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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.20 no.1 Ribeirão Preto jun. 2012

 

ARTIGOS

 

A experiência da paternidade frente à separação conjugal: sentimentos e percepções

 

The experience of parenthood in the face of divorce: feelings and perceptions

 

La experiencia de la paternidad frente la separación marital: sentimientos y percepciones

 

 

Ananda Warpechowski; Clarisse Mosmann

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - São Leopoldo, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A fim de analisar a experiência da paternidade através das percepções e sentimentos de pais que vivenciaram uma separação conjugal, realizou-se um estudo exploratório e descritivo com método de análise de dados qualitativo. Foram entrevistados três homens que possuem filhos com idades entre 3 e 16 anos, selecionados através de um serviço de assistência judiciária gratuita. Os dados foram analisados por meio de análise de conteúdo e os resultados apresentados em três categorias: sentimentos do pai após a separação conjugal, relação deste pai com o cuidador (mãe e/ou avós) e participação na vida dos filhos. Os relatos destes pais indicam o desejo de maior participação na vida de seus filhos, não só financeiramente, mas também afetivamente. Além disso, as características da relação que estes pais estabelecem com sua ex-esposa e avós da criança se refletem nas possibilidades de contato com os filhos. Estes aspectos compõem a avaliação destes pais sobre a qualidade de vínculo mantido entre ele e seus filhos após a separação conjugal.

Palavras-chave: Paternidade, Divórcio, Envolvimento paterno, Pesquisa qualitativa.


ABSTRACT

This article aimed to analyze the experience of parenthood through the perceptions and feelings of fathers who went through a divorce. An exploratory and descriptive method with qualitative data analysis was conducted. Were interviewed three fathers who had children, aged between 3 and 16 years old, selected through a Service for free Legal Assistance. Data were analyzed using content analysis and the results are presented in three categories: feelings of the father after divorce, relationship of this father with the caregiver (mother and/or grandparents) and participation in the lives of their children. The report of these parents indicate a wish for a greater involvement in their children's life, not only in a financial way, but also in an affective way. Moreover, the characteristics of the relationship that these fathers establish with their ex-wives and the child's grandparents are reflected in the possibilities of contact with children. These aspects compose the evaluation of parents about the quality of bond kept between them and their children after divorce.

Keywords: Paternity, Divorce, Parental involvement, Qualitative research.


RESUMEN

Este artículo tuvo como objetivo analizar la experiencia de la paternidad por medio de las percepciones y sentimientos de padres que han vivido una separación marital. Se ha realizado un estudio exploratorio y descriptivo con metodología de análisis de datos cualitativa. Se entrevistaron tres hombres que tienen hijos con edades entre 3 y 16 años, elegidos por medio de un servicio de asistencia jurídica libre de pago. Se analizaron los datos por el método de análisis de contenido y los resultados presentados en tres categorías: sentimientos del padre después de la separación; relación de este padre con el responsable (madre y/o abuelos) y participación en la vida de sus hijos. Los relatos de los padres apuntan el deseo de mayor participación en la vida de sus hijos, no sólo en carácter financiero, pero afectivamente. Además, las características de la relación de los padres con sus ex parejas y los abuelos del niño se reflejan en las posibilidades de contacto con los hijos. Estos aspectos componen la evaluación de los padres acerca de la calidad del vínculo que se mantiene entre ellos y sus hijos después de la separación marital.

Palabras clave: Paternidad, Divorcio, Inserción parental, Pesquisa cualitativa.


 

 

Introdução

A família está passando por transformações que não necessariamente apontam para seu fim ou sua dissolução, mas que se expressam em readaptações e reestruturação de papéis, no mesmo sentido das várias crises do ciclo evolutivo vital que atravessa a família durante toda a sua existência. Neste contexto, a separação conjugal aparece como um dos eventos que provocam transformações na família contemporânea e, como desdobramento, surge a necessidade de reorganização da maternidade e da paternidade (Wagner & Mosmann, 2009).

O modelo patriarcal de família, caracterizado pela composição pai, mãe e filhos que convivem sob a égide da autoridade do primeiro sobre os demais, atualmente coexiste com distintos modelos de organização familiar. Tal crise vem ocorrendo há bastante tempo e é resultado de um processo que culmina de distintos acontecimentos históricos, dentre eles as lutas de emancipação feminina e de conscientização das mulheres em um contexto de transformações no mercado de trabalho, na ciência tecnológica e na economia globalizada (Gomes & Resende, 2004). No sistema patriarcal, existia uma diferenciação e hierarquização rígida entre os sexos, que se refletia nos papéis e funções que homens e mulheres exerciam na educação dos filhos, sendo o relacionamento dos homens com os filhos marcado pelo distanciamento afetivo (Dantas, Jablonski, & Féres-Carneiro, 2004).

A decadência deste modelo familiar propicia novos arranjos familiares que sugerem uma redefinição em relação aos papéis exercidos pelos membros dos novos núcleos e a interação entre eles, possibilitando maior compreensão no que tange à intensidade dos sentimentos envolvidos (Dantas, 2003). Surgem, então, novas maneiras de exercer os papéis de mãe e de pai, o que pode gerar angústia e ansiedade, já que a possibilidade do novo também traz o fato de não ter mais um modelo a ser seguido. É importante considerarmos que não é um processo fácil romper com certos papéis já instituídos pelo social e que servem como referência de identificação (Staudt & Wagner, 2008).

Cabe salientar que essas mudanças nas funções e nos papéis da família contemporânea não vêm acontecendo com a mesma frequência e intensidade em todas as famílias. Existem, simultaneamente, modelos familiares diversos e essa realidade remete a uma reflexão acerca da importância de se levar em conta os aspectos históricos que têm organizado as funções familiares ao longo do tempo no momento de avaliar tais crises desta instituição (Wagner, Predebon, Mosmann, & Verza, 2005). Um dos possíveis modelos é resultado da ruptura de um núcleo familiar de origem, devido à separação conjugal, que se transforma, muitas vezes, em duas famílias, conforme ocorrem os recasamentos destes genitores. É importante, neste caso, analisar como se mantêm as relações existentes e também pensar como se constituem as novas relações após uma separação conjugal.

Compreender a paternidade nesse contexto é indagar a produção de conceitos baseados na estabilidade da família e contestar a concepção de papéis fixos e naturalizados. Avaliar as concepções sobre a paternidade em uma configuração familiar não tradicional, onde os papéis da mulher e do homem são menos rígidos, é uma maneira de entender as funções que os sujeitos desempenham nas relações sociais que estabelecem (Perucchi &Beirão, 2007). Com o aumento significativo de separações e divórcios, torna-se relevante analisar como se constituem as relações entre pais e filhos, que possivelmente vão morar em casas separadas, e, principalmente, refletir sobre como é vivenciada a experiência da paternidade por este homem.

Goldenberg (2000) levanta a possibilidade de os homens, hoje, viverem uma situação muito distinta daquela em que foram criados. Até algum tempo atrás, os relacionamentos entre pais e filhos eram marcados por um estilo autoritário dos pais. Hoje, assiste-se a uma proximidade do contato, incentivando a demonstração de afeto e a participação ativa durante o crescimento das crianças, porém tais mudanças parecem ser ainda muito incipientes, não sendo possível identificar um rompimento total com a dicotomia entre o que é feminino e o que é masculino em termos de parentalidade (Fleck, Falcke, & Hackner, 2005).

Frente a isso, questiona-se: como se sentem hoje os homens em relação à experiência da paternidade? Segundo Hennigen e Guareschi (2002), a partir dos estudos sobre a mulher, impulsionados pelo feminismo, pesquisadores começaram a buscar compreender melhor a masculinidade e a paternidade, que passam a ser vistas como construções sociais. Ainda segundo as autoras, "há que se buscar a forma como estão sendo significadas/vivenciadas" (p. 52) estas novas configurações da família e a redefinição destes papéis de mãe e de pai dentro dela.

Sobre a paternidade, Costa (2002) realizou um estudo com homens dentro de um ambulatório de reprodução humana na cidade de Campinas (SP), com o objetivo de estudar as representações masculinas da paternidade. Como resultado, obteve o discurso de homens-pais que buscam viver a experiência de ser pai quebrando estereótipos do passado, assumindo uma postura mais afetiva na relação. Desta forma, o ser pai entendido como ser provedor abre espaço para a emoção e o afeto, o que se pode chamar de um "novo pai".

No entanto, como fica o "novo pai" em casos de divórcio? Sabe-se que o afastamento físico dos filhos pode gerar uma série de conflitos e ansiedades nos genitores, em primeiro lugar porque a vivência atual os remete ao próprio relacionamento com seus pais, e em segundo porque pode haver uma série de expectativas (irreais) em relação à constituição de sua própria família e a criação dos filhos. Em suma, aspectos de relacionamentos anteriores introjetados somam-se aos aspectos práticos para formar o tipo de pai que cada um pode e quer ser (Dantas et al., 2004).

Acrescenta-se a esta teia de interações as características do próprio relacionamento conjugal e do processo de separação. Considera-se que um pai separado deveria manter um relacionamento com a ex-mulher, já que apenas a relação conjugal acabou, diferentemente dos laços que unem este homem e esta mulher como pais. Diante deste contexto, sabe-se que as características da relação dos ex-cônjuges podem atuar como facilitadoras ou dificultadoras desta reorganização.

Independentemente destes matizes, salienta-se que a separação é uma fase difícil para ambos. Uma das dificuldades enfrentadas pelo genitor que não possui a guarda dos filhos é perder o contato diário que tinha com eles. Segundo Freire (2009), estes pais podem ter um sentimento de desarraigamento, perda e falta de continuidade da família por uma fragmentação dos vínculos afetivos. Além disso, a autora traz como riscos desta fase o fato de o pai possivelmente perder o senso de conexão primária com seus filhos e/ou de que o apego da mãe aos filhos não deixe espaço para o pai.

Em seu estudo, Bottoli (2010) verifica que, apesar das rupturas e perdas provocadas pela separação, muitos pais mantêm o interesse em cuidar dos filhos e educá-los, mesmo que isso se dê de maneira diferente do que gostariam que acontecesse. Após a separação conjugal, o homem/pai segue com o mesmo desejo de continuar a exercer sua função de pai, mas é necessário que exista flexibilidade para que possa readaptar suas relações com a ex-mulher, com os filhos e com ele próprio. É preciso que se construam novos conceitos referentes a esta paternidade, e mais complexos, já que não há mais padrões tradicionalmente instituídos (Brasileiro, Jablonski, & Féres-Carneiro, 2002).

Soma-se a este cenário o fato de muitas vezes, posteriormente à separação, mulheres e homens buscarem constituir uma nova família, e com isso aumenta o número de sujeitos envolvidos no contexto familiar. A nova companheira do pai, o novo companheiro da mãe, os filhos que vêm de outros relacionamentos, todos têm sua importância e influência, mesmo que aparentem ser coadjuvantes na história. Segundo Souza e Benetti (2009), as diferentes configurações familiares contemporâneas são abordadas pelos cientistas sociais nacionais e internacionais levando em consideração os fatores que facilitam e dificultam a prática paterna. As pesquisas voltadas à inevitável limitação da paternidade na não custódia apontam para a importância do suporte familiar advindo da relação entre os ex-companheiros, assim como a importância da rede de relações que se formam na construção do vínculo nas famílias reconstituídas ou monoparentais para a manutenção da responsabilidade paterna.

É identificado em algumas famílias que estes pais passam a ser considerados apenas visitantes; em decorrência, eles se sentem sem voz e, por vezes, destituídos de seu papel, o que aumenta seu afastamento. Bottoli (2010) destaca alguns dos sentimentos vivenciados por pais que relatam sentir a ausência do filho em casa: sentir mal-estar por não conseguirem dar conta de tudo, além de se preocuparem constantemente com os cuidados que o filho recebe.

Um pai participativo não pode ser visto como algo a ser alcançado, pressupondo a existência de um "modelo de pai" a ser obtido por todos. O ser humano é muito mais complexo, e as distintas posições que assume respondem a um emaranhado de interações emocionais e sociais (Hennigen & Guareschi, 2002). Assim, é fundamental ater-se à figura de um pai real, presente em termos de corporalidade e afetividade, que se depara em todos os momentos com a demanda subjetiva advinda da exigência de revisão de seu papel no mundo contemporâneo e, neste caso, na situação de separação e guarda dos filhos.

Assumindo a problemática decorrente desta teia de relações que se expressam na construção e reconstrução do papel e da função desses pais, o objetivo desta pesquisa foi analisar a experiência da paternidade na relação com os filhos após uma separação conjugal. Buscou-se identificar as percepções e sentimentos dos pais, além de avaliar as concepções de paternidade em uma configuração familiar não tradicional que surge após uma separação conjugal, investigando como o pai percebe que se dá essa readaptação da sua relação com seus filhos.

 

Método

Delineamento

Trata-se de um estudo exploratório e descritivo com método de análise de dados qualitativo. O estudo exploratório tem por finalidade proporcionar uma visão geral acerca de determinado fato, sendo complementado pelo estudo descritivo, que visa identificar as características do fenômeno (Gil, 2010). Através da análise de dados qualitativos, pode-se aprofundar a compreensão dos componentes identificados, analisando o significado que os indivíduos e/ou grupos atribuem a um problema social ou humano (Creswel, 2010).

Participantes

Participaram do estudo três pais que, antes da pesquisa, já haviam procurado o Serviço de Assistência Judiciária Gratuita (SAJUIR) do Centro Universitário Ritter dos Reis, buscando atendimento após uma separação conjugal. Estes pais residiram com seus filhos/as durante um período médio de um ano e, após a separação, não convivem mais diariamente, já que não possuem a guarda deles. Nas tabelas a seguir se apresentam informações relevantes de cada participante:

 


Tabela 1 - Clique para ampliar

 

 


Tabela 2 - Clique para ampliar

 

Instrumentos

Com cada participante foi realizada uma entrevista semiestruturada sobre a experiência da paternidade frente à separação conjugal e a relação com os filhos (Silva, 2003). Além disso, foi preenchida uma ficha inicial com alguns dados sociobiodemográficos.

Procedimentos éticos e de coleta de dados

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Após a autorização do local - Centro Universitário Ritter dos Reis - fez-se uma seleção de casos com base no sistema utilizado pelo serviço do SAJUIR, o Tedesco. O Tedesco armazena dados de todos os clientes que já tiveram ou ainda têm algum processo em andamento junto àquele Serviço. Realizou-se contato inicial por telefone e agendaram-se as entrevistas. Mediante a aceitação do participante, foi preenchido e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Todas as entrevistas foram realizadas individualmente em uma sala que foi disponibilizada pelo Centro Universitário Ritter dos Reis. Mesmo tendo como foco a pesquisa, o momento das entrevistas também serviu como espaço de escuta, sempre levando em conta o bem-estar deste homem que estava colaborando e trazendo questões de sua vida.

Procedimentos de análise de dados

As entrevistas realizadas foram gravadas e, após, transcritas; os dados obtidos foram devidamente analisados seguindo as etapas descritas por Bardin (1995). A definição das categorias foi feita depois de se concluir a leitura e a releitura das entrevistas.

 

Apresentação e discussão dos resultados

Os resultados desta pesquisa serão apresentados a partir de um conjunto de categorias e subcategorias ilustrativas elaboradas a partir da análise das entrevistas feitas com os pais. Em seguida, cada categoria será discutida teoricamente, sem diferenciar cada subcategoria, com a utilização de falas dos participantes, exemplificando o tema específico de cada uma delas.

Estrutura de categorias temáticas resultadas da Análise de Conteúdo Qualitativa

I. Sentimentos do pai após a separação

Nesta categoria, identificaram-se os sentimentos que emergiram das falas dos pais. Dentre os mais significativos, o desejo de poder participar mais na vida dos filhos surge como unanimidade no relato dos participantes, e é exemplificado em dois trechos a seguir:

Digamos que eu avalie isso como pouco satisfatória, eu não me sinto assim feliz com atual situação, queria realmente poder participar mais, mas infelizmente, vida moderna, trabalho e outras atividades acabam nos afastando do convívio com os filhos. (pai 2)

Pra falar a verdade eu gosto de saber, mas ainda tem aquela questão da participação, realmente eu queria fazer mais. (pai 3)

 

Tabela 3

 

Estas falas corroboram dados de estudos qualitativos que pesquisam, além do pagamento de pensão alimentícia, a participação nas diferentes áreas da vida da criança e apontam que muitos pais conseguem se manter envolvidos com seus filhos após a separação/divórcio e sofrem por se sentirem excluídos da paternagem de seus filhos (Staudt, 2007).

No geral, o relato dos pais deste estudo é de que sentem falta do convívio diário que tinham com os filhos; em consequência, aparece o desejo de participar mais. Demonstram uma insatisfação e o sentimento aparente é de que está "faltando" a contribuição deles na vida e na criação dos filhos. Mesmo assim, cabe destacar que um dos pais relata que se sente bem com a situação atual e não percebe mudanças significativas na relação entre ele e as filhas, mesmo que residam em casas diferentes. Este pai relata que, mesmo não estando presente na vida das filhas diariamente, se sente um pai participativo.

Isso acontece, às vezes eu me pego a chorar quando eu penso na K., penso que tá longe. Mas passa, é a única que eu sofro mais é ela, porque ela fica muito longe né.... Eu me sinto bem porque, apesar de não estar com elas, eu sou um pai presente sempre. (pai 1)

Outro sentimento que aparece no relato destes pais está relacionado a não pertencerem mais ao núcleo original ou de entenderem que, por esse motivo, não têm tanta responsabilidade pelo filho se comparados à mãe, com quem ficou a guarda. Com a separação do casal, as responsabilidades de cada genitor podem se tornar pouco claras, especialmente quando há lacunas na comunicação acerca da nova divisão de responsabilidades, e, com isso, o pai, que na maioria das vezes sai de casa, parece perder espaço nas responsabilidades parentais. O processo de afastamento acaba trazendo algumas limitações para a relação pai e filho.

O relato a seguir indica a sensação de estranhamento de um pai a cada encontro que tem com seu filho:

Digamos assim que muitas vezes já fiquei sem jeito pelo fato de, como é que vou te explicar, pelo fato de não estar diariamente com a criança. Eu diria que é um encontro assim que parece que é uma espécie de sentimento de culpa e às vezes, por mais que sinta amor por elas, parece que não consigo transparecer isso. (pai 2)

Este resultado coincide com os encontrados por Oliveira (2010) em seu estudo quanto ao sentimento de desqualificação que os pais relatam no que diz respeito à paternidade pós-separação. Segundo a autora, esse sentimento algumas vezes faz com que se sintam como meros coadjuvantes no "palco da discórdia" do casamento que acabou, e pode acarretar um maior afastamento deste personagem tão fundamental na vida da criança, o que será aumentado se a mãe não flexibilizar um espaço para que o pai continue a exercer seu papel. No entanto, cabe também ao genitor buscar conquistar este espaço para, consequentemente, seguir se sentindo importante na vida do filho.

Apenas um dos três pais participantes da pesquisa possui somente uma filha, enquanto os outros dois têm três filhos, sendo cada filho de um relacionamento diferente. No caso dos pais com mais filhos/filhas, o discurso de querer ter todos os filhos / todas as filhas por perto e juntos pode ser ilustrado na seguinte frase:

Se eu pudesse tá com as minhas três filhas hoje, morando numa casa, eu não pensava duas vezes. Se eu tivesse condições eu levava as três e a minha netinha junto. As mulheres eu não queria, nenhuma das três, eu ficaria só com as minhas três filhas, não queria nem a última. Eu ficando com as minhas três filhas tava super bem. (pai 1)

Os participantes demonstraram vontade de ter os filhos, mesmo que sejam de relacionamentos amorosos diferentes, convivendo como irmãos. Isso também aparece quando os pais são questionados sobre a maior dificuldade de ser pai depois de uma separação conjugal, e apontam que o pior de tudo é a falta de momentos com todos os filhos juntos, ou até mesmo o fato de não estarem próximos deles no dia a dia para os orientar.

II. Relação do pai com o cuidador (mãe e/ou avós)

Esta categoria abrange questões advindas do relacionamento amoroso antes e depois da separação, as quais podem servir como facilitadores ou dificultadores da relação entre o pai e o filho. Os conteúdos expressam como é a relação do pai com a mãe de seu filho depois da separação, e também com os avós que, nos casos apresentados neste estudo, colaboram nos cuidados e na educação das crianças.

O lugar destes pais, presente no conteúdo das entrevistas realizadas, parece ser de um sujeito muitas vezes sem voz, ou pelo menos de pouca voz em relação à educação do filho, se comparado ao genitor que possui a guarda e até mesmo com o novo companheiro da mãe e/ou com os avós. Nesse sentido, identifica-se que os pais entrevistados parecem conceber o exercício da paternidade após uma separação como um desafio doloroso diante de um embaraçoso jogo de poder com a mãe de seus filhos. Considera-se o fato destes homens terem buscado um serviço de assistência judiciária gratuita para conseguir o direito de visitar os filhos, o que demonstra o seu interesse nesta relação e o quanto esta família não consegue resolver suas questões sem que haja um terceiro intervindo, neste caso, o judiciário.

Quando perguntados sobre a relação que ainda mantêm com as mães de seus filhos/filhas, os pais trazem relatos que demonstram uma dificuldade na manutenção do laço parental, que muitas vezes se confunde com o laço conjugal que se desfez com a separação do casal. A relação estremecida entre o pai e a mãe de seu filho aparece como desvantagem para a relação pai e filho nas seguintes frases:

Eu tento me importar assim, só que a mãe dela fica aquele bloqueio na frente. (pai 3)

Eu só não vou muito lá no interior, uma por causa que se a mãe dela descobre que eu to indo lá ela é capaz de ir atrás só pra me infernizar. (pai 1)

A L. é uma criança muito amorosa por sinal, só que ela é influenciada pela mãe dela né, então a mãe dela tá, com o tempo ela tá conseguindo transformar ela numa pessoa que ela não era. (pai 3)

Mesmo que hoje o pai procure ser mais participativo, crenças e valores presentes no imaginário (inclusive das mães e esposas) não se transformam subitamente, conservando-se os estereótipos de gênero (Grzybowski, 2007). Essa questão é certificada também no estudo realizado por Oliveira (2010), onde os pais relatam que houve uma tentativa de sustentar a união com o objetivo de privilegiar a convivência com os filhos. Porém, com a separação, perceberam uma mudança para pior no jeito da mãe dos filhos, tratando-se de atitudes que tentam impossibilitar o exercício da paternidade após a ruptura conjugal.

Parece existir uma crença dos pais sobre como a mãe determina, ou poderia determinar, o que a criança pensa sobre eles: um pai construído pelo discurso da mãe. Parece que os pais se sentem ameaçados com a possibilidade de a mãe influenciar a criança, dificultando a relação pai e filho. Isso aparece na seguinte frase:

A primeira vez que eu fui lá, depois que ela nasceu... quando eu entrei no quarto ela começou a chorar e não parava mais, chegou a se finar e eu "Meu Deus, eu era um monstro na frente dela né", "Meu Deus, como assim tão cedo já não gostar de mim", e pensei: "a mãe dela já tá influenciando ela desde pequena" (risos). (pai 3)

Em contrapartida, parece que os pais avaliam negativamente suas ex-companheiras quanto à satisfação sobre os cuidados que os filhos/as filhas recebem. Todos demonstram preocupação e relatam sentir que falta sua participação na educação do filho/da filha. Em um dos casos, o pai critica a forma como a mãe lida com a criança, destacando que ela não impõe certos limites que ele entende como necessários para a filha:

Estúpida assim, ela não deu limite, ela fez tudo pra L. ficar bem, nunca pra ali corrigir, pra não deixar ela com raiva dela, acho que ela pensa isso, não sei. Porque do jeito que ela trata .... Eu acho que ela age com a L. como se ela fosse uma boneca dela assim, porque ela não tem cuidado com alimentação, com saúde, com nada assim, só em vestir, querer achar ela melhor que as outras crianças, só isso. (pai 3)

Frente a esses dados, questiona-se: Com quem fica a responsabilidade pela educação do filho depois da separação? Com o genitor que possui a guarda? Com aquele que se torna o "visitante"? Ou a responsabilidade deveria ser dos dois?

A fala de um pai deste estudo aborda a questão. A dificuldade aparece quando o genitor que reside com o filho cobra do outro genitor sua parcela de contribuição, ou quando o genitor que não possui a guarda (neste caso, o pai) se mostra insatisfeito com a forma como o outro genitor educa a criança. Assim, a educação e a criação do filho parece se transformar em uma "bolinha de ping-pong", que é jogada de um lado para o outro devido a divergências que existem entre os pais sobre a melhor forma de educar. As divergências tornam-se mais acentuadas quando os pais não possuem mais uma relação conjugal:

ela disse "ah! não tenho tempo pra educar", mas pelo amor de Deus, então tu quer dizer que tem que estar em casa pra educar a criança? e os momentos que tu tá com ela? O que tu me diz que às vezes eu vejo uma vez por semana, ou às vezes duas, porque é um final de semana meu e um dela, daí tenho que esperar o outro ainda. (pai 3)

Enfocando o genitor que fica com a guarda dos filhos, na maior parte dos casos a mãe, Grzybowski (2007) aponta que o exercício da autoridade passa a ser desgastante para esta mulher devido à intensidade da demanda diária imposta pela coabitação com os filhos. Nesse sentido, a mulher aparece como a maior responsável pelos filhos após o divórcio, tornando-se sobrecarregada e, às vezes, solitária na tarefa de educar (Grzybowski, 2002).

A insatisfação por parte dos pais entrevistados quando o assunto é a educação que os filhos recebem da mãe e/ou dos avós que cuidam da criança é também vinculada à falta de "espaço" que o pai tem na vida do filho. Sugere-se que este fato não acontece unicamente por questões de papéis de gênero, mas também pelas limitações que o papel de visitante, e não de guardião, confere aos pais(Brito, 2002).Diante disso, os pais entrevistados relatam que fazem o que podem, na medida em que lhes é permitido opinar sobre a educação dos filhos.

Para que a educação e a criação da criança não seja o palco onde se expressam os conflitos dos genitores frente à separação, é preciso que eles percebam suas responsabilidades e funções dentro da nova forma de viver a maternidade e a paternidade. Entretanto, na prática pode-se questionar se há um espaço de comunicação entre os ex-cônjuges, ou seja, de que forma se efetiva a coparentalidade após o divórcio.

Segundo os relatos a seguir, isso parece não se concretizar:

Eu não converso com ela faz muito tempo, e agora, depois que ela ligou lá pra casa, colocou a boca, me chamou de um monte de coisa, então, daí que eu não falava mais nada mesmo com ela, no máximo falava o essencial. (pai 1)

Era a mesma coisa que se falasse com as paredes. "Ah, ele quer me cobrar educação dela, vê se tem cabimento, ele que vai dar." Mas peraí, só um pouquinho, eu não moro com ela, tá certo que tu trabalha, mas ela passa mais tempo com ela do que comigo, o que eu posso fazer quando ela tá comigo eu faço, mas tu não faz nada, não vejo melhora nenhuma. Nada. (pai 3)

Além da relação possível que tenta se manter entre a mãe e o pai após a separação, os avós maternos e paternos também aparecem mais, já que em alguns casos se tornam os maiores cuidadores das crianças e podem ajudar ou complicar ainda mais a rede de relações estabelecida após a separação. Por isso, é importante compreender como se dá a relação do pai com os avós.

Em um dos casos, o pai relata ter uma boa relação com os avós de sua filha, que são os cuidadores e que, no caso, possuem a guarda da criança desde que a separação aconteceu. Nos outros dois casos, os avós não possuem a guarda, mas aparecem como personagens importantes, às vezes mediando um contato maior entre a criança e o pai, e outras vezes como mais um empecilho deste contato.

quando eu quisesse eu podia pousar, morar lá com eles (avós) se quisesse, podia ir à vontade, que a porta da casa dela é aberta pra mim....Eu ligo, pergunto como é que ela tá no colégio, eles falam que ela tá, que ela tá bem e tudo né. (pai 1)

o M. até parece que é muito dependente da avó, isso atrapalha a minha relação com ele um pouco. (pai 2)

Além disso, dentre as inúmeras mudanças advindas da separação conjugal, pode surgir o recasamento (do pai, da mãe ou dos dois) e, com isso, a instalação de uma paternidade social1 , onde os vínculos criados entre adultos e crianças não são respaldados unicamente pelos laços sanguíneos, mas também por laços afetivos. O homem contemporâneo depara-se com um grande desafio, que é sustentar um relacionamento saudável com seus filhos após o divórcio e aceitar o(s) filho(s) de sua(s) futura(s) esposa(s) (Dantas, 2003). Os filhos precisam "aceitar" tanto o pai biológico, como o pai afetivo.

Mas será que os pais aceitam dividir o(s) filho(s) com esse outro pai (o pai afetivo, que exerce a paternidade social)? Quais são os sentimentos deste pai ao "dividir" a responsabilidade do cuidado e da própria educação de seu filho com outras pessoas envolvidas no contexto? Como esse novo relacionamento do pai ou da mãe aparece no contexto e que importância ele tem dentro da reorganização familiar?

Quanto ao recasamento, um dos pais relata ser um obstáculo a mais na relação deles com os filhos:

Péssimo. O pior de todos. Por que, bah não poder fazer nada assim pra, se eu tivesse sozinho era uma coisa, só que nem meu casamento ajuda então a situação. (pai 3)

Daí eu disse "ó o pai vai fazer a vida dele, e se conhecer vai casar com outra pessoa e tua mãe com outra, cada um vai viver sua vida. Mas eu vou ser teu pai ainda e ela vai ser tua mãe, só que daí tua mãe vai ter um namorado, daí tu vai ter que respeitar ele, vai ter que, ele vai ser teu padrasto, não vai ser teu pai, vai ser eu o teu pai, só que eu não vou estar junto contigo.... Sempre procurei explicar e acho que ela entendeu bem isso. (pai 3)

Estas falas corroboram dados de estudos nacionais que mostraram que o recasamento está relacionado com o envolvimento dos pais-homens com a disciplina. Referem que a nova companheira dos homens muitas vezes assume um papel "materno" para com os filhos dele, e pode assumir uma função mais relacionada à disciplina, ou mesmo ajudá-lo nesta tarefa.

Por outro lado, também se pode pensar que o recasamento pode afastar ainda mais o pai dos filhos daquela união desfeita, já que ele pode acabar se envolvendo mais com o novo casamento e com outros possíveis filhos desta união (Grzybowski, 2007). Estes pais mostram o desejo de manter um vínculo com o filho de um relacionamento que já terminou, mas é ao mesmo tempo grande o investimento na nova relação, que se configura como uma nova família para o homem.

III. Participação na vida dos filhos

Dentro desta categoria, o objetivo é trazer conteúdos presentes nas entrevistas que falam sobre a percepção dos pais quanto a sua participação na vida dos filhos antes e depois da separação conjugal, levando em conta desde os primeiros cuidados durante a gestação até a situação atual vivida por eles. Os conteúdos retratam a diferença do contato existente entre pai e filho antes e depois da separação, e o quanto o fato de não morarem mais juntos pode tornar o convívio mais distante. Nos casos deste estudo, os pais já mostram o desejo de participar mais da vida dos filhos quando buscam regularizar as visitas por meio do judiciário.

Em pesquisa sobre a identidade do pai após a separação conjugal, Silva (2003) observou o acentuado número de ações nas Varas de Família da cidade de São Paulo, onde o requerente é o pai que deseja garantir uma relação mais próxima com os filhos após o término da relação. Este dado levantado pela autora evidencia o interesse dos pais pelo envolvimento com o dia a dia de cuidados com os filhos e a negação em desempenhar a paternidade pós-separação apenas pelo viés econômico.

Perguntados sobre sua participação na vida do filho antes e depois da separação, os pais relatam existir uma diferença da situação atual comparando com o tempo em que moravam juntos. Eles relatam diferenças quanto ao tempo que possuem com os filhos, mas também falam da qualidade, referindo que quando moravam na mesma casa era melhor:

Sim, participava mais, era diferente. E era bem melhor também. (pai 2)

Ficava pouco tempo assim, de ficar em função, brincando, até conversava, jogava um joguinho, mas não era como antes assim. (pai 3)

Como fica o exercício da paternidade à distância? Como se torna possível estar junto e participar do cotidiano quando os encontros entre pais e filhos se dão, na maioria das vezes, a cada quinze dias? Como o pai é capaz de se fazer presente na vida de seus filhos se está ausente fisicamente?

Um dos entrevistados, mesmo relatando que sente falta de uma das filhas que foi morar em outra cidade, conta que não percebe mudanças no relacionamento dele com as filhas, afirmando que sua participação na vida delas não mudou em nada.

Eu pra mim não mudou nada, porque do jeito que eu sempre tratei elas eu trato elas atual e antigamente. Do mesmo jeito que eu trato as três, eu trato igual, não mudou nada. (pai 1)

Esta fala contrapõe a dos outros pais do estudo e traz a ideia de que é possível manter a proximidade na relação pais-filhos, ainda que à distância, um dado corroborado por um estudo nacional que aponta a premência de se analisar estas relações pela qualidade em detrimento da quantidade (Grzybowski, 2007).

A qualidade deste vínculo não se estabelece instantaneamente no momento da gravidez e tão pouco se desfaz com a separação. Constitui-se em um processo complexo no qual as características do vínculo, uma vez estabelecidas, tendem a ser permanentes e provavelmente se expressarão na forma como os pais irão reorganizar sua participação afetiva na vida dos filhos após o divórcio. Freitas, Coelho e Silva (2007) sustentam que, quanto mais intensos forem os laços afetivos fixados entre o pai e o filho/filha na gravidez, melhor será o desenvolvimento da paternidade e do vínculo pai-filho/filha na vida fora do útero, sendo a significação desses laços nos primeiros momentos de vida a chave para reviver a instituição da paternidade.

Em uma das entrevistas, o discurso do pai é de participação ativa nos períodos de gestação de suas três filhas:

Participei de tudo, desde o pré-natal eu que levei, os exames pra fazer, as ecografias. Pra ganhar os nenéns, sempre presente em todas as três. (pai 1)

Outra variável que se atravessa nestas relações é a questão financeira. Nos relatos das entrevistas do presente estudo, a pensão alimentícia não aparece tanto como uma obrigação imposta aos pais, mas como uma das formas de auxiliar na criação do filho e como expressão destes homens-pais quanto a seu desejo de participar mais da vida dos filhos. O seguinte trecho demonstra isso:

Aceitei tudo numa boa, porque eu acho que eu devia pagar pensão, acho correto, acho até pena que não é mais, eu pagaria mais se pudesse. No caso, sempre pensei em oferecer mais a eles, não veria assim nada de empecilho nisso. (pai 2)

Estes resultados divergem de outros estudos onde o fator financeiro parece reforçar ainda mais o lugar do pai no envolvimento financeiro para ajudar na manutenção dos filhos, não levando tanto em conta a questão afetiva que deve persistir entre o pai e o filho após a separação (Oliveira, 2010). Ainda que a visão destes pais esteja se transformando, existe uma percepção das mães que associam o pagamento da pensão alimentícia diretamente com as visitas que o pai poderá fazer ao filho. É importante ressaltar que a pensão alimentícia é um dever do pai, ao mesmo tempo em que é um direito do filho que a recebe, enquanto as visitas e a manutenção de um convívio após a separação são um direito reservado ao pai e ao filho.

Sobre o tempo que passam juntos, todos os participantes se mostram insatisfeitos, referindo ser pouco e de fato insuficiente o contato que possuem com os filhos/as filhas. Relatam ter buscado o Serviço de Assistência Judiciária Gratuita para garantir maior segurança de que manteriam um contato com os filhos após a separação, já que assim a situação estaria regulamentada judicialmente. Uma questão levantada por eles é a insegurança que os pais têm quanto ao fato de os filhos crescerem, e por vezes não valorizarem seus esforços como pais, um medo de que os filhos não os percebam como pais por causa da distância que existiu entre eles após a separação:

Acho pouco né, às vezes é uma tarde. Às vezes é algumas horas, não tem mais um final de semana inteiro assim de ela ir e pousar. (pai 3)

Daí sempre foi distanciando assim, invés de uma semana (sem ver) ficava quase duas, porque durante a semana não tinha tempo porque chegava tarde. Foi até por isso que eu vim aqui na Ritter pra regularizar. (pai 2)

Às vezes eu paro pra pensar assim e vejo se no futuro ela crescendo do lado da mãe dela e esquecendo que eu existo ou de vez em quando ligando pra saber se eu tô vivo. Eu não sei. (pai 3)

Frente à diminuição do contato existente entre o pai e os filhos após a separação, é possível que ele busque uma vivência de maior qualidade como forma de compensar sua ausência diária (Fleck et al., 2005). A vivência que o pai passa a ter com os filhos acaba sendo muitas vezes voltada a atividades de lazer, com um enfoque mais recreativo e como forma de aproveitarem o tempo juntos, onde o pai se mostra interessado em estar na companhia do filho/da filha, assim como ilustra essa frase:

Sempre quando ela ia, eu tentava fazer, brincar, sempre dava meu máximo ali, brincava, fazia o que ela queria sempre. (pai 3)

Existe preocupação dos pais em se mostrarem presentes na vida dos filhos, mesmo que seja nas visitas quinzenais ou ainda menos que isso, dependendo da situação que cada um vivencia. E o fato de participarem da pesquisa já serve como analisador, evidenciando o quanto se preocupam com os filhos e estão lutando de alguma forma para que tudo se reorganize da melhor forma possível, buscando evitar o distanciamento entre eles e os filhos.

 

Considerações finais

Neste estudo, buscou-se investigar como se sentem os pais frente à nova configuração familiar resultante da separação, não assumindo que a separação em si pode afastar o pai de um filho e, neste caso, se tornar prejudicial para a criança e também para o homem. A questão que se apresenta de forma contundente é o crescimento do número de divórcios e a necessidade dos membros da família de se adaptarem aos novos padrões. Sabe-se da complexidade do processo de readaptação, e muitos estudos já mostraram seu caráter multifatorial. Ao enfocar as percepções e sentimentos dos pais, buscou-se ampliar o entendimento do intricado jogo que se estabelece entre os ex-cônjuges e que, muitas vezes, termina por afastar o genitor que não detém a guarda dos filhos, na maior parte das vezes, o pai.

Os achados demonstraram uma contradição entre estes homens que desejam ser mais presentes, mas de alguma forma não conseguem efetivar seu desejo. Ao mesmo tempo, sentem-se vítimas das mães que detêm a guarda e supostamente mantêm um controle emocional sobre os filhos, mas também as criticam expressando a retroalimentação destas interações familiares. Identifica-se, então, que não há vítimas, nem culpados, mas padrões interacionais que se reforçam mutuamente e muitas vezes acabam por colocar para o pai um papel de visitante.

Cabe ressaltar que tal complexidade se reflete também fora da família, em locais de assistência, como no Centro Universitário Ritter dos Reis, onde os alunos do Curso de Direito realizam serviços de assistência judiciária gratuita. Será que o "não saber" o que fazer em relação ao pedido de um pai dentro deste espaço pode ter relação com a indefinição de papel e função do pai dentro da família na sociedade contemporânea?

Oliveira (2010) chama atenção em sua pesquisa sobre a dificuldade dos participantes em requerer seus direitos de pai junto aos serviços jurídicos, na probabilidade de um modelo de paternidade moderno e participativo, como a obtenção da guarda e a garantia total de conviver com a prole após a separação. Para estes homens-pais, quando o assunto abordado é a parentalidade após a separação, esses serviços têm uma maior inclinação para acolher as mulheres e não oferecem disponibilidade para refletir e defender as questões voltadas à paternidade para além da questão econômica.

Somado a isso, considera-se o quanto os profissionais da área da Psicologia ainda podem se inserir neste campo de atuação, propondo um trabalho interdisciplinar dentro dos serviços e, de forma mais ampla, dentro do Judiciário. A atuação da Psicologia seria indispensável para complementar o entendimento e fornecer um atendimento mais abrangente para as pessoas que buscam a Justiça.

Devido a sua complexidade, tais questões já não podem ser supridas apenas por uma única área de conhecimento, sendo importante pensar em atuações interdisciplinares2. De fato, as transformações da família estão aparecendo nestes serviços e em outros tantos espaços da sociedade, e se deveria pensar em novas intervenções que acolhessem a demanda, possibilitando um espaço maior e, por que não, novas alternativas para os homens que buscam pôr em prática a nova forma de serem pais.

Ainda que o foco da pesquisa tenha sido a percepção dos pais, e considerando-se a relevância dos resultados encontrados, salienta-se que a inclusão dos múltiplos atores envolvidos no processo de separação enriqueceria a análise deste fenômeno. Sugere-se em futuros estudos entrevistar outras pessoas que também estão envolvidas no processo, como a mãe que possui a guarda do filho e até mesmo os avós. No caso do presente estudo, os avós apareceram como cuidadores das crianças e certamente acrescentariam para um maior entendimento do funcionamento desta família reorganizada após a separação conjugal.

Para finalizar, traz-se a contribuição de Wagner (2002) ao afirmar que, independentemente de sua estrutura e configuração, a família é o palco onde o sujeito vive as emoções mais intensas e marcantes da experiência humana. Procurar o equilíbrio entre essas emoções frente às diversas transformações na configuração deste grupo social tem sido uma tarefa ainda mais complexa a ser realizada pelas novas famílias. Isto justifica a importância de não se esgotarem os estudos sobre a temática, já que o entendimento das mudanças pode trazer benefícios para aqueles que por elas estão passando.

 

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Endereço para correspondência:
Ananda Warpechowski
Rua Santa Helena, nº60, casa 08. Centro
Canoas/RS. CEP: 92310 - 110
Email: anandaww@hotmail.com

Recebido em 31 de Outubro de 2011
Texto reformulado em 21 de Março de 2012
Aceite em 28 de Março de 2012
Publicado em 30 de Junho de 2012

 

 

Sobre as autoras:

Ananda Warpechowski - Psicóloga pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

Clarisse Mosmann - Psicóloga. Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora do Programa de Pós-Graduação e do Curso Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). E-mail: clarissepm@unisinos.br.

 

 

1 Paternidade social é um termo utilizado para fazer referência à possibilidade de outra pessoa do sexo masculino, que mantém contato frequente e afetivo com a criança, poder servir como modelo paterno. Essa pessoa pode ser um avô, um tio ou o companheiro da mãe (Dantas, Jablonski, Féres-Carneiro, 2004).
2 O trabalho interdisciplinar prevê a integração de áreas diferentes e, por isso, é necessário um tempo maior de diálogo entre os profissionais que vão atuar juntos. Além disso, precisam ter maior disponibilidade para aceitar a divergência e para conhecer as contribuições que cada disciplina pode dar na construção, ou mesmo, na reconstrução de um conhecimento já contextualizado. (Weigert, Villani, Freotas, 2005).