neste processo seria construída uma rede ampla de estímulos potencialmente ansiogênicos (considerando processos de controle de estímulos, como discriminação, generalização ou formação de classes) e estes estímulos acionariam, como é biologicamente esperado, o gatilho da resposta de estresse (Dougher, Augustson, Marrham, Greenway, & Wulfert, 1994; Hayes & Wilson, 1998).

Ainda supostamente, quando um indivíduo cresce num contexto familiar ou social negligente, comportamentos relevantes, particularmente para o convívio nas relações sociais, podem não ser reforçados na frequência e topografia apropriadas; além disto, pode carecer de modelos de comportamentos sociais positivos e reforçadores. Concomitantemente, nas condições abusivas, estímulos aversivos podem punir respostas operantes, particularmente, estratégias de enfrentamento e habilidades sociais apropriadas, além de favorecer o aumento de respostas mantidas sob reforço negativo. As pacientes poderiam apresentar, entre outros fatores, déficits no repertório social que dificultariam ou impossibilitariam relações sociais na maturidade. A ausência de repertório apropriado e variado, somado à presença de condições aversivas, podem levar a um repertório usualmente relacionado à depressão (Dougher & Hackbert, 1994).

Especulativamente, ainda, podemos imaginar que progenitores potencialmente negligentes e/ou punitivos podem não prover um ambiente de estimulação, na fase inicial de vida, que favoreceria o desenvolvimento estrutural e fisiológico adequado do sistema de estresse (particularmente, o eixo HPA), podendo contribuir para alterações no funcionamento do mesmo (Gunnar & Quevedo, 2007); estas condições, somadas a eventuais vulnerabilidades biológicas (por exemplo, do sistema modulador da dor e /ou do sistema musculoesquelético), poderiam favorecer o desenvolvimento da dor crônica e, em particular, da FM (Okifuji & Turk, 2002; Van Houndenhove & Egle, 2004). A negligência também poderia exercer um papel negativo em processos importantes para o desenvolvimento, tais como o Apego; para alguns autores, inclusive, este seria um dos aspectos essenciais para entendermos porque sistemas neurológicos complexos entrelaçariam, no processo evolutivo, dores físicas e dores emocionais (Eisenberger & Lieberman, 2004).

Desta forma, uma história de contingências aversivas estabelecida pelas redes sociais, poderia explicar, em parte, por exemplo, as correlações significativas entre FM, ansiedade e estresse; a relação entre negligência e depressão, entre outras. Esta construção interligando contingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais, poderia eventualmente iniciar uma interlocução entre os estudos que descrevem a FM como uma síndrome relacionada à depressão (Ahles, et al., 1987; Meyer-Lindenberg & Gallhofer, 1998), à ansiedade (Arnold et al., 2006) ou ao estresse (Van Houdenhove & Egle, 2004). A interrelação entre FM e estresse seria um produto construído pela somatória de condições sociais vitimizadoras (contingências mantidas por reforço negativo, punição e/ou extinção por agência social) e ambiente biológico vulnerável.

Este cenário hipotético poderia levar, minimamente, a duas direções de investigação. A primeira delas envolveria uma sistematização utilizando modelo animal. Desenvolver modelos animais experimentais sobre o fenômeno tem como dificuldade essencial encontrar um correlato da medida do exame por apalpação. Contudo, se estudos posteriores corroborarem as interrelações entre FM e patologias musculoesqueléticas, modelos animais desenvolvidos para a análise da relação da negligencia no início do desenvolvimento e do estresse (Gunnar & Quevedo, 2007; Sanchez et al., 2001; Uchida et al., 2009) podem ser ampliados, incluindo medidas do impacto em outras estruturas anatômicas do sistema muscular e esquelético, passíveis de exames mais diretos e precisos. Esta medida traria informações importantes sobre o papel do estresse neste sistema como um todo, e de forma indireta, na FM. Além disto, filhotes experimentalmente expostos, ou não, a situações de negligência e privação do cuidado materno poderiam ser submetidos, na vida adulta, a condições experimentais usualmente identificadas como modelos animais para a investigação da depressão e da ansiedade (ex. desamparo aprendido, labirinto em T elevado, entre outros), examinando as possíveis relações entre os fenômenos.

Uma segunda direção levaria a investigações relativas a técnicas de intervenção em psicoterapia do paciente com diagnóstico de FM. Estes estudos poderiam examinar, para esta população, a efetividade do uso de técnicas do controle, tratamento e inoculação do estresse, incluindo a avaliação e treino em estratégias de enfrentamento (Queiroz, 2009). No mesmo contexto, o exame de Habilidades Sociais e o eventual treino deveriam ser examinados com um conjunto de procedimentos potencialmente eficientes para o tratamento da patologia.

Contudo, voltamos a enfatizar que esta foi uma investigação exploratória, considerando a descrição de uma amostra relativamente pequena da população. Estudos posteriores tentarão avançar numa possível proposta de modelo explicativo da FM relativa ao estresse, dimensionando suas especificidades na nossa realidade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Profa. Dra. Maria de Jesus Dutra dos Reis
Universidade Federal de São Carlos (Psicologia)
Via Washington Luis, Km 235, Cx Postal 676, Monjolinho
São Carlos, SP. CEP.: 13565-905
Email: jesus-reis@uol.com.br

Enviado em Junho de 2010
Aceite em Outubro de 2010
Publicado em Dezembro de 2010

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