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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.25 no.1 Ribeirão Preto mar. 2017

http://dx.doi.org/10.9788/TP2017.1-17Pt 

ARTIGOS

 

A atuação do psicólogo nos NASF: desafios e perspectivas na atenção básica

 

El papel del psicólogo en los NASF: retos y perspectivas en la atención primaria

 

 

Isabel Fernandes de OliveiraI; Keyla Mafalda de Oliveira AmorimI; Rafaele dos Anjos PaivaII; Kamilla Sthefany Andrade de OliveiraIII; Marília Noronha Costa do NascimentoIV; Rafaella Lopes AraújoIV

IPrograma de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
IIIPrograma de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
IVUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os Núcleos de Apoio a Saúde da Família visam elevar a resolutividade, abrangência e escopo da Estratégia Saúde da Família e para isso se estruturam em nove áreas estratégicas, dentre as quais a saúde mental. Por meio dessa, os psicólogos ocupam espaço de destaque nas equipes dos núcleos, cujo trabalho deve priorizar o apoio matricial. Esta pesquisa objetivou analisar a atuação psicológica nesses núcleos no estado do RN, no tocante aos modelos de atuação empregados e sua consonância com os princípios do Sistema Único de Saúde para o nível de complexidade em questão. Foram realizadas 24 entrevistas semiestruturadas com psicólogos dos núcleos de 16 microrregiões de saúde do estado. Após análise de conteúdo temática, os principais resultados apontam que os psicólogos realizam atividades socioeducativas, visitas domiciliares e atendimentos clínicos. Não há clareza sobre seu papel nos núcleos, mas identificam-se reflexões sobre seu trabalho e a necessidade de modelos de atuação diferentes dos tradicionais para a profissão.

Palavras-chave: Psicólogos, atenção básica a saúde, apoio matricial.


RESUMEN

Los Núcleos de Apoyo a la Salud de la Familia tienen como objetivo aumentar la resolución, rango y alcance de la Estrategia de Salud de la Familia y está estructurado en nueve áreas estratégicas, entre las cuales la salud mental. A través de ella, los psicólogos ocupan un espacio importante en los equipos cuyo trabajo debe priorizar el apoyo matricial. Esta investigación tuvo como objetivo analizar la actuación psicológica en los núcleos en Rio Grande do Norte con respecto a los modelos de actuación empleados y a su coherencia con los principios del sistema de salud pública de Brasil para el nivel de complejidad apuntado. Se realizaron 24 entrevistas semi-estructuradas con los psicólogos de los núcleos de 16 micro-regiones de salud de la provincia. Después del análisis de contenido temático, los principales resultados muestran que los psicólogos realizan actividades socio-educativas, visitas a domicilio y atendimientos clínicos. No está claro su papel en el núcleo pero se identifican reflexiones sobre su trabajo y la necesidad de modelos diferentes de los tradicionales para la profesión.

Palabras clave: Psicólogos, atención básica de salud, apoyo matricial.


 

 

Desde a sua criação, o Sistema Único de Saúde (SUS) vem passando por reformulações em suas bases conceituais e operacionais com o objetivo de redimensionar o escopo do cuidado em saúde, ao mesmo tempo em que opera mudanças nas concepções que norteiam as atuais práticas (Fertonani, Pires, Biff, & Scherer, 2015). Essas mudanças estão em concordância com a Lei nº 8.080/90, que regulamenta o SUS e dispõe sobre sua organização e seu funcionamento, dentre outros princípios, pautados pela universalidade no acesso a todos os níveis de assistência à saúde, pela equidade nas condições desse acesso, pela integralidade das ações e serviços e pelo controle social.

Uma iniciativa que merece destaque porque é berço da chamada "porta de entrada" do SUS é o Programa de Saúde da Família (PSF), criado em 1994 para provocar uma mudança no modelo de atenção à saúde no país, diante da ausência de alterações significativas nesse campo após a Constituição Federal de 1988 (Escorel, Giovanella, Mendonça, & Senna, 2007; Fertonani et al., 2015; Silva, Cassoti, & Chaves, 2013). De fato, o PSF provocou uma reorganização de impacto no Sistema Único de Saúde (SUS), aprofundou a municipalização na gestão das ações de saúde, fez frente à assistência médica individualizada e fragmentada quanto à prevenção e cura, expandiu a oferta de cuidado em saúde na Atenção Básica. Contudo, esse programa foi executado em uma conjuntura econômica neoliberal, com ações do Estado dirigidas para financeirização do capital (Mendes, 2015). Ou seja, o PSF já não lograra garantir a universalidade do acesso dos usuários aos serviços de saúde e a integralidade do cuidado (Cordeiro, 2001).

Mesmo com esse entrave, o PSF inaugurou uma nova perspectiva de cuidado organizada em três níveis de atenção: Básica e de Média e de Alta complexidades. A Atenção Básica incorpora os paradigmas de defesa dos direitos humanos e sociais, apresenta uma visão ampliada do contexto familiar e social do usuário, atua no território para melhoria das condições de vida da população e propicia atenção continuada (Starfield, 2002). Dessa forma, esse nível de atenção torna-se peça-chave na reestruturação do cuidado em saúde.

Desde a ampliação do PSF para Estratégia de Saúde da Família (ESF), com a lógica do cuidado no território, a ênfase na promoção de saúde e na garantia de direitos passa a ser basilar na estruturação de toda a Atenção Básica em saúde (Fertonani et al., 2015). Esse fato representou um avanço na configuração do SUS, a partir da promulgação da Política Nacional de Atenção Básica (Ministério da Saúde, 2007) que aponta para todo o sistema uma lógica de ações de saúde individuais e coletivas com o objetivo de proteger e promover a saúde, prevenir agravos, promover diagnósticos, tratamentos, reabilitações e manutenção da saúde da população. Nessa lógica, a Atenção Básica ocupa lugar central na rede de cuidados a saúde, porque a este nível de atenção cabe resolver problemas de saúde de maior frequência e relevância no território em que atua, assim como referenciar usuários que necessitem de atendimento mais especializado para os demais níveis de atenção (Escorel et al., 2007; Fertonani et al., 2015; Heimann & Mendonça, 2005).

Para que a atenção à saúde ocorra de maneira integral, é necessário promover práticas interdisciplinares, buscando a inter-relação entre áreas de conhecimento, entre profissionais que atuam no sistema e entre estes e a população atendida. Tendo a integralidade como base norteadora, uma das diretrizes da Atenção Básica é a corresponsabilidade no trabalho em equipe e com a rede de apoio profissional disponível no sistema (Böing & Crepaldi, 2010; Freire & Pichelli, 2010; Ministério da Saúde, 2004).

A ESF, embora constituindo a porta de entrada preferencial do SUS, é questionada acerca de sua amplitude: "É possível superar o limite do pacote mínimo de ações e serviços do PSF, quando se chegar ao nível máximo de cobertura desejável pelo programa?" (Heimann & Mendonça, 2005, p. 498). De fato, ainda hoje, a cobertura da ESF não chega ao nível desejado, mesmo com os incentivos do Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (PROESF) que possibilitaram uma expansão considerável da Estratégia. Na perspectiva de consolidar uma atenção integral e de qualidade aos usuários, transcendendo o pacote mínimo ofertado pela ESF, a articulação com a rede de serviços e níveis de atenção se faz fundamental. Nessa busca pela atenção integral, o SUS adota o apoio matricial como uma estratégia que visa à construção coletiva de conhecimentos e práticas na saúde (Campos, 1999; Campos & Domitti, 2007).

Os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) foram criados objetivando ampliar a abrangência e o escopo das ações da Atenção Básica, fornecendo suporte à ESF, com ênfase na territorialização e regionalização (Portaria MS n. 154, de 24 de janeiro de 2008). A principal ferramenta de trabalho é o apoio matricial, que deve ser prestado por uma equipe NASF às equipes de saúde da família de um território adscrito (Ministério da Saúde, 2010b). Para isso, prevê investimento em nove áreas estratégicas dentre as quais figura a saúde mental, em função da magnitude epidemiológica dos transtornos mentais. É nessa área estratégica que está previsto o ingresso de psicólogos. Embora possam escolher entre três categorias profissionais (psicólogos, psiquiatras e terapeutas ocupacionais), os gestores municipais têm contratado prioritariamente psicólogos como profissionais de referência na saúde mental (Ministério da Saúde, 2010a).

O principal objetivo da área estratégica da saúde mental nos NASF é ampliar e qualificar o cuidado às pessoas com transtornos mentais com base no território, o que reflete uma mudança no modelo de atenção à saúde (Ministério da Saúde, 2010b). O cuidado deve ser prestado na rede familiar, social e cultural do usuário, de forma que os saberes e práticas se articulem à construção de um processo de valorização da subjetividade. Nessa perspectiva, incentiva-se a implantação de uma rede diversificada de serviços de saúde mental de base comunitária que deve funcionar sob a lógica da atenção psicossocial.

Não é novidade que o SUS foi o primeiro espaço que absorveu massivamente psicólogos nas políticas públicas. Desde então, o campo de trabalho nessa seara só cresce e cada vez mais psicólogos ocupam diferentes espaços na Saúde Pública brasileira, tanto na execução de atividades com a população, em unidades básicas de saúde, centros de atenção psicossociais, hospitais, como em cargos de gestão. Contudo, a ocupação de postos de trabalho na Saúde Pública não foi feita sem embates. Destacam-se como debates históricos e ainda atuais aqueles que tratam da relevância social da profissão e da formação necessária para o trabalho do psicólogo na saúde, em sua vertente institucional (Oliveira & Yamamoto, 2014; Yamamoto, 2012; Yamamoto & Oliveira, 2010).

Com a oportunidade de trabalho para o psicólogo nesses núcleos, o debate sobre a atuação do psicólogo no SUS retornou, especialmente tendo em vista as equipes NASF assumirem não o ambulatório de especialidades, mas o apoio institucional (Cela & Oliveira, 2015; Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2009; Freire & Pichelli, 2013; Furtado & Carvalho, 2015; Leite, Andrade, & Bosi, 2013; Sousa, Oliveira, & Costa, 2015). Assim, um dos principais desafios para Psicologia nessa área refere-se à adequação das suas práticas ao novo modelo assistencial, baseado no conceito de saúde como processo saúde-doença e que confronta o hegemônico modelo biomédico de atenção à saúde, sendo este expresso na Psicologia pela prevalência de um modelo de atuação consolidado na prática clínica individualizante (Ferreira, 2010; Freire & Pichelli, 2010; Lo Bianco, Bastos, Nunes, & Silva, 1994). As críticas acerca da transposição do modelo de atuação clínico tradicional, muitas vezes incongruente com as diretrizes do SUS, principalmente no que se refere ao modelo idealizado para esse nível de atenção, ainda é um espectro que ronda a profissão (Cela & Oliveira, 2015; Oliveira & Amorim, 2012; Oliveira & Yamamoto, 2014; Rosa, 2003).

Considerando o exposto, o objetivo desta pesquisa foi analisar a prática profissional dos psicólogos que atuam nos NASF, em todo o território do estado do Rio Grande do Norte (RN), no que se refere aos modelos de atuação empregados e sua consonância com os princípios do SUS para o nível de complexidade em questão. Especificamente, esta pesquisa visou a identificar as formas de inserção profissional e as condições de trabalho do psicólogo neste campo; caracterizar o trabalho exercido pelo psicólogo nos NASF (descrição das atividades desenvolvidas por esses profissionais, no que diz respeito aos recursos teórico-técnicos empregados no seu exercício profissional); investigar se as equipes têm se articulado aos diversos dispositivos que compõem a rede de saúde e, em caso positivo, se o psicólogo tem articulado seu trabalho ao de outros profissionais da equipe NASF e externos a essa, além de quais são os principais desafios para que isso ocorra.

 

Método

Para a execução dos objetivos propostos, identificaram-se os profissionais de Psicologia que atuam em equipes NASF do RN, buscando-se a cobertura das 19 microrregiões de saúde do estado, e somaram-se a essas informações aquelas dos psicólogos que compunham o universo de pesquisa anterior, compreendendo a região metropolitana da capital. A proposta inicial foi entrevistar um psicólogo por NASF de cada microrregião, mas devido a dificuldades de contato e permissão para a coleta de informações, o número de psicólogos e os critérios para escolha dos territórios sofreram ajustes, contemplando-se mais de um NASF por região quando essa se constituía por municípios de maior porte.

O critério de escolha dos participantes foi identificar os psicólogos a mais tempo inseridos nos primeiros NASF implementados no estado. Assim, o universo de pesquisa compreendeu 24 psicólogos, distribuídos em 20 municípios do RN, ampliando o escopo considerado inicialmente na pesquisa. No total, foram contempladas 16 das 19 microrregiões de saúde do RN porque em três delas não havia equipes NASF implementadas durante a coleta de dados que ocorreu entre 2012 e 2014.

A entrevista individual teve um roteiro semiestruturado com questões acerca de dados sociodemográficos do psicólogo, trajetória profissional até o emprego atual, serviços ofertados pelo NASF, articulação do NASF com outros dispositivos, formação para o trabalho na Atenção Básica e atividades desempenhadas no serviço. As informações coletadas foram transcritas e organizadas em categorias com auxílio de um software de análise de dados (QDA Miner). Na análise de conteúdo temática, os blocos de informações que estruturaram o roteiro da entrevista foram considerados para agrupar as respostas dos psicólogos. Devido ao objetivo do estudo, concentrou-se a análise nas informações referentes às atividades realizadas pelos psicólogos e aos aspectos relativos às suas condições de trabalho, confrontando-as com a literatura sobre a prática do psicólogo na Saúde Pública.

Na próxima seção, apresentam-se as principais conclusões a partir das informações colhidas.

 

Resultados e Discussão

Para uma melhor apresentação das informações, os resultados desta pesquisa estão apresentados em blocos de discussão que compreendem alguns dados sociodemográficos, de formação acadêmica e de condições de trabalho; capacitação profissional para o trabalho no NASF; demandas do serviço; articulação da rede de saúde e intersetorial; atividades realizadas pela equipe NASF e especificamente pelo profissional de Psicologia; e limites da atuação do psicólogo no NASF - sendo central para o argumento deste artigo a análise das atividades dos psicólogos nos NASF.

Os Psicólogos nos NASF e as suas Condições de Trabalho

Numa apresentação inicial, dos 24 psicólogos entrevistados, 19 são mulheres e estão na faixa etária dos 23-50 anos. Doze são formados há menos de quatro anos, prioritariamente em instituições de ensino públicas (13). Quinze psicólogos se formaram em instituições localizadas no RN, oito na Paraíba, e uma em Pernambuco. Do total de entrevistados, dezoito realizaram estágio curricular na área Clínica, seguidos de Saúde Mental (2), Organizacional (1), Escolar (1), Social (1) e Saúde Pública (1), destacando-se que este último estágio foi desenvolvido em um NASF. Em relação à formação complementar desses profissionais, dezoito possuem pós-graduação lato sensu, e um possui pós-graduação stricto sensu. As áreas da especialização são as Abordagens Clínicas e Avaliação Psicológica (8), Saúde Pública (8) e Psicopedagogia (2). Esse primeiro conjunto de dados corrobora estudos nacionais e locais sobre o trabalho do psicólogo (Bastos & Gondim, 2010; Seixas, 2009), especialmente no tocante ao gênero, à vinculação de profissionais jovens aos serviços públicos e à formação complementar ainda vinculada a abordagens mais consagradas e tradicionais da Psicologia - essa análise é retomada na seção referente à capacitação para o trabalho no NASF.

As condições de trabalho no NASF merecem atenção. A partir do relato dos entrevistados, observou-se que a remuneração pelo trabalho nesses equipamentos varia de R$ 1.200,00 a R$ 3.000,00 por mês (mínimo abaixo de dois e máximo de cinco salários mínimos à época da coleta). A profissão de psicólogo, caracterizada como profissão de cuidado e feminina, expressa alguns aspectos das condições do trabalho que evidenciam, além da divisão de classes, elementos próprios de uma divisão sociotécnica de gênero (Bastos & Gondim, 2010; Seixas, 2009). Essa faixa salarial, embora na média para a profissão, se comparada ao trabalho realizado por esses profissionais no interior do estado - característica própria do trabalho do psicólogo no campo do bem-estar social -, é relativamente mais baixa, porque tais profissionais possuem residência fixa na capital e têm maiores gastos de deslocamento e moradia nesses municípios do interior (Oliveira et al., 2014). Além disso, a maioria dos entrevistados (18) tem outras fontes de rendimento individual, o que indica a necessidade de revisão dos salários pagos aos profissionais nesses dispositivos. Considera-se que esse acúmulo de vínculos pode comprometer as atividades realizadas no NASF, pois, nessa configuração, o profissional tem de se dividir na organização e execução do seu trabalho em diferentes estabelecimentos ou municípios. Um retrato disso é observado quando analisamos a carga horária distribuída no NASF e em outros vínculos empregatícios: a maioria dos psicólogos não cumpre as 40 horas semanais como preconizado pelos documentos que regem o dispositivo.

No que concerne à forma de inserção dos psicólogos nas equipes, os dados evidenciaram que a entrada de vinte profissionais ocorreu por meio de processo seletivo, análise curricular e/ou indicação política. Os demais profissionais são concursados em seus respectivos municípios e chegaram ao NASF por indicação da gestão municipal de saúde e, para tanto, recebem uma gratificação sobre seu salário-base. A contratação de profissionais não concursados reproduz uma frágil condição de trabalho, já observada no campo das políticas sociais, que terminam por promover uma fragmentação das ações e serviços prestados, na medida em que essa forma de inserção produz alta rotatividade dos profissionais". (Bastos & Gondim, 2010; Seixas, 2009). Além da descontinuidade das ações, a análise das entrevistas permitiu observar que a atuação profissional do psicólogo é determinada por questões políticas locais (Oliveira et al., 2014). Submetido à fragilidade de seu vínculo empregatício, o psicólogo realiza atividades que fogem às principais diretrizes preconizadas para o NASF, a mando das secretarias de saúde - em geral, condizentes com o imaginário sobre o tradicional papel do psicólogo -, deixando de realizar atividades centrais para o funcionamento desse equipamento, como o apoio matricial, por exemplo. Assim, não é incomum encontrar equipes NASF funcionando como ambulatório de especialidades - preocupação já presente no seminário sobre os NASF realizado pelo CFP (2009) -, que localmente muito bem servem a propósitos políticos eleitoreiros.

A Capacitação para o Trabalho nos NASF

O debate sobre a atuação do psicólogo no campo do bem-estar social e, especialmente, na saúde pública tem repercutido na formação profissional e na produção do conhecimento em Psicologia desde os anos 1990. Contudo, considerava-se pontual a inserção desse debate na formação obrigatória graduada. Em função das Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia (Resolução CNE/CES n. 8, de 7 de maio de 2004), a formação acadêmica do psicólogo tem mudado. As reformas curriculares têm contemplado a inclusão de novos componentes, a exemplo das competências para o trabalho do psicólogo no setor do bem-estar social. Apesar dessa abertura, esse debate ainda é pouco valorizado e incipiente, não tendo impactado o campo, pois, concretamente, as primeiras turmas formadas nesse novo modelo curricular têm concluído seus respectivos cursos nos últimos três anos (Seixas, 2014). Entretanto, é preciso reconhecer que os profissionais de Psicologia recorrem à formação continuada, como as pós-graduações lato sensu (Bastos & Gondim, 2010), conquanto a oferta de tais cursos, em geral, contemple técnicas psicoterápicas ou gestão de pessoas.

Quanto à formação em serviço, treze dos psicólogos entrevistados já participaram de algum tipo de capacitação para o desenvolvimento do trabalho no NASF. Consideraram-se aqui desde treinamentos com duração de dois dias ou mesmo um encontro para alguma discussão com o secretário de saúde, até formações com maior tempo de duração, como uma semana. As principais temáticas discutidas nestas capacitações, segundo os profissionais, foram: atenção primária a saúde, mortalidade infantil, política de redução de danos, e sexualidade e saúde reprodutiva. Ou, ainda, participaram de capacitações mais focadas em como deve ser desenvolvido o trabalho no NASF. Discussões gerenciadas pela própria equipe acerca do papel de cada técnico foram citadas, por vezes, como único momento de formação inicial para o trabalho.

Os profissionais consideraram que, de modo geral, as capacitações oferecidas são insuficientes para apoiar a atuação no NASF. Percebeu-se grande descontentamento quanto à participação das secretarias de saúde, de maneira que as capacitações foram conceituadas como superficiais na abordagem do tema, de curta duração e pouca abertura para discussão. Por outro lado, os profissionais avaliaram como positivo o espaço de troca de experiências. Percebe-se a preocupação dos profissionais em construir práticas no dia a dia e, portanto, a integração com outros profissionais exerce uma função importante na atuação do psicólogo.

Por fim, dezessete profissionais entrevistados relataram buscar, por sua própria iniciativa, as prescrições para Atenção Básica nos documentos oficiais do Ministério da Saúde, seja para esclarecer questões do cotidiano do trabalho, seja para discussões com a equipe. Ao mesmo tempo em que a postura dos profissionais revela iniciativas para educação continuada em saúde, há necessidade de formação em serviço devido à complexidade do trabalho nesse campo (Bonfim, Bastos, Góis, & Tófoli, 2013).

Demandas para os NASF

De acordo com a portaria que regulamenta as ações dos NASF (Portaria n. 154/2008), a equipe desse dispositivo deve trabalhar diretamente no apoio às ESF, atuando na qualificação e complementaridade do trabalho dessas.

Nos NASF pesquisados, a maior parte das equipes organiza o trabalho em torno das Unidades de Saúde da Família, localizadas nas zonas urbana ou rural dos respectivos municípios. Ou seja, o trabalho é planejado baseando-se em um cronograma de visitas e de atividades ligadas a esses equipamentos. Contudo, a exigência de cobertura de muitas unidades de saúde por uma equipe NASF requer desses profissionais a presença sazonal (poucas vezes ao mês) em cada unidade, prejudicando a continuidade das ações desenvolvidas e o contato com os profissionais da ESF.

Além disso, contrariando os ditames oficiais, a demanda que as equipes NASF investigadas atende está na ponta da rede. São, principalmente, usuários do SUS, que chegam ao NASF por demanda espontânea ou que foram encaminhados por agentes comunitários de saúde, enfermeiros ou instituições e serviços do município. Nessa lógica invertida de atendimento, as atividades se concentram majoritariamente nos usuários da rede em detrimento do apoio matricial, principalmente no que se refere ao suporte à ESF.

Nesse mesmo caminho, evidencia-se uma tendência dos NASF inaugurarem estabelecimentos próprios. Esse descolamento das USF contribui negativamente para o suporte. Além disso, reitera a forma híbrida do NASF atuar, ora mesclando-se à ESF, ora assumindo funções ambulatoriais (CFP, 2009). São exemplos disso as equipes que pouco ou nunca se encontram durante a semana e as sedes do NASF que mais parecem clínicas médicas, tendo em vista a divisão da instalação em salas de especialistas e de espera.

O NASF Ultrapassa suas Fronteiras?

No que se refere a uma atividade extremamente importante dos NASF, a articulação, os psicólogos relataram três tipos de movimentação das equipes: articulação multiprofissional entre os membros da própria equipe NASF, articulação do NASF com a equipe da ESF ou outros dispositivos de saúde e articulação com equipamentos de outras políticas sociais.

Dos psicólogos entrevistados, 17 relataram haver articulação entre os profissionais da própria equipe NASF. Esta articulação acontece por meio do planejamento das atividades e da realização de ações conjuntas (por exemplo, grupos socioeducativos, visitas domiciliares e palestras realizados de modo multidisciplinar). Os psicólogos queixaram-se dos médicos, apontados como uma figura que tem pouca participação no trabalho em equipe, de caráter preventivo e de apoio matricial, sendo sua atuação essencialmente ambulatorial. Este fato aponta não só para a valorização de uma atuação mais tradicional por parte dos médicos, mas também para o esfacelamento da rede de atenção à saúde. Há poucos médicos disponíveis para a realização de atendimento ambulatorial especializado na rede de atendimento dos municípios, assim, esses profissionais inseridos no NASF adotam a prática clínica individual, a fim de reduzir as filas de espera. Também é preciso assinalar que, como preconizado nos documentos oficiais, a presença dos médicos especialistas na composição da equipe do NASF não exclui a responsabilidade dos médicos das ESF no desenvolvimento das ações (Portaria GM/MS n. 648, 2006).

Vinte psicólogos relataram haver articulação entre o NASF e as equipes da ESF. Essa articulação acontece principalmente por meio de encaminhamentos, mas também foram citadas a realização de atividades em conjunto. Apesar de os grupos acontecerem com a presença dos profissionais da ENASF e da ESF, essa articulação ainda é frágil, pois, na maior parte das vezes, cada profissional é responsável individualmente por um dos encontros, abordando um tema da sua área. Uma dificuldade apontada pelos psicólogos em relação ao fortalecimento dessa articulação é o desconhecimento da ESF sobre o papel do NASF, ainda que alguns profissionais (15) afirmem explicar à equipe da ESF as características do serviço e demandas que competem aos profissionais do NASF. Essa configuração demonstra que um modelo de atenção à saúde diferente dos atendimentos ambulatoriais é um desafio. Ainda, considera-se fundamental que o NASF reduza a recepção de usuários diretos da rede e invista no matriciamento e na referência à ESF.

A articulação intersetorial tanto é relevante para as políticas de saúde como para o bom funcionamento das demais políticas sociais (Leite et al., 2013). Os resultados desta investigação apontam que os NASF se articulam com pelo menos um dispositivo da rede intersetorial (informação relatada por 20 psicólogos). Esse tipo de articulação encontra-se objetivado nas atuações em parceria e nos encaminhamentos, principalmente relacionados com os equipamentos da política de assistência social e de educação. Os principais equipamentos citados pelos psicólogos foram: as escolas, os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), os Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Conselhos Tutelares.

O Programa Saúde na Escola (PSE) concretiza a articulação entre os NASF investigados e as escolas. O caráter educativo e preventivo das intervenções se expressa nas visitas às escolas e nas palestras informativas sobre os mais diversos temas - mais uma vez, distinguindo-se a especialidade profissional. Os psicólogos entrevistados informaram discutir temáticas como: uso de álcool e outras drogas, sexualidade, sobrepeso e violência no contexto escolar (especialmente, bullying). Já as articulações com os CRAS, os CREAS e os CAPS realizam-se por meio de grupos socioeducativos em conjunto, palestras ou dinâmicas de grupo (quando solicitado por alguma instituição).

A relação entre NASF, ESF e CAPS é preconizada pelo Ministério da Saúde. A expectativa é de que as ESF identifiquem as necessidades no campo da saúde mental e, em conjunto com os NASF e CAPS (a depender dos recursos existentes no território), elaborarem estratégias de intervenção e compartilhem o cuidado (Freire & Pichelli, 2013; Silva et al., 2013). Nos NASF investigados, percebe-se uma fragilidade na articulação com esses dispositivos nos municípios.

Diante da complexa rede de determinantes sociais da saúde (Alves & Rodrigues, 2010; Buss & Pellegrini, 2007), da qual se destacam as condições sociais de existência da população, é necessário que os profissionais e equipes desenvolvam um trabalho articulado com redes e instituições que estão fora do seu próprio setor, a fim de superar a fragmentação dos conhecimentos e das estruturas sociais, produzindo efeitos mais significativos na saúde da população e reestruturando a lógica de atendimento. Os principais desafios assinalados pelos entrevistados para articulações com a rede foram as dificuldades de comunicação entre as instituições; a falta de comprometimento ou disponibilidade para parcerias; e a descontinuidade dos atendimentos encaminhados pela equipe NASF para a rede, não havendo responsabilidade compartilhada pelo cuidado ao usuário.

Mais especificamente com relação à articulação dos NASF com a ESF, o desafio encontrado refere-se à dificuldade de conciliar os horários, o que inviabiliza o desenvolvimento de ações conjuntas, bem como de planejamento. Além disso, profissionais que estão há muito tempo nos serviços têm se aprisionado a práticas próprias de suas especialidades, sem dialogar com outros profissionais, constituindo-se em um desafio.

Os Psicólogos nos NASF

O principal bloco de discussão do presente trabalho refere-se às atividades realizadas nos NASF e que necessariamente contam com a participação de psicólogos. É possível obter um panorama geral dessa distribuição na Tabela 1.

Todos os psicólogos entrevistados relataram desenvolver algum tipo de atividade socioeducativa, sendo que, em um dos NASF, esse trabalho é de responsabilidade exclusiva desse profissional. Dentre as atividades socioeducativas realizadas, as palestras informativas e os grupos socioeducativos são os principais. As palestras abrangem temas diversos de interesse da comunidade e os grupos prioritariamente citados são os de adolescentes, idosos, gestantes, usuários com hipertensão e diabetes e usuários de psicotrópicos. Os psicólogos entrevistados caracterizam essas ações como preventivas, educativas e de promoção à saúde.

As visitas domiciliares são a segunda atividade com maior ocorrência (19). Essas acontecem de acordo com as solicitações das USF e os profissionais dos NASF as realizam com os agentes de saúde. A maioria das visitas é realizada de acordo com a especialidade do profissional: ou seja, o psicólogo é chamado para visitas relacionadas à saúde mental. Também é comum a prática de visitas quando o usuário está impossibilitado de sair da residência para ir à unidade de saúde. Nas visitas, os profissionais objetivam atender a demandas específicas e emergenciais dos usuários, ao invés de realizar um acompanhamento da família e do paciente. Assim, a visita domiciliar não cumpre a forma de prevenção e de busca ativa. Considera-se que, embora os NASF realizem visita domiciliar, esta prática ainda precisa ser repensada quanto aos seus objetivos e modos de execução.

A terceira atividade mais citada pelos psicólogos entrevistados é o atendimento clínico ambulatorial (18). Embora haja compreensão por parte dos psicólogos de que a prática ambulatorial não é prioridade do NASF, muitos profissionais, não só da Psicologia como de outras áreas, sustentam essa prática. Essa ação do psicólogo em torno da clínica individual reflete o modelo mais tradicional de atuação do psicólogo e revela-se o mais "seguro", do ponto de vista dos profissionais, seja pela perspectiva teórico-metodológica adotada, seja pela exposição massiva dessa prática na formação graduada. A crítica à transposição da clínica tradicional para espaços de atuação distintos do consultório privado tem sido recorrente (Oliveira & Amorim 2012; Oliveira et al., 2014; Yamamoto & Oliveira, 2010), pois esse modelo de atuação é insuficiente para atingir os objetivos da atenção primária à saúde (Cela & Oliveira, 2015; CFP, 2009; Freire & Pichelli, 2013; Furtado & Carvalho, 2015; Leite et al., 2013; Sousa et al., 2015). Os profissionais justificam o esfacelamento da rede como contingência para a realização do atendimento clínico: por não existir equipamentos de saúde no município que trabalhem no nível secundário de atenção, com profissionais especializados disponíveis para atendimento ambulatorial, os profissionais do NASF assumem essa função - corroborando a prática do psicólogo também na Assistência Social (Oliveira et al., 2014).

A atividade denominada registro das atividades é executada por dezenove psicólogos entrevistados. Esse registro é uma exigência das secretarias municipais de saúde e se configura, basicamente, como uma prestação de contas, por meio de relatórios das atividades e de fichas de produtividade. Em alguns NASF, os psicólogos relataram a existência de um livro de ocorrências. Ou seja, não existe uma forma específica e única para o registro de atividades nos NASF investigados; cabe ao profissional decidir como fazê-lo. Por vezes, os registros são utilizados como uma forma de comunicação entre os profissionais, pois informam a intervenção realizada e permitem o acompanhamento do usuário por toda a equipe. Entretanto, em um município, o psicólogo tem alguns registros que são sigilosos, não compartilhados com a equipe.

A quinta atividade mais relatada pelos entrevistados é o planejamento das ações (17). Esse planejamento pode ser tanto interno à equipe do NASF quanto envolver a ESF. Para planejar as ações, é preciso conhecer o perfil epidemiológico da população atendida pelas ESF, de modo que as intervenções propostas sejam condizentes com as demandas. Assim, compete à ENASF conhecer a realidade desses territórios e identificar as demandas das ESF para aperfeiçoar as ações desenvolvidas nesses locais. Porém, observa-se que o planejamento das ações tem sido realizado de modo descontextualizado, com planejamento realizado individualmente por algum dos profissionais do NASF que delega atividades para os outros, em vez de haver um espaço de discussão e de construção coletiva.

A participação no Programa Saúde na Escola constitui a sexta atividade mais desenvolvida pelos psicólogos dos NASF investigados (10), na maioria das vezes, em cumprimento a uma exigência das secretarias municipais de saúde.

As ações de matriciamento têm caráter pedagógico e de apoio ao trabalho da ESF (Bonfim et al., 2013; Freire & Pichelli, 2013). Principal função do NASF, o apoio matricial foi citado como uma atividade executada por apenas sete psicólogos. Os entrevistados não relataram ações dessa natureza por outros profissionais da equipe NASF, o que leva a crer que essas não têm sido reconhecidas como uma importante frente de trabalho. É possível perceber que as ações de matriciamento consistem em iniciativas individuais e são ainda incipientes. A título de exemplo, destaca-se a ação desenvolvida por um psicólogo no âmbito da saúde mental: ao constatar a existência de grande número de usuários de psicotrópicos que não têm acompanhamento psiquiátrico adequado em determinada localidade, o profissional buscou responsabilizar a USF por uma atenção mais qualificada a esses usuários. Para tanto, o psicólogo formou um grupo com os agentes comunitários de saúde, com o objetivo de discutir e planejar com eles as formas de atuação. Os limites para a realização dessa ação nos NASF se expressam na imprecisão conceitual da função desse equipamento pelas ESF: em vez de entendê-lo como suporte à equipe, julgam-no como referência para encaminhamento de casos, consequentemente sobrecarregando o NASF com atividades características do modelo de atuação tradicional do psicólogo e com o modelo biomédico de atenção à saúde, em detrimento de atividades de apoio matricial.

Seis psicólogos relataram a realização da atividade de acolhimento por parte dos profissionais do NASF, compreendendo que esta consiste em ofertar uma escuta qualificada ao usuário que chega ao serviço apresentando uma demanda por algum tipo de atendimento especializado. A partir desse acolhimento, são feitas orientações ou encaminhamentos para a rede. Portanto, não se trata de um acompanhamento clínico de longo prazo, mas de uma intervenção pontual. Essa prática ser realizada por um profissional do NASF pode refletir uma quebra na lógica da ESF como porta de entrada no sistema. É possível que, diante disso, o profissional que acolhe tente dar resposta à demanda apresentada, com ações que fogem do seu escopo de trabalho no NASF.

Por fim, os grupos terapêuticos, gerenciados por seis psicólogos, são formados por usuários que apresentam demandas em comum. Nesse sentido, foram citados grupos de crianças com dificuldades de aprendizagem e de usuários de psicotrópicos. Por falta de detalhamento nas informações prestadas não foi possível uma análise mais acurada dessa atividade.

Os Limites para a Atuação Psicológica

O último bloco de dados trata dos desafios para a realização do trabalho no NASF. Os principais limites citados dizem respeito a problemas de infraestrutura e de recursos materiais e desconhecimento da função do NASF e do trabalho do psicólogo nesse equipamento, tanto por parte das equipes das ESF quanto dos usuários.

Os profissionais, de maneira geral, não apresentam uma trajetória de trabalho no campo das políticas públicas, partindo de referenciais individualizantes e tradicionais, pouco condizentes com a proposta de trabalho do NASF.

Por outro lado, percebe-se que os profissionais de Psicologia estão refletindo sobre suas formas de atuação (Cela & Oliveira, 2015; CFP, 2009; Sousa et al., 2015). Um dos entrevistados declarou: "Eu acho que é um lugar que os psicólogos deveriam brigar mais para estar, sabe? E não para estar tentando se fechar, mas para agir mais em equipe e com abrangência maior". Outro psicólogo afirmou: "Eu acho que é um desafio tentar aprender a trabalhar de uma maneira mais abrangente".

 

Considerações Finais

O trabalho do psicólogo no NASF se expressa conforme as determinações tanto da organização societária e de suas particularidades na conjuntura brasileira, cujo modelo socioeconômico marca o esfacelamento das políticas sociais, quanto de sua história como ciência e profissão, cuja marca são as aproximações a campos de atuação distintos do atendimento em consultório privado, como é o caso da Saúde Pública. Essa configuração apresenta desafios à profissão para que esta contribua para a proposta de atenção à saúde adotada a partir da institucionalização do SUS.

Especificamente no NASF, sua organização pretende suprir algumas limitações identificadas na rede de saúde, implicando tarefas relacionadas à formação em serviço, por meio do suporte a equipes de saúde na Atenção Básica. A recentidade do modelo assistencial à saúde e as condições necessárias para sua concretização, especialmente na formação de equipes multidisciplinares, têm sido desafios para implementação dessa proposta. Os resultados dessa lógica se expressam, por exemplo, no matriciamento que, quando existente, é incipiente. Considerando-se essa a atividade-chave da organização desse dispositivo, é preciso considerar as condições para que seus objetivos sejam alcançados.

A inserção do psicólogo nesse empreendimento tem sido massiva, principalmente por sua vinculação à área da saúde mental. Descartar as ações conservadoras e individualizantes e em seu lugar reconhecer o modelo de atenção socioassistencial proposto pelo SUS e reafirmado a partir da implementação dos NASF constituem os principais desafios à profissão. Para isso, é preciso reconsiderar o lugar das discussões sobre a política social nas matrizes curriculares para formação profissional do psicólogo e adensar as pesquisas sobre a relação Psicologia e Saúde Pública, a fim de inovar as práticas profissionais pertinentes a esse projeto.

 

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Endereço para correspondência:
Isabel Fernandes de Oliveira
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus Universitário, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Caixa Postal 1622
Natal, RN, Brasil 59078-970
E-mail: fernandes.isa@gmail.com

Recebido: 30/09/2015
1ª revisão: 12/02/2016
Aceite final: 21/02/2016

 

 

Este artigo é resultado de um projeto de pesquisa financiado pelo Edital Programa de Pesquisa para o Sistema único de Saúde - PPSUS III Ministério da Saúde - MS/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Norte - FAPERN/Secretaria de Estado da Saúde Pública - SESAP - n. 011/2009, intitulado "A atuação do psicólogo na atenção básica: novos desafios e perspectivas". Declaramos que os procedimentos éticos na execução desta pesquisa foram cumpridos. Declaramos que não há conflitos de interesses na publicação deste artigo.

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