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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.19 no.2 Ribeirão Preto dez. 2011

 

Relação entre valores e o comportamento de motoristas no trânsito

 

The relationship between values and drivers' behavior in traffic

 

 

João Bosco de Assis Rocha; William Lee Berdel Martin; Olavo de Faria Galvão

Universidade Federal do Pará - Belém, PA - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Para investigar o comportamento de motoristas, possivelmente correlacionado a valores e variáveis demográficas, foi aplicado a 505 motoristas de Belém e Curitiba o Questionário de Valores Pessoais (PVQ). Deste total de participantes, 372 eram homens e 133 mulheres, sendo que destes, 205 tiveram Carteira de Habilitação (CNH) suspensa. Os resultados do PVQ foram confrontados com os dados demográficos, cidade de origem, condição de habilitação do motorista e algumas informações históricas sobre a idade em que aprendeu a dirigir e com quem aprendeu. Foram encontradas algumas correlações entre os fatores: 1) Autodireção: Cidade e Escolaridade; 2) Poder: Cidade e Situação da CNH; 3) Universalismo: Cidade, Situação da CNH e Idade; 4) Hedonismo: Idade; 5) Segurança: Cidade, Idade e Situação da CNH; 6) Estimulação: Idade; 7) Conformidade: Situação da CNH, Idade e Cidade; 8) Benevolência: Cidade, Situação da CNH, Sexo e Idade; 9) Realização: Idade; 10) Tradição: Idade. Alguns resultados mostraram diferenças entre motoristas suspensos e não suspensos e também entre motoristas das cidades pesquisadas, como por exemplo, um maior percentual de suspensos aprendeu a dirigir com a família e os fatores Benevolência e Conformidade foram mais valorizados pelos motoristas de Belém.

Palavras-chave: Valores de motoristas, Comportamento de motoristas, Carteira de habilitação.


ABSTRACT

In order to investigate drivers' behavior possibly correlated with values and demographic variables, 505 drivers from the cities of Belém and Curitiba completed the Personal Values Questionnaire (PVQ). 372 were men and 133 were women, and the driver's license of 205 had been suspended. Results of the PVQ were related to demographic variables, age, birth place, the situation of the driver´s license, and to some background information, such as the age when the participant learned to drive and who taught him/her. Correlations between these data and independent variables were found for the following PVQ factors: 1) Self-direction: City and Educational Level; 2) Power: City and License Situation; 3) Universalism: City, License Situation and Age; 4) Hedonism: Age; 5) Security: City, Age and License Situation; 6) Stimulation: Age; 7) Conformity: Driver´s License Situation, Age and City; 8) Benevolence: City, Driver´s License Situation, Gender and Age; 9) Achievement: Age; 10) Tradition: Age. Responses from those with suspended licenses were different from those in the non-suspended sample. Some results of drivers from Belém and Curitiba were also different. For example, a larger percentage of suspended drivers were taught how to drive by family members and the factors Benevolence and Conformity were more valued by drivers from Belém.

Keywords: Drivers values, Drivers behavior, Driver's license.


 

 

As ações de motoristas são regidas por regras estabelecidas pelo Código de Trânsito Brasileiro (Conselho Nacional de Trânsito, 1998) aprovado por lei federal. Por outro lado, paralelamente a esse rigor, regras informais estabelecem a conduta dos motoristas, tendo em vista as questões sociais que ocorrem à sua volta. Sendo assim, tomando por base o rigor da lei formal e a força da informalidade exigida pelas necessidades dos indivíduos, resolveu-se investigar quais valores seriam possivelmente relacionados com o comportamento dos motoristas a ponto de motivá-los a emitir comportamentos inadequados no trânsito.

Algumas considerações sobre representações sociais e valores tornam-se necessárias para a compreensão do assunto, tendo em vista a coexistência e a relação entre eles, conforme assinala Lane (1991) ao citar Malrieu (1978):

A representação social se constrói no processo de comunicação, no qual o sujeito põe à prova, através de suas ações, o valor - vantagens e desvantagens - do posicionamento dos que se comunicam com ele, objetivando e selecionando seus comportamentos e coordenando-os em função de uma procura de personalização. (p. 15)

Segundo Schwartz (2001), os valores surgem em decorrência das metas estabelecidas em forma de manifestações conscientes, ou respostas, que os indivíduos e sociedades dão a três requisitos universais: "1) As necessidades dos indivíduos como organismos biológicos; 2) A interação social coordenada e 3) O correto funcionamento e sobrevivência dos grupos." (Schwartz, 2001, p. 55). Os valores são "metas desejáveis e transituacionais que variam em importância e servem como princípios na vida de uma pessoa ou de outra entidade social." (Schwartz, 2001, p. 55).

Guareschi (1996) considera que as "representações sociais ou representações coletivas" (p. 22) são estabelecidas pela comunidade, a partir dos indivíduos que nela vivem, em função das suas necessidades e motivações, tendo em vista as questões de segurança e sobrevivência. Partindo-se desta colocação de Guareschi, poder-se-ia pressupor que os próprios indivíduos, contribuintes para a formação das representações sociais, sofram interferências destas no momento de tomarem decisão para avançar um sinal vermelho, por exemplo. Guareschi (1996) faz referência a Sperber (1990) e à sua proposta de que "psicólogos e antropólogos deveriam trabalhar em conjunto para estudar o que ele chamou de 'epidemia de representações'" (p. 22). Ao sugerir esta ideia, Sperber faz analogia com a medicina, dizendo que a mente humana é susceptível de representações culturais do mesmo modo que o organismo humano é susceptível às doenças, acrescenta Guareschi (1996).

Spink (1993) enriquece um pouco mais estas colocações, abordando a questão do sujeito como produto e produtor da realidade social. A representação é uma construção do sujeito enquanto um ser social. "Sujeito que não é apenas produto de determinações sociais nem produtor independente, pois que as representações são sempre construções contextualizadas, resultados das condições em que surgem e circulam" (Spink,1993, p. 303). Acrescenta que a construção da realidade social pelo sujeito é uma expressão da realidade do indivíduo, uma exteriorização do afeto, não sendo simplesmente expressões cognitivas. A explicação para o uso do termo construção está no fato de que as representações de um sujeito sobre um objeto jamais são meras reproduções deste objeto, comenta Spink (1993), e acrescenta que a relação com o real nunca é direta, mas "sempre mediada por categorias históricas e subjetivamente constituídas" (p.304).

À luz dessas afirmativas sobre valores e considerando-se a realidade social brasileira, possivelmente os valores que emergem e se disseminam no trânsito são relativos a metas tidas como importantes e desejáveis pelos motoristas, como por exemplo o valor Segurança, devido à violência reinante. Também poderia emergir o valor Autodireção, representado pelos constantes avanços do sinal vermelho, ação resultante talvez da crença de que os assaltos ocorrem nos cruzamentos e de que a punição é quase improvável.

Pereira (2005) observa que "o estímulo que provoca e mantém as ações do motorista situa-se no mundo em volta dele" (p. 17) e acrescenta que o motorista manifesta formas de expressão do grupo ao qual pertence. Estas formas culturais não interfeririam somente no espaço físico onde os fenômenos sociais ocorrem, mas em toda a dinâmica social onde o motorista toma parte, "especialmente aquelas regras e hábitos informais (tais como impunidade e uma 'especial' maneira brasileira de viver) que organiza as relações entre os diferentes atores da circulação." (Pereira, 2005, p. 17). Como exemplo, é oportuno lembrar um procedimento informal estabelecido por motoristas do Rio de Janeiro, buzinando e piscando faróis para "pressionar o motorista do carro que vai à frente" (Sousa e Clark, 2001, p. 302; Rocha, 2006). Este fato sugere, com base na Teoria dos Valores de Schwartz (2001), a existência de conflitos de valores em que conformidade, tradição e segurança colidem com estimulação e autodireção, que na escala de valores mais abrangentes de Schwartz seria o antagonismo entre a conservação como a observância das normas de trânsito e da ordem, e a abertura à mudança, no caso, resultando na desordem e no descumprimento das normas de trânsito.

Essas reflexões parecem reforçar a necessidade de não se considerar ações inadequadas no trânsito de forma simplista ou reducionista, como se elas fossem simples atos isolados, apenas respondendo a estímulos quaisquer.

Uma das preocupações de Schwartz foi a de estabelecer valores que fossem gerais e aplicáveis universalmente. Conforme assinalam Gouveia, Martinez, Meira e Milfont (2001), referindo-se à Schwartz, "desde o seu modelo (Schwartz & Bilsky, 1987, 1990), este autor manteve-se fiel à sua ideia principal de que existe um conjunto de motivações universais" (p. 135). Os resultados das suas pesquisas foram obtidos a partir de 97 amostras em 44 países de cada continente habitado, entre 1988 e 1993, sendo entrevistadas 25.863 pessoas de várias faixas etárias e graus de instrução (Schwartz, 2001). Os valores encontrados resumem-se aos seguintes:

 


Quadro 1 - Clique para ampliar

 

Pela classificação de Schwartz (2001), os valores universais, inclusive aqueles encontrados no Brasil, já são conhecidos. Conforme adverte Moreira (2000), entretanto, "o preço pago pela universalização é que o padrão resultante representa apenas uma aproximação do resultado que seria encontrado nas amostras de cada cultura separadamente" (p. 18). Acrescente-se a esta assertiva o fato do Brasil ter extensão continental, com populações regionais diversas, nativas e oriundas de todos os continentes, vivendo sob condições econômicas, climáticas, sociais e culturais as mais variadas (Rocha, 2006). Contemporizando estas três colocações, parece ser mais sensato admitir que no Brasil possa haver a prevalência de certos valores universais em uma região geográfica em relação a outras, embora sejam encontrados todos esses valores em todo o país.

Essa foi uma questão levantada no estudo aqui descrito, tendo em vista que o melhor conhecimento desses valores possa, possivelmente, contribuir para a melhor compreensão do comportamento do motorista e, dessa forma, desencadear políticas mais adequadas de avaliação de motoristas para obtenção de CNH, de reciclagem para motoristas infratores, de punição no âmbito dos DETRANs e até nas esferas judiciais comuns. Espera-se que, juntamente com outros estudos, contribuir para a diminuição de infortúnios causados pelo trânsito.

Optou-se por avaliar somente motoristas de veículos de 4 rodas, como carros de passeio, carros oficiais, taxis e veículos semelhantes em Curitiba, capital do Paraná, e Belém, capital do Pará. Curitiba, porque é tida como referência no que diz respeito à urbanização, trânsito viário, e por estar situada na Região Sul, uma das mais desenvolvidas do Brasil, segundo o IBGE (2000). Belém, por se contrapor a Curitiba em vários aspectos, situada na Região Norte e com indicadores socioeconômicos inferiores aos da Região Sul (IBGE, 2000). A capital nortista, por ocasião da coleta de dados em 2003/2004, tinha 1.280.614 habitantes e a capital sulista 1.587.315 habitantes, conforme o IBGE (2000). A frota era constituída de 144.222 e 722.997 veículos respectivamente. (IBGE, 2000).

 

Método

Amostra

Participaram desta investigação 505 motoristas habilitados, suspensos e não suspensos, de ambos os sexos, entre 19 e 75 anos de idade, sendo 300 de Curitiba e 205 de Belém.

Instrumento

Personal Values Questionnaire (PVQ) (Questionário de Valores Pessoais), de Schwartz, Melech, Lehmann, Burgess e Harris (2001) e de Schwartz, Lehmann e Roccas (1999).

O PVQ, adaptado ao Brasil por Tamayo e Porto (2009), consta de 40 questões referentes aos dez valores de Schwartz (2001), descritos no corpo deste artigo. As questões referentes a cada valor são respondidas conforme os seis pesos que o respondente dá a cada uma, obedecendo a seguinte orientação do instrumento: "Descrevemos resumidamente abaixo algumas pessoas. Leia cada descrição e avalie o quanto cada uma dessas pessoas é semelhante a você. Assinale com um 'X' a opção que indica o quanto a pessoa descrita se parece com você". Como exemplo, a Questão 7, referente ao fator Conformidade, é transcrita abaixo e as seis opções oferecidas ao respondentes:

Questão 7: "Ela acredita que as pessoas deveriam fazer o que lhes é ordenado. Ela acredita que as pessoas deveriam sempre seguir as regras, mesmo quando ninguém está observando".

Opções: "Se parece muito comigo" (peso 1); "Se parece comigo" (peso 2); "Se parece mais ou menos comigo" (peso 3); "Se parece pouco comigo" (peso 4); Não se parece comigo (peso 5); "Não se parece nada comigo" (peso 6).

A avaliação do questionário foi efetuada considerando os pesos atribuídos aos dez fatores distribuídos pelas questões do instrumento. Na análise de dados, foram consideradas as principais variáveis independentes (VI): dados demográficos dos motoristas, como sexo, idade, cidade, situação da CNH, estado civil, quantidade de filhos, escolaridade, renda pessoal, etc. As principais variáveis dependentes (VD) consideradas foram os dez valores de Schwartz (2001) mencionados neste artigo. Para o processamento desses dados, foi utilizado o programa SPSS - Statistical Package for the Social Sciences, versão 13.0 para Windows. A quantidade de variáveis envolvidas neste estudo proporcionou inúmeros cruzamentos entre elas e as análises dos dados de cada cruzamento foram detalhadas na seção Resultados abaixo.

Procedimentos

Após terem sido notificados pelos DETRANs a respeito das suas suspensões, os motoristas compareciam à instituição, onde eram solicitados a responder ao PVQ quando do início do processo de reciclagem. Os motoristas não suspensos foram abordados nos mais diversos locais, como universidades, academias de ginástica e de dança, pontos de taxi, individualmente e em grupos diversos. Todos os participantes foram informados sobre o objetivo da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

Resultados

Houve predominância de homens (372) na composição da amostra como esperado, pois o gênero masculino prevalece na população de motoristas. A amostra de suspensos de Belém, planejada inicialmente para ser constituída por 150 motoristas, do mesmo tamanho da de Curitiba, ficou reduzida a 55 somente, pois o DETRAN-PA, que havia autorizado o acesso aos motoristas notificados sobre o processo de suspensão, irredutivelmente não permitiu mais o procedimento após terem sido aplicados questionários a 55 pessoas, alegando questões éticas e possíveis demandas judiciais futuras. Desta forma, alguns resultados referentes aos suspensos de Belém - e principalmente às mulheres - não foram tão incisivos como os obtidos em Curitiba. A Tabela 1 apresenta a distribuição da amostra nas duas cidades.

A análise do questionário possibilitou grande número de cruzamentos de variáveis, como a situação da CNH (suspensos e não suspensos), a cidade dos motoristas, os dados demográficos e informações como idade em que aprendeu a dirigir, com quem aprendeu, etc. O foco deste artigo, entretanto, está centrado na questão dos valores. Os outros enfoques podem ser encontrados em Rocha (2006).

Cada tipo motivacional foi sujeito a uma Análise de Regressão Múltipla (ARM) sequencial para identificar os preditores associados. Os resultados principais desses conjuntos de análise constam da Tabela 2. A "Idade em que o motorista aprendeu a dirigir", por exemplo, não foi associada com qualquer fator, ou houve associação fraca ou limítrofe.

As variáveis independentes cidade (Curitiba ou Belém), suspenso ou não suspenso, sexo, idade, estado civil, situação conjugal, filhos, escolaridade, renda, idade em que aprendeu a dirigir, com quem aprendeu a dirigir e a idade da primeira habilitação foram inseridas no programa SPSS, através do programa de seleção sequencial ("stepwise regression"). Foram identificados e descritos na Tabela 2 somente os preditores principais que emergiram para cada um dos fatores do PVQ - Autodireção, Poder, Universalismo, Hedonismo, Segurança, Estimulação, Conformismo, Benevolência, Realização e Tradição.

No caso de Autodireção, a "Idade em que o motorista aprendeu a dirigir", por exemplo, não foi associada com qualquer fator (ou se houve alguma associação, a mesma foi fraca ou limítrofe). Apareceram dois preditores: Cidade + Escolaridade, onde R2 = 0,043 indica que quase 5% da variância na VD Autodireção é atribuível a esta combinação de VIs. Com referência a Poder, também apareceram dois preditores - Cidade + Situação da CNH - com R2 = 0,058, que significa cerca de 6% da variância nesta VD. Quanto ao fator Universalismo, emergiram três preditores - Cidade + Situação da CNH + Idade e o Coeficiente de Determinação Múltipla - R2 - mostrou que cerca de 15% da variância nesta categoria advém da combinação destas VIs mencionadas. Relacionado a Hedonismo, somente o preditor Idade surgiu, com o R2 indicando 6% de variância nesta VD. Para Segurança, surgiram três preditores - Cidade + Idade +Situação da CNH e segundo o Coeficiente de Determinação Múltipla (R2), cerca de 9,5% da variância neste fator é devida a esta combinação de VIs. Para o fator Estimulação, surgiu o preditor Idade, com R2 em torno de 4%. Em relação a Conformismo, emergiram os preditores Situação da CNH + Idade + Cidade e o R2 de 11,6 indica quase 12% de variância nesta VD. Para o fator Benevolência, foi encontrado o maior número de preditores - Cidade + Situação da CNH + Sexo + Idade - indicando o R2 = 0,085 de variância na VD em questão. Para o fator Realização, surgiu o preditor Idade e o R2 = 0,04, indicando haver 4% de variância em relação à esta VD. Finalmente, para a VD Tradição, surgiu o preditor Idade e o R2 0,074, indicando haver variância em torno de 7% relativa à esta VD.

Na descrição que se segue, cada fator é avaliado separadamente na sequência indicada na Tabela 2 e somente com referência às VIs que emergiram como preditores. É importante lembrar o sentido dado às opções de respostas do PVQ e o peso a elas atribuído, conforme já mencionado. Como consequência, os valores das médias referentes aos fatores apresentados, mais adiante, devem ser interpretados tendo em vista a inversão dos pesos, ou seja, médias menores refletem maior peso atribuído a um determinado fator do que médias mais altas. Por exemplo, nos resultados referentes ao fator "Poder", foram encontradas as médias 3,25 para Curitiba e 3,54 para Belém e se comentará que o fator "Poder" foi considerado mais valorizado em Curitiba.

Começando por "Autodireção", encontramos uma diferença significativa entre as duas cidades: F(1, 473) = 8,38, p<0,005. Os motoristas de Belém se avaliaram como sendo mais "autodirecionados" do que os de Curitiba (M = 1,86 vs. M = 2,05). A "Escolaridade" também estava relacionada a este fator, F(3, 468) = 5,11, p<0,003. A média daqueles que cursaram pós-graduação foi significativamente menor do que a dos motoristas nos outros três grupos de escolaridade (graduação, ensino médio e ensino fundamental) (M = 1,67 vs. M = 1,95 M = 2,08 e M = 2,04: Teste de Tukey, p<0,05). Foi detectada uma tendência unilinear: FLinear (1, 468) = 10,96, p<0,005, isto é, por inferência, na medida em que o nível de escolaridade aumentou, os motoristas tenderam a valorizar mais este atributo.

No caso do "Poder", foi possível realizar a ANOVA fatorial 2 (Cidade) x 2 (Situação da CNH) e foi identificada uma interação entre "Cidade" e "Situação da CNH", F(1, 482) = 4,31, p<0,04. Além do mais, houve efeitos robustos para "Cidade", F(1, 482 = 14,29, p<0,001; e para "Situação da CNH", F(1, 482) = 10,94, p<0,002. Em relação aos motoristas de Curitiba, a média dos de Belém foi maior (isto é, o traço foi menos valorizado: M = 3,54 vs. M = 3,25); e em comparação com os motoristas suspensos e não suspensos de Belém, os curitibanos valorizaram mais este atributo (M = 3,48 e M = 3,03 vs. M = 3,62 vs. M = 3,51).

No fator "Universalismo", a ANOVA fatorial 2 (Cidade) x 2 (Situação da CNH) foi efetuada, mas desta vez, embora o termo da interação não fosse significativo, surgiram efeitos principais e acentuados para "Cidade", F(1, 491) = 42,90, p<0,001 e para "Situação da CNH", F(1, 491) = 24,14, p<0,001. Os motoristas de Belém atribuíram mais peso a este fator do que aqueles de Curitiba (M = 1,66 vs. M = 2,05); e, independentemente da cidade, os suspensos valorizaram este atributo mais do que os não suspensos (M = 1,74 vs. M = 2,00). Este fator também variou em função da idade dos motoristas, F(4, 479) = 6,43, p<0,001. A média do grupo na faixa mais jovem diferiu daqueles nas faixas de 30-39, 40-49 e 50-59 anos (M = 2,10 vs. M = 1,86; M = 1,70 e M = 1,73; teste de Tukey, p<0,04), mas não da média do grupo mais velho. Foi verificada a presença de uma tendência linear, FLinear (1, 479) = 18,68, p<0,001. Tal resultado sugere que, com o avanço da idade, a crença neste valor aumenta.

Com referência ao fator "Hedonismo", as médias somente aumentaram com a faixa etária: F(4, 469) = 6,60, p<0,001. A média do grupo mais jovem foi menor do que a das demais faixas etárias (variando de M = 2,34 até M = 3,00 no grupo mais velho: teste de Tukey, p<0,04). Novamente uma forte tendência unilinear foi encontrada: FLinear (1, 469) = 24,17, p<0,001. Este resultado significa que, na medida em que os motoristas envelhecem, atribuem menos peso a este valor social/pessoal.

No que tange à "Segurança", foi aplicada a ANOVA fatorial 2 (Cidade) x 2 (Situação da CNH). Embora o termo da interação não tivesse sido significativo, houve dois efeitos principais. Primeiro, para "Cidade", F (1, 484) = 21,09, p<0,001; e segundo, para a "Situação da CNH", F(1, 484) = 14,83, p<0,001. Em média, os motoristas de Curitiba evidenciaram menos preocupação com este valor do que os de Belém (M = 2,36 vs. M = 2,08); e em comparação com os suspensos, os não suspensos deram menos peso a este valor (M = 2,33 vs. M = 2,12). Apareceu também uma associação com a idade: F(4, 473) = 7,20, p<0,001. A média do grupo mais jovem diferiu significativamente da dos motoristas em todas as demais faixas (variando de M = 2,50 a M = 1,97: teste de Tukey, p<0,02). A tendência foi basicamente unilinear, FLinear (1, 473) = 19,20, p<0,001, ou seja, na medida em que a idade aumentou, a preocupação com a segurança também aumentou.

Na avaliação do fator "Estimulação", o mesmo foi relacionado somente à Idade: F(4, 466) = 3,43, p<0,01. Os motoristas da amostra mais jovem mostraram a média menor, somente desviando daqueles nas faixas de 30-39 e 40-49 anos (M = 2,66 vs. M = 2,85 e M = 2,94: teste de Tukey, p<0,05). A tendência novamente foi unilinear: FLinear (1, 466) = 12,18, p<0,0002. Com o avanço da idade, os motoristas se identificaram menos com este atributo.

No caso do fator "Conformismo", três preditores foram encontrados. Com base na ANOVA 2 (Cidade) x 2 (Situação da CNH), embora a interação não tivesse sido significativa, surgiram efeitos separados para "Cidade", F(1, 477) = 8,19, p>0,005 e em particular para a "Situação da CNH", F(1, 477) = 41,92, p<0,001. Em contraste com os motoristas de Belém, os de Curitiba atribuíram menos importância a este valor (M = 2,53 vs. M = 2,43) e os suspensos se identificaram mais com este valor do que os não suspensos (M = 2,25 vs. M = 2,65). Além do mais, o nível de conformismo variou com o nível da idade, F(4, 464) = 5,00, p<0,002. Segundo as comparações múltiplas, o efeito foi limitado, com aqueles do grupo mais jovem apresentando uma média maior do que aqueles nas faixas de 30-39 e 40-49 anos (M = 2,68 vs. M = 2,43 e M = 2,39: teste de Tukey, p<0,01). O efeito linear esteve presente, FLinear (1,64) = 16,73, p<0,001, indicando, por inferência, que acima da faixa de 19-29 anos, o nível de conformismo social aumentou, embora não de forma brusca.

Com relação ao fator "Benevolência", quatro preditores foram identificados. A ANOVA fatorial do tipo 2 (Cidade) x 2 (Situação da CNH) foi aplicada, surgindo dois efeitos principais: um para "Cidade", F(1, 476) = 22,87, p>0,001 e outro para a "Situação da CNH", F(1, 476) = 10,54, p<0,002. Os motoristas belemenses se classificaram como sendo mais "benevolentes" do que os curitibanos (M = 1,85 vs. M = 2,13) e, em relação aos não suspensos, os suspensos mostraram a mesma tendência (M = 1,93 vs. M = 2,08). O resultado da ANOVA univariada revelou diferença significativa entre sexos: F(1, 478) = 4,75, p<0,04, com as motoristas priorizando este valor mais do que os motoristas (M = 1,90 vs. M = 2,06). A idade também foi relacionada a este fator, F(4, 463) = 4,59, p<0,002. Nesta instância, a única diferença fidedigna emergiu entre motoristas na faixa de 19-29 anos e aqueles entre 30 e 39 anos e 40 e 49 anos (M = 2,20 vs. M = 1,97 e M = 1,84: teste de Tukey, p>0,05). A tendência linear também foi significativa, FLinear (1, 463) = 11,94, p<0,002. Com o avanço da idade, ocorreu uma leve tendência para o nível de benevolência aumentar.

Nos últimos dois fatores, "Realização" e "Tradição", a idade foi a única VI influente. Assim, os achados são resumidos juntos. Com referência à "Realização", F(4, 472) = 8,31, p<0,001: os motoristas no grupo mais jovem apresentaram uma média significativamente menor do que aqueles nas faixas de 30-39, 40-49 e 50-59 anos (M = 2,69 vs. M = 3,20, M = 3,24 e M = 3,30: teste de Tukey, p<0,001). Uma tendência linear foi observada, F(1, 472) = 19,15, p<0,001. Este achado indica que na medida em que os motoristas envelheceram este traço foi menos valorizado. Com referência ao fator "Tradição", o nível de avaliação também variou em função da idade: F(4, 465) = 8,08, p<0,001. A média do grupo mais jovem foi maior e desviou significativamente da dos demais quatro grupos (de M = 3,10 até M = 2,29: teste de Tukey, p<0,05). A tendência unilinear foi robusta, FLinear (1,465) = 20,73, p<0,001. Neste caso, na medida em que a idade aumentou, os motoristas se identificaram mais com este valor, um achado esperado, pois o atributo "tradição" é mais valorizado em pessoas mais velhas.

 

Discussão

O fato dos resultados terem apontado os belemenses como mais "autodirecionados" do que os curitibanos, à luz da classificação de Schwartz (2001), significa que os primeiros podem ter pensamento independente, elegendo suas próprias ações, criatividade e exploração. Em outros termos, têm menos vocação ou disposição para cumprir normas, o que, de certa forma, é refletido no número de infrações, mais cometidas em Belém do que em Curitiba, conforme relata Rocha (2003). A relação entre o preditor Escolaridade e o fator Autodireção mostrou também que, à medida que o nível de escolaridade do motorista aumentava, maior era a sua tendência ao autodirecionamento, o que vai ao encontro dos achados de Schwartz, que define o tipo motivacional Autodireção como derivado das necessidades do organismo em busca da habilidade, destreza, autonomia e independência. Kohn (1969) argumenta que pessoas de classe social mais alta guardam mais relação com Autodireção, enquanto que as de classe baixa, com Conformidade, fator a ser discutido mais adiante. Embora o preditor Renda Pessoal não tenha surgido na ARM acima, supõe-se que pessoas com maior escolaridade possam ter melhor renda e também sejam mais "autodirecionadas". Downing e Clark (2006) comentam a respeito que "quando duas variáveis independentes são altamente correlacionadas não é possível separar com precisão seus efeitos independentes" (p. 271). Os autores citam como exemplos as mesmas variáveis independentes - renda e instrução - citadas aqui, para compra de determinado artigo. Não se procurou saber no presente estudo como renda e instrução se correlacionam, restando considerar simplesmente os seus possíveis efeitos em conjunto sobre o fator Autodireção.

Os motoristas de Curitiba valorizaram o Poder mais do que os de Belém e, dentre os motoristas das duas cidades, os Não Suspensos foram os que mais valorizaram este fator. Schwartz (2001) define o fator Poder como "status social sobre as pessoas e os recursos" (p. 57). Krausz (1988) afirma que as origens do poder são inerentes à própria condição de gregarismo das pessoas. Ao nascer, os indivíduos já dependem de outros para sobreviver e para viver em sociedade. Esta relação de poder, explica Krausz (1988), é estabelecida entre influenciador e influenciado. Poder-se-ia dizer, por analogia, que com um veículo mais potente, mais valioso e vistoso, o motorista imbuído do valor Poder supostamente teria mais condições de "sobreviver" em uma sociedade competitiva, onde, conforme assinala Krauz (1988), há uma relação de exigências sociais por velocidade, glamour, competição. Os motoristas de Curitiba, conforme já foi mencionado, têm renda pessoal semelhante aos de Belém, mas as condições socioeconômicas daquela Capital são melhores do que desta e, em alguns aspectos, o trânsito é mais bem organizado e fiscalizado em Curitiba (Rocha, 2003). Restam suposições de que em um meio socioeconômico melhor, há mais aspirações em torno do poder. Quanto ao fato dos Não Suspensos aspirarem ao poder mais do que os Suspensos, não se encontrou explicação plausível a respeito.

A pautar pela definição de Universalismo, elaborada por Schwartz, e pelos resultados do PVQ, os motoristas de ambos os sexos de Belém são mais compreensivos e tolerantes, se preocupando com a proteção do bem estar de todas as pessoas e da natureza. Valorizaram também este atributo os suspensos e as pessoas mais velhas. Nestas três relações entre os preditores e o fator em questão, parece não haver uma explicação plausível para os resultados colhidos, a não ser a valorização do Universalismo pelos mais velhos que, pode-se dizer, foi um resultado esperado. Kristiansen e Hotte (1996) podem ajudar nas reflexões a respeito das respostas acima, ao explicarem que, embora valores, atitudes e comportamento possam estar relacionados, estas relações são pequenas. Indagam por que as pessoas não expressam atitudes e ações que estejam ligadas aos seus valores ou por que as pessoas utilizam mais os valores para justificar suas atitudes, inclusive quando estes valores nada têm a ver com atitudes.

Nos resultados referentes ao Hedonismo, somente merece comentários a relação com a idade, por ter sido significativa. Segundo Schwartz (2001), o valor Hedonismo significa prazer e gratificação sensual para a própria pessoa. Os resultados mostraram que a valorização deste fator se dá nas pessoas mais jovens e decai com a idade. Este fenômeno é facilmente observável entre os mais jovens nos espaços viários, onde os veículos são, muitas vezes, a expressão ou a extensão do jeito de ser dos seus usuários. Muitas pessoas usam seus veículos para chamar atenção para si, causando-lhes alguma forma de prazer. Em outros termos, têm "extra motivos" (Evans, 1991, p. 149), além da mera utilização do veículo para fins de locomoção. A título de ilustração sobre estas questões hedonísticas, Yinon e Levian (1988) constataram, em um estudo sobre violação de trânsito em seis interseções em Jerusalém e em quatro em Tel-Aviv, em Israel, que a mera presença de outros motoristas ao lado e atrás, enquanto os sujeitos aguardavam a abertura do sinal verde, aumentava a frequência de violação.

Argumentam os autores que, quando os motoristas não estão emparelhados com observadores nos cruzamentos, há desinteresse em exibirem perícia e, dessa forma, raramente violam a lei. A exibição para os demais motoristas, aguardando o sinal abrir, é que lhes daria "prazer" ou o "desfrutar a vida", conforme exemplifica Schwartz (2001, p. 56), referindo-se a valores. Na sua conclusão, Yinon e Levian (1988) ressaltam a importância do estudo, por mostrar a relação entre "o papel dos fatores sociais como determinantes de comportamentos relacionados à direção veicular" e acrescentam: "fato que tem sido negligenciado na literatura" (p. 274).

De um modo geral, a Segurança vem sendo valorizada pelos brasileiros. Em maior ou menor escala, a insegurança hoje existe em qualquer cidade. Os curitibanos manifestaram menos preocupação com o fator do que os belemenses. O contexto social e a ação das autoridades de Curitiba, conjectura-se, possivelmente estejam proporcionando mais segurança aos primeiros. Numa outra relação, pergunta-se por que os não suspensos se preocuparam menos com este valor do que os suspensos. Talvez isto até explique, em parte, o fato de os não suspensos não terem avançado tantos sinais com medo de assaltos e, desta forma, não terem sido suspensos. É uma suposição apenas. Na relação entre idade e maior preocupação com segurança, parece haver um resultado coerente com a realidade, pois pessoas mais velhas se sentem mais frágeis e vulneráveis à violência. Segurança, para Schwartz (2001), significa "harmonia e estabilidade da sociedade, das relações e de si mesmo" (p. 56). Rocha (2006) relata que o fator Segurança tem sido mencionado por motoristas constantemente como sendo um dos motivos para o avanço ao sinal vermelho, pois a parada em um cruzamento, em obediência às normas, tornaria o motorista mais vulnerável a assalto.

Bastante coerente com a realidade foi o resultado referente à única relação significativa que surgiu, entre idade e o fator Estimulação, a qual indicou menos valorização ao atributo à medida que a idade dos sujeitos aumentava. Com base na definição de Schwartz, Estimulação significa entusiasmo, novidade, vida atrevida, excitante e variada, comportamentos característicos de pessoas mais jovens, inclusive observados no trânsito, onde se veem motoristas ziguezagueando, em alta velocidade, com aparelhagem de som com volume excessivo, etc.

Com relação à Conformidade, admite-se haver coerência nos resultados pelo fato dos motoristas de Curitiba terem atribuído menos valor a esse fator do que os de Belém, devido às condições socioeconômicas melhores na primeira cidade. Conforme comentado anteriormente, Kohn (1969) argumenta que pessoas de classe social mais alta guardam menos relação com Conformidade, valor que Schwartz (2001) classifica como referente à limitação de ações que possam prejudicar outros ou violar normas sociais, como bons modos, obediência e autodisciplina. Esta questão merece melhor investigação, porquanto outros valores Poder e Autodireção, dentre outros, podem estar associados à Conformidade. Relembrando a advertência de Downing e Clark (2006), já mencionada neste artigo, "quando duas variáveis independentes são altamente correlacionadas não é possível separar com precisão seus efeitos independentes" (p. 271). Essas correlações talvez possam explicar as contradições existentes entre as melhores condições de vida dos motoristas pertencentes às classes altas, com maior escolaridade, educação, bons modos etc, e desobediência às normas onde seria esperada maior conformidade. No que se refere ao preditor Idade, é de se esperar mais conformismo à medida que a idade avança, o que faz supor coerência nos resultados encontrados. Por outro lado, considera-se contraditório o fato dos Suspensos terem se identificado mais com o fator em questão do que os Não Suspensos, porque, pela definição de Schwartz, Conformidade significa restrição das ações, inclinações e impulsos que possam molestar ou ferir outros e violar expectativas e normas sociais. Em outros termos, no senso comum, é se conformar com o que está estabelecido. Neste sentido, era de se esperar mais identificação com o fator por parte dos Não Suspensos. Deve-se considerar também nesta questão a possibilidade de que talvez os suspensos não fossem tão "honestos" quanto os não suspensos, ao responder o PVQ.

Os mais "benevolentes" foram os belemenses, os suspensos, os mais velhos e as mulheres. Seria plausível buscar explicações para a maior benevolência dos motoristas de Belém, tendo em vista questões antropológicas? Boa parte da amostra de Curitiba, constituída de pessoas de descendência europeia, teria influenciado nas respostas de maneira diferente daquelas respondidas pelos motoristas de Belém? Seria temeroso avaliar a questão tomando-se por base estereótipos atribuídos aos europeus e às pessoas de Belém. Supõe-se apenas ser razoável considerar que as influências regionais existem e que podem ter influenciado nas respostas. Quanto ao fato dos suspensos terem sido apontados como mais benevolentes do que os não suspensos, parece difícil de ser explicado, principalmente quando se atenta para a definição de Schwartz (2001): "Preservação e intensificação do bem estar das pessoas com as quais alguém está em contacto pessoal frequente" (p. 57). Os motoristas suspensos, por terem burlado as normas de trânsito, não devem ter se preocupado com o bem-estar das pessoas ao atrapalhar o trânsito e por em risco a vida dos outros. Quanto à relação com os preditores Idade e Sexo, os resultados parecem refletir a realidade, pois as mulheres e os mais velhos são tidos como os mais benevolentes, se forem consideradas como "honestas" as respostas dadas.

Finalmente, com referência aos dois últimos fatores a serem discutidos, somente a idade emergiu como preditor. Houve coerência deste preditor com o fator Realização, pois os mais jovens mostraram mais identificação neste sentido. Discrepância foi observada na relação com Tradição, pois tradicionalmente espera-se mais valorização deste fator à medida que a idade das pessoas aumenta.

 

Conclusão

Após esta discussão em torno de cada resultado encontrado neste estudo, resta avaliar se os objetivos propostos foram atingidos. 1) Os motoristas suspensos podem ser diferenciados dos não suspensos, tendo em vista certas características sociodemográficas? Pode-se responder que, de um modo geral, há diferença entre os dois grupos, tanto quando se procura relacioná-los com as variáveis demográficas como quando a relação se dá com os fatores do PVQ. Muito embora alguns resultados possam ter sido contraditórios em relação a achados considerados tradicionais, consagrados ou conservadores, outros foram robustos e confirmatórios. Alguns resultados fazem sugerir a necessidade de pesquisas adicionais para dirimir dúvidas ou enriquecer e fortalecer com mais dados, como foi o caso dos resultados referentes aos casados, somente de Curitiba, terem obtido percentual maior de suspensão de CNH do que os solteiros, quando se espera resultado inverso. As limitações da pesquisa já comentadas neste estudo - as restrições inerentes aos questionários, a honestidade das respostas e a limitação da amostra de suspensos de Belém - talvez tenham contribuído para a inibição de resultados mais incisivos.

Para avaliar os objetivos propostos em segundo plano, pergunta-se: 1) O comportamento no trânsito e os valores dos motoristas variam em função da cidade (Belém versus Curitiba)? 2) O comportamento no trânsito e os valores estão relacionados às características sociodemográficas principais?

Quanto à primeira pergunta, pode-se responder que os resultados mostraram haver variação no comportamento dos motoristas e também quanto aos valores relatados por eles entre as duas cidades. Há mais confiança nos resultados na comparação entre as duas cidades quando se considera a amostra total (N = 505), mas alguns resultados devem ser apreciados com cautela quando se fazem comparações entre, por exemplo, suspensos de Curitiba com suspensos de Belém, devido à pequena quantidade de motoristas suspensos respondentes de Belém, conforme já comentado. Maior cautela deve-se ter se os resultados incluírem motoristas do sexo feminino desta última cidade, pois somente 5 motoristas suspensas responderam o questionário. O melhor será desconsiderar os resultados nestes casos. Pôde-se observar que há relação entre os valores, o comportamento no trânsito e as características sociodemográficas principais, que por sua vez variaram em cada cidade estudada.

Os seguintes valores abaixo foram mais identificados, ou mais valorizados, pelos motoristas de Belém ou Curitiba (com CNHs suspensas e não suspensas). Nem todos os valores foram associados aos preditores na ARM e, sendo assim, alguns fatores não aparecem nesta síntese. Poder: Curitiba, não suspensos; Universalismo: Belém, suspensos; Segurança: Belém, suspensos; Conformismo: Belém, suspensos; Benevolência: Belém, suspensos; Autodireção: Belém (a Situação da CNH não foi associada a este valor na ARM).

Finalmente, ao encerrar este estudo, uma pergunta vem à tona: Se esta pesquisa for replicada, quais modificações deveriam ser feitas? Entende-se que responder a esta pergunta significa reconhecer dificuldades encontradas no percorrer do trabalho e que, se contornadas e corrigidas podem contribuir para que ocorram resultados mais fidedignos e com mais qualidade, para que possam servir à realidade do trânsito. No decorrer da realização deste trabalho, foi suscitada a necessidade das seguintes modificações:

1) Utilizar o PVQ em forma adaptada para o trânsito, a ser construída. Damos como exemplo a questão 7:

Conforme o PVQ: "Ela acredita que as pessoas deveriam fazer o que lhes é ordenado. Ela acredita que as pessoas deveriam seguir as regras, mesmo quando ninguém está observando".

Em uma versão adaptada: "Ela acredita que os condutores deveriam fazer o que estabelece o Código de Trânsito. Ela acredita que os condutores deveriam seguir as regras, mesmo quando não há agentes de trânsito observando".

2) Obter informações diretamente dos suspensos e não através dos DETRANS, pois esta independência talvez possa proporcionar resultados mais fidedignos e livres de entraves burocráticos, como ocorreu em Belém, embora esse processo seja mais oneroso.

3) Investigar diretamente com o participante a natureza da infração que ocasionou a suspensão, tendo em vista que nem sempre quem perde os pontos é de fato o motorista infrator, pois multas automáticas são vinculadas ao motorista através da propriedade do veículo.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
João Bosco de Assis Rocha
E-mail: bosco@ufpa.br

Enviado em 16 de Fevereiro de 2009
Texto reformulado em 17 de Novembro de 2011
Aceite em 18 de Novembro de 2011
Publicado em 31 de Dezembro de 2011

 

 

Sobre os autores:

João Bosco de Assis Rocha - Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento, UFPA
William Lee Berdel Martin - Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, NTPC, UFPA
Olavo de Faria Galvão - Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento, UFPA; Pesquisador 1B - CNPq

 

 

Este artigo relata parcialmente os dados da tese de doutorado do primeiro autor, orientada pelo terceiro autor e co-orientada pelo segundo autor, cuja pesquisa foi parcialmente financiada por adicional de bancada do CNPq (PQ-1C 306146/2007-0).

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