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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.21 no.1 Ribeirão Preto jun. 2013

http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.1-20 

ARTIGOS

 

Incidência de parricídio no Brasil

 

Parricides incidence in Brazil

 

Parricidio en Brasil

 

 

Paula Inez Cunha GomideI; Ana Maria Freitas TecheI; Simone MaiorkiI; Singra Mara Nadal CardosoII

IPrograma de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, Brasil
IIFaculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O estudo levantou dados relacionados à incidência de crimes de parricídio no Brasil, por meio de reportagens publicadas via online em jornais de grande circulação no país e catalogados em sites de busca na internet, ocorridos entre os anos de 2005 a julho de 2011. Foram levantados 246 casos. Os principais resultados mostraram que dois terços dos parricidas matam os pais (homens) e 86% deste crime é praticado pelo sexo masculino. A maioria comete o crime sozinho (88%) e os que recebem ajuda para o homicídio, em geral, a recebem da própria família (irmãos, mãe, marido, namorado, etc). São poucos os que recorrem a estranhos para cometerem o homicídio (9 casos). A arma mais utilizada foi a arma branca (55,4%), seguida por arma de fogo (17,1%) e utensílios domésticos (16,3%), tais como frigideira, martelo, entre outros. Diferente dos crimes comuns, estes homicídios ocorrem preferencialmente em casa (90,2%). Os motivos relatados pela imprensa são na maioria fúteis, como discussões ou por problemas mentais. No entanto, a literatura da área mostra que os filhos matam seus pais em função dos maus tratos (físicos, psicológicos e sexuais) sofridos na infância. Estes motivos dificilmente serão informados aos policiais e jornalistas durante a prisão do parricida.

Palavras chaves: Incidência, Parricídio, Brasil.


ABSTRACT

The present study gathered data related to the incidence of parricide crimes in Brazil, through news reports published online on major circulation newspapers in the country and listed on search engines on the Internet, which happened between 2005 and July of 2011. There were 246 cases gathered. The main results have showed that two thirds of parricides kill their fathers, and 86% of such crime is committed by males. Most of them commit the crime by themselves (88%) and those who are helped in the homicide are usually helped by family members (siblings, mother, husband, boyfriend, and so forth). Few resort to strangers to commit the homicide (9 cases). The most used weapon was the white weapon (55,4%), followed by firearms (17,1%) and household tools and utensils (16,3%), such as frying pans, hammer, among others. Unlike common crimes, this kind of homicide takes place preferably at home (90,2%). The reasons reported by the press are mostly futile, as arguments or mental problems. However, the field literature shows that children kill their parents due to abuse (physical, psychological, and sexual) endured in childhood. Such reasons are hardly reported to police officers and journalists when the parricide is arrested.

Keywords: Incidence, Parricide, Brazil.


RESUMEN

El estudio recolectó datos relativos a la incidencia de los delitos de parricidio en Brasil, a través de los informes publicados por los principales periódicos del país, en la internet, y que se encuentran en sitios de búsqueda en la web, producidos de 2005 a julio de 2011. Los casos recolectados fueron 246. Los principales resultados mostraron que dos tercios de los parricidas matan a sus padres (hombres) y el 86% de los delitos son cometidos por varones. La mayoría de los delincuentes comete el crimen solo (88%) y los que reciben ayuda para el asesinato, generalmente, reciben de su propia familia (hermanos, madre, esposo, novio, etc.) Son pocos los que confían en desconocidos para cometer asesinato (9 casos). El arma o herramienta más utilizada fue el arma blanca (55,4%), seguido por las armas de fuego (17,1%) y artículos para el hogar (16,3%), como el pan, martillo, entre otros. A diferencia de los delitos comunes de este asesinato se produce preferentemente en el hogar (90,2%). Las razones relacionadas por la prensa son, en su mayoría inútiles, como discusiones o problemas mentales. Sin embargo, investigaciones anteriores muestran que los niños que matan a sus padres, lo hacen porque hubieron recibido maltrato (físico, sexual y psicológica) en la infancia. Estas razones son poco probables ser reportado a la policía y la os periodistas durante la detención del parricida.

Palabras clave: Incidencia, Parricidio, Brasil.


 

 

As notícias sobre filhos que matam os pais sempre causam uma grande comoção social. No Brasil, o caso de Suzana von Richthofen, que matou os pais, com a ajuda do namorado e seu irmão, em outubro de 2002, foi discutido em todas as instâncias da mídia nacional. Vários jornalistas e especialistas tentaram explicar o crime, interpretando, criticando e condenando a autora e seus cúmplices. O parricídio, morte de um dos pais pelo próprio filho, é um crime que horroriza a todos e levanta questões contra a natureza humana. Filhos, normalmente amam seus pais e pais, em geral, cuidam e amam seus filhos.

Etimologicamente, a palavra parricídio vem do latim parricidium, de parens (pai e mãe) e caedere (matar). Entretanto, parens também comportava o sentido de parentes. Antigamente parricídio também exprimia a ideia de tanto ser crime do pai que matava o filho, como do filho que matava o pai. Nas antigas leis romanas, o parricídio também significava o assassinato de uma pessoa que não fosse parente (Cruz, 2005).

Felizmente, esses assassinatos são eventos muito raros, representando 2% dos crimes cometidos (Heide, 1989; Palermo, 2010).

No Chile, a frequência de parricídios é de 4,97% entre os homicidas condenados. Segundo dados do Ministério Público durante o ano de 2007 e no primeiro semestre de 2008, foram registrados 196 crimes de parricídio. Os autores apontam que a grande maioria dos parricidas é do sexo masculino, com uma taxa de 6:1 entre Homens/Mulheres (Galleguillos, Leslie, Tapia, & Aliaga, 2008). A frequência de parricidas no Canadá e nos Estados Unidos permanece constante em uma taxa de 4% entre os homicídios resolvidos, em uma proporção de nove parricidas do sexo masculino para um do sexo feminino (Marleau, 2002).

Muitos estudos sobre parricídio apontam a grande incidência de portadores de doenças mentais entre os agressores (Dutton & Yamini, 1995). Hillbrand e Cipriano (2007) informam que 25% dos autores deste tipo de homicídio são psicóticos. Gomide e Pinheiro (2006) encontraram uma taxa de 43,47% que sofriam de algum tipo de doença mental entre os parricidas do Estado do Paraná. Marleau (2002) diz que a maioria dos adultos parricidas sofre de patologia mental severa, especialmente a esquizofrenia (na forma paranoide, com ideias delirantes e alucinações).

Boots e Heide (2006), em uma amostra de 226 casos, encontraram 282 criminosos, sendo que em 82% destes crimes, apenas um autor foi responsável pelo crime, nos demais casos, o crime foi cometido por mais de um participante. Um único incidente envolveu cinco infratores. Em 59% dos crimes uma vítima foi morta; duas pessoas foram mortas em 26% dos casos; três vítimas em 8% dos incidentes; quatro pessoas em 4% dos parricidios; 3% dos casos foram cinco vítimas e registram um caso onde foram 10 vitimas (0,4%). Os autores encontraram 62% de matricídios, 61% de patricídios, 1% em que a vítima era a madrasta e 4% os padrastos. Nesta amostragem, em 25% dos casos, os parricidas mataram ambos os pais. A amostra de Marleau (2002) encontrou que duplo parricídio é de 10% do total de casos.

Marleau (2002) procurou uma relação entre parricídio e filhos únicos. Seus resultados, em uma amostra de 233 casos, publicados em jornais de língua inglesa e francesa entre os anos de 1940 e 2000, indicaram que adultos parricidas são muito frequentemente precedidos de pelo menos um irmão ou/e uma irmã, diferentemente dos parricidas jovens que são os primeiros a nascer ou são filhos únicos. Os dados do autor indicam igualmente que as mães biológicas, comparativamente aos pais biológicos são mais frequentemente mortas quando o menino é o único filho da família. Os adolescentes parricidas são frequentemente filhos únicos ou caçulas. Não há diferença quanto à ordem de nascimento para matricida ou patricida; sendo que 62% dos matricidas não tinham pai ou estes eram ausentes.

Heide (1992) relaciona algumas características de pessoas que mataram os pais a partir de 50 casos estudados: (a) Evidência de violência familiar, ou seja, estas crianças foram severamente abusadas verbal e psicologicamente, além de haver registros de abuso físico e sexual por parte de seus pais; (b) Tentativas de fugir da situação sem sucesso; (c) Tentativas de suicídio; (d) Isolamento dos pares; (e) Aumento gradual e intolerável da situação familiar aversiva, isto quer dizer que elas matam quando sentem que ninguém pode ajudá-las, percebem a impossibilidade de mudar a situação familiar, deparam-se com a impossibilidade de lidar com a situação e acreditam que não tem outra escolha a não ser a morte do pai ou da mãe; (f) Normalmente são réus primários, pois não há registros anteriores de comportamento criminoso; (g) A arma do crime está disponível em casa; (h) Os pais são usuários de álcool e outras drogas em casa; (i) Registro de amnésia após o assassinato, não se lembram do ato, nem dos momentos que o antecederam ou precederam e (j) A morte da vítima é percebida com alívio pelos envolvidos, eles não se sentem criminosos.

Entre os homens parricidas, o perfil de maior frequência seria o de adultos com alta prevalência de transtornos psiquiátricos, em especial a esquizofrenia e consumo de álcool ou drogas, ou seja, o perfil típico de um parricida adulto corresponderia a um homem jovem, solteiro, desempregado, que vive com a vítima, sofre de esquizofrenia e abusa de álcool e drogas e que tenha suspendido um tratamento. Quase todos os estudos mostram uma alta prevalência de psicose (40%) no parricídio, e por outro lado, este crime representa uma parcela significativa (até 30%) dos homicídios cometidos por pacientes psicóticos (Galleguillos et al., 2008).

Wertham (1941) entende que o matricida é um indivíduo jovem, bem ajustado, não delinquente, que teve um relacionamento ambíguo com a mãe, de excessivo afeto e excessiva hostilidade, e segundo este autor este conflito somente se resolve com um ato violento. Green (1981) estudou 58 homens que mataram suas mães. Seus dados mostraram mães dominantes e possessivas, enquanto seus filhos eram passivos e dependentes com fortes sentimentos de inferioridade sexual e social.

Daly e Wilson (1988) observaram que a partir de dados canadenses coletados entre 1974 e 1988, que as mães atacadas por suas filhas ou filhos, deram a luz a seu agressor relativamente tarde dentro da sua etapa reprodutiva. Desta amostragem, 54% dos filhos que agrediram sua mãe, nasceram depois que sua mãe tinha mais de 30 anos (dentro da população geral canadense, a proporção era inferior a 20%).

Galleguillos et al. (2008), em um estudo de 17 mulheres parricidas, encontraram que 82% delas mataram as mães, sendo que 65% apresentavam um quadro psicótico e 17,6% tinham um transtorno de personalidade. No mesmo estudo, as descrições falam sobre mulheres solteiras, de meia-idade (matricidas, média de idade de 39,5 anos e patricidas 21,3 anos), vivendo sozinhas, socialmente isoladas, com uma mãe dominadora e com uma relação simbiótica. Os autores destacam que entre as três patricidas (assassinato do pai), duas cometeram o ato sem transtornos psiquiátricos e contra pais violentos.

No início da década de 1980, uma série de relatos populares de adolescentes que mataram os pais indicou que esses jovens foram vítimas de maus tratos infantis (Heide, 1994). A autora estudou casos de parricidas e identificou abuso sexual secreto evidente em 10 dos 11 casos. Negligência física, em termos de negação das necessidades básicas (comida, abrigo, calor) foi perceptível em cinco dos 11 estudos; a negligência emocional foi aparente em cinco dos casos. O incesto emocional apareceu claramente em oito destes estudos. A constatação de maus tratos na infância foi comum aos 11 parricidas. Estes resultados fornecem um indicativo adicional de que a compreensão do fenômeno de maus tratos na infância é fundamental para desvendar a dinâmica que impulsionam alguns adolescentes a matar seus pais.

Ackerman (1986) introduziu o termo "incesto emocional" para se referir ao abuso sexual emocional, que frequentemente é acompanhado de negligência. São pais que usam a criança como se fosse o seu parceiro, tomando-as como confidentes, discutindo sua relação sexual com o marido ou esposa, obrigando a criança a tomar partido contra o parceiro (a).

Para Hutz (2002) esses diferentes tipos de abuso costumam acontecer de forma simultânea, isto é, a criança abusada sexualmente também tende a ser vítima de abuso psicológico. O autor ainda coloca que o abuso pode ser considerado uma experiência de vida negativa ou estressante, uma vez que sua ocorrência acarreta um alto grau de tensão, interfere nos padrões normais de resposta e pressupõe uma alta probabilidade de desenvolvimento de algum tipo de desordem.

Situações de maus-tratos são entendidas como todos os atos cometidos ou omissões na proteção da criança que resultem em danos físicos, emocional, intelectual ou social, perpetrados pelos responsáveis por seu bem-estar (Farinatti, Biazus, & Leite, 1993). Atualmente, a World Health Organization (1999) considera que a incidência de maus-tratos da criança é um problema de saúde pública mundial e apresenta a estimativa de que 40 milhões de crianças no mundo são vítimas de alguma forma de abuso, necessitando de cuidados de saúde e intervenções sociais.

Hutz (2002) agrupa os maus-tratos em quatro categorias: (a) abuso físico, (b) abuso sexual, (c) abuso emocional e (d) negligência. O abuso físico consiste em todo o ato que resulte em lesões físicas na criança, como, por exemplo, dar socos, chutar, bater, morder, queimar, sacudir. Em geral, a criança apresenta sinais físicos da lesão que variam desde hematomas e cicatrizes até fraturas e danos internos de órgãos.

O abuso sexual consiste no envolvimento da criança em atividades que ocasionem a manipulação dos órgãos genitais infantis ou do agressor, masturbação, ato sexual genital ou anal, estupro, sodomia, exibicionismo, pornografia, enfim, toda atividade sexual que seja realizada por um adulto ou criança com mais idade do que a vítima. Em geral, os casos de abuso sexual ocorrem com maior frequência em meninas e se caracterizam por situações de incesto na família (Finkelhorn & Dziuba-Leatherman, 1994).

O abuso emocional se caracteriza principalmente por atitudes e condutas perante a criança que ocasionem medo, frustração, experiências de temor quanto à própria integridade física e psicológica (confinar a criança num quarto escuro por longo período de tempo), ameaças verbais com conteúdo violento (verbalizações ameaçando a criança de morte, abandono, castigo físico doloroso), ou emocional (denegrindo, ofendendo, provocando a criança). Essa categoria de abuso comumente ocorre com as outras categorias (Hutz, 2002).

A negligência da criança, junto com o abuso físico, é a forma mais frequente de maus-tratos. Consiste de atos de omissões que causem danos psicológicos, cognitivos e físicos à criança. São falhas em prover as condições mínimas de sobrevivência e atenção às necessidades básicas da criança, de afeto, alimentação, educação, supervisão e cuidado. Nesta categoria, também são considerados os casos de exposição da criança à episódios de violência familiar, uso de drogas, prostituição e os casos de abandono da criança por período de tempo significativo sem supervisão adequada, seja em casa ou na rua (Wolfe, 1999).

Garbarino (1999) destaca que, entre outros fatores de risco, ter uma história de abuso eleva em duas vezes as chances de um jovem cometer um assassinato. Haapasalo (2000) também afirma que crianças abusadas estão em alto risco para o desenvolvimento de comportamentos criminais e antissociais nas fases posteriores do desenvolvimento. De acordo com este autor, o abuso na infância desencadeia sintomas de estresse pós-traumático. Este estresse, por sua vez, se torna crônico e se transforma nas condutas antissociais posteriores.

Hillbrand, Alexandre, Young e Spitz (1999) apresentam inicialmente duas explicações para este delito, considerando a idade do parricida: em adultos pode ocorrer quando o indivíduo é mentalmente doente; já em adolescentes frequentemente ocorrem em vítimas de abuso sexual e físico, ou seja, para estes adolescentes matar seus pais se apresenta como a única maneira de escapar da situação. Por outro lado, os estudos de Baxter, Duggan, Larkin, Cordess e Page (2001) indicam que a associação entre parricidas e doença mental não é muito forte. Apenas 10% deles estão em hospitais psiquiátricos

Segundo Palermo (2010) a humilhação devido aos reincidentes abusos físicos, psicológicos e sexuais podem ser os fatores desencadeadores do parricídio, se tornando, para a criança ou jovem abusado, uma tentativa de recuperar a respeitabilidade. O fator mais comum nessas manifestações violentas é a raiva destrutiva. Raiva pode realmente ser tanto externa ou autodirigida e, muitas vezes se desenvolve durante as interações conflituosas entre os membros da família. Elas ressurgem, com maior intensidade, em condições excepcionalmente estressantes, como a desinibição, a doença mental, alcoolismo ou o agravamento das tensões familiares.

Heide (1992) classificou o parricida de acordo com sua principal motivação para o crime: (a) crianças ou adolescentes severamente abusadas (severely abused child); (b) criança ou adolescente com uma doença mental grave, tais como psicose ou retardo mental (severely mentally ill child) e (c) a criança ou adolescente perigosamente antissocial (dangerously antisocial child). Dentro dos grupos acima referidos, o mais importante é a criança abusada, que comete o parricídio em defesa própria no contexto de uma situação de abuso. Nestes casos é mais provável que os adolescentes que cometem os atos sozinhos, o façam em situações onde os pais estão desprevenidos (dormindo, sentados assistindo TV, etc).

Para Sadoff (1971) em muitos casos de parricídio existia uma relação neurótica entre a vítima e seu assassino, na qual o pai ou a mãe ameaçava a criança excessivamente e a punia ao ponto de levá-la a uma violenta explosão. Adolescen-tes parricidas são mais isolados socialmente e têm história de comportamento antissocial muito mais leve, quando comparada a adolescentes que mataram outras pessoas que não os pais, afirmam Singhal e Dutta (1990).

As pesquisas de Boots e Heide (2006), Corder, Ball, Haizlip, Rollins e Beaumont (1976), Heide (1989, 1992, 1993, 1994), Marleau (2002) e Surette (1989), têm sido realizadas por meio de fontes secundárias, ou seja, em reportagens publicadas em jornais. Gomide e Pinheiro (2006), por meio de uma autorização especial da Secretaria de Segurança do Estado do Paraná tiveram acesso aos registros informatizados dos homicidas do estado. As autoras levantaram os casos de parricídio entre os homicidas e encontraram, que entre 957 presos por homicídio, 19 estavam presos por terem cometido parricídio (1,98%). Esta percentagem é similar aos dados encontrados por Heide (1993) e Marleau (2002). A utilização de artigos publicados pela mídia como fonte de informação permite que se caracterize este crime tanto do ponto de vista de quem comete o crime (homem, mulher, adolescente ou adulto), de quem é a vitima (pai, mãe ou ambos), arma utilizada e local do crime. Estas informações são úteis para serem comparadas com outros tipos de homicidas, visto que a tipologia do crime é um dos fatores relevantes para o estudo da psicologia criminal.

Programas de intervenção para presos visando sua reinserção social dependem de uma correta classificação dos infratores, visto que os determinantes do comportamento criminoso são variados e requerem metodologia de intervenção especificas (Bartol & Bartol, 2008). Agressores sexuais, agressores domésticos, traficantes, latrocidas ou parricidas têm motivações distintas para cometer crimes. O entendimento desta variabilidade permite maior eficácia da intervenção.

Objetivo

O estudo levantou dados relacionados à incidência de crimes de parricídio no Brasil, por meio de jornais de grande circulação no país.

 

Método

Reportagens de Jornais de Grande Circulação

Os dados foram coletados em 246 reportagens escritas sobre parricídio. Os crimes ocorreram entre os anos de 2005 a 2011 e as reportagens foram publicadas em jornais de grande circulação das várias regiões do Brasil: Gazeta do Povo, A Tribuna, Paraná Online, Folha de Londrina (Paraná); O Globo, Jornal do Brasil e Extra (Rio de Janeiro); Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, Jornal da Cidade (São Paulo), Correio Braziliense e Jornal de Brasília (Brasília); O Progresso (Mato Grosso do Sul); Zero Hora, Diário de Canoas (Rio Grande do Sul); Diário de Cuiabá (Mato Grosso); O Estadão; Super Notícia; Ibahia;Marcus Nunes; Noroeste Online; O Dia Online; Último Segundo; Globo.com; Jornal Pequeno; Costa Rica News; Terra; Jornal da Economia; Bonde; Gnotícias;Comércio da Franca; JC online; Região Noroeste;Campo Grande News; Verdes Mares; TV Morena; Diário Catarinense; Portal R7; Radio da Cidade; Portal Rolândia; Hora da Notícia; Diário da Informação; Diário do Campo; Tv Canal 13; Repórter News; Diário Web; Cordeiro Virtual; Portal só Agitos; Jornal a Bigorna;Hoje em Dia; Diário de Natal; Brasil Cruel; O Correio Goiânia; Diário do Interior; Fatos e Notícias; Macaíba em Foco; TV União; Alagoas 24Horas; Teixeira News; Notícias de Ipiaú; Site do Bareta; Bahia Notícias; Alo cidade; News Iteixeira; Cidade Verde; Diário do Pará; Fundação Educadora; Extra Lagoas; Cada Minuto; Tudo na Hora;Notícias do Sertão; Cabuloso; Tribuna da União; Tudo na Hora; Notícia Livre; A Tarde Online; Feijó Acre; Portal do Envelhecimento; Portal AZ; Notícia Gospel Mais; Cordeiro Virtual; Tudo Global; Jornal NH; Uol.

Instrumentos

Foi construída uma folha de registro contendo data da notícia; fonte; local (região do crime), idade e sexo do infrator; idade e sexo da vítima; local onde o crime foi executado, arma utilizada e motivo explicado na reportagem.

Procedimento

Os dados foram obtidos por meio de pesquisa na Internet, digitando-se o nome do jornal e as palavras: "filho (a) mata pai", "filho (a) mata mãe", "parricídio", "parricida", "matricida", "crime contra pai", "crime de filho contra pai". Os artigos sobre parricídio foram impressos e seus dados transcritos para a folha de registro.

 

Resultados e Discussão

Os 246 casos de parricídios divulgados pela mídia escrita do Brasil no período de 2005 até julho de 2011 distribuíram-se de maneira similar entre três regiões brasileiras: na região Sul (25,6%), Sudeste (31,7%) e Nordeste (28,5%). Nas regiões Norte (4,5%) e Centro-Oeste (9,3%) a incidência da notícia foi menor. Estes dados refletem informações obtidas nos principais jornais, porém certamente não esgotam os casos de parricídios ocorridos neste período. Por mais que a mídia aborde assuntos impactantes e sensacionalistas, provavelmente não noticiam a incidência real do parricídio, provavelmente devido às dificuldades de acessibilidade aos casos ocorridos. O baixo número de casos encontrados na região norte e centro-oeste pode estar relacionado à escassez de meios de comunicação nesta região do país ou, talvez, às influências políticas, sociais e culturais. Boots e Heide (2006) relatam que em alguns países fora dos EUA, informações sobre casos de parricídio não podem ser divulgados pela imprensa, ou podem ser limitadas por autoridades do governo.

No ano de 2003 nos EUA as pesquisas encontraram uma cobertura de 226 casos disponíveis online. Os relatos de casos de parricídio cobertos pela mídia são poucos, em relação à sua real ocorrência, segundo a literatura os casos analisados estarão mais propensos a incluir aqueles que envolvem criminosos mais jovens ou que extraordinariamente cometeram crimes mais incomuns ou bizarros, pois nestas circunstâncias são mais susceptíveis a serem consideradas notícias (Boots & Heide, 2006; Surette, 1989).

As notícias veiculadas encontradas nos jornais aumentaram em frequência com o passar dos anos, a saber, 2005 (21), 2006 (12), 2007 (20), 2008 (24), 2009 (56), 2010 (76), até julho de 2011 (37). De alguma forma a mídia, com o passar dos anos, passou a se interessar mais por este tipo de notícia.

Alguns relatos de jornais (7,3%) não identificaram a idade do autor do parricídio, apenas o sexo. Mas a grande maioria forneceu as informações necessárias para a tipificação do crime quanto ao gênero e idade. A Tabela 1 mostra que este é um crime praticado, em sua maioria, por homens e adultos. Os adolescentes masculinos são 15,4% da amostra e tem idades que variam de 11 a 18 anos. As mulheres parricidas são em menor número, e não há muita diferença entre adolescentes e adultas. Observa-se que o parricídio é um crime que pode ser cometido por pessoas com pouca idade (11 ou 12 anos) e ainda ocorre no final da vida adulta (entre 55 e 58 anos). A relação encontrada foi de nove homens para uma mulher.

Marleau (2002) encontrou que 89% dos parricídios foram praticados por homens e 11% por mulheres, obtendo uma correlação de 9 parricidas do sexo masculino para um do sexo feminino. Os dados do autor mostraram uma incidência de 34,6% de adolescentes do sexo masculino e de 8,4% adolescentes do sexo feminino. Boots e Heide (2006) encontraram que a idade dos parricidas variou de 6 a 59 anos, com idade média de 22 anos. A relação encontrada pelos autores foi de 8 homens para 2 mulheres. Os resultados deste estudo são muito similares aos de Boots e Heide (2006) e Marleau (2002).

A Tabela 2 mostra claramente que o parricídio no Brasil é praticado principalmente em relação aos pais - homens, independentemente do sexo e da idade do infrator. O crime de matricídio ocorre com maior frequência entre os homens, sendo adultos (20,3%). Matar ambos, pai e mãe, não é frequente, apenas 3,7% dos relatos mostraram este tipo de crime. Menos frequente ainda é o homicídio dirigido a outros membros da família, como irmãos ou irmãs. Foram encontrados somente cinco casos onde se relatava que, além dos pais, o parricida havia matado irmãos.

Crimes de patricídio ocorreram em 71,1%, enquanto que os de matricídio em 25,2% dos casos, o que significa que patricídios ocorrem quatro vezes mais que matricídios.

Heide (1993) fez um levantamento através do SHR (FBI Suplementary Homicide Report) que é um banco de dados sobre homicidas nos Estados Unidos e encontrou 1368 parricídios e 887 matricídios, de 1977 a 1986. Da amostra estudada 20% tinham menos de 18 anos e 80 % eram adultos. Entre os jovens 72% mataram os pais e 28 % as mães e entre os adultos 58 % eram patricidas e 42% matricidas.

De acordo com Hillbrand et al. (1999), o parricídio é um crime predominantemente de homem para homem, de "filho para pai", apesar de essa predominância ter diminuído nas recentes décadas. Pagani et al. (2004) relatam que amostras epidemiológicas apresentam predominância do sexo masculino em casos mais extremos de agressão contra os pais e nas famílias onde as mães são vítimas de violência por parceiro.

A arma mais utilizada no crime de parricídio no Brasil é a arma branca (55,4%). A faca foi a arma do crime em 100 casos (40,5%), e foi usada junto com outros instrumentos em 8 situações. Também foram utilizadas foices (10), facões (4), machados (12), enxadas (6), serra de pão (1), serrotes (1), tesouras (1), cutelo (1) e estilete (1). Em segundo lugar apareceu a arma de fogo (17,1%), onde foram registrados revolveres (36), espingardas (4), pistolas (1) e garrucha (1). Em terceiro lugar apareceram os utensílios domésticos que serviram como arma do crime (16,3%). Os instrumentos foram os mais variados possíveis: pedras (5), frigideira (1), marreta/ martelos (5), tijolo (1), pau/madeiras (16), panela de pressão (1), barras de ferro (3), antena de telefone sem fio (1), travesseiro (1), plástico (1), cadeira (1), botijões de gás (1), corda de varal (1), pé-de-cabra (1) e cavador (1). Em quarto lugar os parricidas usaram as mãos para cometer o crime (5,2%). Foram registrados: espancamentos (4), enforcamento (1), estrangulamento (3), degolamento (1), asfixiamento (4). E, por fim, apareceram outras formas para cometer o homicídio, bem menos frequentes (2%): incêndios (2), envenenamento (1), eletrocutamento (1) e atropelamento (1). Em dez dos casos pesquisados a notícia não relatava a arma utilizada no crime. Em 29 casos o parricida usou mais de uma arma para cometer o homicídio, combinando utensílios, com arma branca e utilizando as mãos. É importante que se perceba que os instrumentos utilizados pelos parricidas foram objetos encontrados nas casas e que se transformaram em armas no momento do crime. Os relatos dos jornais apontaram que o instrumento foi empregado inúmeras vezes, muito além do que seria suficiente para produzir a morte da vítima, indicando uma dinâmica de compulsividade no momento do delito.

O relatório interno da Secretaria de Segurança do Estado do Paraná (2012), referente aos homicídios de 2010 e 2011, analisa 1437 casos cometidos na cidade de Curitiba. A arma mais utilizada é a de fogo (81,49%). A arma branca é usada apenas em 8,56% dos casos. Os outros meios, que incluem utensílios domésticos, asfixias, estrangulamento, entre outros, é praticado em 2,16% dos homicídios.

No Brasil, o uso da arma de fogo em parricídios (17,1%) é menor que em países como o Canadá e Estados Unidos. Naqueles países a maior incidência de crimes cometidos são com arma de fogo, que estão disponíveis em casa (Heide, 1993). No estudo concluído por Boots e Heide (2006) as armas usadas estavam disponíveis em 219 casos e as armas de fogo foram utilizadas em 39% dos incidentes, seguidas por uso de facas e instrumentos cortantes (20%). Shon (2010) coletou e analisou os registros arquivados do New York Times e Chicago Tribune, no período entre 1951 e 1999, totalizando 231 casos, e mostrou que o método mais comum de matar era uma faca ou uma arma de fogo.

Os dados também mostraram que a expressiva maioria dos crimes ocorreu em casa (95,5%), sendo 27 no quarto, 6 na cozinha, 1 no banheiro, 3 na sala, 1 no jardim, 4 na frente da casa e em 193 casos não foi especificado o cômodo da casa onde ocorreu o delito. Apenas 2 homicídios (1%) não ocorreram em casa, sendo 1 em frente ao posto de saúde e 1 numa festa em família. Em 3,5% dos casos a notícia não esclareceu onde o crime ocorreu. Os crimes comuns, executados por assaltantes ou traficantes, são realizados em bares ou nas ruas, longe de suas famílias. Os dados deste estudo mostraram quão peculiar e atípico é este crime.

Estes dados contrastam com os de homicídios comuns obtidos via Relatório Interno da Secretaria de Segurança do Estado do Paraná (2012) que aponta que a maioria dos crimes ocorre em via pública (40,85%), em terrenos baldios, matagais, valetas (12,67%), no bar (7,24%), no interior de veículos (4,18%) e no trabalho (3,13%). Os crimes cometidos em casa (8,49%) ou próximo a casa (9,60%) representam a minoria.

As reportagens dos jornais consultados apresentaram vários motivos para o crime: abusos, maus-tratos, defesa da mãe e ou irmãos, legitima defesa, discussão, por dinheiro, para comprar drogas, problemas mentais, depressão, bebedeira. Muitas reportagens não trouxeram o motivo ou se referiram a questões banais para explicar a tragédia, como "após uma discussão", "não quis dar o dinheiro do dízimo".

Uma notícia mostrou que o crime ocorreu por acidente, por exemplo, no caso do atropelamento, o adolescente pegou o carro sem autorização e a mãe colocou-se na frente, sendo atropelada, configurando um homicídio culposo, sem intenção de matar. Optou-se por relatar todos as notícias, mesmo que algumas delas não se configurem exatamente como um crime de parricídio, ou seja, de homicídio doloso, com intenção de matar. A maioria dos motivos relatados nos jornais poderia ser classificada como fútil, ou seja, 35,62% por discussões, 6,8% por xingamentos ou similares, 4,45% por vingança ou autoritarismo. Em 21,8 % dos casos aparecem problemas mentais ou psicológicos como sendo a causa do crime. A defesa da mãe ou de outros familiares representou 13,3 % dos motivos elencados e a questão financeira foi apontada em 9,31% dos casos. Apenas em 8,9% dos casos foi relatado que o motivo do parricídio tinha a ver com maus-tratos, tentativa de estupro e legitima de defesa, que é um dos determinantes mais enfatizados pela literatura.

Os dados acima relatados são compatíveis com os resultados obtidos por Boots e Heide (2003), no qual 51% dos incidentes foram motivados por luta e/ou raiva, 33% abuso, 24% dinheiro e/ou seguro, 17% doença mental, 11% álcool e/ou drogas. A pesquisa também mostrou que os parricidas nos Estados Unidos em comparação com suas contrapartes não americanas foram classificados como severamente abusados (36% versus 42%), e os pacientes diagnosticados como doente mental foram 22% nos EUA e nos países não americanos 19%. Comparando com os homicídios em geral verifica-se que 67% dos crimes tem algum tipo de envolvimento com drogas ou tráfico, 19,97% são devido a rixas e 4,52% são passionais (Secretaria de Segurança do Estado do Paraná, 2012).

Vários autores encontraram uma relação positiva entre parricídio e formas de abuso (Corder et al., 1976; Duncan & Duncan, 1971; Heide, 1992; McCully, 1978; Post, 1982; Russel, 1984; Sadoff, 1971; Sargent, 1962; Scherl & Mack, 1966; Tanay, 1973; Wertham, 1941). Em onze estudos analisados 91% deles relacionaram parricídio com alguma forma de abuso sexual; 82% com abuso psicológico e 73% com abuso físico infantil e da esposa, negligência física e médica, e incesto emocional.

Entre os dados relatados neste estudo po-de-se verificar que poucos parricidas tentaram esconder o corpo após a morte (9,7%), a maioria o deixou no local do crime. Infelizmente, 22% das notícias não informaram onde o corpo havia sido encontrado. Segundo vários autores (Boots & Heide, 2003; Gomide, 2010) os crimes de parricídio se resumem na única forma encontrada pelo agressor de por fim ao seu martírio ou ao martírio de alguém próximo de si, portando, praticar o crime no local onde os abusos e os conflitos aconteciam e não esconder o corpo pode ser uma maneira de concretizar o termino do sofrimento. Gomide (2010) relata um caso onde o agressor depois de matar sua mãe, sentou-se e sentiu um enorme alivio, lavou o sangue e retirou o corpo da cena do crime com o intuito de apagar os vestígios de sua presença na casa.

Em alguns casos, os parricidas recorreram a outras pessoas para cometerem o crime. Os dados consultados revelaram que 218 praticaram o crime sozinho (89%) e 27 deles tiveram ajuda (11%). Dos adolescentes que precisaram de ajuda para cometer o crime 10,7% eram do sexo feminino e 7,1% do sexo masculino, entre os adultos, 35,7% eram mulheres e 46,5 eram homens. Os dados mostram que não houve diferença significativa entre gêneros, ou seja, 46,4% dos que tiveram ajuda eram mulheres e 53,6%, homens. Dentre os que pediram ajuda 71,4% encontrou apoio entre membros da própria família (mãe, irmãos, marido, namorado) e 28,6% buscou ajuda externa, com estranhos e pistoleiros.

Boots e Heide (2006) dizem que em 84% dos casos por eles estudados os filhos (74%) e as filhas (10%) agiram sozinhos; em 16% dos casos os filhos buscaram ajuda para cometer o crime, sendo que em 5% dos casos dois ou mais irmãos participaram do parricídio, e em 11% dos casos os filhos assassinaram seus pais auxiliados por membros não familiares.

 

Considerações Finais

Os dados aqui relatados mostram que o parricídio é um crime peculiar, diferente dos homicídios cometidos pela maioria dos criminosos. Em primeiro lugar, estes indivíduos cometem o crime em casa, utilizando instrumentos ali disponíveis que se transformam em armas, não procuram esconder o crime, pois os corpos são encontrados facilmente no próprio local do crime ou próximo. O que configura um crime passional.

As informações obtidas no Relatório Interno da Secretaria de Segurança do Estado do Paraná (2012) referente aos homicídios de 2010 e 2011 na cidade de Curitiba mostraram haver diferenças significativas entre o parricídio e os demais homicídios quanto ao local do crime, arma utilizada e motivo para cometer o homicídio. Assassinos usam preferencialmente a arma de fogo (81,49%), matam longe de casa (80%) e o principal motivo é o envolvimento com drogas.

Dois terços dos parricidas matam os pais (homens) e 86% deste crime é praticado pelo sexo masculino. A maioria comete o crime sozinho (88%) e os que recebem ajuda para o homicídio, em geral, a recebem da própria família (irmãos, mãe, marido, namorado, etc.). São poucos os que recorrem a estranhos para cometerem o homicídio (9 casos), destes 31% pediu ajuda externa, de estranhos ou até mesmo pistoleiros, no entanto, a maioria deles, quando pede ajuda, recebe o apoio da própria família (51,8%). Esta ajuda, aparentemente demonstra que o motivo do parricídio é o mesmo dos demais membros da família.

Os motivos levantados pelos jornais, via de regra, são fúteis. Cerca de 50% deles, referem-se a discussões, brigas, autoritarismo, enfim, a desavenças típicas da maioria das famílias. Aparentemente, estes motivos não justificariam um ato tão violento contra a natureza humana como o de "matar os próprios pais". Além disto, dificilmente, os motivos "reais" que estariam justificando este crime violento, seriam informados, aos policiais ou aos repórteres policiais, no momento em que o crime esta sendo investigado. A literatura especializada (Gomide, 2010; Heide, 1994) tem mostrado que o individuo comete o crime contra pais abusadores, que os maltrataram, física, psicológica e sexualmente. Estas informações somente serão obtidas por profissionais, psicólogos forenses, especializados.

Não há histórico infracional entre estes homicidas, na grande maioria das vezes. São considerados homicidas de crimes únicos. A possibilidade de reincidência é mínima, pois a motivação para o crime desapareceu com a morte dos pais (Gomide, 2010; Gomide & Pinheiro, 2006; Heide, 1989, 1992, 1993, 1994).

Recentemente a justiça brasileira reconheceu o parricídio como um ato de legítima defesa. O caso noticiado retrata a história de uma nordestina vítima de abuso sexual, físico e psicológico, perpetrado pelo pai, desde os nove anos de idade. Na primeira vez que o pai efetivou o ato sexual, teve ajuda física da própria mãe, que amordaçou sua boca, abriu suas pernas e lhe disse "filha tem que ser mulher do pai". Destes inúmeros abusos foram gerados 12 filhos, dos quais apenas cinco sobreviveram. Quando sua filha mais velha completou nove anos e o pai decidiu abusar da criança, Severina decidiu por um fim a sua tragédia. Encomendou a morte de seu pai de 65 anos, por R$ 800,00. Severina ficou presa por seis anos antes de ser levada a julgamento e absolvida pela justiça. O promotor assim se expressou "eu não poderia, e nem teria condições éticas, de pedir a condenação dessa mulher, quando não poderia exigir dela outra conduta e que ela deveria ser indenizada pelo estado", evidenciando assim o fato de que, entre sucessivos estupros e agressões físicas e psicológicas, Severina foi vítima de mais de cinco mil crimes não julgados ou investigados. Estes crimes consumiram 35 anos de sua vida, mostrando assim a importância e a necessidade de estudos sobre o comportamento humano em relação ao parricídio (Wanderley, 2011).

Parricídio é um crime chocante, que gera múltiplos impactos sobre a sociedade. Felizmente, corresponde a um crime pouco frequente. É a manifestação de violência doméstica mais terrível (Duncan & Duncan, 1971). Neste sentido, como afirmam Boots e Heide (2006) é importante que se avalie a forma como a mídia relata este crime, quase sempre colocando o parricida como um "monstro" que matou pais dedicados e amorosos. É preciso que se investigue também a percepção pública das pessoas sobre este crime.

A escassa literatura acadêmica disponível sobre parricidio fora dos EUA, particularmente casos que envolvam jovens e adolescentes infratores, indica que mais pesquisas são necessárias. Além disso, apesar do interesse público em casos de parricídio fora dos Estados Unidos, muito pouco é sabido sobre como internacionalmente os governos lidam com infratores parricídas e como a mídia nestes países retrata esses homicidios.

Do ponto de vista preventivo, é importante que os profissionais de saúde conheçam as consequências dos abusos sexuais, físicos e psicológicos sofridos na infância e saibam que crianças e adolescentes vítimas de maus tratos, poderão vir a expressar este sofrimento de forma violenta. É fundamental que a justiça reconheça a história de vida dos parricidas para que seu tratamento seja psicológico e não penal. É igualmente importante que jornalistas compreendam que parricidas não irão relatar os abusos sofridos em uma entrevista no momento da prisão e que, para eles, é mais fácil aceitar que mataram por motivos fúteis do que admitir publicamente os abusos sofridos.

 

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Endereço para correspondência:
Praça da Ucrânia, 80, Apto. 162
Curitiba, PR, Brasil 80730-430
E-mail: pgomide@onda.com.br, psi_anateche@hotmail.com e smaiorki@hotmail.com

Recebido: 05/12/2012
Aceite final: 11/01/2013

 

 

Trabalho apresentado na sessão de painéis da 40ª RA, em Curitiba-PR com o titulo "Incidência de Parricídio no Brasil".