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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.20 no.2 Ribeirão Preto dez. 2012

http://dx.doi.org/10.9788/TP2012.2-12 

ARTIGOS

 

Avaliação da qualidade de vida de sobreviventes de leucemia na infância

 

Evaluation of quality of life of survivors of childhood leukemia

 

Evaluación de la calidad de vida de sobrevivientes de leucemia en la infancia

 

 

Clélia Marta Casellato de Souza; Evelyn Kuczynski; Ana Lucia Beltrati Cornacchioni; Lílian Maria Cristófani; Vicente Odone Filho; Francisco Baptista Assumpção Júnior

Universidade de São Paulo - São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O progressivo sucesso dos esquemas terapêuticos para neoplasias malignas de início na infância permitiu uma melhora significativa da sobrevida dos portadores nas últimas décadas. Contudo, sequelas tardias secundárias à toxicidade destes esquemas devem ser devidamente monitoradas. Dada a relevância da avaliação de aspectos da saúde física, saúde mental, bem como fatores emocionais e sociais dos sobreviventes, avaliou-se a qualidade de vida dos entrevistados por uma abordagem alternativa: o contato telefônico. Aplicou-se o questionário SF-36 (Medical Outcomes Study 36 - Item Short Form Health Survey) validado para a língua portuguesa, em trinta indivíduos, maiores de 18 anos e de ambos os sexos, sobreviventes de leucemia linfocítica aguda, sem terapia antineoplásica há pelo menos cinco anos, em acompanhamento médico no Ambulatório Fora de Terapia do ITACI (grupo experimental), e em trinta indivíduos sadios, pareados por sexo e idade ao grupo experimental (grupo controle). Os sobreviventes analisados apresentaram todos os aspectos do SF-36 superiores ao valor médio. Os resultados médios do total de pontos foram estatisticamente semelhantes ao do grupo controle. O SF-36 proporciona dados valiosos para que a equipe de saúde estabeleça condutas terapêuticas aos sobreviventes. A avaliação por telefone se mostrou importante recurso no acompanhamento ambulatorial desta população. Os sobreviventes de Leucemia Linfocítica Aguda avaliados apresentaram adequados escores de qualidade de vida na atualidade.

Palavras-chave: Qualidade vida, Leucemia, Sobreviventes, Telefone.


ABSTRACT

The progressive success of therapeutic plans for malignant neoplasias that started in childhood allowed an important increase in the survival rate of carriers during the last decades. However, late sequelae secondary to the toxicity of such plans shall be duly monitored. Considering the importance of evaluating the aspects of physical and mental health, as well as emotional and social factors of the survivors, the quality of life of the interviewed persons was evaluated by an alternative approach: telephone calls. The SF-36 questionnaire (Medical Outcomes Study 36 - Item Short Form Health Survey), validated for the Portuguese language, was applied to thirty persons with more than 18 years of age and of both sexes, survivors of acute lymphocytic leukemia, without antineoplastic therapy for at least five years, under medical attendance at the Ambulatory outside the ITACI therapy (experimental group), and also to thirty healthy persons, matched by sex and age to the experimental group (control group). Analyzed survivors scored higher in all aspects SF-36 than the average value. The average results of the total points were statistically similar to the control group. SF-36 provides valuable data for the health team to establish therapeutic procedures to survivors. Evaluation by phone became an important resource in the ambulatory follow-up of this population. Survivors of Acute Lymphocytic Leukemia are presently showing appropriate scores of quality of life.

Keywords: Quality of life, Leukemia, Survivors, Telephone.


RESUMEN

El éxito progresivo de los esquemas terapéuticos para neoplasias malignas iniciadas en la infancia, ha permitido mejorar significativamente la sobrevida de los portadores en las últimas décadas. Sin embargo, secuelas tardías secundarias a la toxicidad de estos esquemas deben ser monitoreadas debidamente. Dada la relevancia de la evaluación de aspectos de la salud física, salud mental, así como también factores emocionales y sociales de los sobrevivientes, se evaluó la calidad de vida de los entrevistados por medio un abordaje alternativo: el contacto telefónico. Se aplicó el cuestionario SF-36 (Medical Outcomes Study 36 - Item Short Form Health Survey) validado para la lengua portuguesa en treinta individuos, mayores de 18 años y de ambos sexos, sobrevivientes de leucemia linfocítica aguda, sin terapia antineoplásica de por lo menos hace cinco años, en acompañamiento medico en un Dispensario Fuera de Terapia del ITACI (grupo experimental) y en treinta individuos sanos, emparejados por sexo y edad al grupo experimental (grupo control). Los sobrevivientes analizados presentaron todos los aspectos del SF-36, superiores al valor promedio. Los resultados promedio del total de puntos fueron estadísticamente semejantes a los del grupo control. El SF-36 proporciona datos valiosos para que el grupo de salud establezca conductas terapéuticas a los sobrevivientes. La evaluación por teléfono se mostró un recurso importante en el acompañamiento en el dispensario de esta población. Los sobrevivientes de Leucemia Linfocítica Aguda evaluados presentaron resultados adecuados de calidad de vida en la actualidad.

Palabras clave: Calidad de vida, Leucemia, Sobrevivientes, Teléfono.


 

 

Introdução

As leucemias compreendem um grupo heterogêneo de doenças malignas do sistema hematopoiético, que se manifestam na forma aguda ou crônica, como resultado de mecanismos distintos do desenvolvimento tumoral que, consequentemente, apresentam aspectos demográficos, clínicos e de prognóstico variados. Dentro deste grupo, a leucemia linfocítica aguda (LLA) é a neoplasia maligna mais frequente em pacientes menores de 15 anos. A maior incidência é observada em crianças brancas, do sexo masculino, entre dois e cinco anos de idade, sendo responsável por cerca de 80% dos casos de leucemia aguda desta faixa etária. Xie, Davies, Xlang, Robison e Ross (2003) apresentam um amplo estudo sobre incidência das leucemias, incluindo LLA, quanto a faixa etária, sexo e etnia (Buccheri & Lorenzi, 2006; Laks, Longhi, Wagner, & Garcia, 2003; Leite et al., 2007; Xie et al., 2003).

A LLA é caracterizada pelo acúmulo de células linfóides imaturas na medula óssea. Os sinais e sintomas clínicos resultam da falência medular em prover a hematopoese, devido à substituição dos elementos hematopoiéticos normais por células leucêmicas (blastos), resultando em anemia, neutropenia e/ou plaquetopenia (a pancitopenia). Além dos sinais e sintomas clínicos decorrentes da infiltração e falência medular, é frequente que acometa o sistema nervoso central (SNC), gônadas, fígado, rim, baço e olhos (Leite et al., 2007; Cornacchioni, Cristófani, Almeida, Maluf Jr., & Odone Filho, 2004).

Leite et al. (2007) ressaltam que a taxa de cura na LLA tem aumentado nos últimos anos, atualmente por volta dos 80%, em decorrência da melhoria no diagnóstico, identificação de fatores de prognóstico e a utilização de tratamentos adaptados a grupos de risco distintos. A análise longitudinal de indivíduos americanos acometidos em diferentes faixas etárias apresentou um aumento acentuado da sobrevida dos pacientes acometidos em faixas etárias mais baixas nos últimos anos, comparando a outros grupos estudados como, por exemplo, idosos e negros (Xie et al., 2003).

O sucesso das condutas terapêuticas desenvolvidas tem sido considerável para a sobrevida dos portadores de LLA nas últimas décadas. No entanto, a elevada toxicidade dos tratamentos necessários sujeita o paciente a um aumento dos riscos de neoplasias secundárias, disfunção gonadal, alterações no crescimento e sequelas neuropsicológicas (Kuczynski, 2002).

Apesar do prognóstico favorável da LLA enfrentar uma doença potencialmente fatal na infância, pode ser uma situação muito disruptiva e angustiante para a criança e para sua família, prejudicando a qualidade de vida de todos. No início, a criança sofre com as alterações impostas à rotina de sua vida e com a convivência com desconfortos gerados pelo próprio tratamento com aspectos invasivos, dada a necessidade de punções e transfusões, bem como com a presença de vários efeitos colaterais como náuseas, vômitos e infecções. Estas circunstâncias podem estar agravadas por dúvidas e preocupações, assim como pela conscientização da possibilidade da ocorrência futura de sequelas, físicas e cognitivas (Cristófani, Kuczynski, & Odone Filho, 2009).

Neste sentido, torna-se essencial que as preocupações frente a este quadro clínico ultrapassem o enfoque da sobrevida e se voltem para a qualidade de vida (QV) dos sobreviventes. Os efeitos tardios do tratamento podem se manifestar em diferentes períodos da vida do indivíduo, dependendo do tipo de tratamento utilizado e da idade da criança quando do tratamento. Durante o processo terapêutico, há um comprometimento da qualidade de vida, como observado em estudos com adolescentes acometidos por leucemia linfocítica aguda, principalmente quanto ao atributo dor, porém com registro de melhoras no decorrer do tempo (Rodrigues, 2011).

Quando se analisa o que a literatura relata sobre o tema, constata-se um estudo de revisão de Teles e Valle (2009) que avalia o panorama da produção científica sobre sobreviventes adultos de câncer infantil e destaca que são quatro os enfoques principais na análise da qualidade de vida, sendo eles: aspectos psicossociais, que englobam os estudos de qualidade de vida, a saúde física e o comprometimento físico, segunda neoplasia, fertilidade e reprodução. Kuperman et al. (2010) e Lopes, Camargo e Bianchi (2000) relatam que os efeitos tardios e qualidade de vida em sobreviventes se entrelaçam, como se observa nas disfunções endócrinas tardias, por exemplo: baixa estatura, puberdade precoce e obesidade. Estudos com crianças e adolescentes sobreviventes de LLA e de análise da qualidade de vida relatam comprometimento da qualidade de vida, mas com melhoras no decorrer do tratamento (Rodrigues, 2011), ou não evidenciam significativas diferenças no comprometimento da qualidade de vida, em comparação aos controles (Cádiz, Urzua, & Campbell , 2011). A presença de bons níveis de qualidade de vida dos grupos de pacientes destaca a necessidade de se prevenir sequelas, bem como detectar e tratar eventuais transtornos psiquiátricos comórbidos (Ulloa et al., 1998) e, se necessário, instituir intervenções.

Assim, é importante para a equipe multidisciplinar que acompanha esta população analisar aspectos da saúde física e mental, bem como fatores emocionais e sociais, tanto durante como após o tratamento destes pacientes. Estes parâmetros podem ser quantificados, entre outros métodos, através de instrumentos de avaliação de qualidade de vida.

A qualidade de vida pode ser avaliada por meio da aplicação de diversos instrumentos, que podem ser específicos ou genéricos, sendo estes últimos do tipo global ou relacionados à saúde. O SF-36 (Medical Outcomes Study 36 - Item Short Form Health Survey), escolhido como instrumento de avaliação do presente estudo, é empregado em uma grande variedade de populações (Ciconelli, Ferraz, Santos, Meinão, & Quaresma, 1999). Pode ser aplicado tanto em indivíduos saudáveis, quanto naqueles que apresentam alguma condição clínica, para avaliação das funções físicas, bem como dos aspectos emocionais e sociais. Desta forma, o instrumento pode ser utilizado em populações gerais ou específicas, para análise dos diversos domínios e de diferentes estados de saúde. Apresenta ainda a vantagem de permitir que sejam avaliados aspectos diversos da qualidade de vida, que podem estar afetados tanto na condição de saúde como na presença de uma doença e de seu tratamento (Silqueira, 2005).

Para este estudo a escolha do SF-36 para a avaliação da qualidade de vida dos sobreviventes de LLA se deu em função deste instrumento ser um questionário genérico, de rápida e fácil administração, não específico para idade, patologia ou tratamento específico, além de permitir uma boa compreensão, independente do nível de instrução do participante. Este tem sido instrumento de referência na análise de muitos estudos recentes sobre qualidade de vida (Silqueira, 2005; Pimenta et al., 2008; Vitorino, Martins, Souza, Galdino, & Prado, 2004; Zanei, 2006).

Por outro lado, a utilização de uma forma alternativa de aplicação à distância (via telefone), que permita uma avaliação da qualidade de vida, vem ao encontro com a particularidade dos procedimentos terapêuticos destinados a pacientes em tratamentos ambulatoriais, onde ocorrem contatos periódicos com a equipe multidisciplinar para avaliações de controle (Souza & Assumpção Junior, 2011).

 

Método

Comitê de Ética

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do IP-USP (CEPH-IP) - Projeto nº 2009.031 - OF.104- CEPH-IP - 17/09/2009.

Instrumento

Foi aplicado o inventário de qualidade de vida SF-36 (Medical Outcomes Study 36 - Item Short Form Health Survey), validado para a língua portuguesa ( Ciconelli et al., 1999).

O SF-36 é um questionário, multidimensional, formado por 36 itens divididos em oito escalas, a saber: capacidade funcional (10 itens); aspectos físicos (4 itens); dor (2 itens); estado geral da saúde (5 itens); vitalidade (4 itens); aspectos sociais (2 itens); aspectos emocionais (3 itens) e saúde mental (5 itens), além de uma questão comparativa sobre a percepção do paciente sobre a sua saúde atual e no período comparativo de um ano anterior (Vitorino et al., 2004).

Mais especificamente, a escala de avaliação da capacidade funcional avalia a presença e a extensão das limitações; muita, pouca ou nenhuma, relacionada à capacidade física. As escalas de avaliação dos aspectos físicos e emocionais abordam as limitações no tipo e na quantidade de trabalho, e quanto estas limitações dificultam a realização do trabalho e de atividades da vida diária do paciente. Através da escala de avaliação da dor é possível uma análise da intensidade e extensão da dor e quanto à sua interferência nas atividades diárias do paciente. A escala de avaliação da vitalidade analisa o nível de energia e de fadiga. Na escala relacionada aos aspectos sociais, são analisadas as atividades sociais, e se a participação do indivíduo nestas atividades está sendo afetada pelos seus problemas de saúde. Particularmente, a questão sobre as alterações da saúde no período do último ano, apesar de não participar da pontuação das oito escalas, é relevante como um elemento de avaliação da percepção da evolução da doença (Silqueira, 2005).

Estudos sobre abordagens não presenciais, na forma de contatos online ou follow-up telefônico de pacientes, têm demonstrado bons resultados para o tratamento de pacientes em diversas clínicas médicas, como por exemplo, para estimular um aumento da adesão à terapêutica proposta ou para acompanhar os impactos psicossociais de pacientes submetidas a procedimentos cirúrgicos radicais para tratamento de câncer ginecológico (Robertson, Smith, & Tannenbaum, 2005; Wade & Haring, 2010; Carter et al., 2004).

A preocupação com uma forma de contato de avaliação à distância vem de encontro com uma das particularidades da população estudada, pois os sobreviventes de LLA, como ocorrem nos tratamentos ambulatoriais de controle de outras patologias de evolução crônica, têm contatos periódicos com a equipe multidisciplinar para exames de controle.

Souza e Assumpção Junior (2011) realizaram um estudo de avaliação da viabilidade de uma forma de aplicação alternativa (via telefonema) do questionário SF-36 que demonstrou a equidade das duas formas de apresentação (presencial e telefonema) e, portanto, a possibilidade de utilização de um instrumento confiável de análise de aspectos da qualidade de vida à distância como mais um recurso de aproximação e acompanhamento de pacientes ambulatoriais, que muitas vezes prosseguem com suas vidas em regiões muito distantes do hospital em que inicialmente se trataram , o que inviabiliza avaliações presenciais frequentes.

Tratamento dos dados obtidos

De acordo com o critério de validação para a língua portuguesa, após a aplicação do questionário SF-36, as respostas obtidas nos 36 itens foram compiladas em oito escalas ou domínios (capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental). Assim, foram obtidas as somas dos pontos em cada item relativo a cada domínio, utilizando a seguinte fórmula para cada escala (Pimenta et al., 2008):

Yij =(Xij - Min.j / Max. j - Min.j)x100

Sendo: i = 1,2,3,...30 (índice do participante/controle ou experimental); j = capacidade funcional, aspectos físicos (cada um dos domínios); Yij = valor transformado do participante/controle ou experimental i, domínio j; Xij = valor do domínio j, do participante/controle ou experimental i; Mín j = valor mínimo possível para o domínio j; Máx j = valor máximo possível para o domínio j.

A pontuação final pode variar de zero a cem, sendo zero correspondente ao pior estado geral de saúde, e cem, ao melhor. Os resultados foram avaliados quanto à sua significância estatística através do programas Excel 2007 e Biostat 2009.

Casuística

A) Grupo controle:

O grupo controle foi formado por trinta sujeitos (15 homens e 15 mulheres) da população geral, maiores de 18 anos, pareados por sexo e idade ao grupo de pacientes de LLA, denominados neste estudo de grupo experimental. Para o grupo controle, foram selecionados indivíduos fisicamente saudáveis e com ausência de histórico de diagnóstico oncológico em qualquer momento da vida, recém-ingressos em curso superior, no sentido de permitir uma comparação com um grupo fisicamente sadio e com bom nível cultural.

B) Grupo experimental:

Trinta sujeitos sobreviventes de LLA, maiores de 18 anos, há pelo menos cinco anos em acompanhamento médico periódico junto ao Ambulatório Fora de Terapia do Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (ITACI) do Serviço de Onco-Hematologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

A aplicação do questionário SF-36 foi realizada através de contato telefônico com os indivíduos de ambos grupos. Antes da efetivação da aplicação, de acordo com exigência apresentada pelo Comitê de Ética para a realização deste estudo, cada avaliado assinou o termo de consentimento livre e esclarecido, sendo informado sobre o posterior contato telefônico para a coleta dos dados do questionário.

 

Resultados

Resultados - Grupo Controle

O grupo controle apresentou média de idade de 21 anos para o sexo feminino e de 23 anos para o sexo masculino.

O perfil da dispersão dos dados obtidos pela soma de pontos no SF-36 para o grupo controle masculino e feminino estão apresentadas na Figura 1.

Resultados - Grupo Experimental

O Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (ITACI) do ICr -HCFMUSP admite crianças e adolescentes, do nascimento aos 18 anos, e atende, em media, 25 casos novos de LLA por ano. No Ambulatório Fora de Terapia, são acompanhados atualmente cerca de 160 sobreviventes, dentre os quais 65% com mais de 18 anos de idade.

Este estudo de qualidade de vida de sobreviventes adultos buscou analisar as condições e possíveis comprometimentos tardios, físicos e/ou psicossociais, de indivíduos acometidos e tratados de LLA nos primeiros anos de vida.

Assim, o grupo experimental teve média de idade de 28 para o sexo feminino e 25 anos para o masculino. A média de idade ao diagnóstico foi de 5,9 anos, para os sobreviventes do sexo feminino, e de 4,7, para o masculino.

Todos os sobreviventes que participaram deste estudo se encontravam em primeira remissão e fora de terapia em média há 17,8 anos.

Do total de sobreviventes que participaram deste estudo, 25 (83%) trabalhavam, sete (23%) estavam cursando ensino superior e dois (6%), em pós-graduação. Dezessete (57%) já completaram seus estudos, sendo que 11 (64%) concluíram o ensino médio e seis (35%), o ensino superior.

No período que foi realizado o estudo, 16 (53%) dos sobreviventes eram solteiros e declararam que não estavam namorando naquele momento. Seis (20%) namoravam, dois (6%) estavam noivos e cinco (16%) eram casados, dos quais quatro (80%) tinham um filho cada um.

Os resultados obtidos para o grupo experimental pela aplicação do SF-36 estão apresentados na Tabela 1.

De acordo com os resultados do teste t (homocedástico, bicaudal, 0,05), quando foram analisados os subgrupos experimentais do sexo feminino e do masculino, houve diferença significativa entre as médias dos aspectos: dor, aspectos sociais, aspectos emocionais, saúde mental e o total de pontos.

Uma análise mais detalhada dos aspectos abordados pelo instrumento SF-36, que constituem os pontos médios totais, pode auxiliar no entendimento das diferenças na qualidade de vida acima destacadas.

Notou-se que os sobreviventes do sexo masculino apresentaram valores médios acima de 75 para todos os aspectos, o que não foi evidenciado no subgrupo masculino controle, que só tiveram dois aspectos (capacidade funcional e aspectos físicos) com valores médios acima deste valor. No subgrupo experimental feminino, houve quatro aspectos (dor, vitalidade, aspectos emocionais e saúde mental) abaixo de 75 pontos.

A análise estatística do total de pontos obtidos a partir da soma dos resultados de todos os aspectos avaliados na aplicação do SF-36 para o grupo experimental está apresentada na Tabela 2.

Na análise dos resultados médios do total de pontos dos grupos controle e experimental, não foi evidenciada diferença estatisticamente relevante. Deste modo, pode-se concluir que a qualidade de vida dos sobreviventes de LLA avaliados não difere da apresentada pelos participantes do grupo controle.

Contudo, de acordo com os resultados do teste t (homocedástico, bicaudal, 0,05), identificou-se diferença notável entre o grupo controle masculino e o grupo experimental masculino.

As Figuras 2 e 3 apresentam o comportamento dos dados obtidos para o grupo experimental e o grupo controle, respectivamente para os participantes do sexo feminino e masculino, quanto à soma total de pontos no questionário SF-36.

Na avaliação realizada nos subgrupos divididos por sexo, houve diferença considerável dos resultados médios dos pontos totais entre os sobreviventes do grupo experimental e os participantes do grupo controle do sexo masculino.

Esse resultado, que não se confirmou na mesma relação para o sexo feminino, onde a qualidade de vida das sobreviventes (grupo experimental) não diferiu, de forma significativa, das participantes do grupo controle.

A análise estatística dos resultados do total de pontos dos participantes do grupo experimental quanto ao sexo estão apresentados na Tabela 3.

De acordo com os resultados do teste t (homocedástico, bicaudal, p<0,05), houve uma diferença não desprezível entre o subgrupo experimental masculino e o subgrupo experimental feminino.

Essa diferença sugere que, entre os sobreviventes avaliados pelo estudo, os do sexo masculino apresentaram melhor qualidade de vida quando comparados aos sobreviventes do sexo feminino.

 

Discussão

Grupo controle

A amostra analisada neste estudo foi selecionada entre indivíduos da população em geral, de estudantes cursando nível superior, com média de idade abaixo dos 25 anos, que se declararam sadios no momento da pesquisa e que não tiveram doença crônica ou aguda relevante durante sua vida.

Desta forma, este grupo foi considerado como parâmetro de comparação de qualidade de vida, dado o suposto baixo ou nenhum comprometimento da saúde destes participantes: em concordância com o esperado, a média de pontos foi acima de 50, para todos os domínios, em ambos os sexos.

Contudo, deve-se destacar que os resultados do aspecto estado geral da saúde e saúde mental dos participantes, ainda que tenham sido acima da média, demonstram a presença de maior comprometimento da saúde em geral, bem como da saúde mental, dos participantes do sexo masculino.

Os aspectos que apresentaram valores mais elevados em ambos os sexos (capacidade funcional e aspectos físicos) são dados que demonstram os baixos níveis de limitação física dos participantes para a execução das atividades diárias ou relacionadas ao trabalho.

Por outro lado, os valores mais baixos estão presentes no aspecto vitalidade, demonstrando que, apesar da ausência de limitações físicas, há indícios de fadiga ou de baixa energia para execução das tarefas, tanto para os homens, como para as mulheres.

Deve-se considerar que há também comprometimento nas atividades em decorrência do aspecto dor, com maior intensidade para as participantes do sexo feminino, com escores expressivamente mais baixos quando comparados com os participantes do sexo masculino.

Grupo experimental

Na análise dos resultados totais encontrados no grupo experimental quanto ao sexo, foi observada diferença significativa entre os subgrupos, a qual sugere que, entre os sobreviventes avaliados pelo questionário, os do sexo masculino apresentaram melhor qualidade de vida quando comparados às do feminino.

Considerando os aspectos de avaliação do questionário SF-36, a média de pontos foi acima de 50 para todos os domínios em ambos os sexos, dado indicativo de que as funções físicas, bem como os aspectos emocionais e sociais dos sobreviventes avaliados, estavam preservadas.

Os aspectos que apresentaram valores mais elevados de ambos os sexos foram capacidade funcional e aspectos físicos, dados que demonstram os baixos níveis de limitação física dos sobreviventes participantes deste estudo para execução das atividades diárias ou relacionadas ao trabalho.

Por outro lado, o valor mais baixo presente no aspecto vitalidade para os sobreviventes do sexo masculino (76,3), que também pode ser evidenciado nas do sexo feminino como um dos resultados mais baixos (60,7). Tais dados sugerem que, não obstante a ausência de limitações físicas, há indícios de fadiga ou de baixa energia para execução das tarefas tanto para os homens como para as mulheres.

Podemos inferir um comprometimento nas atividades em decorrência do aspecto dor para sobreviventes do sexo feminino, quando comparado a sobreviventes do sexo masculino. Sendo importante destacar que houve evidências também da importância do aspecto dor no grupo controle quando foram comparados os participantes do sexo feminino em relação aos do sexo masculino.

Deve-se destacar que, apesar de acima da média, o resultado dos aspectos emocionais (55,6) das sobreviventes, e de forma menos acentuada, a saúde mental (63,5), demonstraram um maior comprometimento nestes itens em relação aos demais avaliados.

Comparando o subgrupo experimental masculino e feminino avaliados neste estudo, as diferenças entre as médias dos itens dor, social, emocional e saúde mental demonstraram o prejuízo das sobreviventes do sexo feminino, suposta causa para a evidência de que sobreviventes do sexo masculino apresentaram melhor qualidade de vida quando comparados aos do sexo feminino, evidenciados nos escores totais.

Grupo controle e Grupo experimental

Na análise dos resultados médios do total de pontos, quando comparados todos os participantes dos grupos controle e experimental, não se evidenciou diferença estatística.

No entanto, quando a avaliação foi realizada nos subgrupos divididos por sexo, houve bastante diferença dos resultados médios dos pontos totais entre os participantes do grupo experimental e os do grupo controle do sexo masculino, com índices de melhor qualidade de vida para o grupo experimental masculino.

Este resultado não se confirmou para o sexo feminino, onde a qualidade de vida das sobreviventes não diferiu, de forma significativa, das participantes do grupo controle.

O questionário SF-36, por permitir a análise dos diferentes aspectos que podem constituir um modelo compreensivo da qualidade de vida, mostrou ser um bom instrumento de escolha junto a esta população.

Dos resultados obtidos, pode-se evidenciar que, apesar da toxicidade e do risco de sequelas posteriores, os sobreviventes por nós avaliados apresentaram adequados escores de qualidade de vida, sendo observado que não houve escores abaixo da média para todos os aspectos analisados, com melhores escores de qualidade de vida no grupo experimental do sexo masculino.

Os resultados apresentados confirmam a importância da compreensão das particularidades dos aspectos da qualidade de vida de sobreviventes de LLA em acompanhamento médico periódico, por fornecer elementos de análise para a equipe de saúde; médicos, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, com o intuito de estabelecer condutas terapêuticas e acompanhamento específico para esta população.

 

Conclusões

Este trabalho buscou, através do questionário SF-36, trazer a análise da possibilidade de uma forma de aplicação alternativa, via telefone, de um instrumento já fundamentado e reconhecido no meio científico, para abordagem da qualidade de vida de pacientes e sujeitos saudáveis.

Desta forma, entende-se que a possibilidade de um instrumento confiável de análise de aspectos da qualidade de vida à distância poderá ser mais um recurso de aproximação e acompanhamento destes sobreviventes de leucemia linfocítica aguda.

Quanto aos resultados obtidos nesta pesquisa, a qualidade de vida de sobreviventes de LLA, em ambos os sexos, suas funções físicas, bem como os aspectos emocionais e sociais se mostraram preservados, acima dos valores médios do instrumento utilizado. Corroborando com estudos anteriores (Rodrigues, 2011), a qualidade de vida dos sobreviventes de LLA avaliados não diferiu de modo geral da apresentada pelos participantes do grupo controle.

Em relação ao sexo, as diferenças significativas entre as médias dos itens dor, social, emocional e saúde mental demonstraram o prejuízo das sobreviventes do sexo feminino em relação aos sobreviventes do sexo masculino.

Esta evidência nos leva a supor que a presença de algum grau de comprometimento emocional destas sobreviventes pode estar influenciando a percepção da dor e o prejuízo da convivência social, sem que isso esteja relacionado a consequências da patologia ocorrida na infância, ao tratamento e sequelas posteriores.

Por outro lado, pode-se considerar que as condições vivenciadas na infância, tais como o diagnóstico da neoplasia e os posteriores tratamentos necessários, tenham gerado uma maior preocupação com o próprio estado de saúde atual.

Estas conjecturas e as diferenças na qualidade de vida de sobreviventes do sexo masculino e feminino são passíveis de confirmação, através de estudos de continuidade desta análise, por meio de amostras com maior número de participantes e com a utilização de outros instrumentos de avaliação que permitam o levantamento de dados comparativos.

 

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Endereço para correspondência:
Clélia Marta Casellato de Souza
Rua Galeno de Almeida, 148
São Paulo/SP, Brasil. CEP: 05410-030
E-mail: clemarta@ig.com.br

Recebido em 24 de Fevereiro de 2012
Texto reformulado em 21 de Setembro de 2012
Aceite em 22 de Setembro de 2012
Publicado em 31 de Dezembro de 2012