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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.23 no.1 Ribeirão Preto  2015

 

ARTICLE

 

Discriminação de quantidades por macacos-prego: o papel da área ocupada pelo alimento e da distância numérica

 

Capuchin monkeys' discrimination of quantities: the influence of occupied area and numerical distance

 

La discriminación de las cantidades por monos capuchinos: el papel de la area ocupada por el alimento y la distancia numerica

 

 

Maria Clara de FreitasI; Priscila BenitezI; Camila DomeniconiI; Romariz BarrosII

IDepartamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil INCT – ECCE (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino)
IINúcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil INCT – ECCE (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Habilidades numéricas são documentadas na literatura em diferentes espécies. As variáveis que possibilitam esse tipo de discriminação têm sido apontadas como variáveis contínuas (área, densidade, etc.) ou numéricas. O presente estudo teve como objetivo avaliar a discriminabilidade numérica do macaco-prego (Sapajus spp) em tentativas discretas sem treino explícito, tendo como controle as variáveis relacionadas com área ocupada pelo estímulo: área versus número de elementos. Além disso, foi mantida constante a razão entre o número de elementos em cada conjunto e variou-se a distância numérica. Participaram seis macacos-prego machos, com história experimental de treino discriminativo com estímulos bidimensionais apresentados na tela do computador. A sessão experimental era constituída da apresentação de tentativas com dois estímulos (conjuntos de pedaços de comida) para que o animal pudesse emitir a resposta de escolha, sem nenhum treino explícito. As respostas foram analisadas em função da escolha do macaco pelo recipiente com maior ou menor quantidade de estímulos (pedaços de comida). As respostas dos animais mostraram uma tendência para a seleção do par com maior quantidade de pedaços de alimentos, especialmente quando eles tiveram como dicas variáveis contínuas (área) e numéricas. Quando a variável "área" foi mantida constante (Condição B), os animais mostraram respostas próximas da indiferença, com tendência à escolha pelo estímulo com menor quantidade, evidenciando que a área teve um papel importante na discriminação de quantidades. Discutiu-se sobre a importância de investigar as pistas e dicas contínuas que os organismos utilizam para que a discriminabilidade entre quantidades ocorra.

Palavras-chave: Discriminação numérica; variáveis contínuas; Sapajus spp.


ABSTRACT

Numerical abilities are documented in the literature in different species. The variables that contribute to this kind of discrimination have been pointed as continuous (area, density, etc.) or numerical. The present study evaluated the capability of capuchin monkeys (Sapajus spp) for numerical discriminations in discrete trials without explicit training, having as control the variables related to the area occupied by the stimulus: area versus amount of elements. Besides that, the ratio between the number of elements in each set was kept unchanged and the numerical distance varied. Six male capuchin monkeys, with experimental history of discrimination training with two-dimensional stimuli presented on computer screen, participated of the study. Experimental sessions consisted of presentation of discrete trials presenting two stimuli (sets of pieces of food) for the animal to choose without any previous explicit training. Responses were analyzed by mean of the subjects' choice of the container with bigger or smaller amount of stimuli (pieces of food). Responses showed a tendency to the selection of the pair with bigger amount of pieces of food, especially when the subjects had as cue continuous (area) and numerical variables. When the variable "area" was controlled (Condition B), the subjects showed responses close to indifference, with tendency to the choice of the stimulus with smaller amount, suggesting that the area had an important role in the discrimination of amounts. We discuss the importance of investigating the continuous cues that the organisms use for discrimination between amounts.

Keywords: Numerical discrimination; continuous variable; Sapajus spp.


RESUMEN

Las habilidades numéricas son registradas en las investigaciones con diferentes especies. Las variables que posibilitan esta discriminación son de dos tipos: las variables continuas (área) o numéricas. El trabajo tiene como objetivo evaluar la discriminación numérica de monos (especie Sapajus spp) en tareas discretas sin enseñanza directa. El procedimiento controló las variables que son relacionadas con el área X número de los elementos. La razón fue constante entre el número de los elementos en cada conjunto y con distinta distancia numérica. Los participantes fueran seis monos machos, con historia experimental de la enseñanza discriminativa con estímulos bidimensional presentados en el ordenador. La sesión experimental fue compuesta por la presentación de tareas con dos estímulos (conjuntos de trozo del alimento) para que el animal pudiese contestar cual trozo elegiría, sin enseñanza directa. Las respuestas fueran analizadas de acuerdo con la selección de los estímulos (trozos del alimento). Las respuestas de los animales presentaron una tendencia para la selección del trozo con mayor cuantidad, en especial, cuando tenía las variables continuas (área) y numérica. Cuando la variable área fue controlada (condición B), los animales presentaron respuestas indiferentes, con tendencia a la elección pelo estimulo con menor cuantidad, sugiriendo la función de la área en la discriminación de las cuantidades. Los datos son discutidos en la dirección de la importancia de investigar sobre la discriminación de los organismos.

Palabras clave: Discriminación numérica; variables continuas; Sapajus spp.


 

 

Espécies não humanas possuem habilidades pré-matemáticas, como discriminação de quantidades e contagem, similares às observadas em bebês humanos. Estas habilidades conferem vantagens evolutivas na escolha de ambientes com menor número de competidores ou predadores, ou mais parceiros para reprodução e fontes de alimento (Dehaene, 1997; Hauser, MacNeilage, & Ware, 1996).

Uma série de estudos vem reunindo dados empíricos que comprovam que as habilidades numéricas podem ser observadas em diferentes espécies, inclusive com a demonstração de similaridades no desempenho de humanos e não humanos (p. ex., Cantlon & Brannon, 2006). Algumas habilidades pré-aritméticas foram mostradas em macacos (Brannon & Terrace, 1998; Schmitt & Fischer, 2011), cães (Ward & Smuts, 2007; West & Young, 2002) e gatos (Pisa & Agrillo, 2009), entre outras espécies (Agrillo, Dadda, & Bisazza, 2007; Krusche, Uller, & Dicke, 2010; Uller & Lewis, 2009).

Estudos acerca das habilidades de discriminação numérica têm, em geral, investigado aspectos distintivos dos estímulos que controlam o comportamento dos sujeitos. Mais especificamente, têm procurado elucidar questões como se variáveis como a área, o volume ou a densidade ocupada por certo estímulo exerceriam maior controle sobre o comportamento de escolha dos sujeitos quando comparadas à quantidade absoluta de itens disponíveis. Ou ainda, se são os sujeitos capazes de contar os elementos que compõem os diferentes estímulos a serem comparados.

Outra preocupação sempre pertinente e bastante frequente refere-se às características numéricas dos estímulos que possibilitam tal discriminação. A característica crítica para a discriminação bem sucedida entre dois valores tem sido discutida como sendo a razão entre estes dois valores, ao invés dos valores absolutos ou da distância numérica entre eles (e.g., Brannon & Terrace, 2002; Pica, Lemer, Izard, & Dehaene, 2004).

Sobre a primeira variável supracitada, ou seja, a discriminabilidade baseada nos atributos numéricos ou contínuos, Pisa e Agrillo (2009) ensinaram gatos a discriminar entre duas quantidades de pontos, sendo que a escolha da quantidade determinada pelos experimentadores como correta era seguida de alimento. Todos os gatos envolvidos no estudo aprenderam essa primeira tarefa de discriminação. Na sequência, os gatos foram testados em tarefas de escolha entre as mesmas quantidades, com a diferença de que as áreas dos dois conjuntos de pontos foram igualadas (p. ex., em tarefas de discriminação entre conjuntos de dois e três pontos, os pontos do primeiro conjunto eram maiores que os do segundo conjunto). Dos quatro gatos testados, apenas dois obtiveram bom desempenho nessa fase. Os autores discutem que esses resultados fortalecem os obtidos com outras espécies, nas quais variáveis não-numéricas são preferidas a números para tomada de decisão.

Uller e Lewis (2009) apresentaram resultados que, a primeira vista, podem parecer contrastantes com essa hipótese. Nesse estudo, cavalos eram ensinados a escolher entre dois recipientes contendo diferentes quantidades de maçãs. Em um dos testes, a escolha deveria ser entre dois estímulos: uma e duas maçãs. Contudo, o volume total dos estímulos era igual, de forma que os sujeitos deveriam escolher um recipiente contendo uma maçã grande ou outro recipiente contendo duas maçãs pequenas. Os resultados demonstraram que os animais escolheram com maior frequência o recipiente que continha duas maçãs, embora os volumes fossem iguais. Entretanto, como salientaram os autores do estudo, ainda que o volume dos alimentos fosse igual, a área da superfície das duas maçãs pequenas ainda era maior que a da maçã grande. Além disso, o experimento tratou de tarefas que envolviam também contagem, uma vez que os recipientes eram opacos, ou seja, os cavalos não tinham acesso ao conteúdo total dos recipientes, pois eram expostos a tal conteúdo no momento em que as maçãs eram colocadas uma a uma no interior desses. Logo, a tarefa envolvia habilidades distintas das requeridas no trabalho de Pisa e Agrillo (2009), mas, ainda assim, esses resultados podem sugerir o controle das decisões dos cavalos prioritariamente por variáveis numéricas (embora seja importante enfatizar que a área de superfície não foi controlada e pode ser compreendida enquanto uma explicação alternativa).

Além disso, a investigação do desempenho de animais em tarefas matemáticas ou pré-matemáticas sem treino explícito (em oposição aos testes realizados após extensa fase de treino) e com uma variedade nas espécies investigadas possibilita ampliar o conhecimento que se tem sobre o fenômeno e sobre a natureza dos processos envolvidos em determinados comportamentos observáveis (Hauser et al., 1996).

Dentre as espécies não humanas, estudos com primatas são os mais frequentes, podendo ser encontrados estudos com diferentes espécies de primatas, desde chimpanzés (Biro & Matsuzawa, 2001), orangotangos, Macaca rhesus (Merritt, Rugani, & Brannon, 2009), Macaca mulata (Hauser et al., 1996), dentre outros.

Considerando-se a variação observada no repertório de diferentes de espécies primatas não-humanos e a possibilidade de ampliar o conhecimento que se tem sobre as competências pré-matemáticas de não humanos e a natureza destas competências, O presente estudo teve como objetivo avaliar a discriminabilidade numérica do macaco-prego (Sapajus spp) em tentativas discretas sem treino explícito, tendo como controle as variáveis relacionadas com área ocupada pelo estímulo: área versus número de elementos.

 

Método

Sujeitos

Participaram do estudo seis macacos machos da espécie Sapajus spp, com história experimental de treino discriminativo com estímulos bidimensionais apresentados na tela de computador sensível ao toque.

Os sujeitos eram alojados em gaiolas-viveiro (2,50 x 2,50 x 2,50 m) junto com outros macacos da mesma espécie, em grupos de três ou quatro animais, no biotério de primatas do programa de pesquisa Escola Experimental de Primatas, do Núcleo de Teoria e Pesquisa da Universidade Federal do Pará. Os animais tinham livre aces-so a água e eram alimentados uma vez ao dia, por volta das 15h, com frutas, raízes, tubérculos, ovos, leite e ração balanceada para primatas (Megazoo P18). As condições de alojamento e manutenção dos animais foram aprovadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Animais do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará (UFPA), bem como pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA, autorização número 207419 – código da unidade 381.201-4).

Situação Experimental e Materiais

A situação experimental foi arranjada de uma mesma maneira para todos os sujeitos, da seguinte forma: a cada sessão, um macaco era separado dos demais por uma divisão pré-existente na própria gaiola-viveiro. O pesquisador, então, se aproximava até uma distância de cerca de 1,5 m da gaiola-viveiro, com os estímulos sobre uma bandeja. Assim que o animal se colocasse na gaiola em posição perpendicular ao centro da bandeja, o pesquisador aguardava cinco segundos e fazia a liberação da tentativa, isto é, aproximava-se da gaiola, permitindo ao macaco esticar o braço para fora das grades e realizar sua escolha: recolher o alimento de um dos recipientes, lados direito ou esquerdo.

Para a apresentação do alimento, foram utilizados dois recipientes de plástico branco, com fundo falso, que eram apresentados sempre aos pares na bandeja, com um metro de distância entre eles. O fundo falso servia para garantir que a escolha do animal ficasse sob controle apenas do componente visual do estímulo, e que o componente olfativo não tivesse interferência na escolha do sujeito. Assim, se em determinada tentativa, uma vasilha apresentasse menor quantidade de alimento que seu par, no fundo falso desta primeira, haveria a quantidade de alimento exata para que ambas tivessem sempre o mesmo valor olfativo.

A Figura 1 mostra um exemplo da situação experimental empregada.

 

 

Para evitar a saciação antes do final da sessão experimental, em cada tentativa foram empregadas porções reduzidas de alimento. Assim, os estímulos foram fatias de banana de 1 cm de espessura, cortadas em diferentes números: fatia inteira, 1/2 da fatia, 1/4 da fatia ou 1/6 da fatia. Os sujeitos eram alimentados próximo às 15h e, por essa razão, as sessões experimentais ocorriam por volta do meio dia, sem a necessidade de nenhum esquema adicional de privação.

Cada animal realizou uma única sessão com todas as 12 tentativas, sendo que as sessões tiveram, em média, 25 min.

Procedimento Experimental

Neste estudo, duas diferentes análises foram realizadas a partir do mesmo conjunto de tentativas. A principal delas teve foco no papel da área ocupada pelos estímulos em relação ao número de pedaços apresentados. A segunda análise possível permitiu discutir se a distância numérica entre os estímulos foi uma variável importante para a ocorrência de discriminabilidade pelos macacos.

Para poder variar de forma independente a área ocupada pelos estímulos e a quantidade de pedaços alimento, decidiu-se manipular o número das fatias de banana a serem apresentadas a cada sujeito. Assim, foram arranjadas tentativas com a mesma área ocupada, mas diferentes números de pedaços de alimento (com uma fatia inteira em um recipiente e duas metades em outro, por exemplo).

Para analisar a distância numérica, as tentativas foram separadas em DN1 (Distância Numérica entre o par de estímulos igual a um elemento: em um recipiente havia um pedaço de comida e no outro, dois pedaços), DN2 (Distância Numérica entre o par de estímulos igual a dois elementos: em um recipiente havia dois pedaços de comida e no outro, quatro pedaços), DN4 (Distância Numérica entre o par de estímulos igual a quatro elementos: em um recipiente havia quatro pedaços de comida e no outro, oito pedaços). É importante salientar que a razão numérica entre as tentativas foi mantida constante, tendo sempre um dos elementos do par, o dobro dos pedaços de alimento do outro.

Condições Empregadas

Durante a coleta dos dados, a sequência das tentativas foi diferente para cada sujeito (exceto pela tentativa Controle A, que foi a condição inicial para todos os animais). É importante ressaltar ainda que a posição (esquerda ou direita) em que as quantidades maiores de comida (quando havia variação na quantidade) eram apresentavas também foram sistematicamente balanceadas entre as tentativas.

A Tabela 1 mostra a ordem da apresentação das condições e das tentativas para cada animal. Nesta tabela, observa-se que os números indicam o sujeito experimental e as letras (de A a D), as condições possíveis. Para cada condição as tentativas estão separadas em cada tipo (DN1, DN2 e DN4), ordenadas pela sequência em que eram apresentadas.

Condição Controle A. A condição A foi controle para ambas as análises, não tendo variado em nenhuma das dimensões (área ou número). Nela, a configuração dos dois recipientes em cada tentativa era exatamente a mesma. A apresentação desse tipo de tentativa teve como objetivo o estabelecimento da topografia de resposta e a verificação de possíveis preferências por posição. A condição foi composta por três tentativas e era repetida, caso o sujeito mostrasse escolha apenas em uma posição, independente da quantidade de alimento disponível no par.

Condição B. A apresentação desse tipo de tentativa teve como objetivo verificar a distribuição das escolhas dos sujeitos entre os dois estímulos que apresentavam o número de elementos diferente em cada uma das escolhas e a área de ambos era mantida constante.

A condição foi composta por três tentativas, cada uma delas contendo estímulos que apresentavam diferenças na distância numérica dos elementos. Foram empregadas as distâncias de 1, 2 ou 4 elementos.

Condição C. A apresentação desse tipo de tentativa teve como objetivo verificar a distribuição das escolhas dos sujeitos entre os dois estímulos que apresentavam o número de elementos e a área ocupada por cada uma das escolhas diferente em cada uma das três tentativas. Esta condição permitia mensurar as escolhas de discriminação de quantidades quando a dica da variável contínua também estava disponível. Cada uma das tentativas continha as distâncias numéricas de 1, 2 ou 4 elementos entre as escolhas.

Condição D. Esta condição replicava a condição anterior, permitindo também verificar a distribuição das escolhas dos sujeitos entre os dois estímulos que apresentavam o número de elementos e a área ocupada por cada uma das escolhas diferentes em cada uma das três tentativas. Cada uma das tentativas continha as distâncias numéricas de 1, 2 ou 4 elementos entre as escolhas, mas os arranjos de estímulos permitiram uma configuração visual diferente daquela da Condição B.

A Figura 2 consiste em uma representação gráfica do procedimento para um sujeito, exemplificando a forma como foram manipuladas as três variáveis: distância numérica, número dos pedaços e área relativa ocupada. A matriz escolhida para representação foi aquela aplicada ao Sujeito 1.

Procedimento de Análise de Dados

Os dados foram analisados de acordo com as escolhas do animal pelos recipientes em função das variações possíveis em cada uma das condições. Para isso, as sessões foram filmadas e analisadas posteriormente, a partir do registro dos dados de escolha do animal. A escolha era definida pela resposta de o macaco dirigir-se a um dos lados da bandeja e esticar a mão para fora da gaiola, alcançando o alimento de apenas um dos recipientes, ingerindo-o em seguida. Isto encerrava a tentativa, de forma que o experimentador iniciava a próxima tentativa alguns segundos depois (tempo necessário para preparar a próxima tentativa).

Uma análise pertinente ao presente estudo diz respeito ao desempenho dos animais na Condição B. Tendo em vista que, nesta condição, a área ocupada pelo alimento era a mesma, mas o número era diferente, escolhas aleatórias indicariam que a variável contínua (área) exerceu maior controle sob o comportamento de escolha do sujeito quando comparada à variável discreta (número de elementos). Por outro lado, a escolha consiste pelo recipiente que apresentava maior número de itens, ainda que apresentados em uma mesma área, indicaria que a variável discreta exerceu maior controle do que a variável contínua.

Considerando-se que o número pode ser a variável pertinente à discriminação do sujeito, uma segunda análise foi realizada levando em conta a variação de distância numérica entre as tentativas e as respostas em cada uma delas. Novamente, as respostas foram analisadas de acordo com a escolha pela maior quantidade de estímulos.

 

Resultados

Para avaliar a influência da distância numérica na escolha dos animais, todas as tentativas foram separadas em DN1, DN2 e DN4, independente da condição e ordem em que apareceram na sessão experimental. As respostas foram analisadas em função da escolha do macaco pelo recipiente com maior ou menor quantidade de estímulos.

A Figura 3 traz os dados de escolha do macaco pelo recipiente com maior ou menor quantidade de estímulos em função da distância numérica para cada sujeito. Cada uma das barras representa o total das tentativas relativas às Condições C e D para cada sujeito (totalizando duas tentativas de cada tipo). As duas últimas barras (sombreadas) mostram dados agrupados para todos os sujeitos, sendo que o penúltimo grupo de barras mostra a média total dos animais, e as últimas barras mostram o desempenho total apenas na Condição B.

Ao considerar que a Condição A era apenas um controle, ou seja, todas as variáveis se mantinham constantes em suas tentativas, seus dados não foram considerados na análise. Ela também funcionava como um pré-treino, familiarizando o animal com o procedimento experimental, além de poder apontar algum controle comportamental inesperado, como escolha sistemática sob controle de posição, por exemplo. Para nenhum dos animais, foram identificados quaisquer padrões inesperados como este.

Como se pode notar, as respostas dos animais tenderam a selecionar o par com maior quantidade de pedaços de alimento, nas Condições C e D. Na Condição B, quando a área se mantinha igual e o número de pedaços e distância numérica entre eles eram diferentes, os dados mostraram-se mais heterogêneos, indicando aleatoriedade nas respostas nesta condição, com os sujeitos tendo escolhido por mais vezes o recipiente com menor número de pedaços (nos pares com distância numérica 2 e 4) e mais vezes o recipiente com maior número de pedaços quando a distância numérica entre pares era 1.

Com relação às diferentes distâncias numéricas, cada um dos animais selecionou apenas uma vez o recipiente com menos alimento, porém esta seleção variou entre os macacos. Quando a DN era de apenas um elemento, os sujeitos selecionaram consistentemente o recipiente com mais comida, com apenas um dos animais (Sujeito 3) tendo selecionado a quantidade menor, em uma única tentativa. Nas tentativas com DN=2, três animais selecionaram, uma vez cada, o recipiente com menos comida (Sujeitos 2, 4 e 5), e nas tentativas com DN=4, dois sujeitos (1 e 6) escolheram a menor quantidade de alimento.

A Figura 4 mostra dados detalhados que comparam as escolhas de cada animal nas Condições B, C e D (porção superior) e apenas na Condição B (porção inferior) com relação às escolhas pela maior quantidade de comida.

Novamente, como se observa também por intermédio desta análise, os animais escolheram consistentemente o recipiente que continha mais pedaços de alimento quando se consideram os dados nas condições C e D. Todos eles, também, escolheram ao menos uma vez, o recipiente com menos pedaços, ainda que apenas uma vez.

A análise da Condição B em separado, por sua vez, apresentada na porção inferior da Figura 4, indica uma reversão nesse padrão, com as respostas mais distribuídas entre as duas opções, tendendo, inclusive, à seleção do recipiente com menos pedaços.

 

Discussão

O presente estudo teve como objetivo avaliar a discriminabilidade numérica do Sapajus spp em tentativas discretas sem treino explícito, com manipulação das variáveis apontadas pela literatura como pertinentes, sendo área versus número de elementos e razão x distância numérica.

A investigação sistemática das pistas e dicas que os indivíduos usam para a consecução das tarefas e a discriminabilidade entre grupos de estímulos com diferentes quantidades é importante no entendimento da natureza e das características envolvidas nesta habilidade. Os dados apresentados no presente estudo forneceram alguns indícios sobre o uso da dica contínua como variável importante para discriminação, já que se pode considerar que uma combinação da informação numérica e contínua pode representar uma ocorrência comum na natureza das espécies: pedaços maiores de comida normalmente ocupam maior espaço. Portanto, era esperado que os animais ficassem sob controle de diversas dicas para estimar a quantidade e tais dicas parecem ampliar as possibilidades de um melhor desempenho, quando comparado às respostas que ficam sob controle de uma única pista (Agrillo, Piffer, & Bisazza, 2011). Apesar de os macacos terem escolhido consistentemente a opção com mais estímulos nas condições C e D, nas quais tanto o número quanto a área estavam disponíveis como dica para discriminação, o mesmo padrão de respostas não foi observado na Condição B, em que a área não estava disponível como dica. Cabe destacar, portanto, que no caso do presente estudo, quando os macacos apresentaram respostas ao estímulo com menor quantidade, eles podem ter discriminado que se tratavam de quantidades similares e respondido sob controle do tamanho do alimento, que era maior nas escolhas com menor número (ver Figura 2).

Investigações futuras, utilizando tarefas com o uso de itens não comestíveis, poderão diminuir a impulsividade do animal durante as tarefas de escolha e possibilitar vantagens discriminativas. Por outro lado, os dados apresentados no presente trabalho constituem dados sem treino explícito, condição que tem sido apontada na área como vantajosa para investigações das habilidades próprias de uma espécie.

Outra variável pertinente às investigações sobre discriminação numérica é avaliar se a discriminabilidade entre dois valores depende da razão entre eles ou de seus valores absolutos. Existem evidências de que a razão é a moduladora das discriminações em grande parte dos estudos, feitos com diferentes espécies e aparatos experimentais, mas a distância numérica também aparece como moduladora em algumas situações ou a depender dos números dos estímulos. Por esta razão, considerou-se essa uma variável pertinente ao presente estudo, possibilitando a verificação dessa variável no desempenho do Sapajus spp. Para isso, foram utilizados três tipos de tentativas sendo mantida constante a razão entre os estímulos e variando apenas a distância numérica. Nessas tentativas, observou-se que a escolha dos animais pelo estímulo maior foi consistente, com pouca variação em função da distância numérica. Este dado forneceu indícios sobre a importância da manipulação da razão, o que permitiria corroborar os dados obtidos em estudos anteriores, ratificando que a discriminação numérica é consistente com a Lei de Weber, ou seja, a razão entre os estímulos é fundamental para discriminação numérica e não os valores absolutos dos estímulos (Beran, 2007; Feigenson, Dehaene, & Spelke, 2004). Mesmo que o presente estudo tenha manipulado a distância numérica e não necessariamente a razão, estudos futuros poderiam isolar a razão enquanto variável para avaliar se haveria diferença ou não nas respostas fornecidas pelo organismo.

Ainda que não se possa excluir a possibilidade de que os animais tenham exibido uma espécie de controle misto, ora pela área, ora pela quantidade de pedaços de comida, algumas considerações podem ser feitas a partir desses dados. Isto porque, desde que estes eventos ocorrem geralmente juntos na natureza, é bastante possível que os animais desenvolvam, ao longo de suas vidas, mecanismos que envolvem dicas múltiplas para estimar quantidade, já que utilizar mais de uma destas dicas deve produzir mais resultados positivos do que se basear em apena uma dimensão (Agrillo et al., 2011). Para isolar melhor as possíveis fontes de controle, é preciso refinar cada vez mais os procedimentos experimentais, considerando a variação entre as espécies.

Este estudo estendeu resultados para uma nova espécie, lançando um pouco mais de luz na discussão presente na área, sobre variáveis relevantes na discriminação numérica em não humanos. Futuros experimentos podem incluir a replicação com números mais altos de tentativas, para garantir o maior controle pelas variáveis manipuladas em cada condição. Além disso, pode-se também manipular de forma direta a razão entre a quantidade de elementos, em detrimento da distância numérica. Por fim, faz-se desejável a comparação e aplicação do procedimento a outras espécies.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Maria Clara de Freitas
Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Psicologia
Rodovia Washington Luís, Km 235, Jardim Guanabara
São Carlos, SP, Brasil 13565-905
Fone: (16) 260-8361; Fax (016) 260-8362
E-mail: mariaclarafreitas@gmail.com

Recebido: 20/03/2012
1ª revisão: 30/05/2014
Aceite final: 30/06/2014