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Temas em Psicologia

versión impresa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.20 no.1 Ribeirão Preto jun. 2012

 

DOSSIÊ "ACERCA DA INTELIGÊNCIA HUMANA"

 

Inteligência humana e suas implicações

 

Human intelligence and its implications

 

La inteligencia humana y sus implicaciones

 

 

José Aparecido Da SilvaI; Nilton P. Ribeiro-FilhoII; Rosemary Conceição dos SantosIII

IUniversidade de São Paulo - Ribeirão Preto, SP, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIIUniversidade de São Paulo e Universidade Estadual Paulista - São Paulo e São José do Rio Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Qual a relação entre competência cognitiva individual e/ou de uma população, em âmbito nacional, com diferentes indicadores da qualidade de vida individual ou coletiva? Revisando diferentes estudos que pontuam, contemporaneamente, o papel relevante que inteligência individual ou coletiva tem desempenhado, nossa análise demonstra que os QI(s), individual e/ou nacional estão significativamente associados a uma grande variedade de atributos sociais, econômicos, educacionais, políticos, geográficos, epidemiológicos, tecnológicos e de saúde. Em outras palavras, QI é positivamente correlacionado com um vasto, e variável, conjunto de relevantes indicadores para nossa qualidade de vida.

Palavras-chave: Inteligência, Educação, Habilidades cognitivas, Crescimento econômico, Desigualdade social.


ABSTRACT

What is the relation between the individual or national cognitive competence with different indicators of quality of life for an individual or for a nation? We reviewed several studies which provide that individual, our national, intelligence, has had, actually, um very important role in the modern society. Our analysis indicated that the IQ(s), individual or national, are associated with a large range of social, economic, educational, political, demographic, epidemiological, technological, and health indicators, both for individuals and for nations. In other words, IQ(s) are positively correlated with a wide range and important indicators of our quality of life.

Keywords: Intelligence, Education, Cognitive skills, Economic growth, Social inequality.


RESUMEN

¿Cuál es la relación entre las habilidades cognitivas individuales y/o una población, en todo el país, con diferentes indicadores de la calidad de vida, individual o colectiva? Revisión de los diferentes estudios que marcan, simultáneamente, el papel que ha jugado la inteligencia individual o colectivamente, nuestro análisis muestra que el Coeficiente Intelectual (CI), individual y/o nacional se asocian significativamente con una amplia gama de atributos sociales, económicas, políticas, educativas, geográficas, epidemiológicas, tecnológicas y de salud. En otras palabras, el CI se correlaciona positivamente con un amplio conjunto de indicadores y variables relevantes para nuestra calidad de vida.

Palabras clave: Inteligencia, Educación, Habilidades cognitivas, Crecimiento económico, Desigualdad social.


 

 

Grande e variável quantidade de pesquisas tem revelado que o Quociente Intelectual (QI) individual, ou nacional, é significativamente associado com, e potencialmente explica uma parcela substancial das porcentagens da variância para uma ampla variedade de fenômenos sociais e econômicos, incluindo aquisição educacional, resultados cognitivos, renda per capita, crescimento econômico, instituições político-democráticas, saúde, mortalidade e uma variedade de outras variáveis epidemiológicas, demográficas e sociológicas. O objetivo principal deste trabalho foi sumariar o papel da inteligência em diferentes arenas da vida e, principalmente, seu valor econômico na sociedade moderna.

 

A migração invisível

Avanços tecnológicos recentes, geradores de profundas mudanças sociais no Brasil, constituíram uma nova elite cognitiva no país. Nesta, indivíduos extremamente capazes em lidar com complexidades, localizados no topo da distribuição das habilidades cognitivas, migram, transformando tanto o lugar por eles deixado, quanto o lugar por eles buscado. No início do século passado, grande maioria destes indivíduos não tinha grau universitário e, tampouco, havia freqüentado o ginásio ou o colegial, denominações escolares próprias ao ensino fundamental e médio da época, respectivamente. Distribuídas indistintamente em meio à população, eram comerciantes, fazendeiros, profissionais liberais e autônomos que, embora estratificados socialmente, freqüentavam as mesmas escolas, igrejas e clubes, compartilhando princípios e ética política com seus congêneres, mas, de forma alguma, estratificados pela habilidade cognitiva.

A criação de novas funções passou, então, a requerer grande e variada capacidade de lidar com a produção demandante, tornando a separação física algo irrelevante, ou seja, todos os lugares eram importantes para se atuar profissionalmente. Neste contexto, os meios de comunicação, alterando o acesso à informação, possibilitaram comunicação virtual que ampliou o universo de interação pessoal e profissional, permitindo o compartilhamento de dados, sentimentos, emoções e tarefas com qualquer lugar do mundo, em tempo real ou quase. Ocupações inéditas, requisitando pessoas que trabalhassem no limite supremo de suas mentes, em adição à explosão computacional e de tecnologias da comunicação, liberaram, e expandiram, criatividade, produtividade e liberdade pessoal. Tão beneficiados foram os membros desta nova classe que, nenhum "background" social, nem etnia, ou mesmo falta de dinheiro, puderam barrar tal crescimento. Gestores dos grandes negócios da nação, dominando as principais funções e escalões de corporações público-privadas, tornaram-se grandes líderes da medicina, do direito, da ciência, do jornalismo, das engenharias, da televisão, das indústrias de entretenimento e das fundações.

Produto destes avanços, as velhas estratificações se dizimaram, sendo gradualmente substituídas pelo mérito. Este, ingrediente ativo que estudiosos supõem existir em cada pessoa hábil em progredir em função de seu talento, disciplina e perseverança, seja no trabalho árduo, seja no contínuo, respondeu pela capacidade destas às diferentes oportunidades, bem como, à criação de melhorias econômicas variadas,configurando-se no diferencial que lhes criou oportunidades em abundância. Em outras palavras, fez sua habilidade de lidar com a complexidade, e de aprender sozinhas, o diferencial do sucesso. Entretanto, há o outro lado nesta mesma moeda. Os membros dessa elite cognitiva, prováveis de irem às mesmas escolas, bem como, de viverem em vizinhanças similares, de irem aos mesmos teatros, cinemas e restaurantes, bem como, de lerem as mesmas revistas e jornais, de assistirem os mesmos programas televisivos e, até mesmo, de comprarem as mesmas marcas de carros, também o são no tenderem a ser "ignorantes" nas mesmas coisas.

Assistindo menos comerciais televisivos, tornam-se propensos a ser altamente seletivos, raramente lendo jornais ou assistindo programas e filmes populares. O que significa isso? Não significa que formam uma elevada cultura, própria e específica, impossível aos demais, mas, sim, que ela é suficientemente distinta para distingui-los dos demais segmentos da nação, em muitas e diferentes formas. Como conseqüência, esta esfera de interesses os têm socializado e segregado. Não quero ser pessimista, mas, esta tendência, devido à crescente sofisticação tecnológica, tem nos parecido somente aumentar com o tempo. Logo, aqueles que não forem capazes de acompanhar a tecnologia abstrata e simbólica, que caracteriza, e caracterizará ainda mais, a força de trabalho futura, ficarão, certamente, alijados dessa elite cognitiva e, talvez, da recompensa financeira a ela associada.

 

A união entre intelectuais e afluentes

A tecnologia, criadora de funções complexas, geralmente desempenhadas por um pequeno grupo cognitivamente privilegiado, ao enriquecer a vida profissional deste, também o isola dos demais segmentos da sociedade. Diminuindo a base comum com a grande maioria, também as antigas separações entre pessoas do mundo dos negócios, mundo do entretenimento, intelectuais, universitários e dirigentes políticos parecem diminuir com o tempo. Mas isto não começou agora. Da década de 70, até o início da década de 90, devido à maneira como as escolas eram dirigidas, e como a ordem público-privada era descentralizada, e familiarizada, o papel da elite cognitiva era bastante limitado. A esfera de influências desta elite era pequena e restrita, e pouca diferença política fazia o que esta elite pensava, porque o seu poder para impor valores ao resto dos brasileiros era muito limitado. Neste contexto, se um grupo político pudesse obter a maioria de votos nas assembléias municipais, estaduais e federais, a fim de influenciar tomada de decisões e escolhas de representantes nas diferentes organizações sociais, o mesmo poderia alterar a legislação de forma que esta atendesse a maior parte, senão todos, de seus interesses. Inclusive permissões para receberem doações para campanhas políticas. Todavia, o cenário atual é bastante diferente e a elite cognitiva parece ter ampliado o seu poder de influência e tem tentado agarrar tudo com as mãos, devido, principalmente, a inoperância e incapacidade do poder público em fomentar melhor qualidade de vida aos cidadãos.

Produto destes interesses e propósitos, algo interessante, e potencialmente "perigoso", tem ocorrido na atual sociedade. Interesses da elite cognitiva, convergentes aos de grande parcela da população mais afluente economicamente, têm encontrado um denominador comum. Ambos estão procurando melhores escolas para as suas crianças, melhor segurança em seus bairros e vizinhanças, melhor atendimento médico e melhor qualidade de vida, entre outros. O que significa isto? Em essência, que ambos entendem que o governo é para ser usado e que os governantes devem atender aos objetivos públicos. Independentemente do governo municipal, estadual ou federal ser de esquerda ou de direita, qualquer que seja a categoria que os nomeie, identificados afins os objetivos que lhes garantam segurança e qualidade de vida, está instalado o eixo comum em torno do qual seus interesses girarão. Um exemplo próximo disto? O interesse de policiamento manifestado, em Ribeirão Preto, por alguns moradores da zona sul.

Tempos atrás, intelectuais e afluentes eram vistos como antagonistas. Os intelectuais, identificados com a esquerda econômica e valores culturais avançados. Os afluentes, identificados com os grandes negócios, com o conservadorismo cultural e, mesmo, com a burguesia. Mas, a solicitação dos moradores da zona sul, similar a outras, revela o quanto estas categorias confortáveis fundiram-se nos últimos anos. O universo dos afluentes confunde-se com o dos muitos brilhantes. Consequentemente, os interesses dos afluentes e os da elite cognitiva começaram a convergir. A consequência disto se é que as diferenças individuais, teóricas, ideológicas e partidárias, entre outras, começarem a ser sobrepujadas pelos interesses comuns e práticos. Os condomínios fechados, com sua vigilância privada e, até mesmo, a troca de correspondências por outros meios que não a oficial, acompanhada do êxodo maciço dos alunos das escolas públicas para as privadas, bem como, a contratação de forças de segurança por parte das companhias e/ou empresas e outras mais, são alguns exemplos típicos. Do que tratam? Fenômenos claros da formação desta nova e progressiva classe social que não mais acredita na capacidade do poder público em possibilitar a convivência harmoniosa entre os diferentes segmentos sociais.

Do ponto de vista econômico, enquanto a renda familiar média das classes trabalhadoras parece estagnar, a da elite intelectual parece aumentar ao longo dos anos, divergindo substancialmente das primeiras. O resultado é que os afluentes certamente constituirão uma boa parcela da população futura que será progressivamente constituída pelos talentosos. Paralelamente, as demandas das tarefas complexas, devido ao advento da sofisticação tecnológica, irão requerer os mais capazes, bem como, excluirão os menos capacitados. Politicamente, esta fusão entre elite cognitiva e afluentes terá grande impacto nas tomadas de decisões governamentais. Compartilhando objetivos comuns, ambos procurarão tomar vantagens desta união. O que trará vantagens de diferentes modos em futuros mais complexos.

 

O papel da complexidade

É verdade que a maioria das pessoas é amplamente equipada em suas fontes cognitivas, e em outras características pessoais, para lidar com a progressiva complexidade que surge com os avanços tecnológicos. É também verdade que muitos aproveitam mais esses avanços do que outros, sendo mais prováveis, a curto e longo prazo, de adentrarem à elite cognitiva e, agregadamente, se tornarem mais afluentes. Produto desta crescente complexidade, milhões de pessoas têm encontrado, ao menos estatisticamente, grandes dificuldades para construírem suas próprias vidas de modo confortável. Nossa tese é que tal complexidade tem dificultado a vida para as pessoas menos capazes cognitivamente. Deixe-nos explicitar.

Quando a vida era mais simples, com expressiva parcela da população vivendo no meio rural, bem como, em fazendas pequenas e cidades pouco povoadas, e a tecnologia se limitava, essencialmente, à tração animal e algumas poucas ferramentas manuais, a baixa competência cognitiva não necessariamente afetava a capacidade das pessoas em manipular as demandas requeridas pela sociedade. Em geral, estas poderiam ser muito competentes em seus domínios, sem se distinguir da maioria das pessoas em relação à riqueza, moradia, vizinhança ou, até mesmo, no seu status na comunidade. O mesmo podendo ser dito de uma ampla variedade de trabalhos especializados ou não, com um trabalhador não especializado, localizado, até então, bem abaixo na escala econômica da época, integrando uma comunidade formada por outros que, embora bem mais hábeis que ele, próximo a ele viviam tanto social quanto culturalmente. Neste contexto, qualquer pessoa da comunidade poderia achar um lugar em que a mesma era valorizada, tais como, associações escolares locais, igrejas, associações trabalhistas, clubes sociais e sociedades beneficentes, de um tipo ou outro. Mesmo as relações afetivas não eram afetadas pelas diferenças entre pessoas de várias habilidades cognitivas. Casar e ter filhos significavam ser responsável um com o outro e assumir responsabilidades dentro da comunidade. Tais responsabilidades não requeriam grande quantidade de dinheiro e nem alta competência cognitiva. Enfim, como as comunidades eram, relativamente, bem organizadas, as pessoas de todas as habilidades, incluindo as menos privilegiadas, poderiam facilmente se adaptar.

Contrastando, com os avanços tecnológicos, os lugares para os menos competentes cognitivamente foram se dispersando. E, por conseqüência, tal fato tem afetado intensamente as pessoas com habilidades mais modestas. Nos empregos, nas tarefas, nas relações sociais, na burocracia, na economia, no direito, na justiça, na educação, e em inúmeras outras esferas de nossa vida cotidiana, a complexidade se tornou cada vez mais progressiva, requerendo, por sua vez, maior competência cognitiva para lidar com ela. Se muitos empregos não especializados desapareceram, muitos outros, inéditos, surgiram nos mais diferentes lugares, requerendo, para serem desempenhados, o domínio de um raciocínio abstrato e de uma elevada habilidade para lidar com símbolos até então não requeridos. Muitos empregos, atualmente, não possibilitam uma renda suficiente para prover uma família e manter crianças em escolas de boa qualidade. As locomoções para o exercício de muitas ocupações ficaram custosas, algumas delas têm sido desmoralizadas e por isso estão desaparecendo por demandarem alta competência cognitiva por parte das pessoas. Há muitas outras funções disponíveis, mas não há trabalhadores qualificados para exercê-las. Fruto disso, a elite cognitiva viu ampliadas suas possibilidades de abarcar o novo cenário que, então, se configurava. Com isso, acabou por se distanciar do restante da população, tornando-se, além de prósperos, mais segregados cultural e socialmente.

Portanto, o papel da complexidade, seja no trabalho ou nas relações, tem provocado um grande efeito colateral, ou seja, tem compartimentado a vizinhança em suas funções tradicionais. A complexidade descentralizou, portanto, a importância da comunidade local. Alcance este que somente membros da elite cognitiva têm o privilégio de. Em geral, a vida dos membros da elite é centrada fora de sua comunidade geográfica. Seus amigos e associações, pessoais e profissionais, vão muito além de seu município, muitas vezes cruzando a nação e o mundo. Sem querer ser pessimista, predigo que a futura força de trabalho, cada vez mais simbólica e abstrata, cada vez mais compartimentará a sociedade brasileira. Por isso, urge que as políticas públicas governamentais tentem restaurar na comunidade uma ampla variedade de funções sociais, se possível, ampliando-as para toda a municipalidade e até mesmo para a nação.

 

A inteligência no mercado de trabalho

A estratificação cognitiva ocasionada pela educação, bem como, por ocupações de complexidade crescente, já é um fato e, certamente, assim continuará sem que quaisquer governos ou políticas públicas possam reverter tal cenário. Paralelamente ao fato de excelentes escolas e universidades produzirem graduados cada vez mais brilhantes, o valor da inteligência no mercado de trabalho também está se elevando. Salários percebidos em profissões que demandam alto QI estão aumentando substancialmente e a concepção da educação utilitarista é incapaz de explicar esta mudança.

Mas onde localizar a origem destas mudanças? Desde o final do século XX, o sistema educacional está classificando através da habilidade cognitiva, fato que não ocorria no início do século. À camada superior da inteligência foi, e continua sendo, agregado um número limitado de ocupações. Nestas, a dinâmica que modela os efeitos da estratificação cognitiva está no valor crescente da inteligência requerida para o desempenho de determinadas funções, resultando no surgimento de um mercado de trabalho no qual não são os anos de escolaridade ou experiência que fazem a diferença, mas, sim, a habilidade cognitiva de lidar com complexidades e abstrações. Atualmente o mercado de trabalho já está recompensando melhor não exatamente pela educação, mas sim pela inteligência. Para verificar isto, basta uma simples consulta às tabelas de vencimentos, usualmente publicadas nos jornais de grande circulação do país. As razões? Principalmente três: variação na estrutura ocupacional, excelência do desempenho e valorização econômica do capital inteligência. Expliquemos isso.

Primeira: variações de renda são conseqüências diretas de variações na estrutura ocupacional de nossa economia. Funções que requerem alta competência cognitiva remuneram melhor e, de modo geral, vinculam-se e inclinam-se às pessoas com alto desempenho cognitivo. A elevação da oferta de empregos mais complexos demanda elevação das habilidades intelectuais requeridas dos candidatos aos mesmos. Tal qual no mercado de bens de consumo, no qual, quando a demanda de um determinado bem eleva-se, e aqui se inclui o "bem" inteligência, o custo do mesmo também se eleva. No caso da inteligência, este "custo" é o próprio salário ou renda. Em linguagem econômica, a desigualdade na renda cresce quando se eleva a demanda econômica para a inteligência. Segunda: habilidade cognitiva afeta o quão bem os trabalhadores realizam suas funções em todos os empregos. Trabalhadores mais brilhantes, em média, são melhores no desempenho de suas funções, ocasionando a elevação de sua renda na proporção do desempenho que sua inteligência lhes permite. Terceira: a correlação entre inteligência e renda identifica que o mercado de trabalho está crescentemente recompensando não mais pela educação, mas, sim, pela inteligência espelhada nesta.

O que depreender disto? Que a tecnologia aumentou o valor econômico da inteligência. Um exemplo? Quando robôs substituem trabalhadores numa fábrica, as funções previamente exercidas pelo homem desaparecem, mas novos empregos são gerados para as pessoas que podem delinear, programar e reparar robôs. Estes novos empregos não são, necessariamente, exercidos pelas mesmas pessoas, pois, requerem mais competência cognitiva do que os empregos antigos tinham, o que nos faz concluir que a capacidade para entender, e manipular, a complexidade coloca a inteligência no estande de vendas. Outro exemplo pode ser verificado na consultoria de negócios. Requerendo, esta, os graduados das melhores escolas de negócios, seus consultores, em geral, vendem, principalmente, sua treinada inteligência para realizar negócios, por esta recebendo valores elevados.

Quando os empregos tornam-se mais complexos, a inteligência cresce em valor. Quanto mais complexa a sociedade se torna, mais valorizadas são as pessoas que lidam com tal complexidade. Em muitas funções a habilidade cognitiva é extremamente importante, diferenciando empresas no mercado de trabalho. Grandes executivos despendem pouco tempo com funcionários de escalões subalternos ou que cuidam de serviços terceirizados. Neste caso, não só a homogeneidade tem aumentado, como, também, a separação física. Executivos, gastando seu tempo na interação com seus pares, ou com especialistas técnicos, por si só, já delineiam funcionários na extremidade superior da distribuição de habilidades. Estes ambientes complexos de trabalho, tornando-se comuns para funções que demandam, cada vez mais, inteligência, estão aumentando progressivamente em número e importância econômica. Sem exceção, um desempenho especializado, dentro de cada profissão, está se desenvolvendo à medida que recruta, fomenta e isola membros da elite cognitiva.

O significado disto? No mundo complexo e competitivo da atualidade, a elite ocupacional revela-se próspera. Integrá-la é fazer parte de uma elite cognitiva mais próspera ainda. Estratificação cognitiva, como processo social, é alguma coisa genuinamente nova sob os raios de sol.

 

A evasão escolar

Tempos atrás, abandonar a escola, ou não obter uma graduação, não era sinal de fracasso porque, entendia-se, cada estudante seguia o próprio ritmo, a si se permitindo buscar o nível superior ou não. Atualmente, obter um diploma tornou-se, norma e tanto para a família, quanto para a sociedade, significa sinal de inteligência, dedicação e perseverança, verdadeiro passaporte para o sucesso pessoal e profissional. Interpreta-se, portanto, de forma estereotipada, e pré-concebida, a elevada evasão escolar, e o fato de crianças brilhantes, mas não afluentes, sendo talentos passíveis de serem perdidos, devido a desvantagens econômicas ou educacionais, como desperdício de capital humano. Todavia, este estereótipo carece de sustentação científica, haja vista evidências sustentarem que desvantagens econômicas não se constituem no principal fator que provoca a evasão escolar.

Dirigentes político-educacionais interpretam, de modo geral, que a principal causa da evasão escolar se deve ao status socioeconômico. Mas, na literatura científica, especialmente a norte-americana, pois, não temos pesquisas nacionais que analisam profundamente esta relação, os efeitos das condições socioeconômicas são mais fortes na extremidade inferior do espectro social, entre estudantes que já estão abaixo da média na distribuição dos escores aferidos por QI. Raramente uma criança com QI no topo de tal distribuição fracassou na obtenção de uma graduação, não importando quão pobre tenha sido sua família. Não há desperdício de talentos, nem de capital humano talentoso. Ou seja, os dados revelam que ser pobre, independente do QI, tem pouco efeito na evasão escolar.

Evidentemente, crianças que se encontram na metade superior desta mesma distribuição, por pertencerem a classes econômicas mais afluentes, têm maiores chances de obter um diploma. Entretanto, é a vantagem do QI mais alto que faz a diferença para seu sucesso profissional e pessoal, e não o fato de possuírem status socioeconômico mais elevado. Similarmente, jovens com desvantagens econômicas, mas elevado QI, são mais prováveis de se graduarem que aqueles com QI baixos, mesmo sendo, estes, oriundos de bons níveis socioeconômicos. Já entre crianças situadas na média da distribuição de inteligência, ou de status socioeconômico, as taxas de evasão escolar são extremamente baixas. Entretanto, quando estas variáveis se situam abaixo da média; com a elevação sendo muito alta para estudantes com QI baixos, tais taxas se elevam rapidamente.

O que concluir disso? Que o sistema educacional brasileiro tem feito esforços para garantir a graduação de todos. Todavia, demônio social que é, a taxa de evasão escolar é conseqüência de políticas públicas que, erroneamente, e desrespeitando o limite de habilidade cognitiva que todos temos, estão tentando educar o "não educável", ou seja, exigindo mais do que muitos de nós podemos desempenhar. E imensa é a literatura científica que indica baixa inteligência como um dos melhores preditores do fracasso escolar. Estudantes que apresentam baixo desempenho cognitivo em leitura, escrita, matemática e ciência têm, seguramente, os mais baixos desempenhos escolares. Fato este que agrava a situação de evasão escolar.

 

Se você pudesse escolher, nasceria rico ou inteligente?

Quem nasce pobre? Usualmente, uma resposta comum é que, pessoas, suficientemente "azaradas" por nascer de pais pobres, geralmente, continuam pobres. Embora "burlesca", há alguma verdade nesta resposta, entretanto, ela não explica o cenário de pobreza em lugar algum do mundo. De fato, a pobreza, e a desigualdade social, têm sido responsáveis pela geração de inúmeros problemas sociais que afligem diferentes nações. A questão que emerge, portanto, é: o que causa a pobreza? Dados recentemente publicados pela Fundação Getúlio Vargas revelaram que os indicadores de pobreza haviam aumentado de forma preocupante no início de 2009. Pormenorizando: em 2008, 10% dos ricos concentravam 43% da riqueza nacional, enquanto os 50% mais pobres respondiam por, apenas, 18% desta riqueza. Interessante é que 15% da população, categorizados nas classes A e B, percebem mais que R$4.807,00. Por outro lado, na classe D, cuja renda varia de R$804,00 a R$1.115,00 há 13,5% da população e, na classe E, renda de R$0,00 a R$804,00 corresponde a 18,32% da população.

Adicionalmente, há dados indicando que 22% da população brasileira está abaixo da linha de pobreza, o que significa que temos de 30 a 40 milhões de pessoas nesta categoria, número, este, impressionante. Mas que não é muito diferente dos 39,8 milhões de pessoas que ficaram abaixo da linha de pobreza nos EUA. Outro dado que assusta é que o índice Gini, utilizado para mensurar a desigualdade social numa escala de 0 a 1, de forma que, quanto maior o valor, mais desigual é a distribuição da renda, tem se situado, ao longo dos últimos anos, por volta de 0,58, valor que parece não ter sido alterado, substancialmente, nas últimas décadas, em que pesem os grandes esforços e malabarismos de nossas políticas públicas, explicitamente, direcionadas para este fim.

Devido à regularidade destes indicadores, podemos, primeiramente, apontar que a pobreza não pode ser uma simples, e direta, causa de problemas sociais, tais como, crime, filhos ilegítimos e abusos de drogas. Outrora piores, tais indicadores já assinalavam para uma pobreza anterior maior, quando, então, estes problemas sociais eram, pasmem, muito menores. Além disso, sabemos que reduzir, simplesmente, a pobreza, não é garantia para uma substancial redução da criminalidade, ilegitimidade e consumo de drogas. Segundo, dados indicam que o índice Gini, e a porcentagem da população situada abaixo da linha da pobreza, não têm se alterado ao longo destes últimos anos. A realidade é que, há muito as pessoas estão pobres em termos econômicos, o que, entretanto, não significa que ser pobre deva servir para distingui-las do restante da população, mas, sim, que, como já diziam Hemingway e Fitzgerald, eles, apenas, "têm menos dinheiro para gastar". Quando afluentes se disseminam, as pessoas que se livram da pobreza, não se constituem amostra aleatória da população. Ainda que as classes C e D, em alguns momentos, se elevem, proporcionalmente, em função de mais promissores cenários econômicos, as classes A e B, compostas pelos mais afluentes, e, principalmente, a classe E, composta pelos mais pobres, permanecem, invariavelmente, constantes ao longo dos anos. Para estes, lamentavelmente, de nada adiantam esforços de políticas públicas induzidas para retirá-los da pobreza. Parece que, a eles, além da má-sorte, também faltam energia, determinação, confiança e, principalmente, "competência cognitiva" para lidar com as complexidades geradas pelas tecnologias modernas vigentes.

Talvez, no atual cenário, seja mais propício, e conveniente, considerar a pobreza mais como efeito que causa, ou seja, na terminologia das ciências sociais, como uma variável dependente e não como independente. Para tanto, devemos considerar não somente os baixos níveis socioeconômicos, mas, também, a baixa inteligência como forte precursor da pobreza. Há dados indicando que, pessoas, que crescem na camada dos 5% mais pobres, têm probabilidade oito vezes maior de cair abaixo da linha de pobreza do que aquelas que integram os 5% das camadas mais ricas. Entretanto, quando consideramos o QI dos 5% dos que compõem a extremidade inferior da distribuição do QI, uma pessoa pertencente a esta têm quinze vezes mais chances de ser pobre do que pessoas que integram os 5% da extremidade superior de distribuição das habilidades cognitivas. Além disso, há dados indicando que, se uma pessoa for criada por pais cronicamente desempregados, ou que trabalham como braçais, em ambos os casos se apresentando, basicamente, como analfabetos, mas de inteligência média, digamos, por exemplo, QI=100, têm 90% de probabilidade de estar fora da linha de pobreza quando tiver, aproximadamente, 30 anos.

Inversamente, se uma pessoa nascer de sólida família de classe média, mas tiver um QI abaixo da média, provavelmente, aumentar-se-á, substancialmente, seu risco de pobreza, a despeito de seu ambiente sócio-econômico mais afluente. Quando o cenário torna-se mais complexo com a adição dos efeitos do sexo, estado civil e anos de escolaridade, dados revelam que a habilidade cognitiva ainda permanece como a variável mais importante do que qualquer uma das anteriormente mencionadas. Entre pessoas que são tanto inteligentes, quanto bem-educadas, o risco de pobreza é, praticamente, zero. Em geral, os dados revelam, categoricamente, que baixo QI é o mais forte precursor de pobreza do que nível sócio-econômico no qual as pessoas crescem.

Logo, se você pudesse escolher, nasceria rico ou inteligente? Inequivocamente, a resposta é: nasceria inteligente. Como Rita Lee disse, certa vez, "uma vez inteligente, posso agir, inteligentemente, para gerar riqueza".

 

Inteligência e crime

Nos dias de hoje, uma notável característica da sociedade moderna e globalizada é a escalada da criminalidade que permeia o nosso cotidiano e, em muitos casos, marca e muda nossas vidas para sempre. De fato, a criminalidade é um dos mais impressionantes e intratáveis problemas comportamentais do mundo atual. A criminalidade despedaça uma sociedade livre, porque as sociedades livres dependem fundamentalmente da crença de que outras pessoas se comportarão decentemente. Quando a criminalidade aumenta as sociedades necessitam rever os seus valores e princípios, bem como mudarem suas formas de interação social. As regras de convívio social se deterioram, a desconfiança em relação a outrem se eleva e a coerção substitui a cooperação. É certo que podemos melhorar nossos sistemas de segurança, evitar caminhar nas ruas altas horas da noite, manter distância a estranhos, contratar mais guardas e seguranças e até usar guarda-costas particulares. Mas estas ações continuam ainda sendo pobres substitutos para a vivência harmoniosa, pacífica e segura com nossos vizinhos e comunidade.

Os brasileiros entendem que a taxa de criminalidade tem alcançado um patamar quase insuportável para a sociedade como um todo. As diferentes formas de crimes têm se elevado e a violência é reinante e dramática, que alguns analistas facilmente a caracterizam como uma epidemia e tratam-na como um problema de saúde pública. Brasileiros relembram os momentos que podiam caminhar, seguramente e sozinhos, nas ruas, nas praças e mesmo em bairros menos afluentes e em cidades muito populosas. Tempos saudosos. O cenário atual revela que a criminalidade parece o ar que se respira, está em todo em lugar. Visceralmente as taxas de crimes violentos, englobando roubos, assassinatos, assaltos, estupros, agressões domésticas e escolares, se tornaram manchetes diárias de nossa mídia impressa e falada. Esta tendência parece apenas aumentar. Nada a faz diminuir, a ponto de que a criminalidade é hoje uma das maiores preocupações das pessoas de bem.

Considerando este cenário, cabe questionarmos. A criminalidade é produto de fatores psicológicos ou sociológicos? São os criminosos psicologicamente distintos? Ou são pessoas comuns respondendo às circunstâncias sociais e econômicas?

 

Inteligência e envolvimento político

Um sistema político eficiente e harmonioso repousa, fundamentalmente, na civilidade de seus cidadãos. Mas, civilidade não deve ser entendida como polidez, e nem por padrões rígidos de conduta, nos quais as pessoas se sintam constrangidas por leis, ou monitoradas continuamente por órgãos do governo. Ao contrário, civilidade deve ser concebida como deferência e respeito à ordem social conveniente e apropriada ao cidadão. Civilidade não é mera obediência, mas, sim, respeito, aderência e deferência às regras e normas de boa conduta que trazem bem-estar físico e social, bem como harmonia à sociedade como um todo. Importa que o objeto destes sentimentos não seja o governo, mas a ordem social, e, como tais, não são requeridos de um sujeito qualquer mas, sim, de um cidadão. Faltando tal civilidade, a sociedade, ao longo do tempo, torna-se menos livre e mais coerciva. A civilidade tem um elemento de envolvimento social-afetivo com a vizinhança e comunidade.

A participação política, neste contexto, pode ser considerada como um atributo de civilidade. Considere, por exemplo, o ato de votar. Temos amigos, conscienciosos de vários modos. Alguns votam e outros não. Muitos até nos dizem que nossos candidatos, embora cultos, inteligentes e, alguns, até profundos conhecedores de políticas públicas, são pouco conhecidos, têm pouca visibilidade e, por isso, raramente são eleitos. Não tendo votos não podem ser eleitos, não sendo eleitos não podem representar nossos ideais e idéias. Mesmo sabendo disso, votamos e, não estamos nos comportando irracionalmente ao votar. Certamente não, se valorizamos a civilidade. Ao refletir sobre o que significa votar, uma passagem na "Política", de Aristóteles, nos surge à mente: "O homem é por natureza um animal político" e, portanto, votar é uma virtude cívica. No agregado, aqueles que não votam, ou que votam menos consistentemente, são mais fracos em suas manifestações de civilidade do que aqueles que votam consistentemente. Não há nada virtuoso sobre em ser um participante político, mas o modo mais simples de se envolver com os princípios da democracia é dedicar-se às grandes atitudes que fazem a civilidade.

A conexão entre inteligência e envolvimento político tem sido estudada tanto no nível micro (indivíduos) quanto no nível macro (nações). Em nível micro, estudos com crianças têm revelado que o impacto do QI é maior que aquele do status socioeconômico. Crianças mais brilhantes, mesmo oriundas de lares mais pobres e com pais menos educados, aprenderam rapidamente sobre política, bem como, a funcionalidade do governo e as possibilidades de mudança. Elas eram mais interessadas em discutir, ler e participar de atividades políticas que as crianças intelectualmente menos capazes. Em geral, os dados revelaram que a habilidade cognitiva, além de seu papel dinâmico, teve maior impacto que o status socioeconômico nas percepções das responsabilidades de cidadania. Com crianças mais velhas, pesquisas têm indicado uma alta associação entre inteligência e várias dimensões capturantes do envolvimento político. Crianças mais brilhantes foram mais conscientes das potencialidades do governo e das responsabilidades da cidadania. Similarmente, com adultos, dados, correlacionando inteligência e participação política, indicam que os escores dos testes de QI predizem sofisticação política, envolvendo componentes, tais como, conhecimento político, interesses e atitudes. Seus efeitos, usualmente, maiores que aqueles da educação e do status socioeconômico, suportando a idéia de um efeito independente da habilidade cognitiva.

Em nível macro, estudos têm investigado a correlação entre inteligência média de uma nação e variados indicadores de democratização. A idéia subjacente é que um sistema político democrático fornece melhores condições para a vida humana, do ponto de vista econômico, social e de liberdades políticas, que sistemas autocráticos, em que o poder está concentrado nas mãos de alguns poucos. Diferentes conjuntos de dados indicam que as correlações entre o QI médio de diferentes nações e seus respectivos índices de democratização variaram de 0,32 a 0,61. Estes resultados indicam que todas as nações não são, igualmente, capazes de estabelecer e manter instituições democráticas e as, liberdades humanas, conectadas a elas.

No geral, inteligência tem dois efeitos claros sobre a política, a saber, um cognitivo, presente na competência para fazer escolhas racionais e melhor processar informação, entre outros, e outro ético, que consiste em conceder suporte aos valores democráticos, à liberdade e aos direitos humanos, enquanto pré-requisitos para o desenvolvimento moral. Depreende-se, assim, que, pessoas com maior habilidade cognitiva são mais prováveis de fazer boas escolhas, por se pautarem pela melhor informação que detêm do quesito ou, pessoa, a ser votado, participando, com isso, de um modo mais ativo em suas comunidades. Portanto, tendo maior civilidade e participando com mais cidadania. Assim, inteligência favorecendo maior escolaridade e, fomentando maior riqueza material, favorecem a democracia, o cumprimento das leis e a liberdade política. Em conjunto, melhoram qualidade de vida, fomentando, qualitativamente, o desenvolvimento e a solidificação das instituições legais, e democráticas.

 

Inteligência e saúde

Durante décadas, pesquisadores buscaram esclarecer a relação existente entre nível socioeconômico e boa saúde, relação, esta, encontrada no histórico de todas as doenças e causas de morte e, em adição, generalizada para todas as faixas etárias, sexos, raças, décadas e nações, independentemente, dos diferentes riscos de saúde e necessidades locais e populacionais. Esta relação evidencia que taxas de doenças e mortes, considerando idades específicas, são, freqüentemente, duas ou três vezes maiores para indivíduos pertencentes a classes sociais menos afluentes, permanecendo praticamente invariável, e independente, de classe social a ser mensurada pelo nível de educação, ocupação ou renda.

Historicamente, esta relação, denominada paradigma da pobreza, tem dominado os questionamentos acerca de tais disparidades. Sob este paradigma, presume-se que as mesmas se devam aos diferentes acessos em cuidados de saúde e similares. Não obstante, crescente número de fatos contrários e paradoxos sugerem que um maior acesso aos cuidados médicos tem, surpreendentemente, pouca relação com diferenças na saúde. Como exemplo, dados indicando que programas de ajuda, e cuidados médicos aos pobres, ainda que lhes permitissem fazer tantas consultas quanto os não-pobres, não alteraram as diferenças entre ambas as classes sociais em saúde. Outros resultados mostraram que programas similares, que esperavam quebrar a conexão entre classe social e saúde, através do fornecimento de cuidados de saúde universais a ambos, se sentiram frustrados quando constataram que as disparidades em saúde não apenas se reduziram, mas, ao contrário, elevaram-se.

Pesquisas atentam que apenas igualar as disponibilidades dos cuidados e dos recursos em saúde não equipara os seus usos. Além disso, indivíduos menos educados, e de baixa renda, procuram cuidados médicos preventivos (distintos de cuidados curativos) menos freqüentemente que os melhores educados, ou mais afluentes, mesmo quando estes cuidados são gratuitos e livres. Por sua vez, o uso maior dos cuidados médicos não necessariamente melhora a saúde. Diferentes estudos, que manipularam, experimentalmente, intervenções visando subsidiar custos dos cuidados com saúde, indicaram que participantes, com cuidados gratuitos, usaram mais cuidados médicos que aqueles com cuidados parcialmente subsidiados. Entretanto, o status de sua saúde não foi melhor dois anos depois. Ademais, os participantes com cuidados gratuitos aumentaram, indiscriminadamente, tanto os usos de cuidados adequados quanto inadequados. Complementarmente, cuidados pré-natais se constituíram num outro exemplo a atestar que, mais cuidados não necessariamente produzem melhores resultados, neste caso para os recém-nascidos. Logo, a saúde depende muito mais da precaução privada e do estilo de vida do que do acesso ilimitado, e gratuito, aos programas de saúde.

O paradoxo é que o aumento de esforços em saúde pública preventiva, em muitas circunstâncias, tem ampliado a disparidade em saúde entre as classes sociais. Uma vez que novas técnicas preventivas têm requerido muito mais comportamento pessoal do que engenharia social, alguns estudiosos sugerem a existência de uma causa geral, e duradoura, a responder pelas desigualdades em saúde, as quais transcendem as particularidades do tempo, lugar, doença, vantagens materiais e mudanças sociais.

Certamente, todos nós queremos médicos inteligentes e que nunca cometam erros. Mas, na verdade, cabe à nossa inteligência, e julgamentos, a responsabilidade pela manutenção, e controle, de nossa própria saúde. Isto porque, anterior aos cuidados médicos, somos nós próprios, atuando preventivamente, os nossos melhores provedores em cuidados de saúde. Ao se manifestar em habilidades genéricas, tais como, aprendizagem eficiente, raciocínio, pensamento abstrato e solução de problemas, a inteligência se caracteriza como uma ferramenta útil em qualquer domínio da vida, em especial, quando as tarefas são novas, não-tutoradas e complexas, bem como, as situações são ambíguas, mutáveis e imprevisíveis. Portanto, as demandas envolvidas nas tarefas de auto-cuidados, em saúde, são caracterizadas como tarefas novas, complexas e em contínua mudança. O auto-cuidado em saúde é um emprego a ser exercido por toda a vida, tornando esta cada vez mais complexa com o avanço da tecnologia e do diagnóstico médico.

As pessoas são, substancialmente, seus próprios provedores de cuidados primários em saúde. E tal incumbência constitui o ingrediente ativo da inteligência, confirmando o porquê de o QI estar relacionado, diretamente, à boa saúde e longevidade. Cuidar da própria saúde, lidando, principalmente, com doenças crônicas, requer constante julgamento tanto na aplicação de velhos conhecimentos, quanto no reconhecimento e solução de novos problemas. A contínua necessidade para aprender na carreira de paciente indica, na verdade, que o auto-cuidado depende, fortemente, mas não exclusivamente, da inteligência. Ele requer o exercício diário da inteligência, ainda que não exatamente do QI, em algum grau. Assim, não é gratuito afirmar que longevidade e saúde estão, ambas, estritamente associadas à inteligência, sendo, usualmente, fatores mais robustos na prevenção do que status socioeconômico e educação. Lembrando, ainda, que, tanto o nível socioeconômico, quanto os anos de escolaridade estão diretamente correlacionados com inteligência espelhada pelo QI. Inteligência é o ingrediente ativo do viver mais e saudavelmente.

 

Inteligência e acidentes

Todos nós queremos médicos inteligentes e que nunca cometam erros. Também queremos produtos e estradas seguros, bem como pilotos de aviões competentes. Todavia, as adversidades do cotidiano, como os acidentes fatais, por exemplo, nos ensinam que, para desfrutarmos de segurança, é nosso dever nos precavermos contra os mesmos. Acidentes fatais, constituindo a quarta causa de morte no mundo, superados apenas pelo câncer, doenças cardíacas e derrames, rivalizam com as doenças crônicas enquanto problema de saúde pública. No Brasil, respondem, sozinhos, por mais da metade de todas as mortes acidentais, com um terço da população sofrendo, anualmente, algum acidente que requisita tratamento, ou que resulta em, pelo menos, um dia de atividades restritas. Lidera, portanto, a causa de morte nas idades entre 1 a 44 anos, explicando, aproximadamente, metade de todas as mortes ocorridas entre 1 a 14 e 25 a 34 anos, num total de quase três quartos entre 15 a 24 anos de idade.

Na maioria das vezes, as pessoas concebem que estas mortes são explicadas, exclusivamente, pela fatalidade, sendo, puramente, acidentais e fugindo ao controle humano, ou seja, ocorrida por "falta de sorte". Tal probabilidade existe, sem dúvida, mas é indiscutível que o comportamento humano está profundamente implicado nas causas e no curso dos acidentes. O que faz com que profissionais de saúde descrevam o quão difícil é persuadir as pessoas a se comportarem de modo seguro, e saudável, como, por exemplo, a não fumar na cama, nem beber e dirigir, mas, sim, comer corretamente e exercitar-se. Mesmo as leis que proíbem comportamentos inseguros, como dirigir em alta velocidade e deixar de usar equipamentos de segurança, têm eficácia limitada na pretendida mudança de comportamentos. Ou seja, acidentes não visitam as pessoas aleatoriamente, nem os seus perigos distribuem-se igualmente em todas as ocupações, idades, sexos ou locais.

A literatura científica recente revela que alguns indivíduos tendem a sofrer mais acidentes que outros, mesmo com igual nível de exposição a estes em ambientes comuns. Há dados indicando que quanto mais inteligente você é, menos, provavelmente, você terá acidentes. A amostra clássica de Lewis Terman, envolvendo pessoas com QI acima de 140, revelou que, para estas, os acidentes foram bem abaixo do nível observado na população em geral. Em outros estudos, o risco de acidentes de trânsito eleva-se quando o QI do motorista diminui. O nível de educação, em certo grau, reflexo que é de uma medida de inteligência, tem sido também conectado aos acidentes e danos, incluindo acidentes fatais em outras atividades ou ocupações.

Trabalhadores mais brilhantes são, tipicamente, mais produtivos, e, presumivelmente, mais eficazes em evitar acidentes inúteis. Há dados indicando que baixa habilidade cognitiva aumenta em pessoas saudáveis o risco de ficar fora da força de trabalho, mas, também, aumenta o risco de não ser saudável. As porcentagens de pessoas impedidas de trabalhar por problemas de saúde, bem como, as que registram limites na quantidade, ou no tipo, de trabalho, por problemas de saúde, aumentam substancialmente entre as classes cognitivas, variando dos mais brilhantes aos que têm grandes incapacidades cognitivas. Ademais, o risco de acidentes é mais alto entre trabalhadores que têm menos conhecimento do que entre aqueles que têm alguns meses, ou anos, de experiência, bem como, quando as tarefas são mais complexas, novas ou confusas. Também, os erros aumentam quando as tarefas demandam altas habilidades cognitivas. Portanto, a questão central não reside nas causas dos acidentes, mas sim no quê os previnem. Uma vez que estamos, continuamente, expostos a todos os tipos de perigo, devemos atuar, defensivamente, durante toda a vida para minimizá-los. Para tanto, os indivíduos devem, primeiramente, reconhecê-los, detectar os primeiros sinais de perigo e, apropriadamente, avaliar ou responder a estes sinais. Fracassos na percepção destes sinais usualmente conduzem a acidentes fatais ou catastróficos.

Prevenir e controlar os acidentes, bem como as doenças crônicas, constitui, em essência, exercício de processos cognitivos de alta ordem. Os perigos são ambíguos e, em sua maior parte, ficam incubados sem qualquer evidência visível; outros, não tão claros no caleidoscópio da vida diária, indicam o quão periculosos são ou poderiam ser. Evitar a morte acidental, de modo análogo ao exercício efetivo dos autocuidados com saúde, requer habilidades de processamento de informação semelhantes às envolvidas em empregos complexos, ou seja, monitorar, continuamente, um grande, e variado, espectro de informações, discernir padrões e anomalias, entender relações e causas, avaliar probabilidades e prever eventos futuros. Em essência, a prevenção de acidentes requer imaginar o não-visto, o emergente e o futuro. Entretanto, tais ações alcançam, com mais freqüência, as mentes mais preparadas, possibilitando-lhes controle e prevenção mais eficazes. Em outras palavras, lidar com as situações inesperadas, identificar rapidamente as soluções cabíveis e reagir, prontamente, quando problemas inesperados ocorrem, constituem, novamente, os ingredientes ativos da inteligência.

 

Inteligência, emprego e desemprego

A vida, bateria que é de testes mentais, requisitantes de maior ou menor inteligência, e exigentes de maiores ou menores escores de QI, o é no sentido de que as vantagens de um QI alto não são uniformes, dependentes que estes são da complexidade das tarefas enfrentadas ao longo da mesma. Por outro lado, a vida difere de tal bateria, no sentindo de que, submetendo-nos a diferentes provas, estamos sujeitos a diferentes conjuntos de tarefas, solucionando diferentes tipos de complexidades que requerem, em média, diferentes escores de QI. Ao lado disso, a vida nos permite escolhas nestes testes, dando-nos liberdade para perseguir tarefas dentro de nossa competência, bem como, para evitar aquelas que nos são muito fáceis ou muito difíceis. Por conseguinte, a busca por diferentes atividades ou ocupações, invariavelmente, sinaliza diferenças nas inteligências.

Análises de ocupações, empregos e progressos assumidos na carreira, demonstram, direta ou indiretamente, que tais diferenças entre inteligência (QI) desempenham papel poderoso no mundo do trabalho, bem como, na manutenção e qualidade do emprego obtido. Assim, um nível de trabalho mais elevado, usualmente, requer maior competência cognitiva para ser realizado. A dimensão dominante das demandas dos diferentes empregos é a complexidade total de cada um deles. O elemento-chave que está por trás de tal dimensão é a capacidade para usar muitas fontes de informação, bem como, para processar estas informações, tomar decisões e comunicar julgamentos. Portanto, é a inteligência que nos capacita a lidar melhor, e mais eficientemente, com estas complexidades da vida.

Economistas distinguem entre "estar desempregado" e "estar fora da força de trabalho". "Desempregados" são os que estão procurando, continuamente, por trabalho, sem sucesso. Já aqueles que denominamos "fora da força de trabalho" são os que não estão procurando trabalho, ao menos por um tempo. Estudos revelam que entre os jovens tanto o "desemprego", quanto o "estar fora da força de trabalho" são previsíveis pela competência cognitiva, mesmo quando outros fatores são levados em consideração. Para se qualificar como "participante na força de trabalho" não é necessário estar empregado, mas, somente, estar procurando trabalho. Desta perspectiva, há poucas razões válidas que justifiquem uma pessoa não estar na força de trabalho. Estudantes em tempo integral, incapacitados fisicamente, institucionalizados, alistados no serviço militar, aposentados, independentes financeiramente, cuidadores do lar enquanto o cônjuge está trabalhando, entre outros, são exemplos que ilustram tal situação. Ou uma pessoa pode estar legitimamente fora da força de trabalho se ela estiver convencida de que não conseguirá obter emprego mesmo que o tente. Portanto, o que faz com que algumas poucas pessoas evadem-se, efetivamente, da força de trabalho?

Assim considerando, estar "fora da força de trabalho", de modo geral, é algo que se eleva quando a habilidade cognitiva diminui. Dados revelam que a porcentagem de estar fora da força de trabalho por um mês, ou mais, aumenta em função das classes cognitivas, sendo 10% na classe cognitiva "muito brilhante" e 22% na classe cognitiva "sofrível intelectualmente". Além disso, status sócio-econômico e idade influenciam muito pouco quando comparados com QI. Quando falamos, portanto, de emprego e desemprego, obviamente, estamos excluindo aqueles que são incapacitados para o trabalho por serem portadores de deficiência física, geneticamente determinada. Porém, baixa habilidade cognitiva aumenta o risco de estar fora da força de trabalho por problemas de saúde, mas, também, aumenta o risco de não ser saudável. Como exemplo, dados revelam que o número de pessoas impedidas de trabalhar por problemas de saúde é substancialmente maior na classe cognitiva "sofrível intelectualmente", em comparação à classe cognitiva "muito brilhante".

Do mesmo modo, o número de pessoas que registraram ser limitadas na quantidade, ou tipo de trabalho que podem realizar, devido a problemas de saúde, é muito maior na classe "sofrível intelectualmente" quando comparado à classe de pessoas muito brilhantes. A explicação é clara: pessoas mais inteligentes executam tarefas que são, provavelmente, menos perigosas ou nocivas à saúde física e mental, ou seja, envolvem-se menos em riscos. Finalmente, pessoas que estão, categoricamente, desempregadas, que querem trabalhar, mas não estão encontrando um emprego, também podem estar encontrando dificuldades em relação à ocupação que buscam. Dados revelam que, na classe cognitiva "muito brilhante", poucas pessoas ficam desempregadas por longos períodos, ao passo que, nas classes cognitivas intelectualmente menos capazes, este número é cinco a seis vezes mais elevado. E, em adição, pessoas nestas classes ficam muito tempo desempregadas. Importante ainda mencionar que nem o nível sócio-econômico, nem a idade, têm efeitos estatisticamente independentes e significativos.

Logo, de que forma a inteligência consegue manter alguém no trabalho? Conforme discutimos acima, competência no trabalho está relacionada à inteligência porque os mais competentes, ao contrário dos menos competentes cognitivamente, são mais prováveis de encontrar um local de trabalho recompensador e gratificante. Usualmente, demandas requeridas de suas ocupações se emparelham às suas habilidades cognitivas, ou seja, se enquadram dentro daquilo que elas podem realizar.

Inteligência elevada nem sempre é garantia de sucesso. Do mesmo modo que baixa inteligência não é garantia de insucessos ou amargos fracassos. Entretanto, inteligência alta é uma vantagem que, tal qual moeda forte, pode ser utilizada e valorizada, não apenas, na escola, mas, principalmente, em nossa sociedade, em nosso cotidiano, em nosso lugar de trabalho e em nossa vida real. Tal como o dinheiro, é melhor ter mais do que menos.

 

Competência cognitiva na escola

Nos últimos anos, pesquisadores têm examinado as diferenças nacionais, e internacionais, na competência cognitiva de estudantes em geral. O propósito é usar as diferenças cognitivas para entender, e predizer, diferenças nacionais numa variedade de resultados: desenvolvimentos sociais, taxas de democratização, saúde coletiva, produtividade, produto doméstico bruto e desigualdade de renda. Esta temática tem chamado a atenção de pesquisadores oriundos de diferentes disciplinas, os quais, trabalhando em habilidade cognitiva, freqüentemente estão usando construtos emprestados umas das outras, mesmo que, às vezes, não estejam conscientes disso. Por exemplo, economistas usam o conceito "capital humano" para neste incluir o desempenho cognitivo. De modo similar, educadores usam os conceitos "letramento" e "numeramento", bem como, psicometristas, e psicólogos evolutivos, usam o conceito "inteligência" para, num todo, significarem "competência cognitiva", não se importando, neste contexto, em como ela é mensurada ou concebida.

Estes estudiosos, de um lado, têm notado que todas as competências mensuradas dentro destas diferentes disciplinas se correlacionam altamente, tanto em nível individual, quanto em nível nacional. Por exemplo, estudantes que pontuam acima da média, em testes educacionais, também mostram escores acima da média nos testes psicométricos de inteligência e, crianças que exibem avançados desenvolvimentos cognitivos nos testes qualitativos piagetianos também tendem a mostrar desempenhos avançados nos testes educacionais e psicométricos quantitativos. Deste modo, as elevadas correlações positivas entre diferentes testes educacionais e psicométricos, envolvendo diferentes domínios, como, por exemplo, verbal, matemático, científico, figurativos, piagetianos e testes psicométricos ou de avaliação do desempenho de estudantes, revelam que, um mesmo fator comum, ou ingrediente ativo, está certamente envolvido em todos os desempenhos cognitivos complexos.

Por outro lado, pesquisadores entendem que o desenvolvimento cognitivo pode ser influenciado, positivamente, por uma vasta gama de fatores ambientais, muito notadamente a educação institucionalizada. A influência da escolaridade tem importantes implicações políticas para toda a sociedade, haja vista que, estudos longitudinais e transversais têm revelado que a habilidade cognitiva contribui para (1) tanto crescimento da renda individual, quanto nacional, (2) diferença de renda dentre e entre nações, (3) atividades políticas civis dos cidadãos, incluindo a democratização das nações e (4) saúde e longevidade individual e coletiva. Portanto, a competência cognitiva é um dos fatores causais mais importantes para predizer, e entender, o processo de modernização cultural, social, política e econômica. Ademais, a competência cognitiva também parece ser um dos fatores mais eficazes, e efetivos, de sofrer manipulações via mudanças políticas ou intervenções experimentais.

Neste contexto, estudos internacionais, de avaliação das habilidades cognitivas dos estudantes, demonstram, em sua totalidade, grandes diferenças transnacionais nas competências cognitivas. Exemplos destes estudos são o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA), o Estudo Internacional de Matemática e Ciência (TIMSS) e o Estudos Internacionais do Progresso em Leitura (PIRLS), os quais, em conjunto revelam grandes diferenças nos escores cognitivos entre as nações. O importante neste contexto é que, estes escores de testes cognitivos podem ser convertidos, de modo equivalente, em estimativas de escolaridade, as quais, por sua vez, não apenas revelam a magnitude das diferenças cognitivas transnacionais, como, também, algumas de suas causas. Dentre as possíveis causas que justificam as grandes diferenças nas competências cognitivas escolares, entre as nações, têm sido invocadas seis principais: cultura, genes, riqueza, política, geografia e educação.

Análises exaustivas destes fatores, independente de sua importância nas vicissitudes de cada nação, revelam que a competência cognitiva (inteligência e conhecimento importante, e seus usos adequados) parece ser tão maleável para a sociedade, quanto o é para o indivíduo. Os principais preditores da competência nacional, que emergem destas análises são: (a) nível educacional geral dos adultos, (b) ingressar no jardim da infância, (c) disciplina (comportamento escolar apropriado), (d) quantidade da educação dos estudantes numa dada idade (incluindo a quantidade de instrução anual, atendimento em escolas de reforço, participação de mais jovens em séries mais elevadas), (e) aplicação de exames finais avançados e provas centrais objetivas e, finalmente, (f) acompanhamento precoce.

Logo, nossos dirigentes educacionais, em especial, dos ensinos básico, fundamental e médio, devem analisar, em profundidade, as implicações das diferenças oriundas destes estudos internacionais para implementar políticas públicas adequadas, que visem elevar a competência cognitiva de nossos escolares, maleáveis que são os primeiros 3-5 anos de vida.

 

Por que o mundo todo não é desenvolvido?

Você já se perguntou o porquê de alguns países serem ricos e outros pobres? Por que há tantas disparidades econômico-sociais entre as nações? Que razões levam a estas diferenças de distribuição de riqueza e qualidade de vida entre os países? De fato, o problema das desigualdades e disparidades humanas tem sido reconhecido e discutido há tempos imemoriais. Disparidades dentro e entre nações têm sido descritas em centenas de estudos. As explicações divergem, sendo muito variadas. Algumas focalizam fatores histórico-culturais. Outras, fatores específicos, especialmente, as condições e estruturas sociais de cada nação. E ainda há aquelas que concebem que tais disparidades estão na natureza humana e nas características inatas da pessoa. Vamos hoje comentar as concepções clássicas que traçam as raízes das desigualdades e pobrezas globais. Principiemos pelos sábios.

Aristóteles descreveu, em sua A Política, que, em cada cidade, as pessoas são divididas em três categorias: os muito ricos, os muito pobres e aqueles que estão entre ambos. Tal observação aristotélica é ainda válida em qualquer quadrante do mundo, não sendo uma, mas várias, as disparidades sociais humanas por ele identificadas. Além do que, tendo ele também discutido as conseqüências políticas de tais disparidades, embora não explicando o porquê delas existirem, a muitos parece estar o mestre consciente de que há diferenças nas características inatas das pessoas, as quais são refletidas nas instituições e estruturas político-sociais.

Montesquieu discutindo as disparidades sociais globais em seu livro De L'Esprit des Lois, observou que as nações mais ricas tentem a se situar em latitudes temperadas, enquanto as mais pobres situam-se nos trópicos e semi-trópicos, concluindo que o clima deve estar, de algum modo, associado a estas diferenças. Logo, Montesquieu elaborou a idéia de que a origem das disparidades globais dependia das diferenças climáticas, bem como, de seu impacto sobre a natureza humana, ou seja, das condições políticas e outras características humanas. Rousseau foi um dos primeiros filósofos que tentou explicar a origem de tais desigualdades. Em seu Discourse on The Origin and Basis of Inequality Among Men concebeu que as diferenças que existiam entre os homens se originavam de mudanças da constituição humana. Ele argüiu que a desigualdade era, praticamente, negligenciável quando as pessoas viviam sem qualquer posse pessoal significativa, mas, após as invenções da metalurgia e agricultura, estas levaram ao aparecimento da propriedade privada e desigualdade nas sociedades organizadas. O interessante é que Rousseau traçou a origem de tais desigualdades em paralelo às diferenças nas habilidades inatas das pessoas, assim afirmando "As coisas neste estado poderiam ter permanecido iguais se as habilidades também tivessem sido iguais..mas elas não foram iguais".

Adam Smith, em seu livro The Wealth of Nations explorou a natureza e as causas da riqueza das nações, chegando à conclusão de que os fatores responsáveis pelo desenvolvimento econômico eram as habilidades humanas, as especializações e divisões do trabalho e a existência de mercado-livre. Atribuindo o desenvolvimento econômico e o crescimento da riqueza às habilidades especiais e talentos, via a educação e instituições político-econômicas oportunidades apropriadas, e necessárias, para se usar as chances disponíveis. Portanto, Smith viu ser importante destacar a importância dos fatores ambientais no desenvolvimento dos talentos.

Por sua vez, Thomas Malthus argumentou que a pobreza e a miséria, observáveis entre as classes baixas, em cada nação, são causadas, principalmente, pela tendência constante da população aumentar mais que os meios de subsistência. Como conseqüência, várias mudanças sócio-estruturais se fazem necessárias para manter um grande número de pessoas no nível com os meios de subsistência.

Alexis de Tocqueville, ficando impressionado pela igualdade geral de condições que observou na América, escreveu "Esta igualdade de condições é fato fundamental a partir do qual todas as outras parecem ser derivadas". Sendo esta mesma igualdade geral de condições o que levou à democracia, mas em uma revolução democrática incapaz de resolver, totalmente, a eterna diferença entre ricos e pobres. O que o levou a reconhecer que, "mesmo com o advento das melhores condições de igualdade, a desigualdade do intelecto permaneceria como um dos últimos pilares do velho regime... Nem tudo podendo ser elevado ao nível do maior, pois, diferenças de habilidade originam-se de Deus ou da Natureza". Tocqueville enfatizou, portanto, a significância de instituições e leis apropriadas para o desenvolvimento da igualdade.

Marx e Engels já argumentavam que a propriedade privada dos recursos produtivos era a causa básica das grandes disparidades econômico-sociais dentro da sociedade, especialmente nas sociedades capitalistas. Não obstante, não explicaram o porquê de os meios de produção serem, em todas as sociedades, desigualmente distribuídos entre as pessoas. Ambos assumiram que seria possível acabar com as diferenças de classe, e disparidades econômicas, abolindo a propriedade privada dos meios de produção e estabelecendo uma sociedade comunista sem classes, baseada no princípio: "De cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo sua necessidade (ou necessidades)". Engels, em seu livro Origin of The Family, Private Property and the State, explica as origens da propriedade privada, mas sem fornecer qualquer explicação para a distribuição desigual da propriedade privada. Porém, ainda que a teoria marxista venha sendo testada extensivamente, todas as tentativas de estabelecer sociedades comunistas têm fracassado. Alguns teóricos contemporâneos entendem que a teoria marxista fracassou porque contradiz o princípio básico da teoria da evolução, de acordo com o qual, a diversidade genética dos indivíduos e a raridade dos meios de subsistência tornem a luta pela existência inevitável e permanente em todas as espécies. Conseqüentemente tem sido impossível concretizar a utopia comunista em qualquer lugar do mundo.

Estas análises clássicas focalizaram alguns aspectos do problema das disparidades nas condições humanas, as quais, tal qual sinalizou Aristóteles, têm, ainda hoje, sua significância político-econômica assim como o teve na Antiguidade. Retomá-las neste contexto teve por intuito mostrar que, os atuais teóricos, preocupados com esta questão, não devem se omitir de analisar o poder das competências cognitivas (inteligências) como variáveis explicativas de tais disparidades. No próximo texto, trataremos das teorias explicativas destas.

 

Pobreza e desenvolvimento entre nações

Explicações contemporâneas para disparidades econômico-sociais, educacionais e afins, dentro das sociedades, e entre nações, são, relativamente, raras, quando comparadas com estudos que descrevem desigualdades e disparidades a partir de diferentes pontos de vista. Como mencionado alhures, várias teorias têm sido alegadas para explicar tais disparidades globais, entre elas, as teorias climáticas, os fatores geográficos, as teorias da modernização, as teorias psicológicas, as explicações culturais, as teorias do sistema mundial e dependência, as teorias neoclássicas e inúmeras outras. Cada uma focalizando uma dimensão da disparidade global e, em alguns casos, fornecendo explicações parcialmente contraditórias. Sumariemos algumas destas.

Teorias neoclássicas e institucional supõem que diferenças no crescimento e desenvolvimento econômico têm raízes na economia de mercado, na formação do capital e poupança, na iniciativa privada e na liberdade governamental. Pobreza, nos países do 3º mundo, é essencialmente causada pelos vários erros de política estatal, que consistem em excessiva interferência governamental na economia, corrupção e fracasso de desenvolver livres mercados. Não obstante, estas teorias se preocupam com os meios de fomento do crescimento econômico, sem discutir a origem das disparidades econômicas e, tampouco, dando atenção à diversidade humana. Erroneamente, assumem que as mesmas políticas e arranjos institucionais podem ser introduzidos com igual sucesso em todos os países.

Teorias climáticas são baseadas na idéia de que diferenças climáticas são fundamentais para mudanças no desenvolvimento econômico dos trópicos e em países de zona temperada. Outros pesquisadores, por sua vez, adicionam, como fator importante, características geográficas capazes de afetar o desenvolvimento econômico e as disparidades das condições humanas, tais como, rios navegáveis. A abordagem ecológico-evolutiva supõe que escassez de recursos ocasione conflitos inevitáveis entre sociedades, levando à eliminação das mais frágeis e à sua diversificação sócio-cultural. Sociedades e grupos sociais tecnologicamente mais avançados têm maiores chances de serem bem-sucedidos nesta competição do que grupos e sociedades menos avançados. Novamente, como nas teorias anteriores, esta não deixa claro o porquê de ocorrerem diferenças globais no desenvolvimento tecnológico. Sociólogos, por sua vez, têm descrito extensivamente as desigualdades sociais e as estratificações, sem apresentar, no entanto, explicação teórica coerente para as origens das grandes desigualdades no mundo, limitando suas explicações à vários fatores ambientais e outras variáveis sociais.

Muitos pesquisadores têm usado fatores culturais para explicar diferenças evolutivas e, em especial, progresso econômico. O problema com estas explicações é que elas partem da existência de diferenças culturais sem, entretanto, explicar a origem destas. Teorias do sistema mundial e dependência propõem que o sistema capitalista mundial é responsável pela pobreza dos países subdesenvolvidos, essencialmente supondo que países ricos têm sido hábeis em explorar países periféricos na América Latina, Ásia e África. O problema com estas teorias é que elas não explicam a origem das diferenças evolutivas entre países capitalistas e partes subdesenvolvidas do mundo. No global, tais explicações teóricas se preocupam mais com os meios de fomentar o desenvolvimento econômico-social, ou mecanismos para mitigar desigualdades existentes, do que em buscar causas originais das disparidades econômicas, globais e outras diferenças entre nações.

O mais importante é que, comum, nestas explicações teóricas, salvo exceções, é o fato delas não atentarem seriamente para a diversidade humana, ou seja, não suporem a possibilidade de que diferenças significantes nas características da população humana podem ser responsáveis pelo surgimento das desigualdades e disparidades econômico-educacionais e sociais, entre outras. Na última década, crescente número de economistas tem aventado o conceito de "capital humano" como fator que contribui para diferenças de renda entre populações nacionais e entre nações. Ainda que, para os mesmos, não haja definição precisa para "capital humano", tal termo consegue englobar habilidades e competências que, contribuindo em trabalhos eficientes, geram rendas elevadas. Estas habilidades e capacidades são adquiridas através da educação e mensuradas por diversos indicadores educacionais, como, por exemplo, dispêndio na educação, taxas de matrícula no ensino básico e fundamental e anos de educação. Em alguns casos, escores nos testes de matemática, ciência, leitura e escrita são considerados. Para estes economistas, mudanças nas taxas de crescimento entre países ocorrem, primariamente, devido à mudanças nas taxas de acumulação do capital humano.

Cumpre lembrar, entretanto, que o elemento omitido nessas considerações acerca do "capital humano" é o fracasso em reconhecer que inteligência é um importante determinante do desempenho educacional e, portanto, do "capital humano". Em outras palavras, a crucial conexão omitida pelos economistas deste campo é a forte associação entre "capital humano" e inteligência. Pobreza não é mais inevitável. O segredo para eliminá-la é entender, sim, qual é o seu ingrediente ativo.

 

A riqueza e a pobreza das nações relacionadas ao QI

Embora nada exista sem qualquer disputa nas Ciências Sociais, há, todavia, ampla concordância de que a formação de capital humana promove crescimento econômico e bem-estar individual e coletivo das nações. Medidas da formação do capital humano, porém, são muito insatisfatórias. Algumas delas, como, por exemplo, taxas de alfabetismo, são extremamente básicas e não distinguem os diferentes níveis de habilidades entre as pessoas alfabetizadas. Nem mesmo numeramento é parte deste indicador de capital humano. Por outro lado, matrículas escolares permitem, ao menos, a distinção entre matrículas na educação básica, fundamental e média, mas, estas são facilmente inflacionadas devido aos incentivos dados ao funcionalismo público para registrarem dados exagerados. Além disso, matrículas escolares não consideram a taxa de absenteísmo do professor e do estudante que constituem problemas sérios em alguns países.

De modo similar, o tempo de escolaridade, ainda que tenha alguma superioridade em relação aos indicadores acima, peca, também, por não distinguir as habilidades dos estudantes. Por exemplo, ninguém imagina que um ano de escolaridade, no Gabão, é igual a um ano de escolaridade no Japão. Considerando este cenário, tem-se arguido que, diferenças na inteligência média, como avaliada pelo QI, fortemente afeta o nível de prosperidade das nações. Vejamos alguns dados obtidos de quase 200 estudos publicados nas últimas décadas. Dentre estes, inúmeros estudos registraram correlações variando de 0,79 a 0,92 entre QIs nacionais e escores obtidos pelos estudantes em matemática, ciência e leitura, usualmente obtidos do PISA e do TIMMS. Outros revelaram correlações entre QI nacional e várias medidas de renda per capita, cujas correlações variaram de 0,51 a 0,89. Com o crescimento econômico, o QI prediz taxas ao longo de um período variando de 1500 a 2000, com uma correlação de 0,71, ou seja, nações com QI mais elevado, usualmente, crescem mais rapidamente.

Correlações positivas variando entre 0,52 e 0,76 nos QIs nacionais e liberdade econômica indicam que países com QI mais elevado têm desenvolvido melhor economia de mercado e, portanto, uma maneira de acelerar o crescimento econômico. Além disso, correlações negativas, variando de -0,51 e -0,60 entre QI nacional e desigualdade de renda revelam que sociedades cujos membros são capazes de raciocinar melhor desenvolvem mecanismos para redistribuir a riqueza do rico para o pobre. Correlações de -0,27 a -0,68 entre QI nacional e o índice de percepção da corrupção revelam que corrupção é mais prevalente em nações com QI médio menores. Na mesma linha de argumento, correlações positivas entre QI nacional e indicadores de democracia são associadas às instituições políticas de liberdades civis, liberdades políticas e direitos à propriedade, bem como, à obediência às leis, independência do judiciário e eficiência da burocracia do governo.

Logo, do mesmo modo que ocorre no nível individual, o QI médio das nações, consideradas agregados de indivíduos, prediz, de forma significativa, vários fenômenos educacionais, sociais, geoclimáticos, criminais, econômicos, entre outros. Portanto, o segredo é fomentar a inteligência dos jovens de uma nação, custe o que custar.

 

Inteligência e desigualdade social

Para grande número de pessoas, noções de inteligência e desigualdade são profanas. Já para outros, a premissa "todos os homens são iguais", longe de significar que todos os indivíduos nascem, com as mesmas liberdades e direitos políticos inalienáveis, assume, sim, que todos nascem com potenciais naturais iguais e, qualquer coisa contrária a isso, é não, apenas, antidemocrático, mas uma ameaça às liberdades políticas. Particularmente, democracias parecem sentir-se ameaçadas por variações biologicamente embasadas em inteligência geral, com grupos humanos sempre buscando se acomodar à diversidade natural de seus membros. Todavia, nações modernas, de longe mais amplas e anônimas que sociedades passadas, apresentam relações entre membros e nichos sociais mais burocratizados, e regularizados, por arranjos culturais. Exemplos são escolas, ambientes de trabalhos e estratos governamentais. Nações progressivamente se esforçam para medir, monitorar e manipular tais relações, bem como, irregularidades por elas produzidas nos resultados de vida. Em face disso, enfrentam duas questões fundamentais. Uma, empírica: por quê a desigualdade é tão duradora e persistente? Outra, política: como poderia uma sociedade reagir a ela? Em verdade, ambas questões podem ser sumariadas numa só: Por quê a desigualdade socioeconômica é tão entrelaçada com a diversidade cognitiva da população?

Debates acerca desta questão são antigos. Pensadores de diferentes domínios e saberes tentaram oferecer respostas satisfatórias. Mas, enquanto pensavam e debatiam, desigualdades progressivamente aumentavam e continuavam aumentando. Com alguns afirmando que elas nunca desaparecerão pelo fato de fazerem parte da natureza humana, debates filosóficos sobre a relação natural homem e sociedade podem ajudar a reflexão sobre a questão. Em 1746, em seu "Discourse on the Origin and Foundations of Inequality among Men", Rousseau argüiu que instituições civis magnificavam quaisquer diferenças entre indivíduos. Por outro lado, Huxley argüia o oposto em seus ensaios de 1871 e 1890, "Administrative nihilism"! e "On the natural inequality of men", indicando que instituições civis funcionavam para nivelar as desigualdades humanas preexistentes. Porém, interessante notar que ambos aceitavam a idéia de que humanos nascem desiguais, quando discordavam sobre se instituições exageram ou minimizam diferenças sociais naturais. Em que ambos acreditavam? Que diferenças sociais são injustas, devendo ser minimizadas, se não erradicadas. Diferenças? Diferiam em considerar se as instituições eram imorais ou eram moralmente responsáveis pelas diferenças humanas naturais. Rousseau acreditava que instituições civis criavam diferenças sociais injustas. Huxley acreditava que tais instituições minimizavam-nas.

Este debate ajuda-nos a enquadrar o papel da diversidade cognitiva dentro das sociedades modernas. Primeiramente, aponta-nos para instituições sociais como reações organizadas às diferenças naturais dentro das populações, que exageram ou minimizam diferenças. Em seguida, incorporando a implícita suposição de que desigualdade é, ela própria, injusta, ilustra o porquê de pesquisas empíricas, acerca do que criam e sustentam, serem tão tensas e politicamente carregadas. A ampla e comum antipatia às evidências do real, bem como, à importância e durabilidade das diferenças de inteligência, podem refletir, exatamente, tal reação às diferenças naturais e suas conseqüências sociais.

Similar à variação na altura humana, a diversidade cognitiva é um fato da natureza. Cada população exibe sua amplitude de inteligência geral e a forma previsível, igual à forma de um sino, em que a maioria das pessoas se junta ao redor da média do grupo. Até onde conhecemos, variação na inteligência fenotípica é, razoavelmente, estável ao longo do tempo para a mesma população genotípica. Não obstante, diferenças genéticas numa população criam dilemas para sociedades democráticas. Desigualdade social é inevitável quando membros de uma sociedade variam num traço geneticamente condicionado, tal como a inteligência, que é, altamente, útil e, portanto, capaz de conferir vantagem competitiva e recompensas sociais. A rigor, oportunidades iguais para usar os talentos naturais garantirão resultados desiguais. Mesmo a mera sugestão de inteligência poder ser enriquecida, e melhorada, principalmente, nos primeiros anos de vida, e que depois é impossível alterá-la para melhor, ofende sensibilidades democráticas devido ao forte comprometimento com a igualdade social dos regimes democráticos. Este sentido de ofensa pode ser observado especialmente nos círculos educacionais, os quais têm, algumas vezes, "balançado" a bandeira da "igualdade" para expressar a crença de que excelência educacional e igualdade de resultados são objetivos mutuamente reforçadores e nunca conflitantes.

Embora democracias não possam eliminar desigualdade das condições humanas, podem, entretanto, encontrar meios melhores, e mais apropriados, para modulá-la. Apontar que diversidade cognitiva contribui para seu dilema não sinaliza que inteligência é "totalmente importante", ou que poderia ser. Todavia, quanto mais importante desigualdade econômica for para nós, tanto mais nos cabem entender suas raízes na diversidade biológica humana e inteligência, em particular.

 

Inteligência digital e desigualdade digital

Apesar de citações ocasionais ao livro de Michael Young, o surgimento da "meritocracia" e o periódico interesse público sobre o papel da inteligência na sociedade moderna, têm levado cientistas sociais e analistas considerarem a desigualdade digital provocada pelas competências cognitivas. Talvez por isso, políticos e dirigentes públicos, principalmente, ignoram as habilidades cognitivas e suas conseqüências. Praticamente, nenhum deles tem conferido grande atenção aos aspectos abordados por Young, nomeadamente, quais seriam as conseqüências sociais e políticas da igualdade de oportunidades, bem como, a estratificação cognitiva atenção a estes aspectos derive-se do fato de que oportunidades para as pessoas sejam qualquer coisa, desde que iguais e que a mediocridade cognitiva prevaleça em muito de nossa vida pública.

Aqueles que ignoram a variação nas habilidades cognitivas estão propensos à acusação de que eles têm fracassado em considerar a grande amplitude de fatores afetando o sucesso econômico-social, deixando em aberto questionamentos àqueles que advogam ser, ou vir a ser, a habilidade cognitiva a variável chave na estratificação social. Um exemplo típico é o papel da habilidade cognitiva na era digital.

A preocupação inicial desse domínio focalizou, mais especificamente, o problema do acesso à Internet e a extensão em que tal acesso foi inibido pela falta de recursos. Todavia, nos últimos anos, os pesquisadores têm começado a investigar preditores das diferenças no uso ao invés de focalizar, somente, questões acerca do acesso à Internet. Eles se referem à essas diferenças como desigualdade digital, procurando entender a complexidade dos usos diferenciados. Alguns chegam a supor a existência de uma inteligência digital, acrescentando mais uma inteligência ao conjunto das inteligências múltiplas proposto por Howard Gardner.

Nesse sentido, algumas pesquisas têm, explicitamente, examinado a relação entre a inteligência mensurada e a variação no uso da Internet. Neste caso, pesquisadores entendem que inteligência digital pode ter um importante papel na desigualdade digital. É conhecido que a internet está se tornando fundamental e normativa, bem como, cada vez mais, que serviços estão sendo feitos online, com a expectativa de que os indivíduos sejam usuários de internet informados. Por exemplo, governos, ao redor do globo, estão, crescentemente, disponibilizando tecnologias e informação para disseminar informação e recursos, fornecendo suportes para tomadas de decisão aos cidadãos. Um caso pontual tem sido a implementação, nos EUA, de um programa de análise dos benefícios de prescrição de medicamentos para cidadãos idosos. A este respeito, tomadas de decisão sobre um dado medicamento envolve, em seu bojo, uma grande complexidade cognitiva.

Questões sobre o papel de recursos financeiros envolvidos no diferente acesso à internet são, certamente, importantes. Mas, mesmo entre aqueles que não têm dificuldade financeira, há diferenças no uso e acesso à internet. Indicando, com isso, que recursos materiais não é o único limitador. Dados indicam que, aproximadamente, um quinto dos adultos que não usam a Internet, nos EUA, vive em residências com acesso à internet e, especialmente, entre idosos, a razão mais frequentemente citada para não ter a internet não é financeira, mas a crença de que pode não ser útil.

Recentemente, um estudo investigou a associação entre habilidade cognitiva e quatro medidas do uso da internet, a saber: acesso à alta velocidade, tempo despendido desde a adoção inicial da Internet, tempo de uso da Internet e, finalmente, se o uso envolve a web em adição ao e-mail. Os dados, claramente, indicaram que todas estas variáveis foram fortemente associadas com a habilidade cognitiva, embora os efeitos, algumas vezes, tenham sido mediados por desempenhos subseqüentes, especialmente, educação. Tomados em conjunto, estes dados sugerem que pessoas, cognitivamente mais competentes, estão em melhor posição para se beneficiar das ferramentas online, ou seja, obter benefícios sociais e tomar decisões complexas fazendo uso das ferramentas disponibilizadas na rede.

 

Educação e inteligência: o quê causa o quê?

É comum pessoas mais brilhantes apresentarem maior escolaridade, assim como, as de maior escolaridade tenderem a ser mais brilhantes. E estes fatos, por mais simples que pareçam, eliciam, surpreendentemente, diferentes interpretações para estudiosos que medem inteligência e educação para uso em pesquisas. Suas diferentes abordagens levam a diferentes tratamentos analíticos que, sob o uso de diferentes metodologias, variadamente impactantes no delineamento destes estudos, resultam em diferentes interpretações dos dados obtidos. Educação e inteligência, estudadas desde as primeiras pesquisas empíricas sobre estes tópicos, voltam a sê-lo quando escores de testes de inteligência e resultados educacionais - usualmente avaliados pelos anos de educação integral ou qualificação mais alta alcançada, bem como, pelas séries escolares ou desempenho nos escores dos testes educacionais - são mensurados, aproximadamente, ao mesmo tempo, gerando uma correlação típica de 0,50. Todavia, a correlação entre inteligência e educação demanda mente aberta no que toca à interpretação causal. Talvez, pessoas mais inteligentes ganhem acesso a maior e mais elevado nível de educação.

É possível que maior escolaridade eleve escores nos testes de inteligência; que configure para os estudiosos definir pessoa e situação, genética e ambiente, causa e efeito, discernindo-os. E isto ainda que as influências possam fluir em ambas as direções. Estudos longitudinais, que mensuram, primeiramente, a pontuação em testes inteligência e, posteriormente, o desempenho educacional, tal como avaliado pelos anos despendidos em educação integral, obtenção de maior qualificação ou escores de avaliações educacionais, revelam, entre ambos, correlações de moderado a alto. Correlações variam entre 0,60 a 0,96 quando testes de inteligência são aplicados aos 11 anos. Desempenhos educacionais são aferidos aos 16 anos de idade. Logo, a principal conclusão que emerge de tais estudos é que inteligência tem mais fortes efeitos causais nos resultados educacionais do que vice-versa.

Por outro lado, estudos que examinaram a relação entre tempo de escolaridade e inteligência tentaram, certamente, capturar o reverso da cadeia causal. Seus resultados geralmente suportam a observação de que mais tempo na escola leva a maior inteligência. Por exemplo, estudo indica que determinado sistema escolar requeria, para ingresso de crianças, que estas tivessem seis anos no dia 1º de abril, o que lhe permitiu comparar os escores das crianças cujas datas nascimentos caíram exatamente antes ou depois daquele ponto divisor. Isto porque, efetivamente, as crianças tinham a mesma idade cronológica, mas um ano de diferença em escolaridade. Os dados revelaram que crianças de oito anos de idade, que tinham recebido um ano extra de escolaridade, desempenharam de forma mais similar àquelas escolarizadas aos 10 anos, do que àquelas de oito anos de idade. Vale notar que os resultados revelaram, também, que os testes de inteligência mais afetados foram aqueles mais saturados com o conteúdo curricular ensinado nas escolas, enquanto testes de inteligência fluída, que capturam habilidades para resolver problemas originais e inéditos, foram menos afetados. No geral, as correlações entre escolaridade, duas medidas de inteligência não-verbal e uma medida de inteligência verbal variaram entre 0,49 a 0,68, concluindo-se que educação influencia inteligência, mas alguns testes de inteligência foram contaminados por incluírem conteúdo ensinado no currículo.

Considerados juntos, os resultados indicam que inteligência causa diferenças nos desempenhos educacionais, assim como, educação causa diferenças na inteligência e que a interação ocorre em ambas as direções. É claro que nem todas as pessoas obtêm o mesmo benefício de uma dada oportunidade educacional, bem como, que as mesmas oportunidades educacionais não estão disponíveis para qualquer um. Neste caso, distinguir entre processos envolvidos na educação e inteligência é difícil porque isto requer mensurações que possam, simultaneamente, estabelecer atribuições causais em momentos apropriados e identificar influências genético-ambientais, e suas relações, no momento da mensuração. Um problema que surge é inteligência e educação serem, comumente, usadas como possíveis causas e mediadores de outros resultados. Por exemplo, epidemiologistas, sociólogos, psicólogos, economistas, demógrafos, cientistas sociais, entre outros, incluem inteligência e educação como possíveis influências sobre ampla variedade de fatores humanos, nestes incluindo saúde e doenças, funções cognitivas no envelhecimento, mobilidade social e nível socioeconômico. Como inúmeros indicadores educacionais são mais prontamente disponíveis a estes estudiosos, os mesmos fazem uso, mais freqüentemente, da educação como uma "variável controle", quando, na realidade, o "confundidor", ou a causa comum nas análises, poderia ser a inteligência.

Sendo educação um alvo muito mais fácil, enquanto inteligência situa-se para além do alcance dos estudiosos, e muito mais longe para dirigentes políticos, muitos colocam que o fomento da educação, enquanto objetivo de políticas públicas, pode melhorar indicadores econômicos e de saúde da população. Políticas dirigidas à educação visam ampliar a escolaridade mínima, aumentando a porcentagem da população com nível universitário. Mas, estudiosos e dirigentes políticos devem estar cientes que o ingrediente ativo pode ser, talvez, outro: a inteligência.

 

O medo da inteligência

As pessoas possuem uma idéia bastante clara sobre o que se quer dizer quando se afirma que alguém é inteligente. Existiriam poucas diferenças sobre qual seria a resposta se questionássemos diferentes pessoas se consideram José Saramago, Bill Gates e Mandela indivíduos inteligentes. Ser inteligente é algo muito claro e embora não saibamos exatamente explicar o porquê, entendemos que estas pessoas são inteligentes.

Quando inicio uma palestra sobre inteligência, costumo fazer a seguinte questão: "O que vocês preferem? Serem felizes ou inteligentes?" A resposta, rápida e invariável é: "felizes." Logo replico: "E se tivessem que escolher, qual seria sua preferência: que os chamássemos de infelizes ou de ignorantes?" A resposta já não soa tão rápida.

Há tempos, as escolas estimulam o desenvolvimento intelectual das crianças. Assistir às aulas é intelectualmente benéfico. Mas, todas as crianças conseguem extrair o mesmo benefício ao freqüentar a escola? Muitos pais e educadores concordam que algumas delas se beneficiam mais e outras bem menos ao freqüentarem a escola. Apesar disso, muitos acreditam que a educação sozinha pode eliminar as diferenças causadas por outros fatores sociais, tais como as desigualdades socioeconômicas com que as crianças chegam à escola.

Há vasta literatura indicando que a escola não produz um nivelamento dos alunos. As diferenças que separam os alunos não são eliminadas à medida que se avança no processo educacional; ao contrário, freqüentemente, estas diferenças aumentam. Contrariamente ao que a maioria das pessoas acredita a educação sozinha não equipara os alunos. Assim, é importante considerar em que direção essas diferenças aumentam e o que significa a educação não tornar os alunos iguais.

São as diferenças de escolaridade responsáveis pelas diferenças intelectuais? A maioria dos professores acredita que sim. Todavia, pesquisas contínuas neste domínio sustentam que: (1) a freqüência regular em cursos pré-escolares não reduz as diferenças de inteligência observadas em idades posteriores; (2) assistir ou não as aulas de educação básica se associa às diferenças de desempenho nos testes de inteligência; as crianças que não podem assistir durante um período de tempo a essas aulas obtêm os piores resultados nesses testes; (3) o período de ensino médio e de graduação contribui menos que o período de ensino básico para explicar as diferenças nos escores de inteligência; (4) as diferenças entre a qualidade das escolas possuem um pequeno, ou nulo, efeito sobre o desenvolvimento intelectual, e (5) a diferença média de QI entre os segmentos mais altos e mais baixos na distribuição dos escores de inteligência é de 12 pontos. Se pudéssemos eliminar todas as desigualdades de natureza educacional, essa diferença média ainda seria de 10,7 pontos. A redução seria de apenas 1,3 ponto.

Portanto, as diferenças de inteligência não são resultantes das diferenças de escolaridade. Ao contrário, as diferenças escolares resultam das diferenças de inteligência.

 

É importante ser inteligente na sociedade atual?

Revelando-se a inteligência de duas maneiras, pelas pontuações nos testes e pelos comportamentos socialmente relevantes, os escores dos testes de inteligência mostram-se fáceis de analisar, ao oposto dos comportamentos socialmente relevantes, que são difíceis de serem aferidos. Não obstante, os últimos são, de longe, mais importantes que os primeiros. Há indicadores estatísticos, conhecidos como correlações, entre os escores dos testes de inteligência e medidas de comportamentos socialmente relevantes incluindo desempenho acadêmico, renda, saúde, longevidade, criminalidade e posições ocupacionais de prestígios na sociedade, mas lembramos que correlação não implica, necessariamente, em causação. Entretanto, o fato dos escores dos testes de inteligência, e medidas dos comportamentos socialmente relevantes, serem correlacionadas sugere um número de possíveis causas, todas merecendo consideração.

O desempenho no teste de inteligência e em situações socialmente relevantes pode depender dos mesmos processos cognitivos. Isto é o que muitos pesquisadores em inteligência acreditam. Mas, entender inteligência somente em termos do desempenho nos testes é uma visão empobrecida, para não dizer cega. Isto chama nossa atenção para explicar as variações baseando-se, somente, nos escores dos testes de inteligência, os quais, não sendo importantes por si próprios, nos leva a negligenciar as variações individuais no comportamento socialmente relevante, as quais são muito importantes.

Uma das maiores razões para estudar inteligência é entender como, em sentido amplo, diferenças individuais na competência cognitiva são relacionadas às diferenças individuais na manifestação de comportamentos socialmente relevantes. Na prática, há dois problemas: (1º) variações no desempenho socialmente relevante são determinadas tanto por fatores não cognitivos quanto cognitivos e (2º) sucesso, ou fracasso, sendo baseados de acordo com os chavões "posso fazer" e "desejo fazer". Manifestar comportamentos socialmente relevantes depende das oportunidades para tal, o que está muito além do controle da própria pessoa, não importando quais são suas características pessoais.

Sendo fácil determinar correlações entre escores dos testes e outras medidas de interesse, tais como, desempenho escolar médio e realizações no ambiente de trabalho, estas, entretanto, enviesam nosso conhecimento ao destacar o papel da inteligência em certas instituições, tais como, escolas, universidades e empresas que, enquanto certamente importantes, não são "história toda" da sociedade. O estudo isolado das correlações fracassa em constatar um importante fato: inteligência é, exatamente, uma das variáveis no sistema definido pela sociedade humana, mas não é o único.

Por que tentar, continuamente, melhorar a inteligência, então? A resposta, talvez, possa ser encontrada na colocação de Earl Hunt, em "O papel da inteligência na sociedade moderna": 'A inteligência é o atributo humano que melhor prediz quem está abaixo do nível oficial de pobreza, quem abandona a escola e quem depende do Estado. É um fator importante para conseguir emprego (...); podem-se dizer muitas coisas da inteligência, exceto que é um atributo humano trivial'.

 

A fração brilhante de uma nação

As diferenças de riqueza entre nações têm sido tradicionalmente explicadas pelas diferenças nos fatores institucionais, econômicos, geográficos e histórico-políticos. Tais diferenças podem ser agrupadas em duas grandes abordagens. De um lado, a abordagem libertária, embasada no pensamento econômico inglês e austríaco, entende que liberdade econômica é fundamental para o crescimento e a riqueza. Países economicamente livres têm livre mercados; baixos impostos, menores taxas alfandegárias e gastos públicos; obediência às leis; direito às propriedades; mecanismos de preços livres; liberdade de investimento e raras intervenções governamentais. Por outro lado, a abordagem da dependência explica que as diferenças em riqueza, especialmente entre os países de Primeiro e Terceiro Mundo, devem-se às assimétricas estruturas políticas e de poder. Tal abordagem sustenta que o colonialismo e as leis pós-colonialistas dos países europeus resultaram em comércios entre nações ricas e pobres que foram desfavoráveis às últimas.

Mais recentemente, outros enfoques têm incluído o capital humano, ou seja, o estoque das habilidades individuais que permite com que as sociedades, nações e culturas funcionem de maneira economicamente efetiva. No cerne destas abordagens emergem dois traços psicológicos essenciais. O primeiro é a habilidade cognitiva (ou competência cognitiva), a qual engloba a habilidade para pensar, o estoque individual de conhecimento verdadeiro e relevante, e o uso inteligente deste conhecimento, no qual a habilidade cognitiva é definida como a habilidade para receber, decodificar e entender informação. O segundo é a disciplina intelectual envolvendo traços de personalidade, tais como, diligência, comprometimento, consciência, perseverança e autodisciplina.

Uma vasta quantidade de pesquisas mostra que habilidade cognitiva contribui fortemente para a riqueza tanto do indivíduo quanto da nação. Habilidade cognitiva enriquece o entendimento individual de conceitos e as relações causais, aumenta a compreensão, a visão e a racionalidade. Ela tem conseqüências proximais, tais como, trabalho de melhor qualidade, melhor saúde e decisões mais razoáveis na vida cotidiana. Alta habilidade cognitiva melhora o acesso individual aos melhores ambientes e, também, capacita indivíduos, instituições, sociedades e culturas a melhorarem a qualidade dos ambientes disponíveis. Ademais, habilidade cognitiva traz conseqüências distais, tais como, maior riqueza e longevidade; uma sociedade mais democrática; liberdade política e econômica; uma cultura mais complexa; e longitudinalmente, causando, pelos efeitos a longo prazo destes fatores ambientais, um enriquecimento da inteligência.

Entretanto, o nível de habilidade da classe intelectual (comparada à habilidade cognitiva geral da sociedade) prediz riqueza através da excelência nas realizações científicas e tecnológicas, e, também, pelas mudanças nas instituições políticas e econômicas de maneira mais liberal, democrática, constitucional e eficiente, todas as quais fomentam riqueza. Na outra face, riqueza, liberdade econômica e a própria realização altamente intelectual têm, em todos os níveis, um efeito positivo na habilidade cognitiva da sociedade. A longo prazo, as interações positivas entre habilidade cognitiva e qualidade de um ambiente físico, social, institucional e cultural intelectualmente estimulante, são mutuamente reforçadoras, produzindo o que os economistas se referem como uma espiral virtuosa.

Há dados indicando que indivíduos que são mais cognitivamente competentes têm efeitos positivos sobre a afluência, política e cultura em sua sociedade. Vários pesquisadores têm se referido a este fenômeno, implícita ou explicitamente, denominando-o de "classe criativa", "classe intelectual" ou "fração brilhante" da população. Esta pode ser operacionalizada de duas maneiras. Uma é medir a porção brilhante da população que excede um dado limiar, como, por exemplo, um QI maior que 105, 115, 130 ou 145 (M = 100, DP = 15) ou uma dada pontuação nas avaliações dos estudantes, como, por exemplo, 540, 600, 700 ou 800 (M= 500, DP = 100) nas avaliações internacionais dos estudantes, tais como, PISA, TIMSS. A outra é mensurar a habilidade de um grupo de superior, tal como, o percentil 90, 95, ou 99 da população.

Assim considerando, recentes análises compararam a influência da competência cognitiva de grupos com alta, média e baixa competência sobre o produto doméstico bruto (PDB) e as realizações em ciência, tecnologia, engenharia e matemática para a riqueza nacional. As diferentes comparações, claramente revelaram que, na sociedade moderna, o nível cognitivo da classe intelectual, ou seja, da fração brilhante, e seu tamanho relativo, são mais importantes para o desenvolvimento econômico do que são os de grupos com níveis cognitivos médio ou baixo. As grandes realizações em ciência, tecnologia, engenharia e matemática dependem do nível de habilidade cognitiva da fração brilhante da população, e adicionalmente esta habilidade elevada influencia positivamente a riqueza aumentando a liberdade econômica. Em outras palavras, riqueza, em tempos modernos, é resultante da habilidade cognitiva da sociedade como um todo, e de sua elite cognitiva em particular. Habilidade cognitiva é essencial para o progresso tecnológico; pois, o desenvolvimento histórico da moderna sociedade com sua demanda crescente e cognitivamente complexa, requer continuamente capacidades para lidar com alta complexidade e de aprender sozinho. Por isso, educação é o processo de fomentar a habilidade fluída e a cristalizada.

 

A inteligência pesa na avaliação escolar?

Professores, pais, dirigentes e a mídia em geral explicam que grandes disparidades ocorridas nas avaliações escolares brasileiras, especialmente, as diferenças entre escolas públicas e privadas, diferenças regionais e diferenças sócio-econômicas, são causadas por uma miríade de fatores, entre eles, tamanho da classe, qualificação dos professores, disponibilização de computadores, segurança escolar, renda e nível educacional dos pais, acesso à bibliotecas, entre outros. Raramente, porém, estes mesmos professores, pais, dirigentes e mídia aceitam que as habilidades cognitivas dos alunos é que são diferentes, supondo, erroneamente, que tal diferença não seja a grande responsável.

A suposição de que as variáveis acima afetam o desempenho escolar, primariamente em leitura, escrita, matemática e em ciência, nunca tem sido sustentada pelas evidências. Aqueles que alegam que as mesmas são importantes apelam, quase que exclusivamente, na experiência e no bom-senso que têm, quando deveriam olhar para mais longe. Muitas dessas pessoas são, ideologicamente, dirigidas a sustentar que o paradigma da pobreza, e seus correlatos, é o que melhor explica as desigualdades. Se isto for verdade, simplesmente reduzindo-se a pobreza, deveria, diretamente, reduzirem-se as diferenças nos desempenhos escolares.

Ora, nem mesmo em nações, cujas desigualdades são extremamente reduzidas, essas diferenças foram erradicadas. Tais pessoas omitem que as avaliações obtidas pelo TIMSS também analisam as associações entre os desempenhos escolares com inúmeras características escolásticas, como, por exemplo, livro-texto, tamanho da classe, segurança dos estudantes, renda e nível educacional dos pais, presença de computadores na escola e de escrivaninhas em casa, resultando na seguinte constatação: nenhuma destas variáveis tem qualquer efeito preditor para o desempenho escolar. Ou seja, as únicas variáveis que têm efeito preditor são as habilidades cognitivas dos estudantes.

Em todo esse debate, um fato simples e vital tem sido, sistematicamente, omitido: a inteligência dos nossos estudantes. Dados indicam que avaliações sistemáticas do TIMSS, realizadas nos anos 1995, 1999 e 2003, bem como, do PISA 2003, são altamente correlacionados com as medidas de inteligência refletidas pelo QI, para quase 70 países. A correlação média entre QI e resultado médio do TIMSS e PISA, é de, aproximadamente, 0.91, indicando que os testes de avaliação escolar e os testes de QI medem, certamente, o mesmo constructo: a habilidade cognitiva geral, que nada mais é que a inteligência. Portanto, questionar que o QI das crianças não está relacionado à importantes resultados na vida real é admitir, obviamente, que a aprendizagem de leitura, escrita, matemática e ciências não é importante para a realidade que estas vivem.

Tradicionalmente, a resistência em aceitar o peso da inteligência talvez seja porque o desempenho escolar é creditado à eficiência do sistema educacional, enquanto que inteligência depende mais de fatores genéticos que de escolaridade. Porém, atentem-se: nenhuma destas suposições é acurada. Escolaridade determina, não apenas, o desempenho nos testes de conhecimento e capacidades, explicitamente ensinados na escola, mas, também, os desempenhos nos testes de QI. Por outro lado, QI, mensurado na idade de cinco anos, é um forte preditor do desempenho educacional na idade de 16 anos. Logo, QI e desempenho escolar são como a vela e a chama, nunca juntos, mas, também, nunca separados.

Em razão disso, só há uma maneira de melhorar o desempenho escolar de nossos estudantes. A receita não é simples, mas é óbvia: fomentar as habilidades cognitivas nos primeiros cinco anos de vida, enquanto o cérebro ainda é plástico e maleável às mudanças. Os melhores agentes de mudança? Os pais e os agentes que cuidam das crianças nesta fase. Nosso paradigma educacional deve ser, portanto, drasticamente alterado.

 

ENEM e o QI nacional: por que omitir esta relação?

No mundo atual encontramos enormes diferenças entre pessoas e países quando consideramos a riqueza, estruturas sociais e políticas e muitos traços "culturais". Diferenças similares são observadas quando consideramos também os níveis escolares, pontuações escolásticas e o acesso de diferentes pessoas às principais universidades, mesmo se as mesmas vivam num mesmo país. De acordo com uma abordagem reducionista, muito destas diferenças resultam de diferenças nos traços de personalidade e nas habilidades cognitivas entre as pessoas.

De fato, inúmeros estudos têm demonstrado que a inteligência parece variar, não só entre as pessoas, mas também que o nível médio de inteligência varia substancialmente entre as nações. QI nacional médio tem sido encontrado estar intimamente correlacionado com a riqueza nacional, crescimento econômico, medidas de educação e sistemas de valores culturais. Amplamente considerada, parece que inteligência é um grande componente do "desenvolvimento humano", e um determinante de muitas diferenças culturais e econômicas entre as pessoas e entre as nações.

Há relações substanciais entre o nível do QI individual com as séries escolares e com o desempenho nas avaliações escolásticas. Em vários estudos em diferentes nações, a correlação do QI com estes resultados educacionais variam, tipicamente, entre 0,5 e 0,7, e algumas vezes, alcança valores tão alto quanto 0,80. Portanto, as mesmas relações poderiam ser encontradas quando consideramos diferentes escolas, diferentes estados e diferentes nações. Em outras palavras, se vale para indivíduos deve valer também para agregados de indivíduos.

Especificamente, estudos têm invariavelmente demonstrado que o QI nacional médio é altamente correlacionado com os resultados das avaliações internacionais dos estudantes, tais como, PISA e TIMSS, em matemática, leitura, escrita e ciência, bem como, com outros domínios baseados ou não nos currículos. As correlações registradas dos escores escolásticos médios com QI são tão altas quanto 0,919 (N=67 países) e, com dados mais recentes, 0,917 (N=86 países). Estes resultados sugerem que QI e desempenho escolar são indicadores alternativos para a inteligência alternativa média num país. Em termos econômicos, ambos, são medidas do "capital humano" ou, do "capital cognitivo", de uma nação. Interessante notar que desempenhos escolares são atualmente disponíveis para 111 países. Oitenta e sete nações têm dados tanto para os desempenhos escolares quanto para QI (s), e 160 países têm QI(s) ou avaliação escolar ou ambos.

Considerando estas robustas correlações e analisando os resultados publicados das avaliações do ENEM, podemos realizar várias outras análises e depreender várias conclusões, e muitas delas intensamente doloridas. Uma delas é converter os escores do ENEM em notas QI, com média 100 e desvio-padrão 15. A conclusão é que a maioria dos concluintes do ensino médio tem QI abaixo da média. Um grande número de escolas possui uma grande parcela de estudantes com QI muito abaixo da média. À primeira vista poder-se-ia pensar que estou exagerando. Não. Vejam que, na "Matriz de Referência para o ENEM 2009", publicada pelo Ministério da Educação - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), as definições dos eixos cognitivos e as competências esperadas para as grandes áreas são muito similares às definições que, usualmente, encontramos para as diferentes formas de inteligência fluída e cristalizada, para não dizer diferentes tipos de inteligências múltiplas como alguns mais apreciam. Não há essencialmente grandes diferenças, portanto. Basta ler atentamente cada uma delas e comparar com as definições de inteligência(s). Tecnicamente, QI e desempenhos escolares (como definidos pelo INEP), são suficientemente similares para serem medidas alternativas do mesmo constructo, ou seja, inteligência.

A teoria é que atividades produzindo riquezas, tais como, empreender negócios, delinear edificações, tratar doenças e inovar são feitas mais eficientemente por pessoas com maior inteligência geral. O que podemos esperar dos jovens desta nação em face da robustez destes dados e que são, invariavelmente, replicados em praticamente todas as nossas avaliações escolares? Podemos fazer alguma coisa? Certamente que sim, mas tudo passa na melhoria das habilidades cognitivas dos nossos estudantes.

A mais importante implicação desta relação causal (postulada) é que, as condições econômicas atuais das nações economicamente menos desenvolvidas podem ser melhoradas aumentando-se, dentro dos limites que a biologia nos impõe, as habilidades cognitivas da população, principalmente, de nossos escolares. Vamos, portanto, fomentar a inteligência das nossas crianças em especial nos primeiros anos de vida. Vamos estabelecer uma agenda de fomento das habilidades cognitivas, principalmente, das habilidades cognitivas verbal/lingüística, espacial e lógico/ matemática.

 

PISA, QI, mortalidade infantil e longevidade

Inteligência é um determinante bem conhecido de resultados econômicos, tanto em nível individual quanto em nível estadual e nacional. A crença na significância da educação e habilidades cognitivas (inteligência e conhecimento) para o desenvolvimento econômico é a principal razão para o suporte da pesquisa educacional por parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) e outras organizações econômicas internacionais. Em ambos os níveis, individual e agregado, escolaridade parece ser o enriquecedor mais importante das habilidades cognitivas. Educação doméstica, cuidados com a saúde, nutrição e genes são, certamente, importantes fatores adicionais.

Na última década, tem sido demonstrado que várias associações entre QI e outras variáveis, conhecidas em nível individual, traduzem-se para associações análogas, estaduais ou nacionais. Por exemplo, QI é um preditor de produtividade em nível individual, e diferenças no QI médio, entre Estados e entre nações, também predizem produtividade estadual ou nacional como mensurada pelo Produto Doméstico Bruto. Interessante para nossa discussão são as pesquisas mostrando que a relação QI-Saúde transfere-se para o nível nacional ou estadual. Pesquisas revelam que o QI nacional foi associado com uma variedade de indicadores nacionais de saúde, tais como, a taxa de fertilidade (r=-0,63), taxa de mortalidade infantil (r= -0,57), taxa de mortalidade maternal (r= -0,51), óbitos devido a HIV-AIDS (r=-0,42) e expectativa de vida (r=+0,65), lembrando que os valores máximos variam entre +1 e -1.

Analogamente, pesquisas demográficas considerando Estados também suportam esta tendência. Por exemplo, utilizando dados de avaliações do progresso educacional para leitura e matemática, como uma estimativa do QI de cada Estado Norte-Americano, obteve-se uma forte relação entre QI e Indicadores de Saúde Estaduais e, além disso, indicaram que algumas condições de saúde são mais correlacionadas com o QI dos Estados do que outras.

Considerando que as avaliações do PISA (Programa de Avaliação Internacional de Estudantes) podem ser entendidas como testes de QI, a transformação dos escores do PISA em escores de QI resulta em valores muito similares. As pontuações do PISA, cuja média é 500 e o desvio-padrão 100, podem facilmente ser transformadas em valores de QI, cuja média é 100 e o desvio-padrão é 15, usando uma simples transformação linear, tal como fazemos para converter Celsius em Fahrenheit ou vice-versa. Baseando-se nessa suposição, tomei os dados do PISA 2009, aplicado aos estudantes brasileiros de 15 anos de idade, o qual avaliou o desempenho acadêmico em leitura, matemática e ciências, produzindo um escore geral, e os correlacionei com vários indicadores educacionais, econômicos, sociais e de saúde dos diferentes Estados brasileiros.

A correlação do PISA, considerando os escores de cada Estado (N=27), com o PIB per capita, a correlação (r ) foi 0.78. Com o IDH foi 0.79; com a longevidade foi 0.81; com o índice de analfabetismo foi -0.85; com o índice de mortalidade infantil foi -0.80; com o índice de pobreza foi de -0.66; com o índice GINI, Indicador de Desigualdade Econômica, foi de -0.44; com o IDEB foi de 0.77 e com o Enem 2010 foi de 0.30. Lembrando que o ENEM avalia os estudantes do ensino médio. O que devemos achar dos resultados?

Dada a provável natureza emocional desses resultados é importante entender o quê ele sugere e o porquê é importante estudar estes tópicos do ponto de vista epidemiológico. O que eu argumento é que, globalmente, os dados confirmam, robustamente, que inteligência explica uma parcela significativa de muitos resultados de saúde, econômico-sociais e educacionais. Mas, talvez você ache que outros fatores possam explicar estas altas associações melhor. Por favor, tente encontrá-los.

 

PISA, ENEM e os indicadores de analfabetismo e pobreza

Habilidade de pensamento, conhecimento e uso inteligente do conhecimento são, atualmente, determinantes importantes para o sucesso na vida. Os correlatos de inteligência no nível individual incluem aspectos da vida civil, tais como, emprego, status, renda, expectativa de vida, desenvolvimento moral, vida conjugal, benefícios educacionais para as crianças, entre outros. Educação mostra efeitos positivos, mesmo para a redução de riscos de contrair doenças graves e crônicas.

Ao longo do século passado, educação foi considerada um importante determinante do sucesso cultural, político e social das nações e, também, de grupos sociais e religiosos a nível macro-social. Talvez, por isso, os estudos empreendidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) sobre as competências cognitivas dos estudantes, tais como, o PISA e outros similares, entendem que habilidades cognitivas são determinantes positivos da riqueza das nações. A suposição básica das comparações internacionais das habilidades baseia-se na idéia de que ao nível macro-social habilidades cognitivas são importantes fatores causais para o bem-estar econômico, medido pelo Produto Doméstico Bruto (PDB) e, talvez, também para o bem-estar não-econômico, tais como, democracia, obediência às leis, direitos humanos e saúde.

As habilidades cognitivas ajudam indivíduos a serem bem sucedidos na escola e a acharem melhores oportunidades nos empregos e na vida privada, funcionando como um abridor de portas. Do mesmo modo, ajudam em situações cotidianas, especialmente quando o entendimento, e o uso efetivo das relações causais, são requeridos, funcionando como solucionador de problemas. As habilidades cognitivas são especialmente importantes em ocupações complexas com altas demandas sobre aprendizagem, solução de problemas novos e tomadas de decisões independentes. Todavia, a relação é bidirecional, haja vista que educação e tarefas complexas são conhecidas por elevarem inteligência e conhecimento. De fato, inteligência e conhecimento enriquecem a racionalidade individual e cultural. Ambos suportam decisões racionais não apenas pelos indivíduos, mas, também, em instituições e no sistema político. No nível das instituições e das nações, efeitos da inteligência individual agregados e efeitos da inteligência genuinamente macro-social, tais como, estruturas econômicas e administrativas eficientes (cultura inteligente), caminham juntos.

Os testes de inteligência não são os únicos testes de habilidades cognitivas. As avaliações internacionais dos estudantes, tais como, o PISA e mesmo o ENEM, e similares avaliações escolásticas brasileiras, fazem uso de cuidadosos métodos padronizados de coletas de dados. Todavia, diferentemente dos testes de inteligência padronizados, tanto PISA quanto o ENEM, envolvem exercícios que requerem o uso da linguagem e da matemática para solucionar problemas provavelmente encontrados pelas pessoas vivendo em sociedades industriais e pós-industriais. Portanto, eles representam avaliações de habilidades mentais culturalmente relevantes. Há análises indicando que não existem diferenças teoricamente importantes entre os testes de inteligência e os testes de avaliação dos estudantes. Teórica e empiricamente ambos são similares. Por exemplo, ao nível nacional, as correlações entre os dois tipos de testes são muito elevadas, variando entre 0,80 a 0,90. Ao nível individual, as correlações entre as avaliações escolásticas ou de desempenho escolar, e os escores nos testes de QI, variam entre 0,42 a 0,82. Não obstante, sabemos que há diferenças entre pensamento e conhecimento, embora estes intercambiáveis componentes de habilidades sejam difíceis de separar. Conhecimento é sempre requerido para solucionar os tipos de tarefas aos quais os indivíduos são confrontados na vida diária, ou que são usados nos testes de habilidades cognitivas. E habilidade de pensamento ajuda a aumentar e usar o conhecimento.

Assim considerando, tomamos os dados médios do PISA-2009 e do ENEM-2010 para cada Estado Brasileiro como objeto de análise correlacional. Lembramos apenas que as correlações variam entre -1 a +1, podendo ser zero, ou seja, sem qualquer correlação entre duas variáveis. Neste caso, as notas do ENEM variaram de 512 para Tocantins a 579 para o Distrito Federal, enquanto que as notas do PISA variaram de 354 para Alagoas a 439 para o Distrito Federal. Em seguida, correlacionamos estes valores com os indicadores de porcentagem de analfabetismo, de pobreza e com o rendimento médio-familiar, usualmente, publicados pelo IBGE. Os resultados não nos surpreenderam. Considerando os escores do PISA, a correlação destes escores com as pontuações do ENEM foi r=0,74; com o indicador de analfabetismo foi r=-0,88; com o indicador de pobreza foi r= -0,88 e com a renda familiar média a correlação foi r=0,70. Considerando as pontuações do ENEM, estas se correlacionaram em r= -0,66 com o indicador de analfabetismo, em r= -0,68 com o indicador de pobreza e com um r=0,44 com a renda média familiar. Interessante notar também que os escores do PISA correlacionaram-se em r=0,84 com o IDEB, e aqueles do ENEM tiveram um r=0,60 com as notas do IDEB-2009.

O que estes dados indicam? Primeiramente, que as habilidades cognitivas importam. Segundo, que diferenças regionais, ou estaduais, podem ser produtos das competências cognitivas de seus estudantes. Terceiro, que é preciso, urgentemente, o estabelecimento de uma agenda, por parte de nossos educadores, para elevar as competências cognitivas dos estudantes. Mas, isto será tópico para uma próxima discussão.

 

PISA, ENEM, QI de Greenwich e anos de escolaridade

Com alto nível de generalidade, correlações positivas entre o desempenho escolar aferido pelo PISA-2009 ou outras avaliações escolásticas similares (por exemplo, o ENEM-2010 no Brasil) têm sido registradas em regiões geográficas dentro dos países. Considerando as disparidades regionais brasileiras, mostramos, em dois manuscritos anteriores, que estas avaliações correlacionam-se positivamente com a renda per capita e com inúmeros outros indicadores sociais, educacionais, econômicos e de saúde. As correlações foram bastante elevadas. As pontuações nestas avaliações escolares podem ser usadas como um "proxy" para o QIs dos nossos estudantes usando um procedimento que é conhecido como QI de Greenwich.

O PISA e o ENEM possuem testes que capturam a compreensão verbal e o raciocínio quantitativo, ambos, os quais são componentes importantes da inteligência geral. Os testes do PISA mensuram algo comum presente em todas as habilidades cognitivas, a inteligência fluída ou habilidade de raciocínio, e a inteligência cristalizada, a compreensão e o conhecimento. Do mesmo modo, os testes do ENEM possuem, aparentemente, duas dimensões principais: compreensão verbal e raciocínio quantitativo. Na realidade, considerando a alta correlação entre os testes de QI e os testes escolásticos, teóricos afirmam que ambos parecem medir o mesmo constructo, ou seja, a habilidade cognitiva geral, conhecida como inteligência.

Para calculá-los para os diferentes estados brasileiros, tomam-se as médias dos escores do PISA ou do ENEM e estas são expressas em unidades de desvio-padrão para a média Britânica (M=495 e DP=95). Isto fornece pontuações para os diferentes estados expressas em unidades de desvio em relação à média Britânica. Estes escores, então, são convertidos em QI convencional multiplicando por 15 e adicionando 100. Assim, os resultados do PISA, ou do ENEM, podem ser expressos em relação ao QI médio Britânico cuja média é 100 e desvio-padrão é 15.

Tomando estes QIs de Greenwich fizemos as correlações, primeiramente, entre os QI-PISA e os QI-ENEM, e depois os correlacionamos, separadamente, com anos de escolaridades das pessoas até 18 anos (idade do vestibular, em média) e das pessoas entre 25 a 59 anos de idade. As correlações foram: QI-PISA com o QI-ENEM, r=0,81; QI-PISA com idade de 18 anos, r=0,716 e com idade de 25 a 59 anos, r=0,719. Com o QI-ENEM, as correlações foram: r=0,56 com a idade de 18 anos e r=0,62 com a idade de 25 a 59 anos. Todas estas correlações foram significativas. Lembramos que as correlações variam entre -1 a 1, podendo ser nula.

Claramente, estas correlações revelam que os estados cujos habitantes têm mais habilidade cognitiva, derivada das avaliações escolásticas do PISA e do ENEM, são aqueles que mantêm seus estudantes mais tempo nas escolas, ou seja, têm pessoas com mais anos de escolaridade. Isto indica que populações com maior habilidade cognitiva mantêm suas crianças mais tempo nas escolas. Isto melhora os QIs das crianças. O efeito positivo dos anos de educação sobre o QI tem sido demonstrado em vários estudos, de forma que o QI da população é um determinante da quantidade de educação recebida pelas crianças, e a quantidade de educação recebida pelas crianças é um determinante de seus QIs. Logo, fomentar o desenvolvimento do QI é a melhor maneira de reduzir as desigualdades regionais.

 

A importância das habilidades cognitivas comparadas entre nações

Hoje, muitas são as nações que valorizam políticas públicas baseadas nos resultados das habilidades cognitivas dos estudantes. Embora ampla a variação entre nações em relação à testagem, diferenças no assunto focado, bem como, nos níveis avaliados e no propósito e qualidade da testagem, a idéia de avaliar o que os estudantes conhecem em oposição ao tempo no qual que eles ficam na escola, encontra-se difundida ao redor do mundo. Isto ocorre, em parte, devido à estimulação provocada pelo desenvolvimento internacional, assim como, pelas agências de fomento. Tais avaliações internacionais fornecem dados genuínos que possibilitam o entendimento da importância dos fatores determinantes do desempenho como do impacto das habilidades nos resultados econômicos e sociais.

Em muitos casos, avaliações internacionais têm sido, atualmente, substitutivos da testagem nacional. A avaliação internacional fornece informação sobre resultados educacionais em que pequenas e não representativas amostras de resultados estão disponíveis. De fato, comparações internacionais mais simples e contínuas têm, não só, chamado a atenção de diferentes governos, mas, também, estimulado intenso debate público sobre os resultados das avaliações em muitos países participantes.

Por outro lado, avaliações internacionais, usualmente inseridas dentro de um grande levantamento dos atributos dos indivíduos e das escolas, são extremamente valiosas em fornecer medidas diretas do capital humano. A idéia de que habilidades individuais têm importância numa ampla variedade de circunstâncias econômico-sociais é, geralmente, capturada sob o rótulo fechado de capital humano. Todavia, o conceito de capital humano tem suscitado muitas análises econômicas, ainda que o desafio seja achar medidas explícitas que possam ser usadas nas análises empíricas. Simplesmente identificar diferenças nos resultados do mercado de trabalho, para indivíduos, como capital humano, por exemplo, não fornece estrutura empírica útil. Uma idéia genuína e prática é definir o capital humano em termos de realização educacional, um indicador facilmente mensurável que, quase certamente, relaciona-se ao desenvolvimento da habilidade humana e capital humano. Esta idéia tem dominado grande parte do pensamento referente ao capital humano, de tal modo que, a realização escolástica é tomada virtualmente como um sinônimo para capital humano.

O problema fundamental com este desenvolvimento é que o mesmo freqüentemente ignora outros elementos do desenvolvimento das habilidades, geralmente relacionadas à realização educacional. Por exemplo, vasto corpo de estudos, sob a rubrica de produção educacional, focaliza a influência concomitante das famílias no desenvolvimento das habilidades das crianças. Ademais, muito da preocupação referente a investimentos governamentais em escolaridade, particularmente nos países desenvolvidos, centra-se sobre aspectos da qualidade diferencial. Ambos, em parceria a outros elementos omitidos, são, todos, muito prováveis estar relacionados à realização educacional dos indivíduos. Enquanto há muitas pesquisas acerca das estimativas da taxa de retorno conectada à realização educacional, poucas têm endereçado temas conectados aos determinantes usualmente omitidos do capital humano.

Nossas motivações, como psicólogo, psicometrista e economista comportamental, baseadas na conclusão de que habilidades cognitivas, identificadas pelos escores dos testes incorporados nas avaliações internacionais, abrangem mostrar que estes são boas medidas de habilidades relevantes para o capital humano. Assim, ao olharmos o impacto do capital humano sobre os resultados econômicos, ao invés de tentar identificar todos os determinantes relevantes das diferenças individuais ou habilidades agregadas, simplesmente, entendemos que as medidas das habilidades cognitivas, como indicadores do capital humano, podem ser reveladores das grandes disparidades sócio-econômicas e educacionais entre nações e, mesmo, entre as regiões de um país.

 

Por que as comparações internacionais no desempenho educacional são importantes?

Para entender os determinantes do desempenho educacional, análises das comparações entre dados internacionais, aparentemente, mostram seis vantagens quando comparadas com aquelas baseadas em dados de simples nações ou estados. Primeiro, os dados permitem explorar variações que apenas existem entre países. Por exemplo, variações institucionais sistemáticas entre países como refletidas na competitividade e flexibilidade do marcado de trabalho dos professores, na natureza e tipos dos sistemas de gestão, no tamanho do setor educacional privado, na estrutura da supervisão dos estudantes que não existe em muitos países e os efeitos de exames finais centralizados não podem ser analisados se apenas dados nacionais são utilizados comparativamente. Portanto, a falta de variação institucional dentro de uma nação impossibilita analisar e decompor o impacto de muitos fatores institucionais nos sistemas escolares.

Segundo, mesmo em nações em que existem variações, tal como num país de dimensões continentais como Brasil, variações entre os países nos principais fatores-chave e nas características das escolas e da população estudantil são freqüentemente muito mais amplas do que aquelas encontradas dentro de qualquer país.

Terceiro, dados de desempenho internacional baseados em similar processo de coleta de dados fornecem oportunidade única para examinar estimativas comparáveis dos determinantes e das conseqüências do desempenho educacional para uma amplitude variada de países. Tais pesquisas podem clarear se um dado resultados é específico de um dado país, aplica-se mais globalmente, ou é, simplesmente, um resultado espúrio de uma amostra particular dentro de uma nação.

Quarto, evidências internacionais podem identificar heterogeneidade nos efeitos que diferem entre os países. Por exemplo, pesquisas comparativas podem determinar se os efeitos do tamanho da classe de estudantes sobre o desempenho são heterogêneos entre nações, talvez, iluminando a interação entre currículo, ou treino dos professores, e processos nas salas de aula.

Quinto, mesmo em nações onde variações internas existem, por exemplo, no caso de escolas públicas e privadas operando dentro de um mesmo sistema, comparações entre os desempenhos dos estudantes são freqüentemente sujeitas a sérias objeções quanto aos problemas de seleção. Estudantes que escolhem atender escolas privadas podem diferir ao longo de dimensões observáveis e não observáveis quando comparados com aqueles ensinados nas escolas públicas próximas.

Sexto, revelar efeitos de um equilíbrio geral é praticamente impossível usando dados de uma simples nação, mas, às vezes, torna-se possível quando comparações são feitas entre países. Por exemplo, a presença de escolas privadas pode influenciar o comportamento das escolas públicas vizinhas com as quais elas competem por estudantes. Como resultado, simples comparações entre escolas públicas e privadas podem omitir um aspecto importante dos efeitos de um maior envolvimento privado na educação. Portanto, medidas agregadas dos fatores institucionais podem ajudar a resolver o problema.

Finalmente, pesquisas sobre as conseqüências das diferenças nas habilidades cognitivas têm vantagens similares. Por exemplo, enquanto as implicações do desenvolvimento do capital humano para os resultados macroeconômicos, incluindo, crescimento econômico, podem ser sistematicamente investigadas ao longo de períodos de tempo para países individuais, dados históricos são efetivamente limitados à aquisição escolar (diferente de desempenho escolar) com nenhuma informação sobre as habilidades cognitivas que podem ser comparadas quando os desempenhos escolásticos entre diferentes nações são mensurados. Em outras palavras, variações nas habilidades cognitivas entre diferentes economias podem ser extremamente reveladoras da eficiência e eficácia de diferentes tipos de investimentos na educação.

 

Tempo de escolaridade versus habilidades cognitivas

No cenário educacional brasileiro, invariavelmente, tenho presenciado vários tipos de debates que permeiam as políticas públicas educacionais. Um deles vacila entre as políticas públicas enfatizando que educadores devem potencializar as conexões entre as escolas e o mercado de trabalho. Assim considerando, entendem que as escolas devem ser orientadas primeiramente pelas demandas do mercado de trabalho. Nesse sentido, as escolas deveriam melhorar as carreiras dos estudantes enfatizando somente as habilidades requeridas pelas demandas da mão de obra. Outro tipo de debate destaca que o mais importante são os anos de escolaridade, pois o tempo de escolaridade, isto é, o número médio de anos que os estudantes permanecem na escola, é o que importa para constituir o constructo de capital humano, que por sua vez, afeta o futuro econômico da nação. Um terceiro tipo de discussão, mas raramente enfatizada com profundidade, sustenta que educar é identificar/promover e ensinar as habilidades cognitivas em geral.

Um problema com o fomento de habilidades específicas dirigidas exclusivamente para o mercado de trabalho é que estas demandas mudam muito rapidamente em virtude da natureza e da complexidade dos trabalhos e/ou tarefas atualmente requeridos. As tarefas estão se tornando cada vez mais abstratas, mais simbólicas, mais complexas, e, obviamente, estão requerendo cada vez mais a habilidade cognitiva geral de manipular a complexidade, de tal forma, que a mesma é, atualmente, considerada como sinônimo de inteligência. As especificidades dos trabalhos mudam continuamente, mas o nível de complexidade agregado a cada um deles permanece inalterado.

Por outro lado, usar o tempo médio de escolaridade apresenta dois tipos de problemas. O primeiro assume que estudantes em variados sistemas escolares ao redor de uma nação, ou ao redor do mundo, recebem os mesmos benefícios de um ano de escolaridade. Um ano de escolaridade em Gana e no Peru e um ano de escolaridade na Alemanha e na Finlândia são tratados como igualmente produtivos e, certamente, sabemos que não são. O segundo problema é que esta medida não explica a aprendizagem que ocorre fora das salas de aula - dentro das famílias, entre os colegas, ou via internet, por exemplo.

Uma medida mais direta do capital humano de uma nação é o desempenho dos estudantes em testes de matemática, leitura, escrita e ciência, alguma coisa que pode ser chamada de nível médio de "habilidades cognitivas" entre aqueles entrando na força de trabalho de um país. Uma série de estudos e/ou análises usando os resultados destas avaliações nestes diferentes domínios cognitivos têm claramente revelado que o quê, de fato, determina a riqueza econômica de uma nação não é simplesmente despender mais tempo na escola, mas sim, alguma coisa que tem que ser aprendido lá: as habilidades cognitivas. Aumentar o número médio de anos de escolaridade pela força de trabalho promove a economia apenas quando os níveis aumentados de aquisição escolar também aumentam as habilidades cognitivas.

Portanto, o ingrediente ativo não é a quantidade de educação, mas a qualidade da educação. Esta qualidade é refletida na aquisição das habilidades cognitivas em leitura, escrita, matemática e ciência. Quanto maiores os escores nestes domínios cognitivos tanto maiores são as taxas de crescimento econômico das nações em qualquer quadrante do planeta.

 

Capital humano: o valor das habilidades cognitivas

Educação está no topo das prioridades políticas de quase todos os governantes do mundo. Todos entendem que educação é um elemento essencial numa economia global competitiva e têm centrado grande parte de seus discursos em aumentar a escolaridade, pois, para eles, educação é sinônimo de desenvolvimento econômico.

De fato, ao longo do século 20, o debate internacional sobre as conseqüências econômicas da escolaridade concentrou-se na aquisição escolar ou, simplesmente, na quantidade de escolaridade da população. As ações políticas focalizaram taxas de escolaridade concluída em relação à proporção da população com escolaridade pós-secundária ou similar. Por conseqüência, as análises dos benefícios da escolaridade foram mais centradas nos efeitos da quantidade ou anos de escolaridade, não importando se os mesmos fossem vistos em termos da renda individual ou em termos dos benefícios sociais, tais como, o aumento na participação dos cidadãos no processo de votação. É natural acreditar que uma estratégia de desenvolvimento produtiva seja elevar os níveis de escolaridade da população. De fato, esta é abordagem capitaneada pelos defensores da iniciativa "Todos pela Educação".

Há, todavia, quatro grandes problemas com estas políticas. Primeiro, países desenvolvidos, e em desenvolvimento, diferem em várias maneiras além dos níveis de escolaridade. Segundo, uma parcela de nações, por si própria, e com a ajuda de outras, têm expandido as oportunidades escolares sem estreitar lacunas no bem-estar econômico. Terceiro, nações funcionando pobremente podem não ser hábeis em elaborar programas educacionais efetivos. Quarto, mesmo quando escolaridade seja o foco, muitas das abordagens não parecem ser muito eficientes e não produzem os resultados escolásticos esperados.

Ademais, muitas pessoas reconhecem que um ano de escolaridade não produz as mesmas habilidades cognitivas em qualquer lugar do mundo. Todos entendem que as famílias e os colegas, e até mesmo a internet, contribuem para a educação. Saúde e nutrição também afetam as habilidades cognitivas. Entretanto, pesquisas sobre o impacto econômico das escolas, larga, e invariavelmente, ignoram estes aspectos.

Ignorar as diferenças na qualidade educacional significativamente distorce o cenário de como o nível educacional, e os resultados econômicos, são relacionados. A distorção omite diferenças importantes entre educação, habilidades e ganhos individuais. Ela omite importante fator determinante da distribuição interpessoal de rendas dentro das sociedades. Há evidências substanciais, e confiáveis, de que a qualidade educacional, refletida na aquisição das habilidades cognitivas, tenha um forte impacto causal nos ganhos individuais e no crescimento econômico das nações.

Ao longo dos últimos dez anos, um crescente volume de pesquisas tem demonstrado que considerar a qualidade da educação, mensurada pelas habilidades cognitivas, substancialmente, aumenta a avaliação do papel da educação no desenvolvimento econômico. Portanto, ignorar as diferenças na qualidade educacional negligencia e omite a verdadeira importância do elemento-chave da educação para o desenvolvimento econômico: as habilidades cognitivas.

 

Podemos ser inteligentes sobre inteligência?

Nas sociedades modernas, em que o conteúdo de qualquer conhecimento aplicável muda rapidamente, educadores, psicólogos, gestores e dirigentes políticos estão continuamente buscando alguma coisa na mente dos indivíduos que os ajude a se adaptarem ao longo da vida. É óbvio que transmitir um conjunto de disciplinas científicas, ainda que continuamente atualizadas, dentro do contexto educacional tradicional não resolve o problema. Esta tendência é nitidamente observada, por exemplo, pelos esforços das organizações internacionais em buscarem indicadores válidos de desempenho educacional (ver o PISA) ou na busca da avaliação da solução de problemas complexos. Outras organizações, dentro do cenário das competências-chave, incluem a idéia da "aprender para aprender". Não obstante, ao longo da história da educação, pelo menos desde Aristóteles, o propósito de melhorar as habilidades gerais dos estudantes vem, freqüentemente, à tona. Mas, na ausência de uma concepção teórica ou conhecimento científico que o suporte, estas intenções jamais podem ser alcançadas.

Todos esses esforços apontam numa só direção, embora eles evitem nomear o ingrediente-ativo chave, a saber, a busca, ou navegação, sobre a concepção de habilidade cognitiva geral, ou, como preferimos sempre denominar, sobre inteligência. Acredito que, sem introduzir a inteligência no discurso educacional, todos os esforços em teorizar objetivos educacionais, estabelecer metas e padrões e conceituar e desenvolver sistemas avaliativos quaisquer são fadados, certamente, ao fracasso. Mas, por que inteligência, na educação, é tão problemática? Há uma grande disparidade entre concepções de inteligência como costumeiramente debatida no contexto da literatura psicológica e as concepções de inteligência encontradas no folclore e na prática educacional.

Se você perguntar aos professores de qualquer lugar do mundo o que torna um estudante brilhante e capaz, você, invariavelmente, obtém um conjunto de características, ou traços, remarcadamente, consistente. No ápice da lista estão respostas como "pensa logicamente", "aplica conhecimento de um contexto para outro", "demonstra entendimento profundo de um conceito" e, até mesmo, respostas como "criativo", "pergunta questões surpreendentes" e "vai além do que é dado". Ora, estas respostas explicam concepções profissionais, intuitivas, baseadas na experiência acerca da habilidade cognitiva geral. Entretanto, tão logo você diga que uma boa palavra para descrever esta habilidade geral é "inteligência", você encontra resistência.

Quais as razões desta disparidade? Os usos idiossincráticos das palavras, agora comuns nos círculos educacionais, "inteligência múltipla" e "inteligência emocional". Ou seja, porque a palavra inteligência tornou-se associada à idéia de alguma coisa fixa, imutável, hereditária e elitizada. Na realidade, as razões não importam, pois, o que verdadeiramente importa é que uma idéia que oferece um mecanismo explicativo poderoso para muitas das aceitas, mas, essencialmente, pragmáticas idéias correntemente oferecidas como guias para a educação, tais como, ambientes de aprendizagem poderosos, distinções "mestre aprendiz" ou ambiente conceitual têm de ser repensada.

O que defendemos é que a noção de inteligência deva ser mais bem explorada pelos educadores e que estes devam reconsiderar o poder oferecido pela habilidade cognitiva geral, a qual é, por si própria, susceptível às influências educacionais.

 

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Endereço para correspondência:
José Aparecido Da Silva
jadsilva@ffclrp.usp.br

Nilton P. Ribeiro-Filho
niltonprf@uol.com.br

Rosemary Conceição dos Santos
cienciausp@usp.br

Recebido em 27 de Abril de 2012
Aceite em 20 de Junho de 2012
Publicado em 30 de Junho de 2012