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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.20 no.2 Ribeirão Preto dez. 2012

http://dx.doi.org/10.9788/TP2012.2-21 

ARTIGOS

 

Educadores infantis: aspectos da formação profissional e do trabalho em creche

 

Early childhood educators: aspects of the professional training and work in the day care center

 

Educadores para niños: aspectos de la formación profesional y el trabajo en la guardería infantil

 

 

Pamella Isabela Alvarez Nylander; Rosa Cibele Borges dos Santos; Larissa Santos Magalhães; Tatiana Afonso; Lília Iêda Chaves Cavalcante

Universidade Federal do Pará - Belém, PA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O estudo com educadores de creche tornou-se relevante à medida que este profissional passou a ser reconhecido como promotor do desenvolvimento infantil. Conhecer quem são, o que fazem e o que sentem acerca do seu próprio trabalho é uma questão atual para a pesquisa em Psicologia do Desenvolvimento Humano. Nesse sentido, o presente estudo, ao se pautar por uma abordagem ecológica do desenvolvimento humano, reconhece a escola como contexto primário onde o educador e a criança se relacionam e são envolvidos em processos promotores de aquisições e alterações mútuas. Com essa perspectiva, foram entrevistados 20 educadores por meio da aplicação de questionário com perguntas abertas e fechadas, o que correspondeu ao total de profissionais nessa condição funcional na instituição. O perfil sociodemográfico gerado revelou que os participantes em sua totalidade eram mulheres, sendo que a maioria tinha idade superior a 35 anos (70%), apresentou experiência anterior de trabalho com crianças de pelo menos dois anos (90%) e frequentou cursos de capacitação em período recente (90%). Em relação ao seu trabalho em creche, as maiores dificuldades estiveram direcionadas primeiramente ao relacionamento com os pais dos alunos, seguidas pelo salário e o ambiente físico da escola. Sobre os aspectos cansativos de sua rotina de trabalho, destacaram o esforço físico e as emoções presentes no relacionamento com as crianças e a comunicação com os pais. Os resultados encontrados ressaltam a importância de se compreender o trabalho realizado em contextos como creches e escolas a partir do ponto de vista dos próprios educadores infantis, oferecendo elementos que possam sustentar intervenções que motivem o seu contínuo aperfeiçoamento profissional, a prevenção do seu desgaste físico e emocional e potencializar o impacto positivo de tais medidas no desenvolvimento da criança.

Palavras-chave: Educador infantil, Formação profissional, Trabalho em creche.


ABSTRACT

The study of early childhood educators became important as this professional has been recognized as a promoter of child development. Knowing who they are, what they do and what they feel about their own work is a concern for current research in psychology of human development. Accordingly, the present study is guided by an ecological approach of the human development and therefore recognizes school as a primary context where educator and children are related to and involved in promoting processes of acquisitions and changes with each other. With this perspective, we interviewed 20 educators through a questionnaire with open and closed questions, which corresponded to the total number of professionals working in this condition in the institution. The sociodemographic profile generated revealed that participants as a whole were women, most of them over 35 years (70%), with a previous experience working with children of at least two years (90%) and attended training courses in recent years (90%). Regarding their work in daycare, the greatest difficulties were directed primarily to the relationship with parents, followed by salary and the physical environment of the school. About the tiresome aspects of their work routine, educators highlighted physical effort, emotions present in the relationship with children and communicating with parents. Results emphasized the importance of understanding the work in contexts of day care center and schools from the point of view of the early childhood educators, providing evidence that could support interventions to motivate their continued professional development, the prevention of their physical and emotional exhaustion and enhance the positive impact of such measures on child development.

Keywords: Early childhood educator, Professional training, Work in day care centers.


RESUMEN

El estudio con educadores de Guarderías Infantiles se ha hecho importante a medida que estos profesionales han sido reconocidos como promovedor del desarrollo del niño. Saber quiénes son, lo que hacen y lo que sienten sobre su propio trabajo es una cuestión para la investigación actual en psicología del desarrollo humano. En ese sentido, el presente estudio, cuando es guiado por un enfoque ecológico para el desarrollo humano, el reconocimiento de la escuela, como contexto primario, donde el educador y el niño se relacionan y se envuelven en procesos promovedores de procesos de adquisiciones y de cambios entre sí. Con esta perspectiva, se entrevistó a 20 educadores a través de un cuestionario con preguntas abiertas y cerradas, lo que correspondió al número total de profesionales que trabajan en esta condición en la institución. El perfil sociodemográfico generado reveló que los participantes en su totalidad eran mujeres, la mayoría de los cuales eran mayores de 35 años (70%) tenían experiencia previa trabajando con niños de al menos dos años (90%) y asistió a cursos de formación en los últimos años (90%). En relación a su trabajo en la guardería, las mayores dificultades estaban dirigidas, principalmente, a la relación con los padres, seguido del salario y el medio ambiente físico de la escuela. Acerca de los aspectos fatigosos de su rutina de trabajo, se destacó el esfuerzo y las emociones presentes en la relación con los niños y la comunicación con los padres. Los resultados encontrados destacan la importancia de entender el trabajo en contextos como las guarderías y escuelas, desde el punto de vista de los educadores infantiles, ofreciendo elementos que puedan apoyar las intervenciones que motivan su desarrollo profesional continuo, la prevención de su agotamiento físico y emocional y aumentar el impacto positivo de estas medidas sobre el desarrollo del niño.

Palabras clave: Educador infantil, Formación, Trabajo en guarderías.


 

 

Introdução

Instituições infantis como creches e escolas compartilham com a família os cuidados necessários ao pleno desenvolvimento da criança, e, assim como esta, se mostram como importantes contextos a partir dos quais ocorrem os processos relacionais que direcionarão os rumos do desenvolvimento infantil. Para Bronfenbrenner (2011), esses ambientes são reconhecidos como contextos de desenvolvimento, uma vez que favorecem a formação de laços afetivos e aprendizagens múltiplas a partir do envolvimento ativo de pessoas que constituem o universo da criança.

No entanto, escolas e creches apresentam missão e estrutura de funcionamento que se diferenciam da forma como se organiza a família e os cuidadores primários, sobretudo em termos dos objetivos relacionados especificamente à difusão de crenças e ações de promoção do desenvolvimento da criança. Nesse contexto, destaca-se a figura dos educadores, que se ocupam profissionalmente das rotinas de cuidado infantil e atividades diárias junto às crianças, no ambiente da creche.

Foi com o surgimento das creches que a atenção à infância deixou de ser responsabilidade exclusiva da família e passou a representar uma ação do poder público na garantia da educação como um direito fundamental da criança como prevê a Constituição Federal de 1988 (Cerisara, 1999). No início, estas instituições eram vinculadas a órgãos governamentais da política de

assistência social, mas depois foram incorporadas ao sistema educacional brasileiro (Rizzini, 2008). Todavia, a partir da promulgação da Lei Nacional de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, a educação básica passou a incorporar o cuidado infantil em creche, trazendo como meta a formação dos professores em nível de ensino superior, o que implicou em progressiva mudança no perfil e no trabalho dos novos profissionais, uma vez que antes eram tidos como trabalhadores cuja ocupação era equiparada às atividades menos valorizadas pela sociedade (Cipollone, 1998; Kramer, 2005; Luz, 2008; Unesco, 2004).

No entanto, a formação desses profissionais e o trabalho desenvolvido ainda apresentam dúvidas e dificuldades no estabelecimento das práticas esperadas, já que, de um lado, a realidade em tais contextos se mostra hoje mais complexa, e de outro, as novas exigências colocadas ao exercício da profissão requerem instrumentalização capaz de propiciar o desenvolvimento pleno dos aspectos cognitivos, sociais e emocionais das crianças atendidas (Bragagnolo, 1998; Carvalho, Sesti, Andrade, Santos, & Tibério, 2004; Pantoni & Rossetti-Ferreira, 1998; Volpato & Melo, 2005).

Para autores como Azevedo (1997), Campos (1999), Arelaro (2000) e Angotti (2006), com as mudanças introduzidas no marco regulatório das políticas públicas, a educação infantil passa a ser vista com maior importância na atualidade e, com isso, os educadores infantis começam a trazer à tona discussões que defendem a valorização profissional, apresentando propostas em termos da sua formação continuada, da definição do Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS) e da preocupação com as condições de trabalho na escola.

Para Becker (2008), a desvalorização dos educadores infantis tem raízes profundas na história da sociedade brasileira e se deve em parte ao fato de que as creches destinavam-se principalmente ao atendimento dos segmentos mais empobrecidos, como serviços prestados por entidades religiosas e filantrópicas e só depois pelo Estado. Nesses termos, o acesso à creche não se apresentava antes como um direito fundamental da criança à educação, mas sim era visto como uma benesse destinada às famílias em desvantagem social e econômica, uma medida social que se aplicava sem grandes investimentos.

Diante dos desafios postos por essa nova realidade institucional, ressalta-se a garantia do aperfeiçoamento profissional e de condições dignas de trabalho aos educadores infantis, por meio de ações integradas do poder público, mas que objetivam fortalecer o sistema municipal de educação (Saviani, 2000; Volpato & Melo, 2005). Isso porque a qualidade necessária nos atendimentos prestados pelas creches enfrenta ainda entraves postos pelas desigualdades sociais e regionais do país que deixam mais vulneráveis as crianças na periferia das cidades e nas áreas rurais (Arelaro, 2000; Craidy & Kaercher, 2005; Pacífico & Gentilini, 2011; Rosemberg, 2003).

Trata-se, pois, de uma realidade preocupante, que contradiz argumentos presentes em pesquisas, tanto na área da Educação, quanto da Psicologia, quando afirmam ser a infância um momento singular do desenvolvimento que necessita de maior atenção por parte da família, da sociedade e do Estado (Angotti, 2006; Bronfenbrenner, 2011; Siebert, 1998).

Nesse sentido, pode-se afirmar que o desenvolvimento das crianças que frequentam creches encontra-se invariavelmente ligado ao desempenho profissional dos educadores infantis (Cerisara, 1999), ou melhor, das educadoras infantis, termo muito utilizado na literatura especializada porque, em sua maioria, trata-se de profissionais do sexo feminino, com escolaridade média e filhos na infância, e que, por isso, tende a buscar inspiração para o trabalho em creche nas experiências de cuidado infantil acumuladas em sua trajetória familiar e profissional.

Já Ongari e Molina (2003), provavelmente por terem desenvolvido seus estudos em um contexto social e cultural diferenciado do brasileiro, na Itália, ampliaram o leque de suas análises sobre o desempenho das educadoras de creche e situaram a compreensão do seu perfil e atividades de trabalho em um processo amplo que sai da sala de aula para os contextos comunitários e para o mundo, integrando profissionalmente saberes e afetos, educação e cuidados, a partir da influência de diferentes contextos que marcaram a sua trajetória de vida.

A perspectiva sistêmica confere, portanto, especial atenção aos papéis vivenciados pelo educador infantil no cotidiano do seu trabalho em creche, na medida em que mantém extensas rotinas de cuidado infantil, estabelece relações afetivas com as crianças e propõe as atividades de ensino que têm influência decisiva sobre seu processo de aprendizagem (Bronfenbrenner, 1996).

Por sua vez, Cavalcante (2008), que discute a importância da Psicologia e das práticas de cuidado dos educadores em instituições infantis, como abrigos e creches, afirma que a figura desse profissional é particularmente complexa nos dias atuais, porque divide com os pais e outros membros da família a dupla função de educar e formar. Assim como Cerisara (1999), a autora compreende que o que o educador faz, pensa e sente compõem um contexto que influencia de maneira decisiva o desenvolvimento da criança e o seu próprio, uma vez que modifica e é modificado pelas trocas sociais e afetivas estabelecidas nesse ambiente específico.

Do ponto de vista da Ecologia do Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner, 1996), a creche deve ser ainda reconhecida como um contexto que compreende níveis ambientais que exercem diferentes níveis de influência sobre o desenvolvimento: microssistêmico, no que tange às relações, atividades e papéis vivenciados no ambiente imediato da instituição, e macrossistêmico, por envolver contextos mais abrangentes, onde participam todos os ambientes significativos somados à própria cultura.

Frente a tais pressupostos, o presente trabalho, a partir de estudo de caráter exploratório-descritivo, objetivou discutir aspectos do perfil, formação e trabalho profissional de educadores infantis que exerciam suas atividades em instituição voltada ao atendimento de crianças de três a seis anos de idade, majoritariamente na condição de vulnerabilidade social.

 

Método

Contexto da Pesquisa

A presente pesquisa foi realizada em uma creche-escola localizada em Belém˗ PA, entre 2010 e 2011, por meio de dois processos distintos, mas interligados: a inserção acadêmica de alunos e professores via curso de graduação em Serviço Social através de estágio supervisionado na área da educação infantil, assim como da pós-graduação em Psicologia, por sua participação em atividades promovidas pelo Laboratório de Ecologia do Desenvolvimento (LED), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Pará.

A instituição pesquisada funciona como uma escola mantida por meio de convênio com a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) e a Secretaria Municipal de Educação (SEMEC). A instituição tem a missão de proporcionar atendimento social e ensino básico a crianças de três a doze anos de idade. À época da pesquisa, a creche atendia nesta etapa da educação infantil 150 crianças, que viviam geralmente no seu entorno e que se encontravam em situação de pobreza e vulnerabilidade social, contando, para isso, com uma equipe de 36 funcionários, distribuídos em todos os setores da escola.

Participantes

O estudo envolveu 20 educadores que trabalhavam em uma creche no município de Belém, o equivalente a 100% do total de profissionais que exerciam a função de professor e detinham experiência na área da educação infantil.

Instrumentos e materiais

O questionário utilizado foi adaptado por Cavalcante (2008), inspirado no instrumento elaborado por Ongari e Molina (2003) em estudo anterior que objetivou conhecer o perfil pessoal e profissional de educadores infantis em creches de várias regiões da Itália.

A partir de 11 perguntas abertas (discursiva) e 45 fechadas (dicotômica, múltipla escolha, escala numérica), o instrumento permitiu conhecer aspectos da formação profissional dos educadores infantis, das condições ambientais em que realizam seu trabalho no cotidiano da escola, mas, especialmente, o modo como interagem com as crianças e pensam o percurso do desenvolvimento infantil nessa fase da vida. A versão adaptada por Cavalcante (2008) compreendeu 41 questões, sendo que, destas, 21 foram consideradas para análise no presente estudo, entre perguntas abertas (15) e fechadas (6).

Embora as questões analisadas encerrassem variáveis cujo nível de medida estatística era majoritariamente o nominal, o questionário trouxe também escalas que pretenderam verificar num contínuo ordenado, o valor ou a ordem de importância de aspectos presentes na população investigada. O questionário utilizado apresentava, portanto, questões que indicavam o trato de diferentes níveis de medida estatística, como a nominal, a ordinal e a intervalar.

O instrumento foi estruturado a partir de perguntas reunidas em torno dos seguintes tópicos: dados pessoais e profissionais do educador, as atividades realizadas na rotina da instituição e seu nível de satisfação com o trabalho. Entre as variáveis associadas a cada tópico, foram priorizadas para análise as que reuniam descritores do perfil dos educadores: 1) características sociodemográficas dos educadores; 2) formação profissional; 3) cursos de capacitação; 4) percurso e experiência de trabalho; 5) fonte de aprimoramento; 6) satisfação com a profissão; 7) aspectos cansativos; 8) atividades realizadas pelos educadores.

Procedimento

O início da pesquisa se deu com a autorização para realização do estudo pela coordenação da escola-creche. Após reunião para apresentação dos objetivos da pesquisa, os educadores foram contatados e receberam o convite para colaborar com a pesquisa. Na data e horário combinados, a entrevista tinha início, mas não sem antes ser apresentado ao educador o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), documento por meio do qual obtinham informações gerais sobre o estudo pretendido, seus objetivos e método.

Após criteriosa leitura, os educadores, sentindo-se suficientemente esclarecidos sobre o conteúdo da pesquisa, confirmavam sua participação na presente pesquisa e assinavam o documento.

As opiniões, impressões e avaliações emitidas pelos educadores entrevistados foram apresentadas verbalmente, mas o registro era feito por escrito pelo entrevistador em espaço previsto no questionário. Com base em entrevista individual e estruturada com os educadores na instituição pesquisada, os dados foram codificados e lançados em planilhas eletrônicas geradas a partir do programa Excel, da Microsoft.

Na medida em que este estudo objetivou descrever características presentes no universo de educadores, a análise estatística do material coletado se fez necessária e foi realizada a partir do cálculo de frequências e percentagens, simples e acumuladas, considerando-se na maior parte das questões o nível de medida nominal, como explicam Moura e Ferreira (2005).

Entretanto, como o instrumento previa o emprego de distintos níveis de medida, ou seja, além das escalas nominais, apresentava ainda questões do tipo ordinal e intervalar, foi necessário realizar tratamento estatístico que permitisse a descrição adequada dos escores obtidos no sentido de conseguir que expressassem o nível de distância entre elementos localizados dentro de uma escala numérica, indo do 1 (mais importante) ao 8 (menos importante).

Após a aplicação do questionário, as perguntas abertas foram categorizadas de acordo com o sentido das respostas dadas pelos entrevistados, sendo depois organizadas ainda de acordo com a frequência com que foram apontados pelos participantes. Por exemplo, respostas que registram verbalizações tais como "falta ar condicionado nas salas de aula", "não há higienização dos banheiros", dentre outras que faziam referência a características específicas às condições do local de trabalho, foram reunidas em torno da categoria Ambiente Físico.

 

Resultados e Discussão

Com o objetivo de revelar aspectos do perfil, da formação profissional e do trabalho do educador infantil na instituição pesquisada, serão apresentados a seguir dados que procedem aos seguintes tópicos: 1) características sociodemográficas dos educadores; 2) formação profissional; 3) cursos de capacitação; 4) percurso e experiência de trabalho; 5) fonte de aprimoramento; 6) satisfação com a profissão; 7) aspectos cansativos; 8) atividades realizadas pelos educadores. Entre os principais resultados obtidos, estão dados que informam sobre o seu percurso profissional, as experiências anteriores de trabalho com crianças, as fontes de aprimoramento, a satisfação com a profissão, os aspectos cansativos do trabalho e as atividades realizadas no cotidiano.

Características sociodemográficas dos educadores

O perfil sociodemográfico dos educadores que participaram da pesquisa demonstra que todos nasceram no estado do Pará e cerca de 90% residiam em Belém. A maioria tinha idade superior a 35 anos (70%). Em relação à maternidade, os dados indicaram que 65% possuíam filhos, e, destas (n= 13), 15% possuíam filhos na idade infantil (entre 0 a 12 anos).

Ainda em termos das características predominantes no perfil sociodemográfico, chamou atenção o fato de que 100% das entrevistadas eram do sexo feminino, tanto que, doravante, neste estudo, será utilizado o termo de educadora, e não educador, para designar a categoria dos participantes da pesquisa. Este achado mostrou-se consonante com estudos que têm apontado as diferenças de gênero entre as profissões onde se fazem presentes as marcas das concepções pré-estabelecidas que contribuem para a naturalização das atribuições socialmente associadas ao feminino (Campos, 1999; Cerisara, 1999) e, desse modo, os que procuraram explicar por que a profissão de educador infantil ainda permanece convencionada a práticas domésticas associadas a funções femininas. Segundo Campos (1999), quanto mais nova a criança, menor tende a ser o salário do educador responsável, assim como o prestígio profissional, tendência que se mantém vigente nas relações de trabalho e sociais em creches brasileiras.

Nesse sentido, traçar o perfil dos educadores infantis traz à tona contradições sociais como oposições de gênero (Campos, 1999; Cavalcante, 2008; Cerisara, 1999), além de que torna necessária a diferenciação das práticas domésticas daquelas exigidas pela profissão. O profissional pode utilizar a experiência de cuidado infantil vivenciada no ambiente doméstico, sem que esta experiência desqualifique o status social de sua profissão ou negligencie os saberes científicos que podem ser compartilhados com os saberes maternos (Ongari & Molina, 2003).

Formação profissional

No referente à formação escolar das entrevistadas, constatou-se que 100% das educadoras completaram o nível superior. A maior parte é formada em Pedagogia (90%) e as demais concluíram Licenciatura em Letras (10%). Estes dados são condizentes com o estabelecido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) como perfil profissional desejável, tornando obrigatória a formação superior para os que atuam em instituições de educação infantil.

A formação dos professores que trabalham com a educação infantil deve considerar a dupla função de cuidar e educar, atendendo exigências no plano político-legal (LDB, 1996), assim como recomendações com base científica (Cerisara, 1999; Cavalcante, 2008; Luz, 2008). Nesse sentido, as atribuições profissionais devem se pautar pela indissociabilidade entre cuidar e educar, procurando atender através de ações que combinam essas dimensões da prática profissional às demandas específicas de cada etapa do desenvolvimento da criança, preocupando-se em criar situações que lhes possibilitem adquirir capacidades motoras, psíquicas e sociais. Em razão disso, cresce o entendimento de que a formação continuada se faz indispensável nesse contexto de trabalho (Bondioli & Mantovani, 1998; Cerisara, 1999).

Cursos de capacitação

Tendo em vista a importância da formação continuada, destaca-se como relevante a investigação sobre quais profissionais participantes se engajam em atividades que visam a sua capacitação. Parte-se da compreensão que os cursos de capacitação apresentam-se como estratégias de atualização, aprimoramento e ampliação de habilidades (Bragagnolo, 1998; Pantoni & Rossetti-Ferreira, 1998; Volpato & Melo, 2005). Na presente pesquisa, percebeu-se que quase a totalidade das educadoras (90%) frequentou cursos de capacitação nos últimos dois anos, demonstrando assim, preocupação em manterem-se atualizadas, investindo em cursos que favoreçam suas práticas de cuidado e educação de forma que possam refletir positivamente no seu trabalho com as crianças.

Considerando a escola como uma instituição dinâmica (Bondioli & Mantovani, 1998; Alarcão, 2001), ressalta-se a capacitação de seus profissionais como ponto fundamental, em se tratando de educadoras infantis que lidam cotidianamente com crianças, devendo ampliar por isso seus conhecimentos sobre questões relativas às particularidades dos alunos em séries iniciais. Desse modo, torna-se interessante destacar quais foram os cursos frequentados pelas educadoras da escola no período considerado pela pesquisa.

Percebeu-se que a maioria das educadoras frequentou o curso de formação de professores (23%) oferecido mensalmente pelo Serviço Social da escola, seguido pelo curso de educação infantil e educação especial/inclusiva, ambos com 19%, como também, o curso de letramento (15%) e psicopedagogia (8%), as demais, frequentaram cursos com outras temáticas. Os dados relatados captaram algum nível de preocupação das educadoras com o seu aprimoramento profissional no sentido de melhorar o desenvolvimento do trabalho realizado com as crianças.

Percurso profissional e experiência de trabalho

Em relação ao percurso profissional das educadoras, o estudo demonstrou que 90% destas são funcionárias concursadas e apenas 10% são temporárias. Esta característica é favorável para o desenvolvimento do trabalho, pois a baixa rotatividade facilita o repasse de informações e o planejamento das atividades, ou seja, o estabelecimento de um trabalho contínuo, pautado em um relacionamento de confiança entre educadora e a criança. A segurança proporcionada pela estabilidade no emprego, que dificilmente pode ser interrompida, favorece um vínculo entre o educador e a instituição empregadora, o que pode significar para o educador a concretização de um ideal de vida ao lhe oferecer uma sólida estabilidade profissional e financeira (Bondioli & Mantovani, 1998; Cavalcante, 2008).

Outro dado importante para o estabelecimento do relacionamento educador-criança e educador-instituição é referente ao tempo de experiência na escola. O estudo revelou que a maior parte das educadoras (55%) tinha de um a dois anos de experiência de trabalho na escola, uma vez que havia sido admitida recentemente via concurso público. Aproximadamente 25% tinham de três a cinco anos de experiência, seguido por 10% com até um ano de tempo de experiência e outros10% declararam trabalhar na escola de seis a dez anos de trabalho. O tempo de experiência de trabalho em instituições que atendem crianças pode ser significativo, visto que as experiências de trabalho dão ao educador condições de compreender melhor o seu relacionamento com as crianças e as orientações da instituição ao qual faz parte (Cavalcante, 2008; Cerisara, 1999; Siebert, 1998).

As experiências de trabalho anteriores também se configuraram como importante alvo de análise, posto que todas as entrevistadas relataram o seu envolvimento com ações e serviços relativos às rotinas de cuidados infantis. Mais da metade (72%) teve experiência no setor educacional, em unidades de educação infantil (creche ou pré-escola) ou nas séries iniciais do ensino fundamental. A segunda maior porcentagem, 12%, fez referência a trabalho realizado em setores da administração pública, seguido por 8% em instituição de acolhimento institucional, 4% no setor doméstico (como babá, por exemplo) e 4% em outros setores. Os dados são coerentes com o fato de que 90% das entrevistadas tiveram sua formação acadêmica na área da pedagogia, o que pode justificar o expressivo número de educadoras com experiência anterior de trabalho em educação infantil.

Tais experiências refletem no modo como as educadoras pensam e realizam o seu trabalho. Segundo Cavalcante (2008), quanto maior o nível de escolaridade da educadora e maior semelhança entre os trabalhos que fizeram parte da sua trajetória profissional e o que realizam atualmente, maior a possibilidade desses fatores exercerem impacto positivo sobre o seu trabalho na escola. Somando-se às experiências de trabalho com crianças, fez-se necessário compreender o significado das características e dinâmica do trabalho do educador infantil.

Fontes de aprimoramento

Em relação às fontes utilizadas pelas educadoras para exercer e/ou aprimorar o seu trabalho na escola, foram avaliados a partir de valores escalonados em ordem de importância diferentes aspectos investigados pelo questionário, como apresenta a Figura 1.

A Figura 1 indica que, dentre as principais fontes utilizadas pelas educadoras para o aprimoramento do seu trabalho na escola, as três mais citadas foram: a experiência e a prática profissional; os cursos de atualização com técnicos ou especialistas e a troca de ideias com as colegas no grupo de trabalho, representando 80%, 75% e 75%, respectivamente. A observação do comportamento das colegas, a observação do comportamento dos pais e a sua experiência pessoal e familiar, foram destacadas pelas educadoras como as três fontes menos importantes, com 90%, 80% e 65% respectivamente.

Os dados apresentados corroboram pesquisa realizada por Cavalcante (2008), em que as categorias destacadas pelas educadoras de abrigo como as três fontes mais utilizadas para o seu aprimoramento profissional foram as mesmas ressaltadas pelas educadoras da creche onde foi realizado este estudo. Os resultados se revelaram semelhantes provavelmente por se tratar de ambientes institucionais que possuem características físicas e funcionais comuns e derivadas do fato de serem igualmente a creche e o abrigo modalidades de cuidado coletivo. Ambas as instituições infantis podem ser definidas também como contextos primários do desenvolvimento humano, uma vez que, a partir das relações ali estabelecidas, são exercidas influências sobre comportamentos sociais do educador e da criança (Bronfenbrenner, 2011; Cavalcante, 2008). Dentre as fontes menos utilizadas, a categoria observação do comportamento dos pais foi a categoria que apresentou o menor número de menções entre educadoras de creche e abrigo.

A experiência e a prática profissional apontada como principal fonte de aprimoramento profissional pela literatura da área, reforça a importância da creche e instituições infantis similares como ambientes ecológicos de experiências imediatas e concretas (Bronfenbrenner, 2011; Cavalcante, 2008), onde se materializa o trabalho com as crianças e se reconhece que o acúmulo de experiências é fundamental para o desenvolvimento do trabalho com estas. Em razão disso, pode-se relacionar a importância da experiência e a prática profissional à terceira categoria mais citada pelas educadoras, a troca de ideias com as colegas no grupo de trabalho, revelando que tais vivências são processadas no cotidiano de trabalho das educadoras. Tais experiências de trabalho são propagadas entre as educadoras e contribuem para divulgar valores e crenças de questões que consideram relevantes para o exercício da prática profissional por meio do diálogo com os pares, conhecendo e experimentando as implicações de diferentes pontos de vista entre as educadoras.

De acordo com Carvalho et al. (2004), nos dias de hoje é necessário aprimorar uma forma coletiva de promover a troca de experiências entre as equipes de educadores infantis, com a proposta de discutir temas e conceitos fundamentais de maneira coletiva, para além do contexto a que pertencem, ampliando a comunicação entre as diferentes unidades escolares.

Sobre o segundo aspecto ressaltado entre as três principais fontes de aprimoramento referente aos cursos de atualização profissional, nota-se a importância dada pelas educadoras à sua formação continuada. Tendo em vista a complexidade das relações estabelecidas no ambiente escolar e as novas demandas a serem incorporadas pelas educadoras, o aperfeiçoamento proporcionado pelos cursos de atualização, fomenta a reflexão e a inovação de práticas no cotidiano institucional dos profissionais da educação infantil (Arelaro, 2000; Craidy & Kaercher 2005; Pacífico & Gentilini, 2011; Rosemberg, 2003).

Por sua vez, as categorias que apresentaram menor valor no escalonamento das fontes de aprimoramento, como por exemplo, a observação do comportamento das colegas, pode estar sugerindo que as educadoras, apesar de levarem em conta as experiências do seu grupo de trabalho, não as tomam como referência. Assim como também não destacaram a experiência pessoal e familiar como referências decisivas na configuração de suas práticas profissionais como trabalhadores da educação infantil.

Este dado corrobora o estudo anterior de Ongari e Molina (2003), que procuraram mostrar que a experiência pessoal e familiar foram consideradas pouco importantes pelas educadoras entrevistadas, já que as habilidades adquiridas na vivência pessoal, em família, como mulher ou mãe, não foram definidas como uma das principais fontes de aprimoramento profissional. Pode-se inferir que, em razão de as educadoras entrevistadas não terem apontado a experiência pessoal como fonte significativa, evidencia-se a negação de representações que associam o trabalho em creche com práticas que têm características domésticas devido à necessidade apontada no sentido de valorizar a profissão, separando suas competências profissionais das suas competências maternas.

Isto se deve ao fato de que, enquanto os estudiosos da infância enriquecem suas concepções teóricas observando geralmente as mães na tarefa de educar seus filhos, inversamente, para as educadoras, tal experiência é negligenciada (Bondioli & Mantovani, 1998; Cerisara,1999; Ongari & Molina, 2003).

Satisfação com a profissão

Além das principais fontes de aprimoramento utilizadas pelas educadoras, foi indagado ainda o seu nível de satisfação com características específicas do ambiente institucional a partir do uso de uma escala de valores numéricos apresentada pelo questionário (1= muito insatisfeita; 2= insatisfeita; 3=nem satisfeita nem insatisfeita; 4=satisfeita; 5=muito satisfeita). O grau de satisfação foi agrupado em três categorias: de insatisfeita a muito insatisfeita (escores 1 e 2); nem satisfeita nem insatisfeita (escore 3) e de satisfeita a muito satisfeita (escores 4 e 5).

Na categoria aspectos do trabalho em creche que apresentaram os maiores níveis de insatisfação por parte das educadoras, destacaram-se o reconhecimento dos pais e familiares (40%), o salário (35%) e o ambiente físico (25%). Já em relação aos aspectos satisfatórios, os três maiores destaques foram o relacionamento com a direção da escola (75%), o acolhimento da criança em sua chegada (75%) e o relacionamento com a administração superior (70%).

Em relação à categoria reconhecimento dos pais, observou-se que o relacionamento entre os educadores e os pais dos alunos não foi apresentado como próximo e/ou satisfatório. As educadoras também não haviam considerado antes o comportamento dos pais como fonte de aprimoramento para o seu trabalho, sugerindo que há pouca proximidade entre os educadores e os pais. M. H. Cordeiro, J. E. Cordeiro, Peponelli e Georges (2006) apresentam dados semelhantes em relação à insatisfação das educadoras e o não reconhecimento de seu trabalho pelos pais, o que se configura como uma questão problemática.

A literatura mostra que creche e ambiente familiar como contextos imediatos da criança devem estabelecer uma relação de proximidade e os pais devem participar da vida escolar dos filhos (M. H. Cordeiro et al., 2006). Para tanto, tais autores concluem que estas instituições, embora diferentes entre si, devem assumir suas responsabilidades sociais, admitindo que atuam de forma complementar no desenvolvimento da criança e reconhecem o papel social que cada uma delas deve exercer na atualidade (Bondioli & Mantovani, 1998; Cerisara, 1999).

A relação entre educadores e pais, em alguns aspectos, costuma ser negligenciada, visto que não é dada importância à formação do educador infantil no que se refere ao seu preparo para lidar com os pais e a comunidade, como explica Campos (1999). Enquanto a maioria das formações se volta para questões relacionadas à criança, o relacionamento entre o educador e os pais, que é fundamental para o seu desenvolvimento, não é contemplado naquilo que especificamente toca o contexto escolar.

Aspectos cansativos do trabalho

Observou-se ainda a insatisfação em relação à quantidade de funcionários auxiliares, que pode estar relacionado à grande quantidade de alunos por educadora, dentre os tipos de dificuldades que entravam a sua adaptação para o trabalho. As educadoras ressaltaram, nesse sentido, a grande quantidade de alunos como um dos motivos para a demora por vezes sentida no seu processo de adaptação ao novo ambiente de trabalho. O que torna por vezes necessário o auxílio de outros profissionais no cuidado e educação das crianças, como por exemplo, monitores, inspetores, estagiários, dentre outros recursos humanos.

Justamente por isso, existe a consideração geral de que o trabalho das educadoras entrevistadas, em muitos aspectos, pode ser considerado cansativo. A Figura indica em ordem decrescente de importância os aspectos considerados mais cansativos pelas entrevistadas, atribuindo-se o número 1 ao aspecto mais cansativo, o 2 ao segundo mais cansativo, e assim por diante, até o menos cansativo de todos, representado pelo 7.

A Figura 2 aponta que o esforço físico (85%), as emoções intensas no relacionamento com as crianças (85%) e a comunicação com os pais (80%) estão entre os três aspectos considerados pelas educadoras como mais cansativos. Em contrapartida, o relacionamento com a direção escolar (80%), os turnos de trabalho na escola (70%) e a falta de colaboração entre as colegas no grupo de trabalho (70%) estão entre os três aspectos menos cansativos.

O esforço físico e as emoções intensas tiveram igual percentual (85%) nos aspectos considerados cansativos, revelando que o trabalho em escolas infantis exige do educador preparo físico, pois são raras as situações em que a criança pequena permite que este possa desfrutar de algum tipo de descanso, por sua completa dependência do cuidador e demandas constantes de atenção, envolvendo-o em rotinas de cuidado diversificadas, com práticas de higiene, alimentação, brincadeiras, dentre outras.

Tais atividades requerem grande esforço físico e boas condições emocionais, tendo em vista que, a escola deve promover o desenvolvimento intelectual, social, moral e emocional da criança (Siebert, 1998). Para tanto, o educador deve ter formação específica para lidar com a complexa tarefa de atender crianças na faixa-etária correspondente a educação infantil.

Outro aspecto cansativo que mereceu destaque diz respeito ao relacionamento entre educadores e pais. Este dado encontra-se em consonância com o apresentado anteriormente, uma vez que a comunicação com os pais foi considerada pelas educadoras como fonte de insatisfação no trabalho.

Atividades realizadas pelos educadores

A responsabilidade do educador com a tarefa de propiciar à criança a aquisição de capacidades motoras, psíquicas e sociais, como mostra a literatura (Luz, 2008), leva-nos a querer saber quais atividades são desenvolvidas comumente no ambiente de creche, procurando depois refletir sobre de que forma estas têm a capacidade de contribuir ou não para o desenvolvimento da criança de forma saudável e digna. A Figura 3 mostra dados sobre as atividades realizadas com maior ou menor frequência pelas educadores no espaço da instituição.

Pelo exposto, observa-se que todas as atividades apontadas pelo instrumento foram citadas pelas educadoras, sendo que as categorias que apresentaram maiores percentuais foram: pintura, colagem, modelagem (90%), desenho livre (85%) e brincadeiras dirigidas (75%). Há evidências de que a maioria das atividades citadas na avaliação tem sido desenvolvida com frequência pelas educadoras, o que pode ser avaliado como positivo, pois o desenvolvimento de atividades que estão voltadas à aquisição de diferentes competências, tende a favorecer a aprendizagem e o trabalho com crianças.

As brincadeiras, por exemplo, permitem ao educador refletir sobre as vivências, as condições e as experiências sociais das crianças que se expressam e nelas transparecem, possibilitando-lhes representarem o "faz-de-conta", imaginar situações, como por exemplo, quando assumem o cuidado parental ou demonstram poder e controle através da dramatização de outros papéis atribuídos aos adultos (Müller & Carvalho, 2009).

Os resultados apresentados descrevem a percepção das educadoras sobre as atividades que compõem a prática profissional, assim como as relações estabelecidas no contexto institucional e o papel social exercido. Papel este que reflete contradições ligadas à história da profissão e à questão das atribuições sociais relativas ao gênero (Campos, 1999; Cavalcante, 2008; Cerisara, 1999). E assim, cotidiano, sociedade e políticas públicas participam da construção da percepção destes profissionais sobre as atividades, os papéis e relações estabelecidas, elementos estes que são fundamentais na compreensão do contexto desenvolvimental como um todo e em uma perspectiva ecológica (Bronfenbrenner, 1996, 2011).

Em relação às atividades desenvolvidas, a pesquisa destacou a própria rotina de cuidados para com as crianças e a realização de atividades lúdicas e/ou pedagógicas como pintura, modelagem, colagem, desenho livre e brincadeiras dirigidas. O segundo ponto de análise ressaltou as relações estabelecidas em três níveis: com as crianças, evidenciando o esforço físico e fortes emoções nesse convívio, com os pais, cujas relações se mostraram conflituosas e cansativas, e, por fim, com os auxiliares, uma vez que foi apontado que poderiam sentir-se mais satisfeitas com o trabalho se operassem efetivamente como o suporte esperado. O último elemento desta análise refere-se aos papéis desempenhados que destacaram a nítida distinção entre o ambiente doméstico e a creche, colocando condições favoráveis à valorização social da profissão de educador infantil.

As análises e discussões propostas a partir dos resultados encontrados buscaram traçar a identidade profissional de tais educadores, considerando sua relevância social, além de reconhecer a visão que estes possuem acerca das suas atribuições profissionais, a natureza de seu trabalho e o compromisso com a promoção do desenvolvimento infantil. Questões essas que revelam a centralidade da criança e a força do argumento que considera que ela se desenvolve em contextos diversificados.

 

Considerações finais

Estudos, pesquisas e indicadores sociais apontam que a qualidade do ensino depende de fatores de ordem física, gerencial e social da escola que vão, desde a comunidade onde esta é inserida até as decisões sobre as políticas educacionais que são tomadas nos âmbitos municipal, estadual e federal (Bronfenbrenner, 2011). No entanto, a presença do educador é fundamental nesse contexto, tendo em vista que nenhuma política educacional pode ser pensada sem primeiramente se olhar para os profissionais que materializam o ensino no ambiente escolar.

São os educadores que se relacionam de maneira mais intensa com as crianças cotidianamente, participando ativamente da construção da sua trajetória de desenvolvimento. Ao lidarem com a criança, os educadores devem ainda atentar para as famílias e/ou cuidadores com os quais compartilham a importante missão de educá-las, levando em consideração aspectos do cuidado, vivências, educação da criança, dentre outros. Nesse sentido, a presente pesquisa revelou aspectos que merecem destaque na relação do educador com o aluno, sua família e a própria escola, tais como: o relacionamento com os pais, aspectos cansativos do trabalho e atividades realizadas.

Conhecer os aspectos cansativos do trabalho de educadoras infantis auxilia na reflexão de possíveis melhoramentos nas práticas profissionais, assim como em intervenções institucionais que possam operar na prevenção do desgaste físico e emocional dos educadores. Pensar o quanto as práticas das educadoras se apresentam como cansativas reflete aspectos que marcam a própria relação com a criança, uma vez que se mostra diferente e muitas vezes oposta à lógica de um adulto. Soma-se a essa tarefa complexa o compartilhamento dos cuidados e educação com os pais, que, assim como com a criança, provoca uma série de confrontos sobre o que é certo e como se deve agir.

Tais questionamentos revelam a importância do reconhecimento do perfil desses profissionais que se ocupam de um trabalho educativo, de caráter intencional cujos objetivos principais remetem à promoção do desenvolvimento infantil (Cerisara, 1999; Bronfenbrenner, 1996). O papel por esses assumidos definem a creche como um contexto primário de desenvolvimento onde são repassados valores e condutas sociais que em última instância promovem ou não condições mais favoráveis ao aprendizado contínuo da criança.

Ressalta-se, deste modo, a necessidade de se investir em novos estudos que evidenciem o perfil dos educadores, assim como seu papel, que deve ser pensado e repensado socialmente. Isso ocorrerá a partir de pesquisas que busquem reconhecer o que pensam os educadores infantis sobre as práticas desenvolvidas, tendo em vista sua efetiva afirmação social e política, aspecto que levará ao reconhecimento das creches como contextos ecológicos importantes ao desenvolvimento na primeira infância.

 

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Endereço para correspondência:
Rua Augusto Corrêa, número 01, Guamá
Belém/PA, Brasil. CEP: 66075-970
E-mail: pamella.alvarez@gmail.com

Recebido em 03 de Fevereiro de 2012
Texto reformulado em 01 de Novembro de 2012
Aceite em 03 de Novembro de 2012
Publicado em 22 de Dezembro de 2012