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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.19 no.2 Ribeirão Preto dez. 2011

 

O ser humano e problemas sociais: questões de intervenção

 

Human being and social problems: issues of intervention

 

 

Maria de Fátima Catão

Universidade Federal da Paraíba - João Pessoa, PB - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este texto tem por objetivo refletir sobre a relação entre ser humano e problemas sociais e delinear procedimentos de intervenção psicossocial no âmbito desta relação a partir da captura e análise dos significados e sentidos do vivido e da imaginação do futuro. Trabalha-se com a construção do projeto de vida, como possibilidade de intervenção junto aos sujeitos e às instituições, pela via do processo analítico das condições de existência, de si mesmo e da ação no mundo. Trata-se de um estudo teórico com referência empírica, respaldado em pesquisas e intervenções sobre análise psicossocial e construção do projeto de vida, com finalidade de expansão humana, realizadas pela autora, com jovens e adultos em processo de exclusão e com instituições e comunidades de baixa renda. As contribuições deste texto apontam para a emergência das reflexões sobre a relação entre ser humano e problemas sociais e para análise psicossocial como intervenção no cotidiano, na medida em que pode lançar luz sobre as condições concretas de existência do viver humano e sobre as possibilidades de transformações.

Palavras-chave: Ser humano, Problemas sociais, Intervenção, Análise psicossocial, Psicologia sócio-histórica.


ABSTRACT

This text aims to reflect on the relationship between human being and social problems and to delineate procedures of psychosocial intervention in the extent of this relationship, from the capture and analysis of meanings and senses of what was lived and the imagination of the future. It works with the construction of life project, as a possibility of intervention along the individuals and the institutions, through the analytical process of the conditions of self and world action existence. It is a theoretical study with empirical reference, supported by researches and interventions on psychosocial analysis and construction of the life project, conducted by the author, with young people and adults at process of exclusion and with institutions and low-income communities. The contributions of this study above point to the emergency of the reflections on the relationship between human being and social problems and to the psychosocial analysis as an intervention in daily life, as it can shed light on the concrete conditions of existence of human life and the possibilities of transformation.

Keywords: Human being, Social problems, Intervention, Psychosocial analysis, Social-historic psychology.


 

 

Analisar problemas sociais na perspectiva da Psicologia exige, por um lado, uma compreensão deste entrelaçamento, por outro, a adoção de referências conceituais e metodológicas que deem conta desta realidade - o ser humano e suas implicações com o mundo e os problemas sociais. De uma forma geral, a Psicologia e as Ciências Humanas e Sociais têm-se preocupado em entender como somos produzidos pela sociedade, mas têm pouco ou nada a dizer a respeito de como poderíamos produzir esta sociedade, criando, através de mudanças provocadas, novas condições de existência pela ação dos indivíduos. Notoriamente, estamos diante de uma grande crise social, em que a desumanização, o medo, a desconfiança, a desigualdade social, o desrespeito à diversidade humana, as relações de exclusão e a barbárie apontam para a evidente necessidade de serem revistos esses problemas sociais e de intervir para reinventar e transformar o futuro.

Este artigo tem por objetivo refletir sobre a relação entre ser humano e problemas sociais e delinear procedimentos de intervenção psicossocial no âmbito dessa relação a partir da captura e análise dos significados e sentidos do vivido e da imaginação do futuro. Trabalha-se com a construção do projeto de vida, como possibilidade de intervenção junto aos sujeitos e às instituições, pela via do processo analítico das condições de existência, de si mesmo e da ação no mundo.

Trata-se de um estudo teórico com referência empírica, respaldado em projetos de pesquisa e intervenção, sobre análise psicossocial e construção do projeto de vida, com finalidade de expansão humana, realizados pela autora, com jovens e adultos em processo de exclusão e com instituições e comunidades de baixa renda. Indaga-se, neste estudo, sobre: o que são problemas sociais? do que trata a relação entre ser humano e problemas sociais? o ser humano e problemas sociais, intervenções possíveis?

Buscamos capturar o sujeito e os problemas sociais e promover a análise dos significados e sentidos do vivido. Damos uma atenção especial aos pressupostos que servem de fundamento para a vida das pessoas, incluindo sua fala, seus sentimentos, seus desejos e sofrimentos, sua prática, enfim, sua forma de ser e de viver no mundo (Vigotski, 1991, 1999, 2000, 2003, 2004a, 2004b). A volta ao sujeito e à sua relevância na configuração dos problemas sociais, quem somos, como somos produzidos pelo ambiente e como produzimos esse ambiente, é fundamental para que as Ciências Humanas e sociais possam se unir frente à grave crise social e ética de hoje e o alastramento da violência.

Em síntese, tais questões referem-se à tentativa de saber em que consiste o problema social e que bases de análise psicológica emergem do seu estudo. Sabe-se que, atualmente, os problemas sociais têm assumido proporções alarmantes, num processo ascendente, gradual, inflacionário e difícil de deter (pois problemas sociais causam problemas sociais). O desafio passa a ser, então, como fazer para estancar essa espiral dos problemas sociais. Conforme acreditamos, pode-se começar combatendo o descompromisso e a insensibilidade, tanto do Estado quanto do próprio ser humano, para com o sofrimento em todos os níveis, quer se trate do próprio homem, dos outros e dos coletivos entre si. Neste sentido, é necessário rever as distorções existentes na formação e na ação dos profissionais, que os levam a separar as dimensões subjetiva e objetiva dos problemas sociais.

 

Problemas sociais

Um problema social existe quando coletividades sofrem por mutilações do cotidiano, por desigualdade social e injustiça vivenciada. Isto é, quando as instituições que deveriam estar em consonância com o desejo humano não cumprem seus objetivos ou não existem. Quando isso acontece, as leis são transgredidas e não atendem as coletividades nas suas necessidades, nas suas carências, no seu desejo de ser gente, e a relação entre fazer e ser humano não se produz. A relevância do problema social está diretamente associada à extensão dos seus efeitos, por exemplo, aumento dos índices de mortalidade, desnutrição, analfabetismo, fome, exclusão pelas diferenças humanas e desigualdade social, sofrimento e padecimento psíquico.

Os problemas sociais são produtos de um sistema social, econômico, político e cultural e, como tal, não são explicados unicamente pelas características e condições das instituições sociais vigentes ou pelas características dos seres humanos e da cultura. São, antes, fenômenos sociais configurados no jogo dessas relações, nas intersubjetividades em ato, durante o viver cotidiano. Dessa maneira, levam em conta tanto as instituições e seus sistemas de produção e organização, quanto os indivíduos e suas funções psicológicas voluntárias, que medeiam as suas relações com o mundo, fazendo a história.

Em termos operacionais, o problema social pode ser compreendido pela análise da relação entre a situação atual e a situação desejada, entre o que existe e o que deveria existir, entre o que foi alcançado e o que deveria ser alcançado, configurando a discrepância entre o "que é", o "como está" e o como "deve ser". Uma vez identificada, essa discrepância coloca-se como um problema, que precisa ser analisado em função da complexidade das relações que o produzem e da situação de incompletude que se estabelece. A análise do problema deve buscar, no seu interior, o processo de sua constituição, suas causas, nós, leis, funções, estrutura, categorias, conceitos, implicações, relações, interferências, perdas provocadas, alternativas de soluções, viabilidades, modos de atuação e de acompanhamento.

A análise dos problemas sociais, na perspectiva da Psicologia, reflete, por um lado, uma compreensão desse entrelaçamento. Por outro lado, exige referências conceituais e metodológicas que deem conta dessa realidade, isto é, do ser humano e suas implicações com o mundo e com os problemas sociais. É necessário ir além do empírico e ser capaz de explicitar os mecanismos ocultos de construção do real. Uma análise profunda que desperte os afetos e a reflexão da realidade e seu compromisso como sujeito social. "Desvelar a realidade de tal forma que nos sintamos capazes de nos comover até as entranhas com a dor e o sofrimento da humanidade excluída, discriminada, vítima da violência e de nos solidarizarmos com suas causas e lutas" (Sacavino, 2008, p. 192). Em seu percurso analítico, Marx (1984) já dizia: eu parto do mundo e tento explicá-lo. E o meu método será fértil se eu explicar o mundo real. Se eu não explicar o real, de modo autêntico e verdadeiro, o meu caminho metodológico está fadado ao fracasso.

A análise do problema social reside no enfoque do problema não como materialidade externa ao indivíduo, na forma de uma crise do estado de bem-estar social, mas na consideração das implicações psíquicas desse indivíduo, como apropriações, mediações, sofrimentos, reflexões e potência de ação. Esta perspectiva aguça o olhar para captar as múltiplas e sutis nuanças do problema social, tal como vividas pelo sujeito (Sawaia, 2006, 2010). Fazer emergir na análise o processo de configuração do problema social objetivado no ser humano significa, fundamentalmente, descobrir sua natureza, seu real, uma vez que é somente em movimento que um corpo mostra o que é (Vigotski, 1999, 2004b).

 

Relação ser humano e problemas sociais

A análise da relação entre ser humano e problemas sociais, busca capturar as implicações constituídas por afetos em ato, nas nuances das vivências, nos brados dos sofrimentos e dos desejos, o que demanda diversos olhares que se entrelaçam entre o ser humano e a cultura. Essa relação se expressa através de padecimento, humilhação, fome, doenças, violência, medo, delinquência, brutalização, banalização e ou potência de ação, diante do caos social e da espiral dos problemas sociais. A configuração dos afetos e dos problemas sociais traduz um pensamento e um sentimento, e uma forma e intensidade de implicação dessas instâncias.

Como ciência do sentir, pensar e fazer, a Psicologia tem no psicológico a unidade de captura da totalidade do real e de atuação no mundo, para a sua transformação. Os seres humanos se produzem na história que constroem por meio dos afetos, da linguagem e da atividade, e desta construção configura-se o sistema psicológico, seus significados, sentidos e consciência. O ambiente social e os problemas sociais concretos produzem o desenvolvimento de processos de mediação, relativos às várias funções psicológicas superiores (Luria, 1990). Quando os seres humanos agem no ambiente, introduzem modificações neste ambiente e em si próprios.

A perspectiva dos processos mentais humanos enraizados na história social, compreendidos na configuração das condições reais de vida de um povo e na linguagem por ele utilizada, coloca-se como a base dos estudos desenvolvidos por Vigotski (Luria, 1990). Vigotski (1997, 1998, 2001, 2004a) iniciou seus trabalhos num contexto de mudanças sociais e culturais, adotando o ponto de vista de que as atividades mentais voluntárias guardam sua natureza sócio-histórica e de que a estrutura e funcionamento da atividade mental, não apenas seu conteúdo específico, como também as conexões básicas de todos os processos mentais, mudam ao longo do desenvolvimento histórico. O referido pesquisador afirmou nos seus estudos que as ações humanas mudam o ambiente, de modo que a vida mental é um produto das atividades e relações continuamente renovadas que se manifestam na prática social.

O ser humano é um ser social e histórico; é um ser constituído no seu movimento, em todas as suas fases e processos de mudança ao longo do tempo, pela relação com a cultura e condições sociais produzidas. Concebe-se o desenvolvimento do ser humano vinculado à história social mediado por sistemas simbólicos. A abordagem psico-sócio-histórica, admitindo a influência da natureza sobre o ser humano, afirma que este age sobre a natureza e cria, através das mudanças nela provocadas, novas condições para sua existência, portanto, precisa aprender formas de satisfação de suas necessidades, e sendo essas sociais, precisam ser estimuladas de maneira a serem adquiridas. Um ser rico em possibilidades tem na sociedade, na cultura e nas relações sociais, os limites e condições impostas para significações e construções do seu projeto de vida (Catão, 2001, 2007a).

O sistema psicológico e as funções psicológicas voluntárias, emoção, consciência, imaginação, linguagem, memória, analisadas no movimento das condições reais de vida, na prática social do sujeito no mundo, coloca-se como a base dos estudos desenvolvidos por Vigotski. Inspirado na filosofia monista de Espinosa (2005) e na teoria dialético-materialista de Marx (1984), Vigotski (2004b) construiu as bases de estudo do psiquismo humano como um sistema integrado de funções psicológicas, em que todas estão relacionadas entre si, ao corpo biológico, mediadas pela cultura e pela história social. As emoções têm um papel fundamental nesse sistema, juntamente com a razão, formam uma unidade tendo como finalidade a expansão humana e a potência de ação (Vigotski, 2004b; Sawaia, 2000), "é por essa via analítica que Vigotski sustenta a ideia de sujeito que se constitui nas determinações sociais, mas como dimensão de resistência" (Sawaia, 2010, p. 369). Nesta perspectiva, são os significados que vão propiciar a mediação simbólica entre o indivíduo e o mundo real, constituindo-se no "filtro" através do qual o homem é capaz de sentir, analisar e agir sobre os problemas sociais. A capacidade de significar e configurar sentidos é a base da liberdade, permitindo a atividade criadora, fazendo do ser humano um ser projetado para o futuro.

Vigotski (2000) distingue o significado propriamente dito do sentido, referindo-se ao sistema de relações objetivas que se formou no processo de desenvolvimento da palavra, que consiste num núcleo relativamente estável, compartilhado por todas as pessoas que a utilizam. Por sua vez, o sentido refere-se ao significado para cada indivíduo. Nesta direção, analisamos que os seres humanos não são especificamente determinados pelas características objetivas de seu contexto social, mas igualmente pela forma com que capturam e se relacionam com este contexto, configurando implicações e significados. É através da reflexão crítica na dimensão do vivido que o ser humano poderá lidar com o problema social em direção às possibilidades/impossibilidades do futuro, superando a objetividade anterior negada pela subjetividade, transformando sua situação.

Preferencialmente, procuramos analisar o problema social não somente como uma materialidade externa ao indivíduo, tentamos enfocar o problema social como uma configuração dos afetos, dos desejos desistidos, sucumbidos, adiados, das necessidades banalizadas, descompromissadas por parte do Estado, da coletividade, e pelo próprio indivíduo (Catão, 2007a, 2007b). Introduzir a afetividade, como objeto da análise do problema social, remete a uma concepção de necessidade humana que supera a dicotomia entre ética e necessidade (Espinosa, 2005; Sawaia, 2000, 2006, 2010). Nesta perspectiva, a práxis analítica deve preocupar-se com o exercício e fortalecimento da legitimidade social e individual de cada um.

 

O ser humano e problemas sociais: questões de intervenção e considerações finais

No decorrer deste texto, dialogou-se com referências conceituais que têm norteado questões de intervenções no âmbito da relação entre ser humano e problemas sociais. Nesta perspectiva, temos conduzido o serviço de escuta em orientação psicossocial: projeto de vida e trabalho (SEOP), com propósito de análise psicossocial do viver cotidiano em contexto de desigualdade social e sofrimento psíquico. Os sujeitos e o problema são jovens e adultos em processo de exclusão, e instituições e comunidades de baixa de renda e a construção do projeto de vida.

O SEOP, enquanto estratégia metodológica, trata de um projeto de ensino, de pesquisa e de intervenção e está vinculado ao Núcleo de estudos psicossociais da exclusão/inclusão e direitos humanos (NEIDH), em parceria com a Clínica Escola de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Já contamos no banco de dados do NEIDH com um número considerável de intervenções e pesquisas, em análise psicossocial e construção do projeto de vida e trabalho, em contexto de exclusão (Catão, 2001, 2007a, 2007b).

As ações de intervenções têm sido realizadas na Clínica Escola de Psicologia da UFPB, em comunidade de baixa renda e em escolas públicas em regime de plantões semanais. As intervenções são planejadas para serem realizadas em torno de eixos temáticos representativos de situações concretas do viver cotidiano, tais como o mundo/sociedade, eu no mundo, eu e o outro, educação, trabalho, projeto de vida. São capturados os significados do vivido e provocada a análise dos sentidos com foco na reflexão dos afetos/emoções, da consciência e da imaginação (Vigotski, 1991, 1999, 2003).

A análise psicossocial realizada tem como propósito promover junto à demanda social, reflexão analítica crítica dos significados de si, da sociedade, da exclusão/inclusão e do projeto de vida; analisar os afetos/emoções, implicações e consciência de si e do mundo; desenvolver o sentido de potência de ação, imaginação, invenção do futuro e responsabilidade; instrumentar a demanda social para captura e análise de informações psicossociais; promover reflexões sobre as articulações e desarticulações entre o projeto de vida de si e o projeto de vida da sociedade, da comunidade, da escola; promover a formação analítica crítica dos alunos de Psicologia para lidar com a relação entre ser humano e problema social e questões de intervenção.

A análise psicossocial visa trabalhar o problema social da construção do projeto de vida e invenção do futuro em contexto de desigualdade social e exclusão. A construção do projeto de vida coloca-se como uma possibilidade de intervenção junto aos sujeitos e as instituições diante do estabelecimento do processo de análise crítica em relação à vida e configuração de si mesmo, do mundo vivido e da invenção do futuro. Neste sentido, analisamos o projeto de vida, como configuração do ser humano na invenção de si e do mundo, orientado pela intenção de transformação do vivido e por significados e sentidos dessa transformação, considerando as suas condições reais na relação presente/passado na perspectiva do futuro (Catão, 2001, 2007b)

A escolha do projeto de vida se dá a partir da relação do ser humano com um contexto social, econômico e político específico, de um círculo espacial e temporal configurado historicamente. Em contextos caracterizados pela desigualdade social, o ser humano pode identificar como "escolha" de vida aquilo que, na realidade, deverá ser uma falta de opção, uma reação àquilo que é imposto pela conjuntura econômica e pela estrutura sociopolítica. O projeto de vida está diretamente relacionado à tomada de consciência de si, do outro, do mundo e à reflexão acerca da ética e dos Direitos Humanos. Portanto, ao fazer emergir no ser humano a capacidade de refletir sobre o cotidiano, de forma a expressar os afetos e significados que constrói acerca da vida, pode capturar-se o sujeito e seu sistema psicológico pela sua ação no mundo, e orientá-lo a desenvolver uma potência de ação na relação consigo, com o mundo e com os problemas sociais para a sua transformação.

Trabalhar com problemas sociais à luz da ciência psicológica conduz à emergente reflexão sobre o sofrimento humano, as angústias e as inquietudes da população face ao risco de ficar presa aos grilhões e espirais da precariedade. O sentimento de apartação social, as relações de exclusão, a desigualdade social e a violência são uma realidade objetiva/subjetiva para muitos indivíduos. A análise psicossocial tem o propósito de conduzir, portanto, e ao mesmo tempo, à reflexão sobre a banalização do sofrimento humano e sua gênese social e política; sobre o descompromisso com a ética na relação consigo e com os outros; sobre a legitimação da culpa do indivíduo pelos princípios neoliberais da exclusão, que difunde uma imagem de indivíduo inteiramente autônomo, autossuficiente para o mercado; a cisão emoção e razão, e o distanciamento do sujeito pensante face aos problemas sociais vivenciados.

Configurar os problemas sociais no senso comum é, ao mesmo tempo, configurar a realidade social, capturar os afetos, os saberes e as imagens, as tomadas de posições, a partir de referencial que dê conta desta realidade. É no horizonte destas relações com os outros, com as coisas, com a natureza, com o passado e com o futuro que o ser humano se objetiva, se constitui psico-sócio-historicamente e orienta suas ações.

Busca-se com as intervenções postas, o desenvolvimento do ser cidadão e expansão do ser humano, na invenção de um futuro mais articulado às necessidades humanas e sociais mediado pelo contexto social; contribuir para formação de protagonistas sociais na gestão do projeto de vida e trabalho e na superação da exclusão social; produzir possibilidade de transformação de uma cultura de exclusão a uma cultura inclusiva, de expansão do ser cidadão.

Entendemos que a relevância deste estudo respalda-se, inicialmente, na identificação e análise da objetivação dos problemas sociais no ser humano e sistema psicológico e, ao mesmo tempo, na passagem das concepções da relação ser humano e problemas sociais no domínio dos especialistas, do saber erudito, para intervenção na relação entre ser humano e problemas sociais, no domínio do senso comum, do cotidiano vivido e da invenção do futuro, transformado pela ação dos seres humanos.

As intervenções são múltiplas para dar conta da complexidade da relação ser humano problemas sociais, implicando também o estudo sobre políticas públicas viabilizadas através de programas nacionais nos domínios da escola, da família, do emprego, da cidade, através de ações de desenvolvimento humano e social, tanto no meio urbano como rural. A realização de pesquisas e a utilização dos seus resultados, num modelo pesquisa e intervenção, e a colocação do estado do saber à disposição do público apresenta-se também como uma maneira de a ciência ser útil.

 

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Endereço para correspondência:
Rua Miguel Satyro, 150 apt. 402, Cabo Branco
João Pessoa/Paraíba. CEP 58045-110
Telefones: (83) 3226 8966 e (83) 8710 8459
E-mail: fathimacatao@uol.com.br

Enviado em 8 de Julho de 2009
Reformulado em 16 de Agosto de 2011
Aceite em 15 de Setembro de 2011
Publicado em 31 de Dezembro de 2011
Apoio Financeiro CNPq para desenvolvimento do estudo em nível de pós-doutorado

 

 

Sobre a autora:

Doutora em Psicologia Clínica pela USP - Universidade de São Paulo e Pós-Doutora em Psicologia Social pela PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba

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