SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.19 número2Habilidades viso-perceptuais e motoras na síndrome de Asperger índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.19 no.2 Ribeirão Preto dez. 2011

 

Estatuto familiar e autopercepção de saúde nos adolescentes

 

Family status and self-perception of health in adolescents

 

 

António Borges; Margarida Gaspar de Matos; José Alves Diniz

Faculdade de Motricidade Humana/Universidade Técnica de Lisboa - Lisboa, Portugal. Centro de Malária e Doenças Tropicais/Universidade Nova de Lisboa - Lisboa, Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Questiona-se o relevo do estatuto familiar na percepção de saúde dos adolescentes portugueses, nomeadamente no que concerne aos aspectos socioeconômico, sociocultural e ao emprego dos ascendentes. Utilizaram-se os dados da amostra portuguesa do estudo Health Behaviour in School-Aged Children (2006), constituída por 4.877 adolescentes, com uma média de idade de 14 anos, 49,6% do gênero masculino e 50,4% do gênero feminino. Após análise estatística descritiva, procedeu-se à comparação de médias entre grupos e à regressão linear. Os adolescentes com estatuto familiar mais elevado percepcionam-se com mais saúde quer no componente cognitivo, quer no afetivo. Embora com diferenças entre os gêneros, o fator socioeconômico mostra maior impacto geral, apesar do grau de instrução dos ascendentes assumir relevo semelhante no componente cognitivo da saúde. Com o evoluir da idade, a influência dos fatores do estatuto familiar tendem a esbater-se. Basta um dos ascendentes estar desempregado para que os adolescentes se percepcionem com índices mais baixos de saúde. Este estudo poderá contribuir para delinear estratégias educativas e promotoras da saúde mais adequadas de acordo com o estatuto familiar, a idade e o gênero dos adolescentes.

Palavras-chave: Adolescência, Saúde, Estatuto Socioeconômico, Estatuto Sociocultural, Desemprego.


ABSTRACT

What's the importance of family status on health perception of Portuguese adolescents, particularly in regard to socioeconomic and sociocultural aspects and to parents' work? Data from the Portuguese sample of the study Health Behaviour in School-Aged Children (2006), which consisted of 4,877 adolescents with an average age of 14 years, 49.6% males and 50.4% female, were used. After statistical analysis, we compared averages between groups and a linear regression was made. Adolescents with higher family status perceive themselves in better health both in the affective and the cognitive components. Despite differences between genders, the socioeconomic factor shows the greatest overall impact, even though the parents' educational level has similar impact in the cognitive component of health. As age increases the influence of family status tends to fade. It just takes one of the parents to be unemployed to get adolescents with lowest rates of health perception. This study can help devise more appropriate educational and health promoting strategies based on family status, age and gender of adolescents.

Keywords: Adolescence, Health, Socioeconomic Status, Sociocultural Status, Unemployment.


 

 

A adolescência é um período do desenvolvimento humano caracterizado por uma sequência acelerada de múltiplas mudanças. A natureza deste processo requer reorganização biológica, cognitiva, emocional e social, de forma a permitir que o indivíduo consiga se adaptar às expectativas e exigências culturais implicadas em converter-se em adulto (Susman & Rogol, 2004). Na qualidade do ajuste do adolescente, na sua saúde e no seu bem-estar assumem particular significado as características do ambiente, as respostas das pessoas significativas, as oportunidades que se abrem, as expectativas de futuro (Nurmi, 2004; Trallero, 2010).

A pobreza socioeconômica é considerada o marcador mais significativo na aparição de problemas, tanto de saúde física, como mental, nos adolescentes. A pertença das crianças e adolescentes a comunidades deprimidas ou a classes sociais baixas repercute-se tanto física como emocionalmente, tanto cognitiva como comportamentalmente, aumentando a morbidade e mortalidade (Marmot, 2005; Trallero, 2010). A influência negativa da pobreza torna-se evidente durante a infância, intensifica-se ao longo da adolescência e, do âmbito socioeconômico, estende-se ao âmbito sociocultural. Os efeitos mais usuais passam pelo déficit nas capacidades cognitivas e verbais, pior rendimento em provas de conhecimentos, maior frequência de retenções/repetições no percurso acadêmico, necessidade de ajudas pedagógicas especiais, maior absentismo escolar, menor finalização dos estudos regulares, menor nível de alcance dos estudos superiores (Najman et al., 2004), maior número e mais intensos sintomas depressivos, mais perturbações interiorizadas (emocionais) e exteriorizadas (comportamentais), assim como maior risco de disfunções e enfermidades físicas (Compas, 2004; von Rueden et al., 2006). Nas sociedades estruturadas em classes sociais, cada descida de nível socioeconômico supõe um incremento paralelo de riscos para a saúde geral, com menor satisfação com a vida e pior qualidade de vida relacionada com a saúde (Trallero, 2010).

O persistente estatuto socioeconômico baixo, mantido desde a infância e prolongado na adolescência, constitui um fator de risco estável, atraindo mais consequências negativas para o adolescente do que uma situação transitória, uma vez que significa manter em permanente atuação indutores de stress concomitantes (Compas, 2004). A quantidade e gravidade dos problemas de saúde dos indivíduos com estatuto socioeconômico baixo são menores na pré-escola do que no 1º ciclo do ensino básico; os destes são menores do que os do 2º e 3º ciclo do ensino básico; os destes são menores do que os adolescentes do ensino secundário (Compas, 2004; Gaspar, Pais-Ribeiro, Matos & Leal 2008; Simões, 2007; OMS, 2001).

Ao esforço de adaptação do adolescente às mudanças endógenas, juntam-se os desafios inerentes a baixos estatutos socioeconômico e sociocultural, que se traduzem em aspectos como menores expectativas de oportunidades, dificuldades de acesso a apoio social, níveis de instrução mais baixos, deficientes comportamentos e hábitos de higiene, crenças indevidamente sustentadas, ambientes insalubres, ausência de modelos na família, dificuldade de acesso a recursos materiais, carência de informações corretas, ausência de boas práticas de cidadania (Esnaola & Iturriaga, 2009; von Rueden et al., 2006; Stansfeld Head, Fuhrer, Wardle & Cattell, 2003; Trallero, 2010). Do outro lado, o estatuto socioeconômico mais elevado encontra eco na melhor percepção do estado de saúde, em resultados cognitivos e socioemocionais mais significativos, na maior satisfação com a vida, numa mais forte consciência de poder recuperar (resiliência), na diminuição dos riscos e experiências negativas, na autopercepção de qualidade de vida mais elevada, na maior percepção de felicidade (Najman et al., 2004; Torsheim et al., 2004; Trallero, 2010).

Ao estatuto familiar, ligam-se diferentes abordagens e conceitos, crenças e rituais, atitudes e comportamentos, que se refletem num determinado estilo de vida familiar. Deste modo, o tipo de tarefas atribuídas ao adolescente consoante o gênero e a idade, a forma de organizar o presente e preparar o futuro, as expectativas e sonhos, as percepções em relação a si próprio e aos contextos próximos, sofre a influência do estatuto familiar (Bisegger et al., 2005; Berjano, Foguet & González, 2008; Traverso-Yépez & Pinheiro, 2005). As atitudes e crenças do ambiente que rodeia os adolescentes modelam em grande parte os papéis de gênero, determinam o grau de rigidez ou de flexibilidade com que assumem os respectivos papéis, vinculam o que consideram ser saudável, favorecem estilos de vida mais ou menos saudáveis, que tenderão a prolongar-se na adultícia (Galambos, 2004; Trallero, 2010).

A quase totalidade dos estudos mostra que os níveis de qualidade de vida relacionada com a saúde, de satisfação com a vida e de bem-estar observados nas idades mais jovens são mais elevados do que os observados nas idades mais avançadas dos adolescentes (Berjano et al., 2008; Bisegger et al., 2005; Matos, Gonçalves & Gaspar, 2005). Do mesmo modo, tendem a indicar valores mais elevados em adolescentes do gênero masculino do que do gênero feminino, embora esta diferença não seja tão clara nas idades mais jovens dos adolescentes (Arita, Romano, García, & Félix, 2005; Berjano et al., 2008; Bisegger et al., 2005; Matos et al., 2007).

Em consonância com a Organização Mundial de Saúde (1948), entende-se a saúde como satisfação com a vida, felicidade, bem-estar ou qualidade de vida relacionada com a saúde, seguindo a proposta comumente aceite dos componentes afetivo e cognitivo (Diener, 1984; Frisch, 2006; Hervás, Sánchez, & Vázquez, 2008; Lyubomirsky, 2008). Os componentes afetivo e cognitivo estão simultaneamente implicados na autopercepção de saúde, com influências e condicionamentos mútuos. O componente afetivo é mais pontual e variável do que o componente cognitivo. (Arita et al., 2005; Arthaud-Day, Rode, Mooney, & Near, 2005; Bisquerra, 2008; Costa & Pereira, 2007; Espinosa, 2004; Frey & Stutzer, 2004; Lyubomirsky, 2008).

O presente estudo centra-se na avaliação do impacto do estatuto familiar na percepção de saúde dos adolescentes portugueses. O estudo focalizou também a associação entre o estatuto familiar e os componentes cognitivo e afetivo-emocional da saúde percebida pelos adolescentes, para o gênero e para a idade. A pesquisa orientou-se procurando saber em que idade e gênero o estatuto familiar influi mais na percepção de saúde dos adolescentes, quais os componentes do estatuto familiar (socioeconômico, sociocultural, emprego) com maior associação com a saúde, qual a evolução do impacto dos componentes do estatuto familiar segundo o gênero e a idade, qual dos componentes de saúde é mais influenciado pelos fatores do estatuto familiar.

Atendendo à literatura, são esperadas associações entre os fatores do estatuto familiar e a percepção de saúde dos adolescentes. Este estudo poderá contribuir para aprofundar o conhecimento dos adolescentes, para fomentar programas de promoção da saúde em zonas mais desfavorecidas, para fundamentar decisões políticas em relação a populações de estatuto socioeconômico baixo, para suportar desenhos de intervenção com pais e com adolescentes no âmbito da saúde, para fornecer dados a técnicos de educação e de saúde de forma a contextualizarem melhor as respectivas atividades.

 

Método

Amostra

A amostra é constituída por 4.877 indivíduos, um grupo representativo (3.7%) da frequência das escolas públicas em Portugal Continental, 49.6% do gênero masculino, com idades entre 10 e 18 anos, média de 14 anos e desvio padrão de 1.89.

Considerando as orientações da Family Affluence Scale (FAS), escala destinada a indicar o nível socioeconômico dos participantes (Boyce, Torsheim, Currie, & Zambon, 2006), 11.2% da amostra corresponde ao grupo socioeconômico baixo, 49% ao grupo socioeconômico médio e 39.7% ao grupo socioeconômico alto. Quanto à escolaridade dos ascendentes, 23.9% nunca estudaram ou têm o 1º ciclo do ensino básico, 36.8% possuem o 2º/3º ciclo do ensino básico, 20.3% concluiram o ensino secundário e 19.1 % concretizaram pelo menos um curso superior. Ao nível do emprego, 68.5% da amostra tem pai e mãe empregados, 27.6% tem um dos ascendentes desempregado e 3.9% tem ambos os progenitores desempregados.

Medidas

Os dados do presente estudo resultam da aplicação do questionário Health Behaviour in School-Aged Children (2006), tendo sido selecionadas as questões relacionadas com a saúde percebida pelo adolescente e com os estatutos sociocultural e socioeconômico das famílias. Para a saúde, foram tomados os itens da qualidade de vida relacionada com a saúde, da satisfação com a vida e da felicidade. Para o estatuto familiar, tomou-se o grau de instrução dos ascendentes e os indicadores do estatuto socioeconômico da família, incluindo a situação laboral dos ascendentes.

A qualidade de vida relacionada com a saúde (QVRS) foi medida pela Kidscreen 10, com um índice de consistência interna alfa de Cronbach de .77, sendo que os autores a propõem para avaliar uma característica unidimensional global de saúde (Rajmil et al., 2006). Os 10 itens da escala (se sentiu-se bem e em forma, se divertiu-se com os amigos, se sentiu-se triste, se foi bom aluno na escola, se foi capaz de prestar atenção...) convidam o adolescente a situar-se na última semana e a responder numa escala de Likert de cinco pontos entre "nada" e "totalmente" (Rajmil et al., 2006). Como referem Borges, Matos e Diniz (2011), a análise fatorial confirmatória com rotação varimax aos itens da medida decifrou dois fatores: o primeiro explicou 27.78% da variância e integrou 7 itens relacionados com o componente afetivo-emocional (AE_QVRS), tendo obtido um índice de consistência interna alfa de Cronbach de .77; o segundo explicou 18.57% da variância e incluiu 3 itens relacionado com o componente cognitivo (CO_QVRS), tendo obtido um índice de consistência interna alfa de Cronbach de .64.

A satisfação com a vida (SV) foi medida com a escala de Cantril (1965), representada graficamente como uma escada, onde o degrau "10" corresponde à "melhor vida possível" e o degrau "0" representa a pior vida possível; foi solicitado que os adolescentes assinalassem o degrau que melhor descrevia o que sentiam naquele momento.

A medida de felicidade (FEL) traduz-se numa escala de Likert de quatro pontos, cujos extremos opostos são "sinto-me infeliz" e "sinto-me muito feliz", tendo-se convidado os adolescentes a indicar o grau de felicidade que sentiam em relação à vida naquele momento.

O estatuto sociocultural foi avaliado segundo a Classificação Standard Internacional de Educação, adotada pela Conferência Geral da Unesco, em 1997. Questiona-se o nível de instrução dos ascendentes (mãe e pai e/ou encarregados de educação), tendo-se selecionado para análise o nível mais elevado de instrução dos Encarregados e Educação. No presente estudo, consideraram-se quatro níveis de estatuto sociocultural: nunca estudou ou possui o 1º ciclo do ensino básico, tem o 2º/3º ciclos do ensino básico, completou o ensino secundário, concluiu o ensino superior.

O estatuto socioeconômico foi medido pela Family Affluence Scale (FAS), escala estudada e validada a nível individual, nacional e transnacional (35 países) de modo a que crianças e adolescentes reportassem de forma válida o nível socioeconômico das respectivas famílias (Boyce et al., 2006). A escala é constituída por quatro itens correlacionados significativamente entre si, que refletem recursos materiais da família: a posse de carro, a propriedade de computador, o número de férias por ano, o ter quarto próprio. A soma das respostas a estes itens dá origem a três níveis socioeconômicos: baixo (pontuação entre 4 e 6), médio (pontuação entre 7 e 9) e alto (pontuação entre 10 e 13).

Foi perguntado aos adolescentes se as figuras parentais tinham emprego ou não, dando-se ainda a hipótese de responderem se não sabiam. Estes dados deram origem a três grupos: os dois com emprego, um com emprego, os dois desempregados.

Procedimento

O presente trabalho é fundamentalmente um estudo descritivo e correlacional de caráter transversal, numa amostra representativa da população das escolas públicas em Portugal continental, no 6º, 8º e 10º anos de escolaridade.

A unidade de análise foi a turma. Primeiro as escolas e depois as turmas foram selecionadas aleatoriamente até se obter uma amostra representativa da população escolar, com uma percentagem de 3.7% do número de alunos. Obtidas as necessárias autorizações do Ministério da Educação e das Direções Regionais de Educação, contataram-se e enviaram-se os questionários para as escolas (Matos et al., 2007). Salvaguardou-se o anonimato, as autorizações parentais e demais recomendações éticas em vigor no Ministério da Educação para estudos deste gênero. De acordo com o protocolo, foram os professores que, durante o mês de Janeiro de 2006, administraram os questionários em sala de aula, sendo a participação dos alunos voluntária. As informações obtidas foram introduzidas numa base de dados do programa Statistical Package for Social Sciences, versão 18.0 para Windows, para a respectiva análise e tratamento estatístico.

Verificada a distribuição normal dos resultados, foram individualizadas cinco variáveis de saúde que, de acordo com a literatura, se consideraram em três âmbitos: o âmbito da percepção da qualidade de vida relacionada com a saúde (QVRS); o âmbito da percepção afetivo-emocional da saúde (AE_QVRS e FEL); o âmbito da percepção cognitiva da saúde (CO_QVRS e SV). No estatuto familiar definiram-se os níveis socioeconômicos segundo as orientações dos autores (Boyce et al., 2006), os níveis socioculturais dos ascendentes, e os grupos relativos à situação laboral dos pais.

Os participantes foram organizados em quatro grupos etários: o grupo dos 11 anos, a que corresponderiam os alunos do 6º ano (21.3% da amostra); o grupo dos 13 anos, a que corresponderiam os alunos do 8º ano (30.2% da amostra); o grupo dos 15 anos, a que corresponderiam os alunos do 10º ano (33.1% da amostra); e o grupo dos 16 anos ou mais (15.3% da amostra), a que corresponderiam alunos com história de retenção escolar ou que, eventualmente, teriam entrado mais tarde no sistema de ensino.

Tomaram-se como variáveis independentes os grupos referentes ao estatuto familiar e como variáveis dependentes as variáveis de saúde percebida pelos adolescentes. Para além da análise descritiva, procedeu-se a comparação de médias (Anova), com o objetivo de se analisar as diferenças significativas para as variáveis dependentes; a regressão logística quis verificar o relevo das variáveis da autoimagem corporal num possível modelo explicativo da saúde dos adolescentes. Nas comparações post-hoc adotou-se o método Tukey para os homogêneos e método Games-Howell para os heterogêneos (Moroco, 2007). Os casos das famílias monoparentais, dos adolescentes institucionalizados e das respostas que não respeitaram as indicações do protocolo foram considerados missing values, não tendo integrado a análise estatística,

Atendendo à revisão de literatura, são esperadas diferenças significativas para as variáveis de saúde quando relacionadas com o estatuto familiar: estatuto socioeconômico e sociocultural e emprego. Espera-se que, quanto mais elevado for o estatuto familiar, melhor será a percepção de saúde dos adolescentes. Além disso, prevê-se que o estatuto das famílias tenha maior impacto sobre o componente cognitivo da saúde do que sobre o componente afetivo da saúde.

 

Resultados

Como é observável na tabela 1, o nível de instrução dos ascendentes mostrou relação com a saúde percebida pelos adolescentes. Os adolescentes do grupo de ascendentes que nunca estudou ou que frequentou a escola até ao 1º ciclo do ensino básico evidenciaram médias mais baixas, com diferenças estatisticamente significativas, em todas as variáveis de saúde. Os dados mais elevados das variáveis de saúde foram percebidos pelos adolescentes cujos ascendentes têm nível de instrução superior, com exceção para a variável afetivo-emocional em que o grupo com média mais elevada foi o dos pais com o 2º/3º ciclo. Na comparação entre os grupos de adolescentes cujas figuras parentais possuem o 2º/3º ciclo e o ensino secundário, a análise post-hoc pelo método mais adequado não mostra diferenças estatisticamente significativas quanto à percepção de saúde, com exceção para a variável afetivo-emocional, que obteve valores mais elevados, estatisticamente significativos, do que o grupo de pais com o ensino secundário. O valor de "F" diz que o nível de instrução dos ascendentes tem uma maior associação com as variáveis de pendor cognitivo do que com as variáveis afetivo-emocionais.

Quando os dados foram abordados por gêneros, constatou-se, igualmente, que quanto mais elevada a instrução dos ascendentes, maior a percepção de saúde dos adolescentes, sobretudo nas variáveis de pendor cognitivo: no gênero feminino foram obtidas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos de instrução das figuras parentais para a qualidade de vida relacionada com a saúde (F[3; 2286] = 7.107; p = .000), para a variável afetivo-emocional (F[3; 2312] = 2.770; p = .040), para a variável felicidade (F[3; 2369] = 3.748; p = .011), para a variável cognitiva (F[3; 2364] = 15.367; p = .000) e para a variável satisfação com a vida (F[3; 2379] = 10.621; p = .000); no gênero masculino foram obtidas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos de instrução das figuras parentais para a variável cognitiva (F[3; 2187] = 9.133; p = .000) e para a variável satisfação com a vida (F[3; 2291] = 2.693; p = .045). Nas análises post-hoc pelo método mais adequado, salienta-se que, quanto mais elevado o nível de instrução das figuras parentais, melhor é a percepção de saúde dos adolescentes. Os valores de "F", na comparação entre os grupos do nível de instrução dos ascendentes, são mais elevados no gênero feminino do que no gênero masculino, e mais elevados nas variáveis cognitivas do que nas afetivo-emocionais.

A comparação das médias entre os diferentes grupos de instrução dos ascendentes na relação com as variáveis de saúde, com base nas faixas etárias, relata que o nível de instrução dos ascendentes obtém uma relação mais elevada com as idades mais jovens dos adolescentes (faixas etárias dos 11 e 13 anos). Na faixa etária dos 15 anos, embora ainda se observem diferenças estatisticamente significativas nas variáveis cognitivas entre o grupo de ascendentes que nunca estudou ou que fez o 1ºciclo e o grupo de ascendentes com curso superior, nas variáveis afetivo-emocionais já não são visíveis diferenças intergrupos. Na faixa etária dos 16 anos ou mais, no geral, já não observam associações estatisticamente significativas, na relação entre níveis de instrução dos ascendentes e a percepção de saúde dos adolescentes.

O nível socioeconômico dos ascendentes mostrou associação com a saúde percebida pelos adolescentes em todas as variáveis em análise, com valores mais elevados nas variáveis de índole cognitiva. Na amostra geral, a análise post-hoc, pelo método mais adequado, mostrou que o grupo de nível socioeconômico mais elevado evidenciou índices mais altos, com diferenças estatisticamente significativas, em todas as variáveis, do que o grupo socioeconômico médio e do que o grupo socioeconômico baixo. Também o grupo socioeconômico médio obteve índices de saúde mais elevados, estatisticamente significativos, quando comparado com o grupo socioeconômico baixo, com exceção para a componente afetivo-emocional onde não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre estes dois grupos.

A análise de dados dos três grupos socioeconômicos com base no gênero, revelou comportamentos diferentes para o gênero masculino e para o gênero feminino. O gênero feminino, tal como a amostra geral, mostrou diferenças estatisticamente significativas entre todos os grupos socioeconômicos, com a análise post-hoc, pelo método mais adequado, a mostrar as adolescentes do grupo socioeconômico mais altos a percepcionarem-se com índices mais elevados de saúde do que os outros grupos em todas as variáveis consideradas; também o grupo socioeconomico médio obteve índices de saúde mais elevados, estatisticamente significativos, quando comparado com o grupo socioeconômico baixo. O gênero masculino não obteve diferenças estatisticamente significativas na variável afetivo-emocional, nem entre os grupos baixo e médio das variáveis qualidade de vida relacionada com a saúde, felicidade e componente cognitivo.

Analisaram-se ainda os dados da relação entre os grupos socioeconômicos e as variáveis de saúde a partir da perspectiva da faixa etária. Obtiveram-se diferenças estatisticamente significativas aos 11, aos 13 e aos 15 anos entre os três grupos de nível socioeconômico, sendo que os adolescentes do grupo socioeconômico alto se percepcionaram com índices mais elevados em todas as variáveis consideradas para a saúde. Na faixa etária dos 16 anos ou mais, os adolescentes do grupo socioeconômico alto percepcionam-se com índices mais elevados e estatisticamente significativos nas variáveis felicidade e satisfação com a vida mas só quando comparado com o grupo socioeconômico baixo; na qualidade de vida relacionada com a saúde, e nas variáveis afetivo-emocional e cognitiva não se observam diferenças entre os grupos socioeconômicos. Entre as quatro faixas etárias consideradas no estudo as médias das variáveis vão decrescendo à medida que a faixa etária em análise é mais elevada.

 

Tabela 2

 

 

Tabela 3

 

Ainda no âmbito socioeconômico, os dados foram abordados na relação entre a situação laboral dos ascendentes e as variáveis de saúde. Os adolescentes do grupo em que os ascendentes estão, os dois, empregados obtiveram médias mais elevadas nas variáveis de saúde do que os adolescentes em que apenas um dos ascendentes tem emprego e do que o grupo de adolescentes em que ambos os ascendentes estão desempregados. As comparação post-hoc pelo método mais adequado mostraram diferenças estatisticamente significativas em todas as variáveis entre o grupo em que ambos os ascendentes estão empregados e o grupo em que ambos os ascendentes estão desempregados. Nas variáveis de componente cognitiva o grupo em que ambos os ascendentes estão empregados também registrou níveis mais elevados e estatisticamente significativos em relação ao grupo em que apenas um dos ascendentes está empregado. Entre o grupo em que ambos os ascendentes estão desempregados e o grupo em que um tem emprego obtêm-se diferenças estatisticamente significativas na variável satisfação com a vida.

O estudo da relação entre a situação laboral dos ascendentes e a autopercepção de saúde por parte dos adolescentes, atendendo ao gênero, mostrou: no gênero masculino não se observam diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, salvo no que toca à satisfação com a vida (F[2; 2231] = 3.453; p = .032), com o grupo com ambos empregados a mostrar níveis de satisfação com a vida mais elevados (M=7.42 DP =1.78) do que o grupo com ambos desempregados (M=6.96 DP =2.11); no gênero feminino são constatáveis diferenças estatisticamente significativas em todas as variáveis com exceção para a variável afetivo-emocional: na qualidade de vida relacionada com a saúde (F[2; 2207] = 5.151; p = .006), na felicidade (F[2; 2267] = 3.674; p = .026), na variável cognitiva (F[2; 2278] = 7.117; p = .001), na satisfação com a vida (F[2; 2289] = 4.768; p = .009). No gênero feminino, o grupo em que ambos os ascendentes estão empregados obtém médias mais elevadas e estatisticamente significativas, quando comparado com os grupos de adolescentes com ascendentes desempregados. Entre os grupos em que um dos ascendentes está desempregado e em que os dois estão desempregados não se observam diferenças estatisticamente significativas.

Foi efetuada uma análise de regressão múltipla pelo método stepwise, com o objetivo de avaliar os fatores preditores das variáveis de saúde para o total da amostra e para os gêneros. Foram introduzidas como possíveis variáveis independentes preditoras as variáveis que, na análise de correlações, evidenciaram associações estatisticamente significativas com as variáveis de saúde.

Como se pode ver na tabela 4, os resultados obtidos mostram a variável independente "socioeconômica" (Family Affluence Scale) como a primeira variável independente encontrada na preditibilidade das variáveis de saúde em estudo, seguida da variável independente "instrução dos pais", sobretudo para a variável cognitiva. A variável independente "situação laboral dos pais" não mostrou preditibilidade para nenhuma das variáveis de saúde. A percentagem explicada de variância do modelo, na totalidade da amostra, situa-se entre 1.1% para a felicidade e 2.8% para a satisfação com a vida; no gênero masculino, situa-se entre .5% para a felicidade e 2.3% para a satisfação com a vida; no gênero feminino, situa-se entre 1.6% para a componente afetivo-emocional da qualidade de vida relacionada com a saúde e 3.1% para a felicidade e satisfação com a vida.

 

Discussão dos resultados

Tal como esperado, num olhar transversal, é observável que os adolescentes que fazem parte de famílias com nível socioeconômico mais elevado, com maior grau de instrução e com ascendentes empregados referem mais saúde, com autopercepção mais elevada no componente afetivo-emocional e no componente cognitivo da saúde. Em contrapartida, os adolescentes do grupo de ascendentes com nível socioeconômico mais baixo, com menor grau de instrução e com desemprego percepcionam-se com menos saúde. Pode-se assim concluir que o emprego, os níveis socioeconômicos mais elevados e os níveis de instrução mais alta das figuras parentais fazem bem à saúde dos próprios e dos seus adolescentes. Considerando a saúde pública e o âmbito nacional, porventura a melhor forma de promover a saúde dos adolescentes seja incentivar e criar condições para que as figuras parentais obtenham níveis de instrução e qualificações acadêmicas mais elevadas, de forma a poder aceder a empregos com remunerações mais elevadas, podendo dessa forma melhorar os respectivos níveis socioeconômicos. Com efeito, como referem numerosos autores (Compas, 2004; Esnaola & Iturriaga, 2009; Gaspar et al., 2008; von Rueden et al., 2006; Simões, 2007), os adolescentes que convivem diariamente com baixo nível socioeconômico, reduzidos níveis de instrução das figuras parentais e, tantas vezes, desemprego familiar, veem juntar às alterações biopsicossociais próprias desta fase da vida outras adversidades inerentes ao estatuto familiar, que são fatores acrescidos e concomitantes de stress suscetíveis de constituírem desencadeantes de perturbações emocionais, cognitivas e comportamentais de vária ordem (Trallero, 2010).

O grau de instrução dos ascendentes condiciona a percepção de saúde dos adolescentes sobretudo no componente cognitivo, sendo que os resultados mais baixos se encontram associados ao grupo que nunca estudou ou que possui o 1º ciclo do ensino básico. Esta situação também poderá ter um efeito cumulativo uma vez que os filhos de famílias com baixos níveis de escolaridade tendem a considerar os aspectos da saúde como última prioridade e tendem a não valorizar a escola como um investimento em relação ao futuro. Em sentido contrário, pode depreender-se que, quanto mais elevada a escolaridade das figuras parentais, mais competências educativas, maior investimento em estilos de vida saudáveis, maior incentivo para que os adolescentes desenvolvam as suas competências e conhecimentos em âmbito acadêmico (Esnaola & Iturriaga, 2009; Lyubomirsky, 2008). Como refere a literatura (Hervás et al., 2008; Matos & Sampaio, 2009; Trallero, 2010), o grau de escolaridade tem relação próxima com as expectativas de vida, com as oportunidades abertas, com os hábitos, com as regras e competências desenvolvidas, com as estratégias para lidar com adversidades, com a criatividade, com o desenvolvimento moral e cidadania, com as regras de vida.

O estatuto socioeconômico também está associado à percepção de saúde dos adolescentes, tanto nos fatores emocionais como cognitivos, sendo que quanto mais elevados os recursos econômicos da família, maiores são os índices de saúde percebida pelos adolescentes. Como já se descreveu, estes resultados têm a ver com aspirações, expectativas e objetivos futuros, alternativas de opções, maior acesso a recursos que possam favorecer a qualidade das vivências quotidianas (Najman et al., 2004; Torsheim et al., 2004; Trallero, 2010). Estes resultados mostram também que ao estatuto socioeconômico se junta o estatuto sociocultural da família - estando provavelmente um correlacionado com o outro - no significativo impacto na percepção de saúde dos adolescentes. Os pais com mais privações econômicas tendem a ter filhos com mais baixas percepções de saúde.

Estes resultados alertam, de forma veemente, para a importância do incentivo da escolaridade e do bem-estar econômico, como estratégia política para promover a saúde adolescente e o seu bem-estar. De acordo com este estudo, encontrar formas de aumentar a escolaridade parental deveria ser uma das metas das políticas de saúde, não apenas por razões de justiça social e de proporcionar "igualdade de oportunidades", mas igualmente como meio de favorecer a percepção da saúde dos adolescentes e de melhorar estilos de vida e hábitos de saúde das gerações futuras.

Na percepção da saúde por gêneros, observam-se resultados diferentes, sendo que o gênero feminino manifesta maior sensibilidade ao contexto socioeconômico (também emprego/desemprego dos pais) e sociocultural da família tanto na vertente cognitiva, quanto na vertente afetivo-emocional: o grupo das adolescentes de famílias com maior estatuto socioeconômico e sociocultural percepciona-se com índices mais elevados e estatisticamente significativos de qualidade de vida e de bem-estar relativamente às adolescentes dos grupos de níveis socioeconômico e sociocultural médio e baixo. Por sua vez, o gênero masculino, embora obtenha diferenças estatisticamente significativas na percepção da componente cognitiva da respectiva saúde, na componente afetivo-emocional da percepção de saúde não registra diferenças. Parece que ambos os gêneros fazem análises cognitivas semelhantes da realidade socioeconômica e sociocultural da família, mas é o gênero feminino que internaliza e reflete mais essas análises, com consequências no respectivo sentir afetivo-emocional. Como escrevem Galambos (2004) e Trallero (2010), as adolescentes tendem a manifestar-se menos otimistas, mais sensíveis, mais racionais e reflexivas, mais propensas a internalizar emoções associadas às cognições. Por seu lado, os adolescentes tendem a centrar-se mais no exterior, na ação e a não atribuir carga emocional à percepção cognitiva. Como é óbvio, estas características têm consequências nos aspectos emocionais e na própria percepção de saúde de um e de outro gênero.

O grau de instrução, o nível socioeconômico da família e a percepção de saúde dos adolescentes nas idades mais jovens mostram associação com os fatores emocionais e cognitivos da saúde, tendendo a esbater-se com o evoluir da idade, sobretudo aos 16 anos ou mais, primeiro nas variáveis afetivo-emocionais e depois também nas variáveis cognitivas. Na discussão destes resultados, é importante ter presente que a escolaridade obrigatória em Portugal se prolonga apenas até ao 9º ano de escolaridade e à idade dos 15 anos. Além disso, não obstante o enquadramento legal, há famílias que não motivam as crianças e adolescentes para a escola. Este fato sugere que, quando os pais e professores não são suficientemente relevantes no apoio das crianças e dos adolescentes, estes têm maior dificuldade num crescimento saudável (Susman & Rogol, 2004; Trallero, 2010). Ao mesmo tempo, estes resultados fazem perceber como é importante a escola encontrar estratégias criativas de motivação, de envolvimento e de desenvolvimento de competências das crianças e adolescentes com estatuto familiar mais baixo, de modo a que as novas gerações sejam promovidas e não fiquem abandonadas à reprodução de hábitos, crenças, atitudes e comportamentos das gerações anteriores.

O emprego dos ascendentes relaciona-se diretamente com os recursos financeiros da família, com o seu equilíbrio e logo com o estatuto socioeconômico familiar. Como tal, o desemprego dos ascendentes tem impacto na percepção de saúde dos adolescentes, bastando para isso que um esteja desempregado. Com efeito, o estudo mostra que não há grandes diferenças na percepção de saúde dos adolescentes entre o grupo que tem os dois ascendentes desempregados e o grupo que tem um desempregado. As diferenças na percepção de saúde dos adolescentes tornam-se claras, seja no componente afetivo, seja no componente cognitivo, quando se comparam os adolescentes do grupo de ascendentes empregados com os dos grupos de ascendentes com situações de desemprego (quer atinja um ou ambos os ascendentes). O desemprego involuntário é sempre um flagelo social e tem relação direta com a redução dos recursos materiais de uma família, com alterações do humor e ambiente familiar, com a saúde percebida tanto somática como mentalmente. O desemprego involuntário tem consequências inevitáveis no todo familiar, nas expectativas, nos ritmos de vida familiar, no acesso ao sistema de saúde do país, na manutenção de hábitos saudáveis (higiene oral, lazer e tempos livres, etc.). O adolescente, mesmo quando não tem de entrar precocemente no mundo do trabalho, com o consequente abandono da escolaridade, acaba sempre por ser negativamente afetado e por ter consequências na respectiva percepção de saúde. Se o desemprego dos ascendentes for persistente, então, como relata Compas (2004), poderá atrair mais consequências para o adolescente do que uma situação transitória, uma vez que corresponderá a manter em permanente atuação indutores de stress concomitantes, com menores expectativas de futuro e de acesso a bens materiais.

É interessante observar que os adolescentes do grupo de pais com o 2º/3º ciclos do ensino básico se percepcionam com índices mais elevados no componente afetivo-emocional do que os adolescentes cujos ascendentes concluíram o ensino secundário, verificando-se o mesmo no gênero masculino, quando se compara o grupo do 2º/3º ciclos com o grupo do ensino superior. Como é óbvio, estes dados carecem da confirmação de outros estudos, tanto em Portugal, como noutros países. Em todo o caso, este achado obriga à reflexão, uma vez que o estudo deixa perceber que os níveis mais elevados de escolaridade dos pais podem afetar negativamente a felicidade dos adolescentes. As razões poderão ser múltiplas, tais como maior envolvimento na carreira profissional e na vida social, dificuldade de conjugar tempo para estar com os filhos, monitorização (controle) mais apertada, metas escolares mais elevadas e exigentes, intenso calendário de atividades que não permitem o adolescente desfrutar dos seus gostos pessoais, de tempo, de música, de desportos e outros. A confirmarem-se estes dados em ulteriores estudos, coloca-se uma importante questão às políticas educativas e de saúde: por um lado, como incrementar o nível de escolaridade parental e por outro lado, como proteger os níveis mais elevados de escolaridade dos efeitos negativos, de modo a promover a percepção de saúde dos adolescentes, favorecendo a sua satisfação com a vida, a sua felicidade, a sua qualidade de vida e o seu bem-estar.

Finalmente, a análise de regressão múltipla permitiu avaliar o peso preditor dos fatores do estatuto familiar em estudo num possível modelo explicativo da saúde dos adolescentes portugueses. Antes de mais, as percentagens de variância explicada pelos fatores do estatuto familiar para as diferentes variáveis de saúde são baixas, o que significa que os fatores do estatuto familiar, apesar de terem impacto na saúde dos adolescentes, mostram um potencial preditor baixo.

É o fator socioeconômico que assume maior relevo na predição de todas as variáveis de saúde. O nível de instrução dos pais só mostra alguma preditibilidade na variável cognitiva da saúde e na felicidade do gênero masculino. A situação laboral das figuras parentais não mostra qualquer impacto na explicação do modelo de saúde adolescente. Se por um lado isto quer dizer que o estatuto familiar explica apenas uma pequena parte da saúde dos adolescentes, por outro lado quer dizer que políticas que fomentem um melhor estatuto familiar produzem efeito na saúde percebida pelos adolescentes. E a principal via para conseguir este crescendo do estatuto familiar parece passar pelo progresso no nível de instrução dos pais, aumentando as suas competências, permitindo que acedam a empregos mais qualificados. Ao mesmo tempo, os melhores níveis de instrução dos pais poderiam abrir novos horizontes e permitir valorizar mais a escolaridade dos filhos, aumentar as expectativas de futuro, criar novas e melhores oportunidades, gerir melhor os próprios recursos e a relação educativa com os filhos, favorecer estilos de vida mais saudáveis.

Como referem reiteradamente Matos e Sampaio (2009), muito para além do estatuto familiar, os adolescentes fazem depender a sua percepção de saúde das competências que vão desenvolvendo, dos valores que vão assumindo e dos recursos pessoais que vão construindo. São estes aspectos que permitem ao adolescente aumentar a sua autoconfiança e autoestima, ampliar o leque de oportunidades, incrementar as perspectivas de autoeficácia, abrir diferentes e alternativos horizontes de futuro. Como tal, quanto mais alto o nível de qualificação do adolescente, mais facilmente sentirá o futuro nas suas mãos.

 

Considerações finais

Estes resultados permitem concluir da importância das políticas educativas e sociais permitirem aos pais e adolescentes desenvolver as suas competências, maximizar os seus recursos pessoais, adquirir novos e fundamentados conhecimentos, de modo a aumentar as suas expectativas de futuro, os seus recursos materiais, o seu estatuto familiar e, em consequência, a respectiva percepção de saúde e de bem-estar.

A percepção de saúde dos adolescentes é mais elevada nos níveis socioeconômicos mais altos, nos grupos cujos pais têm níveis de instrução mais elevados e no grupo de pais em que ambos estão empregados. O estatuto familiar mostra associação com o nível de percepção de saúde dos adolescentes, mormente no que ao componente cognitivo diz respeito.

O estatuto familiar não tem a mesma relação com a saúde percebida pelos adolescentes nem segundo os gêneros nem segundo as faixas etárias. O gênero feminino relata um maior impacto do estatuto familiar na respectiva percepção de saúde. O relevo do estatuto familiar na percepção de parte dos adolescentes é mais elevado nas faixas etárias dos 11 e 13 anos, tende a desvanecer-se com a aproximação da faixa etária dos 16 ou mais anos, sobretudo no componente afetivo-emocional.

Em futuros estudos, seria interessante atenuar ou resolver todos ou alguns dos limites deste estudo como a impossibilidade de definir se o desemprego de um ou dos dois pais é voluntário ou involuntário, a impossibilidade de definir o número de alunos que ficaram retidos em determinado ano de escolaridade e o número de alunos que abandonaram o sistema educativo nos anos da escolaridade obrigatória e na passagem desta para a fase seguinte da escolaridade, a impossibilidade de aferir os intervalos de rendimento de cada família, a impossibilidade de saber da existência de irmãos a responder ao mesmo questionário, a impossibilidade de analisar faixas etárias mais avançadas, pelo menos até a entrada na universidade. Julga-se também que, depois de perceber a ligação entre o estatuto familiar e a autopercepção de saúde, se deveria ir mais longe fazendo uma ligação entre estes aspectos e os comportamentos e estilos de vida saudáveis. Seriam igualmente interessantes ulteriores estudos para perceber melhor a relação entre os níveis mais elevados de escolaridade dos ascendentes e a felicidade dos adolescentes, como já referido na discussão dos resultados.

Não obstante as limitações do estudo, parece clara a influência do estatuto familiar na percepção de saúde dos adolescentes. O eixo em torno do qual gravita este estatuto parece ser o nível de instrução, a escolaridade. Quanto maiores qualificações acadêmicas, mais alternativas, mais oportunidades, mais expectativas de construção de futuro, mais autoestima, maior confiança, mais competências e mais desenvolvidas, recursos pessoais mais consistentes, maior percepção de autoeficácia, mais bem-estar, mais satisfação com a vida, mais saúde.

Assim, a par de políticas sociais e educativas com diferentes alternativas de promoção das famílias com estatuto familiar mais baixo, torna-se necessário que os educadores, os técnicos sociais e de saúde motivem para o desenvolvimento de competências, inventem e redescubram estratégias de envolvimento dos adolescentes na escola, sejam criativos nas atividades pedagógicas que acompanham o processo de ensino-aprendizagem, motivem os pais para a formação contínua e para as novas oportunidades que os organismos do Ministério da Educação, do emprego e formação profissional têm apresentado nas comunidades por todo o país. Também a escola tem um importante contributo a dar no processo de promoção do estatuto familiar, convocando as famílias para projetos criativos em que encarregados de educação e educandos interajam e partilhem experiências. Ainda no âmbito da escola, talvez fosse de estudar a abertura do espaço escolar para a formação de pais e para atividades de fim-de-semana. Seria igualmente interessante envolver a comunidade neste processo de promoção do estatuto familiar de forma a estabelecer redes sociais promotoras de oportunidades, de estímulos positivos de são desenvolvimento. Todos poderiam ganhar em cidadania, saúde e bem estar: o adolescente, as famílias, a comunidade próxima e alargada, o país.

 

Referências

Arita, B., Romano, S., García, N., & Félix, M. (2005). Indicadores Objetivos y Subjectivos de la Calidad de Vida. Enseñanza e Investigación en Psicología, 10(1), 93-102.         [ Links ]

Arthaud-Day, M., Rode, J., Mooney, C., & Near, J. (2005). The subjective well-being construct: A test of its convergent, discriminate, and factorial validity. Social Indicators Research, 74, 445-476.         [ Links ]

Berjano, R., Foguet, J., & González, A. (2008). El desarrollo de estilos de vida en los adolescentes escolarizados: diferencias entre chicos y chicas. IberPsicología, 13.1. Recuperado em 27 de Julho de 2008, da World Wide Web: http://psicologia-online/ciopa2001/actividades/57/index.html         [ Links ]

Bisegger, C., Cloetta, B., von Rüden, U., Abel, T., Ravens-Sieberer, U., & The European KIDSCREEN Group (2005). Health-related quality of life: gender differences in childhood and adolescence. Soz Praventivmed, 50, 281-291.         [ Links ]

Bisquerra, R. (2008). Educación Emocional y Bienestar. Madrid: Wolters Kluwer España.         [ Links ]

Borges, A., Matos, M., & Diniz, J. (2011). Processo adolescente e saúde positiva: Âmbitos afectivo e cognitivo. Psicologia Reflexão e Crítica, 24(2), 1-11.         [ Links ]

Boyce, W., Torsheim, T., Currie, C., & Zambon, A. (2006). The family affluence scale as a measure of national wealth: Validation of an adolescent self-report measure. Social Indicators Research, 78(3), 473-487.         [ Links ]

Cantril, H. (1965). The pattern of human concerns. New Brunswick, NJ: Rutgers University Press.         [ Links ]

Compas, B. (2004). Processes of risk and resilience during adolescence. In R. Lerner, & L. Steinberg (Dirs), Handbook of adolescent psychology (pp. 263-296). Hoboken, New Jersey: Wiley.         [ Links ]

Costa, L., & Pereira, C. (2007). Bem-estar subjectivo: aspectos conceituais. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 59(1), 72-80.         [ Links ]

Diener, E. (1984). Subjective Well-Being. Psychological Bulletin, 95, 542-575.         [ Links ]

Esnaola, I., & Iturriaga, G. (2009). Hábitos de vida saludable y autoconcepto físico. In A. G. Grandmontagne (Coord.), El Autoconcepto Físico. Psicologia y educación (pp. 155-172). Madrid: Pirámide.         [ Links ]

Espinosa, J. L. (2004). Crecimiento y comportamiento en la adolescencia. Revista de la Asociación Española de Neuropsiquiatría, 90, 57-71.         [ Links ]

Frey, B., & Stutzer, A. (2004). Happiness Research: State and Prospects. Institute for Empirical Research in Economics Working, Paper No. 190. University of Zurich. Recuperado em 28 de Fevereiro de 2007, da World Wide Web: http://ssrn.com/abstract=559427.         [ Links ]

Frisch, M. B. (2006). Quality of Life Therapy: Applying a Life Satisfaction Approach to Positive Psychology and Cognitive Therapy. New Jersey: John Wiley and Sons.         [ Links ]

Galambos, N. (2004). Gender and gender role development in adolescence. In R. Lerner, & L. Steinberg (Dirs), Handbook of adolescent psychology (pp. 233-262). Hoboken, New Jersey: Wiley.         [ Links ]

Gaspar, T., Pais-Ribeiro, J., Matos, M., & Leal, I. (2008). Promoção de Qualidade de Vida em Crianças e Adolescentes. Psicologia, Saúde & Doenças, 9(1), 55-71.         [ Links ]

Health Behaviour in School-Aged Children (2006). Disponível em http://www.hbsc.org/        [ Links ]

Hervás, G., Sánchez, A., & Vázquez, C. (2008). Intervenciones Psicologicas para la Promoción del Bienestar. In C. Vazquez & G. Hervás (Eds.), Psicología Positiva Aplicada (pp. 41-75) Bilbao: Editorial Desclée de Brouwer.         [ Links ]

Lyubomirsky, S. (2008). La Ciencia de la Felicidad. Barcelona: Ediciones Urano.         [ Links ]

Marmot, M. G. (2005). Social determinants of health inequalities. Lancet, 365, 1099-1104.         [ Links ]

Matos, M., Gonçalves, A., & Gaspar, T. (2005). Aventura social e saúde: prevenção do VIH numa comunidade migrante. Lisboa: CMDT/IHMT/UNL; FMH/UTL.         [ Links ]

Matos, M., Simões, C., Tomé, G., Gaspar, T., Camacho, I., Diniz, J., et al. (2007). A saúde dos adolescentes portugueses hoje e em oito anos. Lisboa: CMDT/IHMT/UNL; FMH/UTL.         [ Links ]

Matos, M., & Sampaio, D. (2009). Jovens com Saúde. Diálogos com uma Geração. Lisboa: Texto.         [ Links ]

Moroco, J. (2007). Análise Estatística. Com Utilização do SPSS. (3ª ed.). Lisboa:Sílabo.         [ Links ]

Najman, J. M., Aird, R., Bor, W., O'Callaghan, M., Williams, G. M., & Shuttlewood, G. J. (2004). The generational transmission of socioeconomic inequalities in child cognitive development and emotional health. Social Science & Medicine, 58(6), 1147-1158.         [ Links ]

Nurmi, J. (2004). Socialization and self-development. In R. Lerner, & L. Steinberg (dirs.), Handbook of adolescent psychology (pp. 85-125). Hoboken, Nueva Jersey: Wiley.         [ Links ]

OMS (1948). Officials Records of the World Health Organization, nº 2, p. 100. United Nations, World Health Organization. Genève, Interim Comission.         [ Links ]

OMS (2001). The World Health Report. Genève. Disponível em http://www.who.int/whr/2001/en/        [ Links ]

Rajmil, L., Alonso, J., Berra, S., Ravens-Sieberer, U., Gosch, A., et al. (2006). Use of a children questionnaire of health-related quality of life (KIDSCREEN) as a measure of needs for health care services. Journal of Adolescent Health, 38, 511-518.         [ Links ]

Simões, M. C. R. (2007). Comportamentos de risco na adolescência. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; Fundação para a Ciência e Tecnologia.         [ Links ]

Stansfeld, S., Head, J., Fuhrer, R., Wardle , J., & Cattell , V. (2003). Social inequalities in depressive symptoms and physical functioning in the Whitehall II study: exploring a common cause explanation. Jounal of Epidemiology Community Health, 57, 361-367.         [ Links ]

Susman, E., & Rogol, A. (2004). Puberty and psychological development. In R. Lerner & L. Steinberg (dirs.). Handbook of adolescent psychology (pp. 15-44). Hoboken, Nueva Jersey: Wiley.         [ Links ]

Torsheim, T., Currie, C., Boyce, W., Kalnins, I., Overpeck, M., & Haugland, S. (2004). Material deprivation and self-rated health: a multilevel study of adolescents from 22 European and North American countries. Social Science & Medicine, 59(1), 1-12.         [ Links ]

Trallero, J. (2010). El Adolescente en su Mundo. Riesgos, problemas y trastornos. Madrid: Ediciones Pirámide.         [ Links ]

Traverso-Yépez, M. A., & Pinheiro, V. S. (2005). Socialização de gênero e adolescência. Estudos Feministas, 13(1), 147-162         [ Links ]

von Rueden, U., Gosch, A., Rajmil, L., Bisegger, C., Ravens-Sieberer, U., & the European Kidscreen group, (2006). Socioeconomic determinants of health related quality of life in childhood and adolescence: results from a European study. J. Epidemiol Community Health; 60(2), 130-135.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Borges, António
Projecto Aventura Social
Estrada da Costa, Cruz Quebrada, 1499
Lisboa codex, Portugal
Telefone: 213 652 600. Fax: 213 632 105
E-mail: aborges@fmh.utl.pt

Enviado em 8 de Fevereiro de 2011
Texto reformulado em 5 de Setembro de 2011
Aceite em 11 de Novembro de 2011
Publicado em 31 de Dezembro de 2011

Creative Commons License