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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.19 no.1 Ribeirão Preto jun. 2011

 

PRIMEIRA PARTE: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES INTERNACIONAIS

 

O que é preciso para ser chefe? Representações sociais sobre o poder no contexto escolar

 

What does it take to be the head of the group? Social representations of power in school context

 

 

Célia SoaresI; Jorge Correia JesuinoII

IInstituto Politécnico de Sétubal e CIS-IUL/ISCTE, Portugal
IIInstituto Universitário de Lisboa-ISCTE, Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo foca o desenvolvimento de representações sobre os fenômenos da vida social em contexto escolar, em particular, as relações de poder. Do ponto de vista teórico e epistemológico, este objeto de estudo está enquadrado na abordagem da Psicologia Social Genética e foi operacionalizado a partir da Teoria das Representações Sociais. Foi realizado um estudo qualitativo, através de entrevistas, com 153 crianças do 1º e 4º anos de escolaridade, onde se examinaram as suas construções sociais sobre aquele objeto temático, bem como os processos que suportam o seu desenvolvimento. Os resultados mostram a importância da participação na vida escolar e das dinâmicas de gênero no desenvolvimento do conhecimento social das crianças. O pensamento sobre o poder e as representações das crianças reflectem um impacto das relações e representações sociais de gênero, a partir da sua dimensão ideológica, bem como a importância dos regimes simbólicos da instituição escolar. O quadro de análise deste trabalho permite salientar a relação que se estabelece entre os processos colectivos e individuais ao nível da gênese e desenvolvimento das representações sociais das crianças.

Palavras-chave: Representações sociais, Relações de poder, Desenvolvimento, Gênero, Contexto escolar.


ABSTRACT

The present paper focuses on the development of children's representations about social life at school context, specifically on relationships of power. The epistemic and theoretical framework of this research is anchored in the approach of Genetic Social Psychology through the Theory of Social Representations. It presents one study, conducted with 153 primary school children (1st and 4th grades), with interviews, which aimed not only at analyzing the social constructions elaborated around that topic, but also the processes of development which underlie it. Results clearly show the role of school social participation and gender processes in the development of social knowledge. The ideas about power show the influence of gender relationships and gender representations, namely through its ideological dimensions, and also from the symbolic regimes of schools. This research has highlighted the relationship between collective and individual processes and its impact on the genesis and development of children's social representations.

Keywords: Social representations, Power relations, Gender, Development, School context.


 

 

Introdução

Neste artigo examinamos o desenvolvimento na cognição sobre os fenômenos da vida social. A nossa questão central prende-se com a articulação entre os níveis individual e social, quando a problemática de base é o desenvolvimento do pensamento social das crianças. Do ponto de vista epistemológico e teórico, este trabalho está ancorado no quadro da Psicologia social genética (Moscovici, 1976; Doise, 1978; Duveen & Lloyd, 1990) e é operacionalizado a partir da Teoria das Representações Sociais (Moscovici, 1976, 1984, 1988). Esta abordagem permite-nos analisar o desenvolvimento no pensamento das crianças, partindo de uma perspectiva que dá conta dos processos sociais e cognitivos envolvidos na gênese e na transformação do conhecimento social (de Rosa, 1987; Lloyd & Duveen, 1990; Corsaro, 1990; Duveen & de Rosa, 1992; Duveen & Lloyd, 1993; Duveen, 1983, 1993, 1997, 1999, 2001).

Simultaneamente, esta abordagem cria condições para uma articulação entre as dimensões social e temporal (Moscovici, 1990) que estão subjacentes ao desenvolvimento da atividade construtiva das crianças. De acordo com o autor, a transformação de conhecimento implica a consideração dos factores espaço e tempo, na medida em que significa reter processos sociais, estruturas cognitivas individuais e histórias de desenvolvimento.

Porque o princípio de igualdade não é uma constante na vida social dos grupos de crianças e os processos de assimetria e diferenciação social constituem dinâmicas habituais entre os grupos de pares, em termos temáticos focamos a nossa atenção nas construções que as crianças elaboram sobre o poder infantil em contexto escolar, bem como nos processos que estão subjacentes a essas construções.

A definição de assimetrias entre pares pode estar associada a aspectos como a idade, o sexo, os atributos físicos ou intelectuais. Quando alguma(s) dessas características assume(m) uma faceta de estatuto no espaço do grupo, as relações sociais das crianças passam a estar condicionadas por um desequilíbrio de autoridade entre o ator que exerce o poder e os seus pares. Mas como são estabelecidas essas assimetrias entre os grupos escolares? Que características ou atributos são necessários para se ser reconhecido(a) como chefe? Será essa legitimidade transversal ao espaço da sala de aula e do recreio? Como se desenvolvem as ideias sobre o poder ao longo do 1º ciclo escolar? Será que meninas e meninos pensam nas questões de poder nos mesmos termos?

A literatura tem sido um pouco omissa e tem produzido poucas respostas para estas perguntas. As relações de poder entre grupos de crianças e as questões ligadas ao desenvolvimento do pensamento acerca deste objeto da sua vida social constituem temáticas um pouco negligenciadas, quer no plano da Psicologia do Desenvolvimento, quer no domínio da Psicologia Social. Para colmatar esta lacuna, este estudo pretende analisar o modo como as crianças pensam sobre as formas de poder no espaço escolar, nas suas vertentes formais e informais, tendo em conta as condições simbólicas que as sustentam. Neste contexto, iremos examinar o desenvolvimento das representações sociais de poder e autoridade em grupos de pares, a partir dos discursos de crianças do 1º e 4º anos de escolaridade do primeiro ciclo do ensino básico.

Para o enquadramento conceitual do objeto temático deste trabalho, recorremos às abordagens psicossociológicas e sociológicas do poder, pois consideramos que estas são instrumentos teóricos relevantes para examinar as fontes de poder, a partir dos domínios pessoal e posicional (French & Raven, 1959; Yukl, 1998), no âmbito das relações entre pares no contexto escolar. Por outro lado, permitem analisar o papel que os códigos simbólicos de poder (Parsons, 1963; Luhmann, 1993) assumem na vida e no pensamento social das crianças. Finalmente, situam a importância do poder disciplinar e das relações de saber-poder (Foucault, 1975, 1980) no campo das relações sociais que estão inscritas em contextos institucionais, como é o caso da escola. Recorremos ainda às abordagens psicossociológica e sociológica do gênero, de modo a articular os efeitos das representações e das relações sociais de gênero (Amâncio, 1994, 1997, 2001, 2002; Duveen & Lloyd, 1993; Lloyd & Duveen, 1992) na ação e no pensamento social das crianças, bem como o impacto de fatores estruturais no desenvolvimento dessas dinâmicas psicossociológicas (Connell, 1987, 1995, 2002).

Poder, autoridade e comunicação simbólica generalizada

A definição do conceito de poder revela-se uma tarefa difícil, em virtude da polissemia que o caracteriza. Quando usamos o termo poder em contextos diferenciados, os seus significados mudam consideravelmente e, por essa razão, não existe uma definição que possa estender-se a todas as situações. Contudo, existirão sempre condições específicas associadas às situações onde o termo se pode aplicar (Jesuino & Duarte, 2006).

A existência do poder liga-se às representações dos atores sociais envolvidos e os seus recursos são potenciais, pois só estarão acessíveis se assim forem percepcionados, tanto por quem se encontra em posição de poder, como pelos seus destinatários (Jesuino & Duarte, 2006). As chamadas fontes e/ou atributos de poder permitem examinar alguns dos conteúdos gerais que podem estar na origem das relações sociais de poder. No âmbito da nossa investigação, este aspecto é relevante, na medida em que permite enquadrar as dimensões que podem estar na base das representações de poder das crianças.

French e Raven (1959) distinguiram cinco fontes de poder interpessoal: poder legítimo, poder coercivo, poder recompensa, poder do conhecimento (ou especialista) e poder de referência. Poder legítimo é sinônimo de autoridade, estando associado ao posicionamento dos indivíduos nas estruturas hierárquicas formais. O poder coercivo traduz o poder para punir e resulta da capacidade de provocar medo ou de hostilizar aqueles que se encontram em posição de dependência. O poder de recompensa resulta da possibilidade de distribuir recompensas e ocorre quando se dispõe de recursos desejados por outros. Estas três fontes de poder derivam, sobretudo, da posição formal dos atores. Na nossa investigação, estas formas de poder poderão ser associadas ao contexto da sala de aula, onde os papéis e as normas são definidos de um modo relativamente formal.

As características, atributos ou capacidades pessoais estão associadas às restantes formas de poder interpessoal (conhecimento e referente). O poder do conhecimento (especialista) traduz competências ou conhecimentos essenciais para os outros indivíduos e reflete o reconhecimento que os outros têm dessa especialidade, não se esgotando na posição formal do ator. O poder referente, resulta essencialmente do respeito e da admiração dos outros. Esta forma não depende do posicionamento formal nas hierarquias. No âmbito das relações escolares, as fontes de poder referente e de conhecimento podem ser importantes nas relações sociais dos dois principais contextos, no entanto a primeira poderá assumir maior relevância no plano das relações informais das crianças.

Posteriormente, Yukl (1998) introduziu uma classificação baseada em duas categorias: poder de posição - inclui a autoridade formal, o controlo sobre os recursos e recompensas, o controlo sobre as punições, o controlo sobre a informação e o controle ecológico (ambiente físico, tecnologia e organização do trabalho); e poder pessoal - integra as competências especializadas, a amizade/lealdade e o carisma. No plano das relações entre crianças, a amizade é, sem dúvida, uma fonte de poder pessoal importante, podendo constituir um vetor de influência relevante ao nível dos grupos de pares.

De acordo com a proposta de Parsons (1963), o poder reflete uma construção da sociedade e deve ser concebido no quadro dos meios de comunicação simbólicos generalizados, dos quais também fazem parte o dinheiro, a influência, a verdade e o amor. Para que possa funcionar como um meio generalizado num sistema complexo, o poder terá de ser legitimado (Parsons, 1963) e será esse vetor da legitimidade que está na origem do plano simbólico do poder. Ou seja, a legitimidade que é conferida ao decisor, permite que não seja necessária uma justificação sistemática nos seus atos de decisão (Jesuino, 1996).

No âmbito do nosso trabalho, nas relações formais das crianças, o acesso aos recursos do poder dependerá sobretudo de processos legitimadores ancorados no sistema normativo da organização escolar. Paralelamente, no plano das relações de lazer predominarão dimensões ligadas à estrutura dos grupos de pares. De acordo com a formulação de Parsons, os aspectos do poder infantil são exercidos através dos papéis que as formas de autoridade legitimadas permitem desempenhar. E o vetor da legitimidade implica o acesso e a partilha dos códigos simbólicos que conferem poder. Por outras palavras, implica a participação no sistema de representações sociais sobre o poder.

A conceptualização do poder como um meio de comunicação simbolicamente generalizado foi consideravelmente enriquecida com a perspectiva de Luhmann (1993). Para este autor, a formação dos sistemas sociais depende de processos de comunicação e será a partir destes que a dimensão social daqueles sistemas é desenvolvida. Paralelamente, as sociedades elaboraram mecanismos adicionais que viabilizam a expansão e a diversidade das comunicações sociais, como é o caso do poder. Neste sentido, esses meios de comunicação são especiais, pois refletem a emergência de códigos simbólicos generalizados que permitem uma orientação partilhada entre os atores sociais. Em relação ao poder, a sua função básica é regular a ordem das situações sociais onde os parceiros têm opções ao seu alcance.

Luhman (1993) propõe ainda que as hierarquias e o estatuto constituem símbolos de substituição para situações onde estão patentes comparações de poder, existindo assim uma referência simbólica que compromete as partes envolvidas de forma normativa. Esses símbolos resultam da formação cultural, estão sujeitos a mudanças e são compatíveis com um elevado número de condições inerentes ao sistema onde circulam. Desse modo, a generalização simbólica do código do poder, através do qual se podem formar expectativas sobre situações sociais concretas, é um pré-requisito para a sua diferenciação enquanto meio de comunicação especializado.

O poder constitui-se assim como uma dimensão eminentemente relacional, simplificadora dos processos comunicacionais em sociedade e as suas características e atribuições são reguladas pelo próprio código simbólico do poder. Em linha com as propostas de Moscovici (1976) e Jodelet (1989, 1993), o poder enquanto meio de comunicação simbolicamente generalizado permite orientar comportamentos e comunicações, possibilita a interpretação da realidade e estabelece um código para as trocas sociais nos grupos de pares em contexto escolar. No entanto, o código simbólico de poder que regula a vida institucional escolar, não pode ser dissociado do plano societal, na medida em que se constitui como meio de comunicação de alcance generalizado. Ou seja, as representações sociais de poder e os códigos simbólicos que as materializam estão intimamente ligadas a processos de natureza microgenética, pois são elaboradas e transformadas no campo das interações e comunicações das crianças, mas não podem ser dissociadas dos processos sociogenéticos que as sustentam (Duveen & Lloyd, 1990).

Instituição escolar, disciplina e relações de poder-saber

Os processos de socialização escolar estão diretamente implicados no desenvolvimento das representações sociais sobre o poder institucional, embora as relações que as crianças aí estabelecem não estejam sempre sujeitas às condições formais desses contextos. De qualquer modo, para compreender a dinâmica e o funcionamento das instituições, é necessário enquadrar as questões do poder disciplinar e as relações entre poder e saber e os trabalhos de Foucault (1975, 1980) permitem-nos enquadrar estas dimensões.

De acordo com o autor, o poder disciplinar é um produto da época moderna, o poder como conhecimento, aplicado ao sujeito humano. É difuso, infiltrado, circulante e apresenta uma forte dependência dos saberes e das suas técnicas, representando aquilo que ele designou por poder-saber (Jesuino & Duarte, 2006). Os seus métodos permitem o controle minucioso das operações do corpo, manipulam e produzem comportamentos e criam identidades específicas necessárias ao funcionamento das sociedades modernas (Foucault, 1975).

As relações entre poder e conhecimento são mutuamente constitutivas. Poder e saber implicam-se diretamente e as suas relações determinam as formas e os domínios possíveis de conhecimento. O poder produz e transforma a realidade, o conhecimento e os próprios indivíduos. O indivíduo é em si mesmo uma consequência do conhecimento e um efeito dos diferentes regimes de poder-saber (Foucault, 1980). As relações de poder são exercidas nos variados níveis da rede social e os seus efeitos circulam em toda a parte, estendendo-se a todos os indivíduos. As técnicas do poder são infinitesimais e o seu objetivo é controlar as ações dos indivíduos, de modo a maximar as suas potencialidades e a torná-los em corpos dóceis e úteis (Foucault, 1975). As análises da microfísica do poder mostram como a docilidade e utilidade do corpo humano emergiram com a sua submissão a técnicas de controle e conhecimentos que foram sendo desenvolvidos com a passagem à época moderna, e cuja aplicação está na origem das instituições (o asilo psiquiátrico, as prisões, a escola, a fábrica) (Foucault, 1975).

A disciplina é a uma técnica que organiza o espaço e o tempo. Essa organização é feita através do esquadrinhamento do espaço (a quadrícula), onde se pretende a individualização e classificação dos corpos, permitindo a sua diferenciação funcional. Por outro lado, há uma submissão do corpo ao tempo e com ela pretende-se produzir a eficiência máxima. Neste contexto, a vigilância é um dos mecanismos de controle mais importantes e deverá ser exercida de forma contínua e permanente.

É o olhar invisível do poder disciplinar que deve ser incorporado e interiorizado, de modo a que o controle seja simultaneamente externo e interno e, por isso, normalizado. Nos regimes disciplinares, o poder é anônimo e funcional e o seu principal objetivo é a individualização. Para Foucault (1975), a disciplina fabrica o indivíduo e, desta forma, o homem emerge como uma produção do poder, mas simultaneamente, como um objeto de saber.

Ao nível escolar é possível compreender como o poder disciplinar se configura e atua, nomeadamente através dos seus arranjos espaciais, das regras minuciosas que regulam a vida interna da instituição, das atividades que são organizadas, das diferentes personagens que vivem conjuntamente, mas com funções e localizações específicas. A aprendizagem e a aquisição de determinadas atitudes e comportamentos desenvolvem-se em função de comunicações regradas ou regimes discursivos específicos (lições, ordens, símbolos de obediência, marcas diferenciais do valor individual e dos níveis de saber) e através de diversos procedimentos de poder (vigilância, recompensa e punição, hierarquia piramidal) (Foucault, 1982-1994).

Podemos situar o poder-saber ao nível das relações entre crianças, quer pela internalização dos regimes disciplinares nas suas identidades, quer pela sua externalização, através da via comportamental e atitudinal. Ou seja, pela via microgenética, onde representações e identidades se articulam e se transformam mutuamente (Duveen & Lloyd, 1990). Neste contexto, a separação entre a sala de aula e o recreio deverá conduzir à emergência de diferentes relações de poder e saber, onde as crianças se podem assumir como agentes de poder e saber, através da mobilização de identidades valorizadas, tanto no contexto das relações formais, como no plano das relações informais entre os grupos de pares. Por outras palavras, a internalização e a manipulação dos símbolos disciplinares e do conhecimento permitem reforçar as condições de poder no âmbito das interações entre pares, mas também com os adultos da instituição.

Em suma, se as crianças constroem o seu conhecimento sobre poder nas dinâmicas da vida social, nas comunicações e nas práticas sociais (Marková, 2010) da instituição, esse conhecimento está intimamente ligado à textura desse contexto. Assim, os processos de valorização que aí estão inerentes, nas suas formas materiais e simbólicas, constituem um fator relevante para o pensamento das crianças (Duveen, 1997, 2000; Jovchelovitch, 2007).

Gênero, Poder e Representações Sociais

As questões de gênero assumem um papel fundamental na organização da vida social das crianças e o contexto escolar revela particular importância no desenvolvimento das suas relações e representações sociais (Duveen & Lloyd, 1993). Apesar do desenvolvimento dos significados e das práticas de gênero se iniciar nos primeiros anos de vida, é durante a idade escolar que estas dimensões adquirem maior expressão simbólica (Duveen & Lloyd, 1993; Maccoby 1999; McGuffey & Rich, 1999; Thorne, 1993; Voss, 1997).

O conceito de gênero deve ser entendido à luz de processos de natureza psicossociológica, onde se cruzam dimensões de ordem psicológica e cultural. Neste contexto, os significados sobre o masculino e o feminino resultam das construções sociais que (re)produzem modos de ser para os grupos de sexo (Amâncio, 1994). A construção social dos significados sobre os sexos não só diferencia, como classifica duas concepções de pessoa (Amâncio, 1994). Os conteúdos representativos dessas concepções, as dimensões que esclarecem os comportamentos apropriados a cada sexo, e o próprio posicionamento social dos dois grupos estão interligados numa relação de produção de sentido que se revela consensual ao nível do pensamento social e, por esse motivo, adquiriu um estatuto de ideologia coletiva (Amâncio, 1994). Deste modo, os significados que circulam em torno do sexo e das identidades de gênero estão interligados com as condições sociais envolventes que os moldam e lhes dão sentido (Amâncio, 2004), na medida em que as representações sociais subjacentes refletem processos de hierarquização que estão presentes ao nível da estrutura social.

As relações de assimetria entre os sexos estão inscritas na forma com os indivíduos percepcionam e representam os outros e encontram-se presentes logo desde a infância. A assimetria simbólica é uma instância da articulação entre a identidade social e as representações sociais, já que o sistema simbólico de gênero é uma modalidade sobre indivíduos socialmente representados e define dimensões particulares de posicionamento social, onde o masculino é dominante (Amâncio, 1997). De acordo com este enquadramento, a construção social das assimetrias de gênero, bem como as construções identitárias dos homens e mulheres, ou meninas e meninos, são desenvolvidas em estreita relação com a identificação destes modos de ser socialmente definidos (Amâncio, 1994).

Na vida quotidiana o gênero é encarado como um questão natural. É um fator presente em diversos níveis, nomeadamente na vida pessoal dos indivíduos, nas relações sociais, nas instituições e na cultura (Connell, 1987, 2002). As ideias que circulam em torno das distinções de gênero veiculam padrões de conduta ancorados nessa naturalização. Estes padrões representam aquilo que Connell (1987, 1995, 2002) designou como a ordem de gênero da sociedade contemporânea, ou seja, práticas, significados e padrões de relação marcados pelo gênero. Os seus elementos surgem interligados em todos os domínios da vida social e apresentam uma influência reguladora nas dimensões culturais do masculino e do feminino e nos processos de construção identitária.

Apesar desta condição reguladora, os significados sobre as identidades masculinas e femininas não podem ser encarados como estados cimentados pela natureza, ou tampouco, como um resultado de processos de normalização social. As relações sociais de gênero devem ser entendidas com base em dimensões estruturais, nomeadamente em termos das regularidades e constrangimentos associados à ordem de gênero, mas simultaneamente tem de existir um espaço explicativo para a agência dos atores. Isto é, as relações de gênero encontram-se em permanente (re)construção na vida quotidiana.

Quando iniciam o seu percurso escolar, as crianças já reconhecem a sua pertença às categorias de gênero, mas ainda estão longe de compreender a amplitude das dimensões sociais que lhes são atribuídas. Pela natureza das suas características, o espaço escolar constitui um lugar privilegiado para o desenvolvimento das identidades de gênero (Lloyd & Duveen, 1992; Duveen & Lloyd, 1993; Gilbert & Gilbert, 1998). As aprendizagens que decorrem neste contexto ultrapassam os aspectos curriculares e estendem-se aos comportamentos que a sociedade considera apropriados para meninos e meninas.

A escola, para além de oferecer um contexto de interação social diverso, é também uma instituição. É um contexto burocratizado, onde alguns adultos organizam e avaliam as atividades de um grande número de crianças. Na manutenção da ordem escolar, os professores e funcionários organizam as crianças em grupos (classes, grupos de trabalho, filas no corredor, turnos no refeitório etc.) e estruturam o dia em torno de rotinas específicas (Thorne, 1993). Como qualquer outra instituição social, a escola apresenta normas e padrões de funcionamento (os currículos, a distribuição de papéis, a distribuição de tarefas, a ocupação dos espaços escolares etc.), que não estão isentos das dimensões e das relações sociais de gênero.

O conceito de regime de gênero de Connell (1987, 1995, 2002) permite situar essas dimensões a um nível institucional, na medida em que representa os aspectos regulares dos arranjos de gênero no seio desses contextos (por exemplo: escolas, fábricas, forças policiais etc.), formando uma característica habitual da sua vida organizacional. Embora as instituições possam parecer neutras do ponto de vista do gênero, tendem a refletir, a recriar e a naturalizar uma ordem de gênero hierárquica (Acker, 1990).

A consideração dos padrões ou regimes de gênero no seio das instituições escolares (Connell, 1987, 2000; Duveen & Lloyd, 1993; Gilbert & Gilbert, 1998; Lloyd & Duveen, 1992; Messner, 2000) é particularmente relevante no quadro do nosso trabalho. Estas instituições, como as outras, não são isentas do ponto de vista das ideologias e das representações de gênero, fornecendo pistas importantes acerca do enquadramento que dá forma à vida social das meninas e meninos, em particular em termos das relações de poder. Os arranjos de gênero destas instituições não só classificam, como posicionam as crianças no sistema escolar, não podendo, por isso, ser descurados da análise dos processos de desenvolvimento psicossocial e das relações sociais das crianças.

Mas as crianças também introduzem concepções sobre a masculinidade e a feminilidade no espaço escolar. O contexto familiar, em especial as figuras parentais e os irmãos mais velhos, representam uma importante influência nas suas construções sobre o gênero. As crenças familiares sobre as diferenças entre sexos e as suas relações reforçam (ou não) a naturalização de representações que distinguem os modos de ser de meninas e meninos. Por outro lado, os filmes, vídeos, as histórias, as histórias em quadrinhos, os jogos de computador e a publicidade são outros exemplos fundamentais para traçar as origens das construções sociais de gênero que as crianças introduzem no espaço escolar. Estes elementos mobilizam significados culturais amplificadores das dimensões do masculino e do feminino e traduzem uma importante influência na regulação das fronteiras de gênero das crianças. Ou seja, os meninos e as meninas mobilizam e exploram certas práticas de masculinidade ou feminilidade, com as quais já estão familiarizados, quando são inseridos nesse contexto.

Jordan e Cowan (1995) observaram uma forma de masculinidade dominante entre os meninos mais jovens quando estes ingressam na escola, designando-a como narrativa do guerreiro. Esta modalidade legitima e justifica as práticas de violência quando estas acontecem numa batalha entre o bem e o mal. Entre as meninas, por outro lado, verificaram pouco interesse pelas práticas associadas a estas narrativas, contrariamente à maioria dos meninos. Elas partilhavam as suas próprias brincadeiras e as práticas de maior preferência estavam ligadas às relações do cuidar, à beleza e à imagem (mães, enfermeiras, noivas e princesas). As mais assertivas procuravam o poder através de papéis como a mãe, a professora ou a dona da loja, sem se aproximarem das atividades preferidas pelos meninos (Jordan & Cowan, 1995).

A forma de masculinidade guerreira de Jordan e Cowan (1995) corresponde à noção de masculinidade hegemônica proposta por Connell (1987), designando uma representação social sobre o masculino que reforça o status quo da ordem de gênero contemporânea. Sobrepõe um estatuto geral do masculino às qualidades femininas e, simultaneamente, privilegia determinadas qualidades masculinas relativamente a outras. Neste contexto, as construções de masculinidade ou feminilidade não são uniformes, tal como Connell (1987) e outros já sublinharam (Amâncio, 2004; Duveen, 1993, 1999).

A masculinidade hegemônica é um estilo de dominação de gênero que se destaca no campo das brincadeiras, traduzindo uma recriação da ordem de gênero ao nível dos grupos de crianças (McGuffey & Rich, 1999). A maioria dos meninos defende a modalidade hegemônica do masculino relativamente a masculinidades e feminilidades subordinadas, na medida em que esse posicionamento traduz maior poder sobre as meninas, mas também sobre alguns membros do seu próprio grupo de sexo (Barbosa, 2004; Connell, 1987). O campo dos esportes é, sem dúvida, um dos melhores contextos para se perceber a reprodução dos códigos dominantes e a construção desta modalidade do masculino. A violência é permitida simbolicamente e os valores da força física, agressividade e competitividade são centrais neste domínio das práticas de masculinidade (Jordan & Cowan, 1995). De acordo com Connell (1987, 1995, 2002), o esporte representa uma arena que reforça o simbolismo da masculinidade hegemônica.

Entre as meninas, não parece existir uma noção de feminilidade hegemônica que subordine outras formas do feminino. Embora a versão tradicional corresponda àquilo que Connell (1987) designou por feminilidade enfatizada, cuja definição gira em torno da orientação e subordinação aos interesses masculinos, nenhuma forma de feminilidade assume uma posição hegemônica equivalente à masculina (Amâncio, 2004). As fronteiras das identidades das meninas são mais tênues, comparativamente aos meninos, não parecendo existir a necessidade de negar formas de feminilidade mais marginais (Maccoby, 1999).

Em suma, se as representações e as relações de gênero se interligam com outras formas de relação social e se, por outro lado, estão na gênese dos processos identitários das crianças, essas dimensões assumem uma marca relevante nas comunicações, nas atividades e nas práticas de meninos e meninas, em diferentes contextos e situações. Por essa razão, a forma como as crianças pensam as relações de poder, e as significações que lhes atribuem, devem enquadrar o impacto desses processos psicossociológicos.

A nossa investigação

O estudo que passamos a apresentar centrou-se no tema das relações sociais assimétricas entre pares, no contexto do primeiro ciclo do ensino básico. O seu principal objetivo consistiu em examinar o desenvolvimento do conhecimento sobre as relações de poder e autoridade. Para concretizar este objetivo, consideramos dois grupos de crianças posicionadas em anos escolares diferenciados (1º e 4º), de modo a examinar as transformações que ocorrem nas representações sociais, tendo em conta os contextos comunicativos e o tempo que estão inerentes a esse percurso. De acordo com o racional que temos vindo a desenvolver, as questões orientadoras deste estudo foram as seguintes:

1. Quais as dimensões temáticas que melhor representam as assimetrias de poder e autoridade entre os grupos escolares?

2. Em que medida é que essas dimensões temáticas são contingentes dos contextos de interação das crianças?

3. Em que medida existem diferenças entre as modalidades de conhecimento social mobilizadas pelos dois níveis de escolaridade face às relações de poder e autoridade infantil?

4. Como é que dimensões sociais do gênero interferem nas representações das crianças?

 

Método

Participantes

Participaram no estudo 153 crianças (71 meninas e 82 meninos, Médiaidades= 7.7; DP= 1.7) e foram selecionadas em duas escolas da área de Lisboa. As crianças foram distribuídas pelo 1º ano (Médiaidades= 6.2; DP= 0.4) e pelo 4º ano Médiaidades= 9.5; DP= 0.6). Para facilitar os objetivos da análise, a amostra total foi considerada em termos de nível escolar por sexo (Nmeninas 1º ano= 37, Nmeninos 1º ano= 46, Nmeninas 4º ano= 34, Nmeninos 4º ano= 36). Esta opção permitiu controlar possíveis efeitos de interação entre o nível de escolaridade e o sexo das crianças.

Procedimentos

As crianças foram submetidas a uma entrevista semiestruturada que incidiu nas relações de poder entre os grupos de pares do contexto escolar. As suas ideias e discursos permitiram analisar as representações sociais que sustentam esta esfera das relações sociais das crianças.

Foram colocadas questões sobre as dinâmicas sociais associadas aos espaços da sala de aula e do recreio, partindo de diferenciações centradas em condições de posição (estímulos chefe de turma, chefe na sala e chefe no recreio) e formas de estatuto social (popular). Integrou-se ainda uma questão que permitisse examinar as ideias das crianças sobre um modelo geral de poder formal (estímulo chefe), por forma a contrastar estes conteúdos com aqueles que emergiram no âmbito das relações escolares.

As sessões foram individuais, conduzidas por uma única investigadora, tendo sido realizadas numa sala das instalações de cada uma das escolas, no período normal de aulas. As entrevistas tiveram uma duração média de 15 minutos e foram gravadas em suporte digital para análise posterior.

Instrumentos, dimensões de análise e variáveis sociodemográficas

A entrevista utilizada neste estudo foi de natureza semiestruturada e foi organizada a partir de 5 questões estímulo: chefe de turma, chefe na sala, chefe no recreio, chefe modelo e popular. O estímulo chefe de turma esteve associado a uma definição posicional relativamente comum nas turmas do ensino básico. As crianças começavam por nomear um(a) colega de turma que gostassem de ver ocupar esta posição e em seguida justificavam a sua escolha. Deste modo, foi possível analisar as dimensões que legitimam as escolhas dos pares, com base numa forma de estatuto que salienta aspectos de vantagem na escala social da turma de pertença.

O estímulo chefe na sala foi introduzido para examinar o papel de fatores contextuais na construção de assimetrias entre pares. Trata-se de uma categoria posicional criada para este efeito, com o objetivo de identificar dimensões legitimadoras da autoridade no espaço da sala de aula. As crianças começavam por indicar um(a) colega de turma que gostassem de ver ocupar essa posição e em seguida justificavam a sua escolha. Esta dimensão permitiu estabelecer uma abordagem comparativa face ao estímulo anterior.

O estímulo chefe no recreio também se refere a uma categoria posicional criada para a situação de entrevista, com o objetivo de analisar as dimensões justificadoras de assimetrias no campo do lazer. Permitiu examinar aspectos de estatuto naquele contexto, bem como as suas especificidades contextuais. Tal como nos estímulos anteriores, as crianças começavam por indicar um(a) colega de turma que gostassem de ver ocupar essa posição e em seguida justificavam a sua escolha.

O estímulo chefe modelo pretendeu averiguar a influência das construções sociais sobre o poder formal nas representações das crianças. Assentou numa condição hierárquica totalmente descontextualizada, refletindo a categoria geral chefe. Para além de conduzir à análise das suas dimensões representacionais particulares, possibilitou também o contraste com os restantes estímulos contextualizados (chefe de turma, chefe na sala e chefe no recreio). Nesta condição, as crianças tinham de explicar o que significava para elas a palavra chefe, como pensavam que o chefe era e o que fazia.

Finalmente, o estímulo popular foi integrado com o propósito de examinar um plano das relações entre pares, onde não existem aspectos formais de poder ou autoridade. Permitiu analisar fatores que sustentam a aceitação e a identificação social dos pares, mas também possibilitou uma abordagem comparativa face às representações que emergiram dos restantes estímulos.

Estas questões estímulo constituíram também as dimensões de análise deste estudo. Para além destas, foram ainda incluídas variáveis sociodemográficas, de modo a analisar associações particulares com os conteúdos representacionais emergentes, nomeadamente: Grupo 1 (Crianças 1º Ano), Grupo 2 (Crianças do 4º Ano) Meninas 1 (Meninas do 1º Ano), Meninos 1 (Meninos do 1º Ano), Meninas 2 (Meninas do 4º Ano) e Meninos 2 (Meninos do 4º ano).

Os dados obtidos a partir das entrevistas das crianças foram analisados com o programa informático Alceste (versão 4.7).

 

Resultados

A análise realizada permitiu identificar uma estrutura temática sustentada por seis classes lexicais. Estas classes agregaram um total de 461 uce's classificadas, representando 85.1 % do corpus de dados inicial. Este valor percentual é um bom indicador para a análise efetuada, uma vez que foram eliminadas apenas 14.9% das uce's que constituíam o conjunto do material de entrevista.

A classe 1, Atributos de chefe, concentra 34% das uce's analisadas e foi o contexto temático mais representativo no conjunto das classes identificadas. Emergiu do estímulo chefe modelo e incluiu a contribuição das respostas dos meninos do 4º ano (Meninos2).

Os conteúdos desta classe representam o perfil da figura chefe e são construídos em torno das características pessoais e dos papéis sociais que as crianças esperam desta figura. A temática central deste contexto lexical focaliza o poder legítimo, através da autoridade formal que pode ser exercida sobre os subordinados. Os mecanismos de autoridade revestem-se de aspectos pró-sociais, uma vez que os conteúdos da classe apresentam uma tónica de ajustamento social e moral, evidenciando a ausência de dominância pela força.

A autoridade do chefe é representada através de dimensões que mostram o seu campo de ação, principalmente em termos da regulação da ordem comportamental e social (toma conta, não lutar, castigo, atento, mandar calar, separar lutas, ordem, organizar). O seu estatuto hierárquico permite estabelecer diretivas, requerendo a obediência dos pares (manda, chefe, obedecer, mandar fazer, mandar mais, dar ordens). Paralelamente, surgem as características pessoais valorizadas que viabilizam o acesso a esta posição: a capacidade física (forte), a distintividade moral (bom, coisas certas, defender), comportamental (bem-comportado, bem-educado) e intelectual (inteligente, ensinar).

 

Table 1

 

A única variável sociodemográfica que se associa a este contexto diz respeito aos Meninos 2, o que mostra alguma proximidade deste grupo face às modalidades de autoridade que são legitimadas pelo estatuto posicional. Salientam as dimensões normativas e instrumentais do poder, através da diferenciação hierárquica e dos papéis associados que permitem organizar a ação do grupo.

Para uma melhor compreensão destes conteúdos apresentam-se algumas das uce's mais características desta classe:

É uma pessoa que manda e nós temos que obedecer a ele. Tem que dizer coisas certas, mandar calar os outros, tem que tomar conta e também manda não bater nos meninos.

É alguém que nos manda fazer coisas, deve respeitar os outros, não bater nos colegas, ser bom e bem-educado. Se não obedecemos ao chefe ele põe de castigo.

Tem que ensinar as coisas certas aos meninos e não deixar haver lutas. É preciso ter prática de ensinar os meninos, tem que ajudar, tem que ser inteligente e forte porque o chefe não chora e tem que ser forte.

A classe 2, Aluno(a) Modelo, concentra 11.93% das uce's analisadas e remete diretamente para as questões associadas ao chefe de turma e ao chefe na sala. Também integra a contribuição das respostas das meninas mais velhas (Meninas 2) e dos participantes do 4º ano (Grupo 2), em termos globais, embora a sua expressividade seja mais moderada.

Esta classe apresenta uma caracterização da figura chefe de turma, assim como das atividades que são desenvolvidas nesse plano, estabelecendo uma relação de proximidade com os significados associados à figura chefe na sala. A representação destes estatutos assenta em dois pontos de partida: por um lado, a influência das escolhas do(a) professor(a) num processo de nomeação (professora escolhe(u), há chefe), por outro lado, as preferências das próprias crianças (escolhia).

As suas dimensões estão ancoradas num modelo de aluno exemplar e o domínio mais saliente refere-se à possibilidade que o chefe tem de substituir o(a) professor(a) quando este(a) se ausenta da sala de aula (sai da sala, professor(a)). Os outros campos que conferem significado a esta classe são a distintividade intelectual e acadêmica (bom(a) aluno(a), corrigir erros, estuda muito, sabe muito, faz os trabalhos, ensinar), disciplinar e moral (atenção, não faz barulho, bem- comportada(o), bom chefe, bem-educado, bom menino), bem como a regulação disciplinar que essa figura exerce junto dos pares no contexto da aprendizagem (dizer à professora, lista negra).

A representação do aluno modelo traduz uma aproximação entre os papéis desempenhados pelas crianças nomeadas/escolhidas para chefe de turma e/ou chefe na sala e os papéis dos professores, refletindo também alguma sobreposição em termos dos significados que são associados àquelas duas figuras. Este parentesco indica que a autoridade destes dois chefes está relativamente condicionada às interações sociais do contexto da sala de aula.

As variáveis sociodemográficas presentes foram Grupo 2 e Meninas 2, mostrando assim um efeito de interação entre as duas. Esta interação traduz uma acentuação destes conteúdos nas representações das meninas do grupo do 4º ano, indicando um maior impacto neste grupo das formas de estatuto relacionadas com padrões acadêmicos e disciplinares, no contexto das aprendizagens.

Para uma melhor compreensão destes conteúdos apresentam-se algumas das uce's mais características desta classe:

 

Table 2

 

Há chefe quando a professora escolhe, quando a professora sai da sala ela diz que temos todos que obedecer e nós temos todos que obedecer.

No outro dia estivemos a fazer os trabalhos, enquanto a professora saiu da sala, ele ficou chefe e fez bem. Quando está alguma coisa mal ele diz logo e corrige os erros.

Eu escolhia porque ela está sempre com atenção às coisas, é bem-comportada, é boa aluna e tem boas notas.

Escolhia porque ele tem mais atenção e assim quando alguém se porta mal ele põe na lista negra e depois diz à professora.

É chefe na sala porque ele é bem-educado, está sempre com atenção e também é bom aluno.

A classe 3, Facilitador(a) das aprendizagens, concentra 8.89% das uce's analisadas e emergiu principalmente da questão chefe na sala. As respostas das meninas do 4º ano (Meninas 2) também estão aqui associadas, embora a sua contribuição tenha menos expressividade.

Esta classe focaliza o chefe na sala e o seu tema dominante é a facilitação que essa figura pode prestar no contexto da aprendizagem. As relações de ajuda salientam-se quer em relação aos pares, quer em relação à professora (sala, ajuda, ajudar os outros, fazer os trabalhos, ajuda a professora, corrigir erros). Tal como na classe anterior, salientam-se dimensões associadas aos domínios intelectual e acadêmico (mais inteligente, explica bem, faz bem trabalhos, sabe, mais ideias, ensina, faz trabalhos rápido), moral e disciplinar (bom menino, faz o que professora manda, regras) e à regulação comportamental dos pares (manda calar, tomar conta).

A associação particular das meninas do 4º ano a este contexto mostra alguma diferenciação nas suas representações sobre o estímulo chefe na sala. Comparativamente à classe anterior, surge uma combinação mais acentuada entre as dimensões relacionais e afetivas e os conteúdos instrumentais do poder, embora continuem a condicionar a autoridade daquela figura ao contexto da sala de aula. Para uma melhor compreensão destes conteúdos, apresentam-se algumas das uce's mais características desta classe temática:

É chefe na sala porque é inteligente e ajuda os outros a fazer os trabalhos.

É chefe na sala porque faz bem os trabalhos e faz rápido. Manda calar os meninos que tiverem a falar.

A chefe na sala era ela porque é a mais inteligente da sala, é cuidadosa com as coisas, é boa aluna e sabe respeitar bem as regras.

É chefe na sala porque faz as regras que a professora manda, não brinca e toma conta dos alunos da turma.

Escolhia porque ela é inteligente e sabe explicar bem.

A classe 4, O chefe é meu amigo, concentra 11.50% das uce's analisadas e está particularmente associada à questão chefe de turma. As respostas dos meninos mais novos (Meninos 1) e do grupo do 1º ano (Grupo 1) também contribuíram para a emergência deste contexto, apesar da sua expressividade ser mais moderada.

Este contexto temático fez emergir uma representação sobre o(a) chefe de turma que salienta a importância do papel da amizade e das interações lúdicas. Fazendo um paralelo com a classe 2, associada ao mesmo tema, a influência dos professores no processo de escolha do(a) chefe está ausente, bem como as nomeações feitas entre a turma. Aqui, a forma que predomina é escolhia (referente às preferências dos pares), comparativamente a há chefe (que denota uma prática resultante de uma eleição ou da indicação da professora).

 

Table 3

 

 

Table 4

 

A proximidade entre os pares que escolhem e aqueles que são alvo das suas preferências é determinante, dependendo da sua amizade e interação lúdica (escolhia, melhor amigo, amigo(s), amiga(s), brinca comigo). No entanto, é possível observar alguma centração daqueles que indicam as suas preferências (meu, minha(s), gosta de mim). A superioridade física é o elemento mais saliente, logo a seguir às relações de amizade (mais forte), contribuindo ainda as competências acadêmicas e disciplinares (ser professor(a), faz bem trabalhos, muitos verdes1, porta-se bem) e a idade (mais velho).

Os grupos associados a esta classe são as crianças do 1º ano, globalmente, e os meninos mais jovens, o que indica um efeito de interação entre estas duas variáveis. Este efeito mostra que são os meninos que mais sublinham as suas preferências de amizade na representação de um estatuto de posição.

Para uma melhor compreensão destes conteúdos apresentam-se algumas das uce's mais características desta classe:

Escolhia porque ele é o meu melhor amigo e brinca comigo todos os dias.

Escolhia porque é o meu melhor amigo e eu queria que ele fosse chefe.

Eu escolhia os mais fortes para jogar à bola na minha equipe e deixava os mais fracos de lado.

Escolhia porque eu sou amigo dela, eu gosto dela, porque ela devia ser professora, é bem comportada na sala, tem muitos verdes e faz bem os trabalhos.

Escolhia porque ela brinca comigo, é minha amiga e sabe brincar e escolher brincadeiras.

A classe 5, Carismáticos I, integra 12.36% das uce's analisadas e emergiu das respostas à questão Popular. Inclui o grupo das meninas do 1º ano (Meninas 1), embora esta contribuição seja mais moderada do que a variável anterior.

Este contexto temático centra-se nos significados da popularidade em contexto escolar. As suas principais dimensões são a amizade e a expressividade lúdica, salientando uma forte associação com o espaço do recreio. A importância da amizade é objetivada através do número de amigos (tem muito(a)s amigo(a)s, mais amigas) e a componente lúdica é expressa através da preferência e recorrente partilha de atividades dessa natureza (brincar(m) sempre, gosta de brincar, brinca muito, querem brincar, coisas giras2). A popularidade encontra-se ainda associada a atributos de natureza social e relacional (boa, amiga, amigo, divertida, não bate), a elevados níveis de aceitação entre o grupo de pares (toda a gente, gostam(r) dele(a), escola, minha sala) e à atratividade física (bonito).

O único grupo presente nesta classe é o das meninas mais jovens (Meninas 1), o que indica alguma centralidade das competências relacionais e expressivas nas suas representações.

Para uma melhor compreensão das dimensões discutidas apresentam-se algumas das uce's mais características desta classe:

É ela porque tem amigas desta escola, tem amigas da outra escola e, por isso, ela tem muitas amigas. Como brinca com mais amigas, as pessoas gostam dela.

É ela porque tem muitos amigos, porque ela é boa e porque não bate aos outros.

 

Table 5

 

É ela porque, se calhar, gostam dela e brincam muito, ela às vezes é divertida e, por isso, podem gostar dela.

É ela porque vejo-a a brincar sempre e ela tem muitos amigos. Porque ela é bonita e tem um namorado bonito.

Sou eu porque brinco com quase toda a gente da minha sala no recreio e eles brincam comigo e emprestam-me coisas também.

A classe 6, Carismáticos II, integra 21.26% das uce's analisadas e está principalmente associada à questão chefe no recreio. Os discursos relacionados com a variável popular e o grupo de meninas do 4º ano (Meninas 2) também apresentam alguma contribuição, mas a sua representatividade é mais moderada.

Este contexto temático está centrado na representação de chefe no recreio e destaca a distintividade e a criatividade lúdica daqueles que são associados a essa posição (ideias para brincadeiras, brincadeiras mais giras, brincar, jogar à bola, brinca muito, mais ideias, inventa(r) jogos, brincalhão, coisas giras). A amizade também se revelou uma dimensão importante para este estatuto (meu amigo, brinca com todos, conosco, quer(em) brincar) e o exercício de autoridade manifesta-se, através da regulação das atividades de grupo (manda na brincadeira).

A representação de chefe no recreio articula-se ainda com o plano da popularidade (à volta dele, muita gente, toda a gente, mais amigas), salientando dimensões de carisma e aceitação social.

As meninas do 4º ano apresentaram alguma associação com este contexto temático, salientando uma orientação para a ação instrumental do(a) chefe no recreio, mas tal como as meninas mais jovens, também acentuaram processos de influência baseados na cooperação e na expressividade sócio-afetiva.

Para uma melhor contextualização destas dimensões apresentam-se algumas das uce's que melhor caracterizam esta classe:

É chefe no recreio porque sabe muito das brincadeiras, tem mais ideias para fazer brincadeiras mais giras e ele é que manda na brincadeira.

Era chefe no recreio porque ele anda sempre no recreio a jogar à bola e acho que ele gosta muito do recreio e devia ser chefe.

Chefe no recreio era ele porque é muito brincalhão e tem mais ideias para brincar.

Elas porque estão todas juntas e depois são mais amigas. Há muita gente à volta delas porque se calhar querem brincar ao que elas estão a brincar e porque gostam das ideias delas para as brincadeiras.

 

Table 6

 

Discussão dos resultados

Este estudo focou o tema das relações sociais assimétricas entre pares, no contexto do primeiro ciclo do ensino básico. O seu principal objetivo consistiu em examinar o desenvolvimento das representações sociais sobre as relações de poder e autoridade, a partir dos discursos de meninas e meninos inseridos no 1º e 4º anos de escolaridade. A discussão dos resultados foi organizada de acordo com as questões de investigação orientadoras do estudo. A primeira remetia para a caracterização das representações sobre as assimetrias de poder e autoridade entre os grupos de pares no contexto escolar. Globalmente, os resultados mostraram duas grandes dimensões temáticas: poder posicional e instrumentalidade versus poder pessoal e socioafetividade. Esta dicotomia reflete os dois campos de ancoragem que organizam os significados mais característicos dos vários estímulos em análise. Nesse sentido, o conhecimento das crianças assenta na distinção conceitual das fontes de poder, proposta pela literatura (French & Raven, 1959; Yukl, 1998).

Apesar dessas categorias terem sido construídas para o mundo adulto, os resultados do nosso estudo salientam a sua presença nas representações das crianças, sobretudo entre as mais velhas. Nessa perspectiva, o desenvolvimento de representações sociais sobre o poder deverá ser compreendido à luz dos processos de socialização que ocorrem dentro e fora do contexto escolar, tanto ao nível das suas formas de expressão simbólica (através das relações e comunicações com figuras significativas - pais, professores e amigos), como ao nível da própria ecologia dos espaços de interação social.

A análise dos vários estímulos mostrou dois elementos principais que objetivam o poder posicional: a legitimidade formal (poder legítimo) e a coerção. O primeiro assumiu um papel preponderante no estímulo chefe modelo, mas também emergiu associado ao chefe de turma e chefe na sala. As crianças salientaram a importância das hierarquias para legitimar as assimetrias de poder, especificando o exercício formal da autoridade e a obediência dos pares. Por outro lado, as estratégias de coerção estiveram presentes nos vários estímulos, com a exceção daquele que designa a popularidade, embora sempre condicionadas à regulação de comportamentos e problemas disciplinares dos pares.

No mundo infantil, as técnicas coercivas representam um mecanismo relativamente generalizado, através das sanções e dos castigos, servindo essencialmente para a regulação disciplinar das crianças. As experiências de coerção que surgem no seio das relações familiares e escolares (sobretudo com os professores) mobilizam símbolos que legitimam o uso desta técnica de poder em situações de desvio ou incumprimento. Contudo, a aceitação destas estratégias depende da sua relação com os valores e normas da cultura escolar (institucional e dos grupos de pares). Desta forma, os dispositivos coercivos desempenham um papel simbólico e funcional importante, sendo salientados a partir de processos de normalização social característicos dos regimes disciplinares das escolas (Foucault, 1975).

No contexto das dimensões de poder pessoal, o poder do conhecimento (ou especialista) foi o elemento mais frequente entre as representações dos vários estímulos (chefe de turma, chefe na sala, chefe no recreio), embora tenha surgido sempre em articulação com outras dimensões de autoridade. Este resultado é congruente com a natureza da cultura da instituição escolar, uma vez que os saberes-poderes (Foucault, 1975) assumem aqui uma importância determinante. De acordo com este racional, o conhecimento acadêmico e/ou lúdico estende e reforça os efeitos do poder especialista, de acordo com os espaços de interação. Enquanto os estímulos associados ao contexto da sala de aula revelaram a centralidade dos saberes acadêmicos, aqueles do contexto de recreio manifestaram a importância dos saberes lúdicos e relacionais.

O poder de referência também manifestou um papel importante na expressão das assimetrias de estatuto, embora em articulação com outras dimensões. Os seus conteúdos representacionais objetivam ajustamento social, sociabilidade, amizade e carisma. O ajustamento social é mais preponderante nas representações de chefe de turma e chefe na sala, o que vem sublinhar a importância de expressões identitárias de docilidade e processos de normalização social (Foucalt, 1975), segundo um código disciplinar que opera mais fortemente no contexto da sala de aula. Paralelamente, o poder de referência emergiu nas representações de chefe no recreio, através de dimensões de amizade e carisma. A marcada orientação lúdica promove a admiração dos pares e as estratégias pró-sociais que são desenvolvidas neste contexto permitem influenciar as atividades de grupo, assegurando a manutenção de relações positivas com os outros.

Na popularidade, os atributos de referência foram algo similares ao estímulo anterior, mas acentuaram aspectos ligados às competências relacionais e ao sucesso social. Estes elementos representacionais revelam prestígio social e índices de aceitação social elevados, sugerindo uma influência ativa dos populares em termos da estrutura informal dos grupos.

A segunda questão deste estudo examinou a contingência das representações de poder e autoridade face à natureza dos contextos de interação das crianças. A sala de aula foi o pano de fundo para as representações sobre a autoridade de conhecimento (acadêmico), disciplinar e relacional, enquanto que o recreio emergiu como o principal cenário para as modalidades socioafetivas e de conhecimento (lúdico). Os conteúdos representacionais do chefe modelo não estabeleceram nenhuma associação contextual particular, todavia aproximaram-se mais do campo do recreio.

Com base nestes resultados, o contexto da aprendizagem formal convocou representações baseadas em dimensões de poder legítimo, coercivo, especialista e referente. No plano do lazer, as representações assentaram no espaço das relações informais, acentuando-se aqui os significados sobre o poder pessoal (especialista e referente). Estes padrões representacionais mostram como a própria ecologia dos contextos de interação introduz especificidades nas formas de relação social das crianças.

São os processos de socialização escolar que acentuam as diferenças entre o plano da sala de aula e o do recreio, quer ao nível da quadrícula do próprio espaço (Foucault, 1975), quer em termos das atividades que são desenvolvidas em cada um destes cenários. Na sala de aula, os processos de vigilância (externa e interna) são mais finos e fechados e, por isso, as construções identitárias mais adestradas (Foucault, 1975) à cultura da instituição escolar simbolizam a norma dominante (traduzindo modalidades de autoridade relacionadas). O contexto da aprendizagem amplia os processos de classificação e comparação social entre as crianças da turma e os seus efeitos assumem um papel fundamental na legitimação pública (do grupo) das assimetrias de autoridade (comportamental/acadêmica/moral) dos pares.

No contexto do recreio, essa quadrícula do espaço social é bastante mais alargada e, por essa razão, o universo normativo dos grupos torna-se mais flexível. Aqui é permitido acentuar dimensões socioafetivas e criativas nas relações sociais entre pares. Essa será uma possível explicação para o destaque que os conteúdos da amizade, do prestígio social e do carisma assumiram nas representações sociais de chefe no recreio e popularidade. Com base neste conjunto de resultados, sublinhamos o papel regulador que as dimensões ecológicas e simbólicas dos contextos de interação desempenham nos processos de representação social sobre as formas de poder e autoridade infantil.

A terceira questão de investigação focalizou a comparação das representações sociais dos grupos do 1º e 4º ano. As variáveis Grupo 1 e Grupo 2 produziram efeitos diferenciadores nas modalidades e conteúdos temáticos que emergiram entre alguns estímulos. De acordo com a análise de resultados, as principais distinções relacionam-se, sobretudo, com os estatutos chefe de turma e chefe modelo.

Para os participantes do 1º ano, a forma de estatuto associada ao chefe de turma emergiu principalmente das normas da amizade e da organização social do espaço lúdico. Para além da distintividade acadêmica, a autoridade desta figura é legitimada através das referências da amizade, da superioridade física e da tradição dos mais velhos sobre os mais novos. Estas dimensões temáticas mostram um certo distanciamento face à aplicação dos significados do poder formal nas suas relações sociais, o que indica que esses conteúdos ainda não foram articulados no conhecimento social deste grupo de crianças. A própria centralidade da amizade sugere a possibilidade de partilhar o poder do chefe, através da proximidade relacional.

Em contrapartida, os resultados que emergiram associados ao Grupo 2 sublinharam como a construção de significados sobre as expressões do poder posicional assenta na participação e nas experiências que as crianças vão desenvolvendo no contexto da instituição escolar. As modalidades representacionais que lhes estiveram mais associadas mostram uma compreensão mais diversificada sobre as relações formais de poder, objetivando um conhecimento mais complexo sobre a cultura normativa que está presente nas estruturas organizacionais e sociais.

Para além da maior complexidade que se salienta no pensamento deste grupo, natural do seu desenvolvimento cognitivo, as representações sobre a autoridade do chefe de turma e do chefe modelo manifestam ainda a compreensão de dimensões relacionadas com as formas de autoridade que derivam da definição hierárquica de posições. Os processos que conduzem à sua legitimação dependem da nomeação por responsáveis ou da eleição entre pares, dinâmicas essas que são inerentes à própria estrutura da instituição escolar. A ação do chefe reveste-se assim de contornos de instrumentalidade, particularmente no espaço do dever (embora as representações do gênero introduzam aqui algumas particularidades), sendo-lhe conferindo poder para desempenhar diferentes papéis que são conformes a definição normativa e simbólica desse campo de interação.

Estes padrões de diferenciação entre as crianças do 1º e 4º ano permitem confirmar os efeitos que o desenvolvimento cognitivo introduz nas formas de representação social da autoridade infantil, embora este aspecto não possa ser dissociado do alargamento da participação social e institucional das crianças, ao longo deste ciclo escolar. Através das suas vivências e comunicações quotidianas, as crianças começam a participar ativamente num universo simbólico que normaliza as expressões e conteúdos do poder, enquanto meio de comunicação simbolicamente generalizado (Parsons, 1963; Luhmann, 1993). E o processo de desenvolvimento de representações sociais está sujeito à linguagem e aos códigos simbólicos generalizados do poder, os quais permitem uma orientação partilhada entre os atores sociais (Luhmann, 1993). Contudo, o modo como as crianças se apropriam e mobilizam esses conteúdos simbólicos do poder no seu pensamento e nos seus discursos está sujeito aos efeitos dos significados e das relações sociais de gênero.

A última questão de investigação deste estudo remetia para o papel que as representações e as relações sociais de gênero assumem no modo de pensar as relações de poder e autoridade. Os resultados mostraram um padrão global de diferenciação entre as modalidades representacionais de meninos e meninas dos dois níveis escolares. As ideias e discursos que foram elaborados em torno dos vários estímulos salientam dinâmicas que distinguem os quatro grupos (Meninas 1 , Meninos 1 , Meninas 2 , Meninos 2), em termos da mobilização de conteúdos simbólicos associados à esfera das relações sociais de poder e autoridade.

No 1º ano, as meninas mostraram uma maior aproximação aos recursos e valores ligados às construções sociais do poder socioafetivo. Sublinharam aspectos de estatuto, a partir de dimensões de popularidade e sucesso social, mas não legitimaram outras modalidades de autoridade para além do carisma, no contexto das relações sociais de lazer. Por outro lado, os meninos mais jovens, apesar de terem destacado dimensões socioafetivas nas suas representações (sobretudo a partir das relações de amizade), complementaram-nas com processos de hierarquização entre o grupo de pares, particularmente pela valorização das capacidades físicas, das competências acadêmicas e da tradição dos mais velhos (por esta ordem de importância). A preponderância da superioridade física entre este grupo evidencia a importância simbólica do estatuto físico para o sexo masculino, o que significa que as figuras de autoridade mais prováveis para este contexto grupal serão essencialmente meninos. Este resultado destaca a importância das representações sociais do masculino, associadas a um modelo de masculinidade hegemônica (Connell, 1987, 1995, 2002), no âmbito do pensamento e das relações sociais dos meninos.

Ao nível do 4º ano, o grupo de meninas também integrou a perspectiva do poder relacional nas suas representações, mas sublinhou a importância dos saberes-poderes nos dois principais contextos de interação escolar. De acordo com este resultado, a definição de assimetrias, bem como o acesso a posições de chefia, parece estar bastante dependente do conhecimento demonstrado nos contextos de interação social, em articulação com outros valores sociais dominantes (campo disciplinar e moral). Já os meninos deste nível escolar manifestaram uma maior proximidade aos modelos sociais de poder e às facetas de autoridade derivadas de definições hierárquicas, a partir das representações de chefe modelo. Evidenciaram uma maior internalização dos significados de poder posicional (sobretudo do poder legítimo) nas suas representações e identidades, embora tenham complementado o direito de comando com deveres comportamentais e de moralidade.

Estes resultados globais sugerem que os processos de construção social que são elaborados em torno das dimensões de poder posicional, veiculam um domínio de atribuição predominantemente masculino, uma vez que foram os meninos a manifestar uma maior orientação para a representação de estruturas sociais hierárquicas. Dados recolhidos entre populações adultas, no contexto do trabalho, mostram que a autoridade masculina é reconhecida, até quando as qualificações não correspondem ao estatuto hierárquico, como se a autoridade fosse vista como uma competência natural desse grupo de sexo (Amâncio, 1997). O paralelismo que pode ser estabelecido entre os significados sociais que marcam o pensamento no mundo do trabalho e aqueles que obtivemos no contexto escolar vem salientar a relevância dos processos genéticos (Doise, 1978; Duveen & Lloyd, 1990; Moscovici, 1990) que regulam uma relação desenvolvimentista entre conhecimento social, pensamento e identidades.

Aquilo que sugerimos é que esses processos genéticos são interdependentes da ordem de gênero das sociedades modernas e dos regimes que estas assumem nas instituições (Connell, 1987, 2002), continuando a reproduzir a assimetria simbólica que está patente nas representações sociais do masculino e feminino (Amâncio, 1994, 1997). Segundo os nossos resultados, os meninos parecem integrar desde muito cedo nas suas identidades de gênero esta orientação que acentua a importância dos processos de hierarquização social, permitindo assim reforçar a dominância objetiva e simbólica daqueles em posição de poder, mas também do masculino sobre o feminino.

No caso das meninas, as representações sobre esta esfera da vida social revestem-se de contornos diferenciados, pois é necessário mobilizar outras dimensões legitimadoras para além da posição simbólica do seu grupo de sexo. A instrumentalização do poder assenta em fatores de conhecimento e normas comportamentais, sendo balanceada com afetos e preocupações relacionais.

O contraste entre estas modalidades representacionais não pretende afirmar que as meninas apresentam maiores dificuldades no desenvolvimento de conhecimento sobre as facetas hierarquizadas do poder social e organizacional. Pelo contrário, pretende sublinhar a importância da diferenciação dos papéis e das posições sociais que são prescritos pelas representações sociais das categorias de gênero (Amâncio, 1994) e como estes processos simbólicos interferem na forma como as crianças constroem e pensam as suas relações sociais.

 

Conclusões

Este artigo focou o desenvolvimento da cognição sobre os fenômenos da vida social, em particular, a articulação entre os níveis individual e social no desenvolvimento do pensamento social das crianças. De acordo com esse objetivo, conduzimos um estudo onde analisamos o desenvolvimento do conhecimento sobre as questões de poder e autoridade em contexto escolar, com crianças do 1º e 4º anos do primeiro ciclo do ensino básico.

Os resultados mostraram que as representações das crianças foram organizadas a partir do binômio poder posicional e instrumentalidade, poder pessoal e socioafetividade. Na primeira dimensão destacaram-se essencialmente condições de poder legítimo e coerção, enquanto na segunda emergiram conteúdos ligados ao poder de conhecimento e de referência (French & Raven, 1959; Yukl, 1998). O percurso escolar acentuou as diferenças entre as representações associadas à sala de aula e ao recreio, através da natureza do próprio do espaço e das atividades que lhes estão associadas. No campo das aprendizagens, o contraste entre os dois níveis escolares sublinhou a importância crescente dos processos de classificação e comparação social entre pares, tendo em conta que emergiram construções identitárias mais adestradas (Foucault, 1975) à cultura institucional entre as representações das crianças mais velhas. Esses processos parecem estabelecer um aspecto fundamental para a legitimação pública das assimetrias de autoridade dos pares, adquirindo maior consistência ao longo da escolarização.

Estes resultados revelaram transformações ontogenéticas importantes ao nível das representações sociais de poder, na medida em que, do 1º para o 4º ano, as referências da amizade foram substituídas por dimensões ligadas às estruturas sociais e organizacionais. Nesse sentido, aquilo que emergiu foi, essencialmente, um caminho em direcção à compreensão das facetas do poder posicional.

Os resultados também permitiram confirmar a influência das dimensões de gênero no pensamento sobre as relações de poder e autoridade em contexto escolar. As meninas mais jovens revelaram-se mais orientadas para os valores socioafetivos, destacando a autoridade carismática no contexto das relações sociais de lazer, enquanto que os meninos combinaram conteúdos dessa natureza com aspectos de hierarquização social, salientando, sobretudo, condições de estatuto físico. Entre o 4º ano, as meninas articularam dimensões de poder relacional, ajustamento social e distintividade académica nas suas representações, sublinhando a importância dos saberes nos dois contextos de interação escolar. De acordo com estes resultados, para elas, o conhecimento, enquanto fator legitimador de assimetrias, parece assumir particular relevância. Por outro lado, os meninos estiveram mais próximos da acepção de poder posicional, sobretudo, do poder legítimo, destacando a importância das relações hierárquicas nas suas representações, aproximando-se mais do contexto de lazer, onde a autonomia está sujeita a menos restrições.

O balanço final que podemos realizar a partir destes resultados permite-nos afirmar a importância da articulação entre níveis de análise e em particular as questões da influência social no pensamento e nas representações das crianças. Os processos de desenvolvimento cognitivo que se destacaram a partir das comparações estabelecidas entre os níveis escolares, não podem ser dissociados da participação das crianças no contexto institucional escolar. Essa razão poderá explicar a progressiva pregnância dos elementos simbólicos do poder disciplinar nas suas representações sociais, refletindo a presença de processos de normalização social característicos dos regimes disciplinares das escolas (Foucault, 1975). Apesar da dimensão disciplinar também estar presente nos contextos sociais onde as crianças participam antes da entrada na escola, sobretudo, o familiar, esta parece ser transformada num elemento simbólico relevante no quadro da vida social dos grupos à medida que o percurso escolar se faz.

A marcada influência do binômio saberes-poderes (Foucault, 1975) que está inerente à cultura da instituição escolar também permite sustentar essa ideia de partida, já que o conhecimento foi um aspecto relevante na representação das relações de poder. Apesar das condições afetivas e de estatuto estarem mais salientes do que a autoridade epistêmica no primeiro ano de escolaridade, esta vem sobrepor-se a essas dimensões ao longo deste ciclo de ensino. Esse novo campo de significados, embora dependente dos progressos cognitivos das crianças, não pode ser dissociado de uma maior participação e manipulação dos símbolos dominantes no contexto da instituição escolar.

Na mesma linha, os resultados empíricos sublinham ainda como a participação social neste contexto normaliza as expressões do poder institucional, enquanto meio de comunicação simbólico que se generaliza (Parsons, 1963; Luhmann, 1993) aos grupos de crianças. Os códigos e símbolos de poder entre pares são progressivamente articulados com a cultura institucional, dando origem a condições de diferenciação adaptadas aos contextos de interação.

Finalmente, os resultados permitem-nos confirmar a influência das relações e das construções sociais de gênero na forma como as crianças constroem e representam as relações sociais de poder. Este vetor de influência é estabelecido a partir da articulação entre os papéis e posicionamentos sociais que são associados às categorias de gênero e as construções identitárias (Amâncio, 1994) das crianças.

Entre as meninas, as relações de saber-poder (Foucault, 1975) constituem uma dimensão relevante para as suas identidades e relações sociais, na medida em que permitem, não só, instrumentalizar o poder, como garantem a legitimação da sua autoridade e o acesso ao poder no espaço das relações mais formalizadas. No entanto, essa instrumentalização continua a salientar uma orientação relacional face aos pares. Entre os meninos, o percurso escolar acentua os significados sobre as condições de estatuto físico e o poder instrumental, enquanto que o campo sócio-afectivo passa para um plano secundário. As suas representações indicam a influência das dimensões de masculinidade hegemônica (Connell, 1987, 1995, 2002), o que sugere que as condições simbólicas que regulam o poder e a autoridade não são igualmente valorizadas entre meninos e meninas.

Estes processos de desenvolvimento que temos vindo a analisar são, simultaneamente, psicológicos e sociais, não permitindo uma explicação centrada em mecanismos cognitivos, na medida em que esse nível de análise não contempla a influência que a ideologia de gênero (Amâncio, 1994), ou ordem de gênero (Connell, 1987, 2002), assume no pensamento e nas construções das crianças.

Com base nos resultados deste estudo consideramos que as representações sociais de gênero constituem um exemplo incontornável sobre a forma como as dinâmicas sociais regulam o funcionamento cognitivo e psicológico das crianças. Nessa perspectiva, a articulação entre diferentes níveis de análise (Doise, 1986) é central para a explicação do desenvolvimento da cognição sobre a realidade social e o nível ideológico deve ser integrado no seu enquadramento.

Paralelamente, não podemos deixar de sublinhar a influência precoce destes processos simbólicos ao nível do pensamento e das representações sociais infantis. De acordo com os nossos dados empíricos, as crianças com 6 anos de idade já internalizaram a ordem social do feminino e do masculino e participam activamente na (re)construção desses modelos do senso comum, apesar da sua expressão ao nível discursivo estar ainda pouco saliente.

Por outro lado, este trabalho não pretende sugerir padrões representacionais hegemónicos entre os grupos de meninos e meninas. Consideramos que, pela própria natureza do método de análise de dados, os efeitos que emergiram traduzem-nos perspectivas sociais dominantes face aos estímulos apresentados, o que não significa uma ausência de outras modalidades representacionais e identitárias. Tal como já referimos, o sistema de representações sociais de gênero comporta diferentes formas de expressão de feminilidade e masculinidade para as crianças (Lloyd & Duveen, 1992; Duveen & Lloyd, 1993; Duveen, 1993).

À guisa de balanço final, não podemos deixar de remeter para os objetivos teóricos que orientaram este trabalho. Nessa perspectiva, consideramos que os resultados deste estudo permitiram salientar como as dimensões de espaço e tempo estão subjacentes à atividade construtiva das crianças. E como as transformações ontogenéticas das representações sociais de poder refletem a interdependência entre os processos sociais, as estruturas cognitivas e as histórias de desenvolvimento. Deste modo, consideramos que os nossos resultados permitem sustentar a relevância dos processos sociais para o domínio do desenvolvimento psicológico, posicionando, assim, a cognição num domínio psicossociológico.

 

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Endereço para correspondência:
Célia Soares
Email: celia.soares@ess.ips.pt

Enviado em Novembro de 2010
Aceite em Março de 2011
Publicado em Julho de 2011

 

 

1 Muitos verdes refere-se a um sistema de classificação das atividades diárias que decorrem em sala de aula. Esta cor simboliza o bom desempenho dos alunos, quer em termos de trabalho, quer em termos de comportamento. As outras duas cores são amarelo e vermelho.
2 Coisas legais, bacanas, divertidas.