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Temas em Psicologia

Print version ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.24 no.1 Ribeirão Preto Mar. 2016

http://dx.doi.org/10.9788/TP2016.1-21 

ARTIGOS

 

Padrão de consumo de álcool em estudantes universitários (calouros) e diferença entre os gêneros

 

Pattern of alcohol consumption in college students (freshmen) and gender differences

 

Padrón de consumo de alcohol de los estudiantes universitarios de primer año y diferencias de géneros

 

 

Érika Correia SilvaI; Adriana Marcassa TucciII

IPrograma de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo, Santos, SP, Brasil
IIDepartamento de Saúde, Educação e Sociedade e Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo, Santos, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O ingresso na universidade e a vivência de novas experiências podem favorecer um maior consumo de álcool entre estudantes. Este estudo teve como objetivo avaliar o padrão de consumo de álcool entre estudantes ingressantes, comparar o consumo entre os gêneros e identificar os grupos mais expostos a problemas relacionados ao álcool. Para isso, foram utilizados o Critério de Classificação Econômica Brasil e o The Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT). Foram avaliados 407 estudantes. A análise dos dados revelou um consumo de risco do álcool em 17,5% dos estudantes do gênero masculino e 8,1% do feminino. Além disso, foi encontrado maior consumo de risco entre estudantes que praticavam atividade física e os que eram dos cursos da área de química. Os resultados sugerem a necessidade de se desenvolver intervenções preventivas no âmbito institucional, principalmente para estudantes do gênero masculino, grupo mais exposto a um consumo excessivo de álcool e aos riscos desse padrão de consumo.

Palavras-chave: Estudantes universitários, calouros, álcool, gênero.


ABSTRACT

The entry into the university and the new experiences can facilitate greater consumption of alcohol among students. This study aimed to evaluate the pattern of alcohol consumption among freshmen students, to compare consumption between genders and to identify the groups most exposed to alcohol-related problems. For this, the Economic Classification Criterion Brazil and The Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT) were used. Four hundred and seven students were evaluated. Data analysis revealed a risk consumption of alcohol in 17.5% of male students and 8.1% of females. In addition, higher risk consumption was found among those who practice physical activity and those who were from chemistry courses. The results suggest the need to develop preventive interventions at the institutional level, especially for male students, more exposed to excessive alcohol consumption and the risk associated to this drinking pattern.

Keywords: College students, freshmen, alcohol, gender.


RESUMEN

La entrada en la universidad y la vivencia de nuevas experiencias pueden favorecer un mayor uso de alcohol en los estudiantes. Esse estudio tuvo como objetivo la avaliación de consumo de alcohol em los estudiantes de primer año de la universidad, em comparación con los géneros, y identificar los grupos más expuesto em relación al alcohol. Para eso fueron utilizados créditos de clasificación económica brasileira y The Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT). Fueron observados 407 estudiantes. La analice dos datos revelaron consumo de riesgo em 17,5% de los estudiantes hombres y 8,1% de las mujeres. Además de eso, fueron encontrados mayor consumo de riesgo em los estudiantes que practicaban actividad física y también de los estudiantes de la graduación química. Los resultados sugieren la necesidad de desenvolver intervención preventiva em ámbito institucional principalmente para los estudiantes que son hombres, y en un grupo más expuesto a un consumo excessivo de alcohol y riesgo de ese consumo.

Palabras clave: Estudiantes universitários, estudiantes de primer año, el alcohol, el sexo.


 

 

Ao ingressar na universidade muitos estudantes vivenciam novas experiências, como se distanciar da família, residir com outros estudantes e passar a maior parte do tempo no ambiente universitário, além de adquirirem maior liberdade e independência para a tomada de decisões. Essas novas experiências podem favorecer um maior consumo de álcool, assim como os riscos associados a tal consumo (Fófano, Ribeiro, & Ribeiro, 2010; Haas, Smith, Kagan, & Jacob, 2012; Silva & Petroski, 2012). Nesse sentido, o ingresso à universidade tem sido considerado um período crítico, com maior vulnerabilidade para o início e manutenção do consumo de álcool, tabaco e de outras drogas. Dessa forma, os estudantes calouros ficam mais vulneráveis a uma mudança de hábito relacionada ao consumo de bebidas alcoólicas, seja por um maior contato com seus pares ou pela menor supervisão de adultos (Grossbard et al., 2010; Haas et al., 2012; Lorant, Nicaise, Soto, & D'Hoore, 2013, Ramis et al., 2012; Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas [SENAD], 2010; Silva & Petroski, 2012).

Niel, Moreira e Silveira (2013) explicam que quanto mais tarde houver o início do consumo de álcool, menores serão as chances de se desenvolver problemas decorrentes deste consumo. Os autores ainda apontam a necessidade de se dar maior atenção ao padrão do consumo dos estudantes para que não se atinja níveis de consumo abusivo ou até mesmo uma dependência. Por outro lado, os estudantes do primeiro ano apresentam um risco maior de vivenciar as consequências relacionadas ao consumo de álcool, pois geralmente são estudantes que não consumiam álcool regularmente durante o ensino médio e que iniciam seu consumo logo no primeiro ano de graduação (Mallet, Marzell, & Turrisi, 2011).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (Babor, Higgins-Biddle, Saunders, & Monteiro, 2001), o consumo de risco pode ser definido como um padrão de uso de álcool que pode gerar dano físico ou mental se este consumo persistir. Já um consumo nocivo é caracterizado como um padrão de uso de álcool que já causa danos à saúde física ou mental, apesar de não satisfazer os critérios de dependência. Os critérios de dependência podem ser preenchidos quando existe um padrão de uso de álcool em que se desenvolvem mudanças fisiológicas, cognitivas e comportamentais, como: desejo intenso de consumir bebidas alcóolicas, não ter controle sobre o consumo, continuar consumindo apesar das consequências, maior prioridade dada ao consumo do que as outras atividades, aumento da tolerância e presença da síndrome de abstinência com a descontinuidade do consumo.

O consumo de bebidas alcoólicas por estudantes universitários tem sido objeto de alguns estudos, principalmente pela maior preocupação com o uso abusivo e prejudicial, buscando tanto identificar o padrão de consumo como intervenções preventivas eficazes para a diminuição desse consumo (Ramis et al., 2012; Rinker & Neighbors, 2013; Santos, Pereira, & Siqueira, 2013). Ferreira (2008) e Javier, Belgrave, Hill e Richardson (2013) acrescentam que o consumo de risco de álcool tem sido associado a vários problemas, tais como: dirigir alcoolizado, realizar sexo sem proteção, se envolver em brigas e em acidentes, ter prejuízos sociais e em relacionamentos interpessoais. Além disso, tais problemas podem comprometer o desenvolvimento do estudante durante sua formação acadêmica. Outros estudos, como o de Ferreira (2008), Oyama (2010), SENAD (2010) e Simons-Morton et al. (2009) também revelaram maior presença de problemas devido ao consumo de álcool em universitários e maior prevalência de consumo nos estudantes do gênero masculino.

Sendo assim, é importante conhecer o perfil dos estudantes, dos novos ingressantes no ensino superior para detectar seus recursos e vulnerabilidades. Levando em consideração que o uso de álcool tem sido cada vez mais considerado uma preocupação institucional, torna-se importante identificar nos estudantes o seu padrão de consumo e os riscos associados a tal consumo (Stapleton, Turrisi, Cleveland, Ray, & Lu, 2013). Nesta direção, este estudo visou caracterizar o padrão de consumo de álcool entre estudantes ingressantes que fazem parte do processo de expansão das universidades federais brasileiras, comparar o consumo entre os gêneros e identificar os grupos mais expostos a problemas relacionados ao consumo de álcool, fornecendo subsídios para futuras ações de prevenção e promoção da saúde.

 

Método

Este estudo é descritivo, quantitativo e de delineamento transversal, com coleta de dados realizada em maio de 2013 (Gil, 2010).

Participantes

Participaram deste estudo 407 estudantes ingressantes (calouros) da Universidade Federal de São Paulo - Campus Diadema, de todos os cursos de graduação (Ciências Ambientais, Ciências Biológicas, Farmácia e Bioquímica, Química Industrial, Química e Engenharia Química (área de química) e Ciências) deste Campus que faz parte do projeto político de expansão das universidades federais brasileiras por meio do Programa de Apoio a Planos e Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que tem como objetivo principal ampliar o acesso e a permanência dos estudantes na educação superior, por meio do aumento do número de vagas e cursos, revisão da estrutura acadêmica e investimento em ações de assistência estudantil (Cislaghi, 2010; Decreto nº 6.096, 2007). A seleção da amostra foi feita por conveniência e de acordo com a aceitação dos estudantes em participar da pesquisa.

Instrumentos

Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário autoaplicável composto por três instrumentos, que foram:

Questionário de Caracterização Sociodemográfica dos Estudantes. Este questionário apresenta 10 questões relevantes para uma melhor caracterização do perfil dos estudantes, relacionadas aos seguintes aspectos: idade, sexo, curso, estado civil, se possui filhos, com quem reside, se possui religião, trabalha ou realiza estágio, pratica atividade física ou se apresenta o hábito de fumar.

Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB). Desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), a versão utilizada nesta pesquisa foi a de 2013. O CCEB é um questionário que avalia classes econômicas (A1, A2, B1, B2, C1, C2, D e E) a partir da presença de bens de consumo e do grau de instrução do chefe da família (ABEP, 2013). Para este estudo, optou-se por agrupar as respostas das classes A1 e A2 e nomeá-las como classe A; assim como foram agrupadas as classes B1 e B2, sendo denominadas de classe B; C1 e C2, denominando-as de C e as classes D e E foram nomeadas como D/E.

The Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT). Desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (Babor et al., 2001). Objetiva investigar padrões de consumo de álcool. Este instrumento foi validado para a população brasileira por Lima et al. (1999). A consistência interna do instrumento AUDIT, na amostra estudada, foi estimada a partir da análise de alfa de Cronbach, com alfa de 0,78, indicando boa consistência entre os itens.

O AUDIT apresenta 10 questões para caracterização do consumo de álcool, suas consequências e sintomas de dependência. Quando as respostas das questões são somadas, essas geram pontuações que são interpretadas segundo as zonas de risco (Babor et al., 2001).

O uso de baixo risco (Zona I) refere-se aos estudantes que pontuaram de 0 a 7 pontos e que podem se beneficiar com informações sobre o uso de álcool. O uso de risco (Zona II) refere-se aos estudantes que pontuaram de 8 a 15 e mesmo que não estejam apresentando problemas com o consumo de álcool, correm o risco de futuramente ter problemas de saúde, sofrer ferimentos, acidentes e outros problemas. Estes estudantes se beneficiariam de orientações em relação ao consumo de álcool para diminuição do consumo para um padrão de baixo risco (Babor et al., 2001). O uso nocivo (Zona III) refere-se aos estudantes que pontuaram entre 16 e 19 e provavelmente já apresentam problemas. Também se beneficiariam de orientação em relação ao consumo de álcool e aconselhamento para uma mudança no padrão de beber. Pontuações de 20 a 40 (Zona IV) já indicam uma provável dependência, devendo o estudante ser encaminhado para uma confirmação diagnóstica e possível tratamento (Babor et al., 2001; Dimeff, Baer, Kivlahan, & Marlatt, 2002).

Para a análise dos dados, neste estudo, os estudantes considerados abstinentes e da Zona I foram caracterizados como pertencendo ao grupo de baixo risco e os estudantes das Zonas II, III e IV, como pertencentes ao grupo de risco em relação ao consumo de álcool.

Procedimentos

Após a concordância da direção da universidade e dos docentes, em sala de aula foi realizada uma breve explicação aos estudantes sobre os objetivos da pesquisa e o sigilo das informações prestadas. Os que aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, posteriormente, responderam ao questionário. A aplicação do questionário ocorreu no máximo até os primeiros 15 dias de aula dos ingressantes, considerados estudantes mais jovens e menos expostos ao meio universitário. Neste ano, 2013, o número de ingressantes foi por volta de 650 estudantes e o questionário foi aplicado em todas as turmas de todos os cursos e turnos (integral, noturno e vespertino), sendo que 407 responderam aos instrumentos e participaram do estudo.

Análise dos Dados

Os dados coletados foram analisados com a utilização do programa estatístico R versão 3.0.1 (R Core Team, 2013). As análises descritivas das variáveis sociodemográficas abrangeram frequências, porcentagens e medidas descritivas. Além disto, foi realizada análise inferencial para verificar possíveis associações entre as variáveis de interesse e o gênero por meio do teste exato de Fisher (Agresti, 2002) e posterior análise de correspondência. Não foi possível a realização de análise de regressão logística porque as variáveis independentes se mostraram dependentes entre si, ou seja, existiu correlação entre elas (Lemeshow & Hosmer, 1982). O nível de significância adotado foi de p<0,05.

Considerações Éticas

Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e foi aprovado em 01 de novembro de 2012 (CAAE: 08723112.8.0000.5505). Seguiram-se as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (Resolução 196/96, 1996).

 

Resultados

A amostra deste estudo foi composta em sua maioria por estudantes do gênero feminino (65,6%), com idade média de 21,86 (DP=6,42) e pertencentes à faixa etária de 18 a 24 anos (82,8%).

Foi identificado que 73,1% não trabalham ou não fazem estágio. Com relação às classes socioeconômicas, observou-se uma maior frequência de estudantes na classe B (60,2%), sendo 56,5% do gênero masculino e 61,9% do feminino. As classes socioeconômicas A e B totalizaram 75% dos estudantes, conforme apresentado na Tabela 1.

Observa-se na Tabela 1 que a maioria dos estudantes era solteiro, sendo destes, 82,4% do gênero masculino e 93,3% do gênero feminino, com destaque para uma porcentagem maior de estudantes do gênero masculino que eram compromissados (16,9%), que possuíam filhos (14,9%) e que apresentavam o hábito de fumar (7,1%). Uma porcentagem parecida de estudantes tanto do gênero masculino (89,4%) como do feminino (87,8%) residiam com familiares. Com relação aos aspectos de religião, o gênero masculino foi o que teve maior porcentagem (41,8%) de estudantes que não possuíam religião quando comparados aos do gênero feminino (29,2%). No que se refere à prática de atividade física, o gênero masculino se destacou por ter uma maior prática tanto esporádica (46,5%) quanto diária (15,5%). Além disso, os cursos da área de química se destacaram em relação à presença de maior frequência de estudantes, abrangendo 32% da amostra.

Os dados mostraram associações estatisticamente significativas entre os gêneros com as seguintes variáveis: curso (p=0,004), religião (p=0,01) e prática de atividade física (p=0,001).

A Tabela 2 apresenta a caracterização do consumo dos estudantes universitários considerando os grupos definidos pelo AUDIT (grupo de baixo risco e grupo de risco) e o gênero. Observa-se assim uma porcentagem considerável de estudantes (88,7%) que se declarou abstinente ou que fizeram parte do grupo de baixo risco, ou seja, estudantes que nos últimos 12 meses não consumiram bebidas alcoólicas ou consumiram de forma pouco prejudicial. Além disso, em relação à distribuição dos estudantes nos grupos, foi detectada diferença significativa entre os gêneros quanto ao padrão de consumo de álcool (p=0,007). A maioria dos estudantes do gênero feminino (91,9%) fez um consumo de baixo risco e apenas 8,1% fizeram um consumo de risco do álcool. Já o gênero masculino, apresentou um maior consumo de risco do álcool, com 17,5%.

Para detalhar o comportamento conjunto das variáveis curso, religião, prática de atividade física, grupo (risco e sem risco no padrão de consumo de álcool) em relação à variável gênero, foi realizada uma análise de correspondência e o resultado está na Figura 1 a seguir. Na análise de correspondência, foram detectados dois padrões mais fortemente caracterizados pelos indivíduos da pesquisa, como:

.1 Gênero feminino: não tinha o hábito de praticar atividade física, cursava Farmácia e Bioquímica, possuía religião e pertencia ao grupo sem risco no que se refere ao consumo de álcool.

2. Gênero masculino: tinha o hábito de praticar atividade física esporadicamente ou diariamente, cursava Química e pertencia ao grupo de maior risco em relação ao consumo de álcool.

 


Figura 1 - Clique para ampliar

 

Discussão

O presente estudo avaliou o padrão de consumo de álcool em estudantes ingressantes das áreas de exatas, ambientais e farmacêuticas de uma universidade federal do estado de São Paulo, com o objetivo de se verificar os fatores associados a este consumo e a diferença entre os gêneros.

Em relação à caracterização dos participantes, a classe socioeconômica predominante foi a resultante do agrupamento das classes A e B, representando 75% da amostra. Esses dados são similares aos encontrados na literatura (Andrade et al., 2012; Baus, Kupek, & Pires, 2002; Ramis et al., 2012; Soldera, Dalgalarrondo, Corrêa, & Silva, 2004). Andrade et al. (2012) e Ramis et al. (2012) explicam que ter uma maior renda familiar tem sido relatado como fator de risco a maior consumo de álcool, principalmente pelo maior acesso à compra de bebidas alcoólicas. Já, com relação aos cursos de graduação, apesar de uma porcentagem significativa desses estudantes serem da área de química, não foi encontrado nenhum estudo sobre o padrão de consumo de álcool específico para esses cursos, assim não foi possível discuti-los com a literatura.

Com relação ao padrão de consumo de álcool desses estudantes, a grande maioria se enquadrou em um consumo de baixo risco, ou seja, apresentaram um consumo de bebidas alcoólicas dentro dos limites considerados menos prejudiciais pela Organização Mundial da Saúde (Babor et al., 2001). Entretanto, um consumo prejudicial foi realizado por 11,3% (grupo de risco), em sua maioria do gênero masculino. Apesar dessa porcentagem não ser elevada, seria importante ficar atento a esta população, pois um consumo de risco ou nocivo podem trazer prejuízos significativos não apenas à saúde dos estudantes, mas também ao seu desempenho acadêmico (Ferreira, 2008).

No presente estudo foi detectado um padrão de consumo de álcool de maior risco entre o gênero masculino quando comparado ao feminino. 17,5% dos estudantes do gênero masculino e 8,1% do feminino fizeram um consumo de alto risco. Os estudos de Andrade et al. (2012), Ferreira (2008), Oyama (2010) e Ringwalt, Paschall e Gitelman (2011) também encontraram dados que afirmam um maior consumo de álcool entre estudantes do gênero masculino. Além disso, diversos estudiosos da área, como de Colares, Franca e Gonzales (2009), Laranjeiras, Pinsky, Zaleski e Caetano (2007) e Oliveira et al. (2009) já afirmavam que o consumo de álcool é mais prevalente no gênero masculino do que no feminino. Dessa forma, os dados deste estudo corroboram os já encontrados na literatura científica.

No I Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras (SENAD, 2010) foi encontrado não só um consumo mais frequente em estudantes universitários do gênero masculino, como também um maior consumo de risco. Colares et al. (2009) ainda complementam que existem diferenças na prevalência de condutas de saúde em universitários no que se refere ao gênero, existindo mais comportamentos de risco associados ao consumo de álcool no gênero masculino, tais como realização de sexo sem proteção e dirigir sob o efeito de álcool.

Por outro lado, o presente estudo encontrou associação entre o padrão de consumo de álcool e religião, sendo que aqueles que apresentaram consumo de risco de álcool referiram não possuir religião, assim ter uma religião, independente da qual, poderia ser considerado um fator protetor para um consumo excessivo de álcool, fator este frequentemente citado nos estudos sobre o tema (Galduróz et al., 2010; Gomes, Andrade, Izbicki, Moreira-Almeida, & Oliveira, 2013; Oyama, 2010).

Além disso, a prática esporádica ou diária de atividade física foram associadas ao consumo de risco de álcool. Esse dado parece ainda controverso na literatura, pois o estudo de Perin, Zych, Ulbricht, e Mascarenhas (2010) encontrou dados similares ao do presente estudo, revelando que estudantes do gênero masculino praticavam mais atividades físicas e consumiam mais bebidas alcoólicas. No entanto, o estudo de Cavalcante (2010), diferentemente dos dados deste estudo, identificou que a prática de atividade física influencia na redução do consumo de álcool. Uma das hipóteses explicativas do resultado encontrado neste estudo poderia ser pensada a partir do entendimento que as atividades esportivas desenvolvidas pelos estudantes geralmente estão relacionadas à Atlética do Campus, associação esta que também está envolvida com a realização de festas, nas quais existe alto consumo de bebidas alcoólicas.

 

Considerações Finais

Apesar do ingresso à universidade ser considerado um momento delicado e de vulnerabilidade para os estudantes no que se refere ao consumo de bebidas alcoólicas, os resultados deste estudo mostram uma baixa prevalência de estudantes que utilizam o álcool de forma arriscada logo no início das aulas. No entanto, alguns estudantes apresentaram consumo de risco de álcool, com necessidade de se desenvolver uma intervenção para que durante a formação acadêmica este consumo não aumente e torne-se um problema mais grave, principalmente para os estudantes do gênero masculino, para aqueles sem religião e para os que praticam atividade física regularmente, grupos mais expostos ao consumo excessivo dessa substância e aos riscos desse padrão de consumo.

Com base nos resultados deste estudo e com o objetivo de se prevenir problemas decorrentes do uso de álcool entre estudantes universitários, sugere-se que as instituições de ensino superior estejam atentas ao uso dessa substância nessa população. Nesta direção, a utilização do AUDIT como um instrumento de triagem pode facilitar a identificação de estudantes que fazem consumo de risco de álcool, favorecendo ações de prevenção, promoção e proteção da saúde, sejam essas individuais ou coletivas. Esse instrumento é de fácil e rápida aplicação e permite identificar os estudantes que apresentam consumo excessivo de álcool no momento de sua entrada na universidade. Essa atitude pode auxiliar na detecção precoce e na realização de intervenção quando necessária, favorecendo que este consumo não prejudique a saúde e o desempenho acadêmico dos estudantes.

Este estudo contribuiu com informações relevantes, tendo em vista que as mudanças políticas, principalmente as relacionadas ao REUNI têm permitido maior acesso à universidade. Este estudo identificou o padrão de consumo de álcool entre estudantes de uma universidade pública federal que aderiu ao REUNI, ou seja, os dados aqui apresentados podem estar revelando algumas características a respeito de uma população de estudantes que está inserida em um processo de mudanças políticas na área do ensino superior no Brasil. Assim, entende-se que apesar das contribuições deste estudo, este apresenta algumas limitações, tais como: a amostragem por conveniência e o número de participantes em cada grupo, limitações em relação à distribuição equitativa dos estudantes nos cursos, pouca variabilidade de cursos e o predomínio do gênero feminino. Dessa forma, os resultados deste estudo não podem ser generalizados para todos os estudantes universitários ingressantes de qualquer universidade.

Além disso, a alta frequência de consumo de álcool de baixo risco encontrado entre esses estudantes pode estar relacionada a características específicas do processo de amostragem e seleção dos estudantes, tendo em vista que nos dias da aplicação do instrumento, muitos estudantes não se encontravam presentes. Dessa forma, isso pode ter favorecido a participação de estudantes mais assíduos às aulas e desfavorecido a inclusão de estudantes que pudessem apresentar um padrão de consumo excessivo de álcool, implicando em um viés de seleção, pois sabe-se que o consumo excessivo dessa substância pode gerar ausências mais frequentes às aulas (Santos et al., 2013).

Sugere-se que estudos longitudinais sejam realizados com o objetivo de se comparar o consumo de álcool dos estudantes ao ingressarem na universidade e ao longo de sua formação acadêmica. Tais estudos poderiam avaliar a influência do ambiente universitário neste consumo para se pensar em estratégias de intervenção eficazes para se diminuir o consumo de risco de álcool e suas consequências. Portanto, torna-se essencial conhecer o perfil dos novos estudantes ingressantes, suas características tanto pessoais como de consumo de álcool para possibilitar ações específicas a esta população em âmbito institucional. Além disso, considera-se necessário o desenvolvimento amplo de atividades que promovam a saúde física e mental desses estudantes para que se reforcem os fatores de proteção e se previnam os problemas decorrentes do consumo excessivo de álcool.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Adriana Marcassa Tucci
Universidade Federal de São Paulo, Rua Silva Jardim, nº 136
Santos, SP, Brasil, 11015-020
Fone: (13) 3878-3731
E-mail: eri_correia@hotmail.com e atucci@unifesp.br

Recebido: 26/06/2014
1ª revisão: 09/07/2014
2ª revisão: 26/12/2014
3ª revisão: 16/03/2015
Aceite final: 18/03/2015

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