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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.25 no.3 Ribeirão Preto set. 2017

http://dx.doi.org/10.9788/TP2017.3-15Pt 

ARTIGOS

 

Psicólogo intensivista: reflexões sobre a inserção profissional no âmbito hospitalar, formação e prática profissional

 

El psicólogo intensivista: reflexiones acerca de la inserción en el ámbito hospitalario, formación y práctica profesional

 

 

Amanda Mom berger SchneiderI; Mariana Calesso MoreiraII

IUniversidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
IIDepartamento de Psicologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquis a buscou analisar o perfil do psicólogo hospitalar atuante em Unidades de Terapia Intensiva em hospitais públicos e privados de Porto Alegre, conhecer sua formação, as principais intervenções psicológicas utilizadas no atendimento ao paciente e seus familiares, as possiblidades de intervenção com a equipe assistencial atuante em terapia intensiva e identificar possíveis carências na formação do psicólogo que sejam consideradas essenciais pelas participantes para atuação neste campo. Os dados foram coletados através de um questionário sociodemográfico e uma entrevista semidirigida. Foram entrevistadas sete psicólogas intensivistas de dois hospitais de Porto Alegre-RS, atuantes em unidades de atenção a pacientes adultos, pediátrica e neonatal. As informações obtidas nas entrevistas foram submetidas à análise de conteúdo, e dela emergiram categorias temáticas para posterior interpretação dos resultados. Foi percebida uma carência nos cursos de Psicologia de conteúdos que capacitem os alunos para as especificidades da atuação em saúde e sua inserção em equipes multiprofissionais. A pesquisa também evidenciou a necessidade de adaptação das técnicas já utilizadas na clínica, tanto no que diz respeito à avaliação psicológica quanto nos atendimentos a pacientes, familiares e intervenções em grupo. Evidencia-se a carência de estudos sobre Psicologia Intensivista, destacando a necessidade de mais pesquisas nesta área.

Palavras-chave: Psicologia hospitalar, intensivismo, equipes multiprofissionais, formação em psicologia, UTI.


RESUMEN

La investigación buscó cono cer las especificidades de la práctica del psicólogo intensivista, analizando aspectos de su rutina profesional, dificultades y potencialidades, principales intervenciones con familiares y equipos de salud, además de investigar sobre su formación profesional y como esta repercute sus acciones en la actualidad. Los datos fueron recogidos a través de cuestionario sociodemográfico y entrevista semidirigida. Fueron entrevistadas siete psicólogas intensivistas, de dos hospitales de la ciudad de Porto Alegre-RS, actuantes en unidades de atención a pacientes adultos, pediátrica y neonatal. Las informaciones obtenidas en las entrevistas fueron sometidas a un análisis de contenido y emergieron categorías temáticas para la posterior interpretación de los resultados. Fue percibida una carencia en los cursos de Psicología de contenidos que capaciten los alumnos para las especificidades de la actuación en salud y su inserción en equipos multiprofesionales en el actual contexto brasilero. Además de esto, la investigación evidenció la necesidad de adaptación de las técnicas ya utilizadas en la clínica, tanto en lo que se refiere a la evaluación psicológica como en la atención a pacientes, familiares e intervenciones en grupo. Evidenciase la carencia de estudios sobre Psicología Intensivista, destacando la necesidad de un mayor número de investigaciones en el área.

Palavras-chave: Psicología Hospitalaria, intensivismo, equipos multiprofesionales, formación en Psicología, UCI.


 

 

No Brasil, o hospital como cenário de atuação de psicólogos relacionados à assistência e práticas em saúde é ainda recente, principalmente se compararmos com os 53 anos de regulamentação da profissão no país. Aproximadamente na década de 70, emergiu a necessidade e relevância de atividades restritas do psicólogo relacionadas a um público alvo, ambiente e contexto social diferenciados, o que gradualmente levou a uma adequação das práticas clínicas e seu instrumental teórico e técnico (Maia, Silva, Martins & Sebastiani, 2004). Tal qual ocorreu em outros âmbitos profissionais, esta perspectiva tem reflexo direto na atuação de psicólogos no ambiente hospitalar, o qual exige competências e habilidades específicas para o desenvolvimento de atividades que efetivamente contribuam para as práticas em saúde neste contexto (Tonetto & Gomes, 2007).

Outro aspecto diz respeito a um momento histórico do país e suas reverberações na inserção dos profissionais da saúde de uma forma geral. No caso da Psicologia, o mercado de trabalho estava saturado de profissionais liberais e o modelo da clínica privada já não era mais suficiente. Tal situação impactou na trajetória dos psicólogos, os quais buscaram outros campos de atuação, entre eles as instituições hospitalares e suas necessidades relacionadas à psicologia. As primeiras intervenções realizadas neste contexto estavam relacionadas ao funcionamento da instituição, buscando criar novos serviços e qualificá-la, investigando as necessidades e estabelecendo objetivos. Desta forma, pode-se dizer que no hospital ampliaram-se as práticas tanto clínicas quanto organizacionais do psicólogo, ainda que a clínica tenha sido o marco da afirmação profissional do psicólogo no campo hospitalar, formando o que posteriormente configura-se como uma de suas especialidades (Fossi & Guareschi, 2004).

A implementação deste novo campo profissional, denominado a âmbito nacional Psicologia Hospitalar, suscitou a utilização de recursos técnicos e metodológicos de diversas áreas do saber psicológico, não se restringindo apenas à clínica, mas também a aspectos organizacionais, sociais e educacionais (Fongaro & Sebastiani, 1996). A Psicologia Hospitalar busca comprometer-se com questões ligadas à qualidade de vida dos usuários bem como dos profissionais da saúde, portanto, não se restringindo ao atendimento clínico, mesmo esta sendo uma prática central dos psicólogos hospitalares.

O mesmo ocorre com o arcabouço técnico necessário, já que a ideia não é definir práticas que sejam restritivas de um campo profissional, dividindo a psicologia por locais de atuação e entendendo que estes são os responsáveis pela definição de suas especialidades, mas sim poder selecionar e ampliar aquelas que dizem respeito a contextos específicos. No caso dos hospitais, um bom exemplo disso são as unidades de terapia intensiva, foco de atenção desta pesquisa.

A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é definida como a "área crítica destinada à internação de pacientes graves, que requerem atenção profissional especializada de forma contínua, materiais específicos e tecnologias necessárias ao diagnóstico, monitorização e terapia", segundo a Resolução Nº 7 (2010) do Ministério da Saúde.

A inserção do psicólogo na equipe de saúde atuante nas UTIs é recente. Em 2004 foi regulamentado o Departamento de Psicologia Aplicada à Medicina Intensiva da Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB (http://www.amib.org.br). A obrigatoriedade de que cada UTI disponha de um psicólogo foi reconhecida em 2005 pela Portaria Ministral Nº 1071. O psicólogo que atua em Terapia Intensiva é chamado de intensivista e algumas de suas funções junto ao paciente consistem em assistência psicológica, atentando a fatores que podem influenciar sua estabilidade emocional e a avaliação da adaptação do paciente à hospitalização, considerando seu estado psíquico e sua compreensão do diagnóstico, além de suas reações emocionais diante da doença. O psicólogo também atua junto à família acolhendo, orientando e informando as rotinas da UTI a seus familiares e visitantes, oferecendo-lhes espaço para expressão dos seus sentimentos e questionamentos quanto ao processo de internação do paciente. Junto à equipe multiprofissonal, é tarefa do psicólogo atender a solicitações dos profissionais relacionadas a aspectos psicológicos envolvidos na internação do paciente, além de incentivar o contato entre o paciente-equipe e familiares-equipe, buscando promover a adesão e compreensão do tratamento por parte dos envolvidos no processo de hospitalização (Santos, Santos, Lélis, Rossi & Vasconcellos, 2011).

As intervenções psicológicas mais utilizadas podem ser de apoio, orientação ou psicoterapia. Além das funções citadas acima, alguns outros objetivos podem existir dependendo do caso e da especialidade da UTI. As intervenções psicológicas podem ser realizadas com o paciente, família e equipe de saúde, porém sempre em benefício do paciente. Para que sua atuação seja realizada satisfatoriamente, o psicólogo deve conhecer os fundamentos da Psicologia do Desenvolvimento, da Psicopatologia, do processo de luto, dos processos psíquicos envolvidos no adoecer, além de intervenções psicoprofiláticas, psicoterapêuticas ou psicopedagógicas (Silva & Andreolli, 2005).

Considerando-se estes aspectos, percebe-se que a especialização de Psicologia Intensivista é um campo de trabalho relativamente novo, que exige esforços e preparo diferentes do que os adquiridos na formação profissional e que envolve um importante esforço emocional, mental e físico (Smoermaker, 1992, em Gusmão, 2012). O psicólogo deve estar preparado para lidar com situações diversas, como as solicitações constantes do paciente e da família, a intensa jornada de trabalho, o contato com a dor e com o processo da morte, estar submetido às pressões quanto à tomada de decisões em momentos críticos, dentre outros fatores (Silva, 2010). O cuidar de pacientes críticos pode tanto trazer gratificações psicológicas como também a necessidade de enfrentar inúmeras frustrações. Muitas vezes observa-se nos profissionais que ali atuam o uso excessivo de mecanismos de defesa e podem, também, sofrer ao ter que se ver frente a um desgaste emocional intenso, a responsabilidade, o medo de cometer erros, o cansaço e as difíceis relações estabelecidas nas equipes multiprofissionais (Lucchesi, Macedo & De Marco, 2008).

A atuação do psicólogo na UTI se deve ao suporte psicoterapêutico que o paciente necessita em virtude da possibilidade de apresentar uma série de transtornos/distúrbios psicológicos, relacionados ou não ao processo do adoecimento e da internação na UTI. O psicólogo permite, dessa forma, que o paciente tenha uma expressão livre de seus sentimentos, medos e desejos, proporcionando-lhe uma elaboração do processo do adoecimento. Lidar com o sofrimento, com a dor, com a mudança de comportamento decorrente de tratamentos invasivos e com as intervenções que aumentam a sobrevida constitui um exemplo de situação que requer orientação da Psicologia Intensiva (Gusmão, 2012).

Sendo assim, a presente pesquisa busca analisar o perfil do psicólogo hospitalar que atua em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) em hospitais públicos e privados da cidade de Porto Alegre. Para tanto, recorre a profissionais com atuação consolidada neste campo profissional (UTI), buscando compreender aspectos das suas rotinas profissionais, dificuldades e potencialidades, principais intervenções realizadas com pacientes, familiares e equipes de saúde, além de investigar também sobre sua formação profissional e de que forma ela repercute nas ações profissionais que vem explorando na atualidade. Tal tarefa constitui-se um desafio, devido à pequena quantidade de produções científicas e acadêmicas sobre esta especialidade não somente no Brasil como em outros cenários.

 

Procedimentos Metodológicos

A presente pesquisa é um estudo qualitativo de cunho exploratório.

Participantes

Participaram da pesquisa sete psicólogas atuantes em UTIs adulto, neonatal e pediátrica por, no mínimo, 3 meses até o momento da entrevista, em hospitais públicos e privados na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A seleção das participantes foi por conveniência, através de contatos pessoais das pesquisadoras nos hospitais que participaram do estudo. Por semana, as participantes estão inseridas na UTI aproximadamente 30 horas. De todas as entrevistadas, somente uma se dedica a outra área de atuação do psicólogo, sendo esta a clínica privada e duas delas realizam também atendimentos de pacientes internados em outras áreas do hospital que não em UTI. No que tange a orientação teórica das entrevistadas em sua prática clínica, cinco consideram seus atendimentos de orientação psicanalítica, uma sistêmica e uma baseado nas teorias cognitivo-comportamentais. Para uma melhor visualização de informações a respeito das participantes, verificar a Tabela 1.

Instrumentos

A coleta de dados ocorreu da seguinte forma: primeiramente foi aplicado um questionário sociodemográfico que buscava colher informações acerca da formação e atuação profissional das participantes. Em seguida, foi realizada uma entrevista semidirigida, a qual abordou temas como a escolha pela especialidade, atividades e intervenções realizadas junto ao paciente crítico, a formação em Psicologia, atuação junto a equipe multiprofissional, assim como os desafios enfrentados pelo psicólogo que atua em UTI. Ambos os instrumentos foram criados pelas pesquisadoras buscando conhecer as realidades do grupo entrevistado.

Coleta de Dados

As participantes foram contatadas por telefone e convidadas a participarem do estudo. No contato inicial foram esclarecidos os objetivos da pesquisa, bem como seus procedimentos e tempo de duração aproximado das entrevistas. Após, foram agendados os encontros em uma data e local de preferência das participantes. Na data agendada a pesquisadora se deslocou até o local para a realização da entrevista. Após a apresentação da pesquisa, foi entregue às participantes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para que se pudesse dar prosseguimento à coleta. Em seguida, foi aplicado o Questionário Sociodemográfico e, por fim, a entrevista semidirigida. Todas as entrevistas foram gravadas com o consentimento das participantes, para que fosse realizada a transcrição posteriormente. O tempo médio dos encontros para realização das entrevistas foi de quarenta minutos. Todas as participantes responderam às entrevistas individualmente, sendo que quatro foram realizadas nos hospitais onde atuavam e três nas dependências da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.

Análise de Dados

Foi realizada uma análise de conteúdo temática, focada no desenvolvimento de categorias que visavam à interação do conteúdo das entrevistas com o suporte teórico encontrado (Hsieh & Shannon, 2005). De acordo com os objetivos da pesquisa, as categorias temáticas foram definidas a posteriori, respeitando as etapas sugeridas por autores que desenvolveram estruturas metodológicas para tal análise qualitativa (Braun & Clarke, 2006; Campos, 2004; Hsieh & Shannon, 2005). Foram definidas quatro categorias emergentes, sendo elas: Intervenções psicológicas em terapia intensiva, Peculiaridades da atuação profissional junto ao paciente crítico, Inserção do psicólogo nas equipes multiprofissionais - oportunidades e desafios e Necessidades na formação profissional do psicólogo que atua no intensivismo. Os conteúdos englobados em cada categoria serão apresentados a seguir junto aos resultados da pesquisa.

Procedimentos Éticos

A presente pesquisa foi analisada e aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e segue a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

 

Resultados

Da análise de conteúdo das entrevistas realizadas com as participantes acerca de sua atuação nas Unidades de Terapia emergiram quatro categorias a posteriori. A primeira categoria é denominada Intervenções psicológicas em terapia intensiva e refere-se às intervenções psicológicas utilizadas na prática profissional das entrevistadas. Nesta categoria emergiram dois eixos temáticos, sendo eles: intervenções junto ao paciente e familiares e intervenções em grupo. A segunda categoria foi nomeada de Peculiaridades da atuação profissional junto ao paciente crítico, na qual foram consideradas as especificidades das ações cotidianas dispensadas pelo psicólogo no ambiente da UTI. Essa categoria engloba dois eixos temáticos, sendo eles o contato com a terminalidade e a adaptação e inclusão de novas técnicas e parâmetros de atendimento e avaliação psicológica. A terceira categoria denominou-se de Inserção do psicólogo nas equipes multiprofissionais - oportunidades e desafios, e nela foi considerada a troca entre os profissionais da equipe multiprofissional e os psicólogos, o espaço do profissional da Psicologia nestas equipes, assim como as dificuldades enfrentadas para a atuação junto à equipe. A quarta e última categoria refere-se às Necessidades na formação profissional do psicólogo que atua no intensivismo, e trata-se das características da formação profissional das participantes, considerando as demandas que enfrentam no cotidiano da profissão no ambiente hospitalar

A seguir serão apresentadas as categorias emergentes, sempre ilustradas com falas das participantes para a melhor sistematização dos conteúdos dispostos. A fim de preservar a identidade do profissional e ao mesmo tempo diferenciá-los, optou-se por utilizar a letra "P" de participante junto ao número da entrevista.

Intervenções Psicológicas em Terapia Intensiva

No que se refere ao paciente, destaca-se as ações psicológicas possíveis de serem aplicadas no ambiente de terapia intensiva, considerando que trata-se de um ambiente estressante, com alta circulação de pessoas e com horário de visita restrito. Da mesma forma, busca relatar intervenções realizadas com os familiares do paciente, os quais passam por uma interrupção de sua rotina, pela incerteza do diagnóstico, pelo enfrentamento do desconhecido, e, muitas vezes, deixando de cuidar-se para dedicar total atenção ao familiar internado. Como destaca uma das participantes: "...a gente começa com uma avaliação do paciente, avaliação das famílias, acompanhamento dessas famílias, e muitos atendimentos em momentos de crise ..." (P1). Outra participante destaca que:

... o foco é clínico, é o atendimento ao paciente e ao familiar. Basicamente é isso, é o acompanhamento, é uma avaliação inicial do paciente, uma avaliação de estado mental, até pra avaliar a condição dele receber naquele momento o atendimento... . sempre que a gente pode, procura também atender a família, pra entender um pouquinho mais do paciente, do contexto dele, da história. (P2)

O segundo tema abordado constitui-se nas intervenções realizadas em grupo. Apesar de apenas três entrevistadas realizarem intervenções grupais, as demais também destacam a importância dessa estratégia. Porém, por dificuldades diversas não conseguem implementá-la em sua rotina. Os grupos realizados pelas psicólogas entrevistadas tem caráter psicoeducativo, buscando orientar os familiares e cuidadores acerca da rotina da unidade, de regras, esclarecimento de dúvidas e apresentação da equipe, como relata a participante:

É um grupo operativo, psicoeducativo. O objetivo é apresentar as rotinas do CTI para familiares. Ele é diário. Ele tem uma agenda para que cada familiar dos pacientes que entram possam passar por esse grupo e conhecer um pouco do CTI. A gente fala sobre as rotinas, a equipe, fala um pouco sobre os equipamentos, os aparelhos, o suporte que eles vão encontrar. A gente orienta também em relação à visita no CTI e todas as recomendações de controle de infecção, os cuidados que eles precisam ter. Sempre vai um médico, a psicóloga e a enfermeira. (P4)

Além das intervenções citadas acima, as práticas das psicólogas sofrem algumas adaptações para serem realizadas satisfatoriamente. A seguir, serão citadas as peculiaridades desta atuação no contexto de UTI.

Peculiaridades da Atuação Profissional junto ao Paciente Crítico

Considerando o ambiente de UTI como bastante dinâmico, onde o psicólogo precisa utilizar-se da técnica de maneira diferente do que na clínica convencional, foram trazidas pelas participantes as adaptações das técnicas psicológicas, assim como a inclusão de novas estratégias e parâmetros de atendimento e avaliação.

Um dos focos emergentes diz respeito ao psicólogo enquanto profissional que acompanha momentos extremamente delicados; de óbitos, más notícias, assim como acolhe a dor e os sentimentos de desesperança do paciente e de seus familiares:

É um ambiente pesado, intenso, que te coloca ali na reflexão do limiar da morte, tu reconhece como se tu tivesse te deparando ali com situações, muitas vezes tu ve como se fosse um espelho. Tu vai lidar com o sofrimento dos outros, então tem que saber que é aquilo mesmo que quer fazer. (P6)

Também foi abordada a importância do psicólogo reservar um tempo para preservar a própria saúde, seja física, seja emocional. Como relata uma das participantes,

É um ambiente tenso, quando vê a gente também está sempre tenso, tendo contato com situações bem complicadas que mexem com a gente... isso é positivo, por que eu acho que a gente consegue ser mais empático, mas a gente também precisa ter mais tempo pra se cuidar pra poder estar ali com qualidade. E quando a gente está muitas horas na assistência falta tempo pra gente cuidar da nossa saúde e aí às vezes a gente não está tão 100% quanto a gente poderia e gostaria... . faz parte da nossa formação, digamos assim, o cuidado é tão importante quanto a técnica. Por que tu estar bem, tu estar ali inteira, tu poder estudar, estar com a cabeça boa pra estudar coisas que tu não sabe pra poder atender melhor as famílias. Pra tu estar assim tu tem que estar bem contigo mesmo na tua vida pessoal, acho que isso é o ponto de partida. (P7)

O segundo tema tratado nessa categoria se refere a adaptação e inclusão de novas técnicas e parâmetros de atendimento e avaliação psicológica, e diz respeito ao que as participantes consideraram práticas psicológicas que tiveram que adaptar ou modificar para atuar no ambiente hospitalar, especificamente na UTI. Um dos exemplos citados foi o seguinte:

... em relação à própria urgência das coisas. Às vezes é um pouco difícil essa questão dos atendimentos, tudo que envolve o tratamento orgânico tem que ser priorizado, é um risco de vida muitas vezes. Então às vezes essa é uma dificuldade, de estar atendendo e tu vai ter bastante interrupções. (P2)

Outros exemplos também foram citados pelas participantes como o que se refere as adaptações necessárias principalmente em relação ao setting terapêutico, as prioridades e focos do atendimento, presença de familiares ou membros da equipe durante a sessão, duração do atendimento, etc., como por exemplo, no trecho mencionado por uma das entrevistadas:

Dentro do hospital a gente tem muito da clínica, mas é um contexto muito específico, muito de atendimentos mais breves, com um setting terapêutico muito diferente que é a gente que tem que formar, a gente tem que dar um jeito, seja no corredor, seja no leito onde tem muitas intervenções, muitos profissionais entrando. São atendimentos que tu não sabe se tu vai ver a pessoa no dia seguinte, então são atendimentos que tu tem que poder fazer um início, dar um apoio e fazer um fechamento sempre. (P7)

Além das adaptações necessárias para sua prática na UTI, os psicólogos, em alguns casos, são desafiados a agregar-se a uma equipe formada por diferentes profissionais da saúde, buscando agregar e trocar conhecimentos. Será abordada em seguida a inserção do psicólogo nestas equipes.

Inserção do Psicólogo nas Equipes Multiprofissionais - Oportunidades e Desafios

Nessa categoria é exposta a percepção das entrevistadas acerca de sua integração na equipe multidisciplinar, as dificuldades na atuação em equipe e o que as participantes pensam ser conquistas na prática conjunta. Além disso, emergiram suas considerações do que poderia estar sendo feito como prática e que ainda não é realizado. Trazendo um exemplo, a participante relata:

As discussões em equipe no round são muito válidas, pra que a gente possa entender o contexto das doenças, por que a família vai te perguntar. Então acho que é importante a gente entender junto à equipe médica, estudar bastante essas questões que a gente não tem muito na nossa formação, tanto pra gente também colocar a nossa percepção, o nosso olhar, que é diferente ... A gente precisa cada vez mais colocar nosso olhar pra equipe, se colocar, saber a hora, o local de se colocar, pra que as pessoas conheçam cada vez mais. Acho que conhecendo cada vez mais vão sentindo como isso pode contribuir pro tratamento. (P7)

Voltando-se para outro ponto, algumas das dificuldades citadas pelas participantes foram as seguintes:

Não me veio em termo exato, mas eu acho que ainda é a questão dos médicos. Se sentindo, se achando sei lá muito soberanos às outras especialidades, às outras formações, ainda tem muito isso. Uma dificuldade de chegar, não digo que é todos, mas alguns uma dificuldade de chegar até eles. (P3)

A atuação em equipe exige um exercício diário de interação entre profissionais, o que poderia ser melhor trabalhado durante a formação profissional. Em seguida, serão abordadas as percepções das participantes sobre a inclusão destas habilidades em sua trajetória de formação.

Necessidades na Formação Profissional do Psicólogo que Atua no Intensivismo

Essa categoria aborda relatos das participantes sobre o que poderia ser implementado em sua formação, desde a sua graduação até a busca pela especialidade, considerando aquilo que lhes é exigido em sua prática diária. A primeira consideração a ser citada é a seguinte:

Pensando nesses temas que envolvem a Psicologia Hospitalar de uma forma mais direta, morte, doença, eu acho que essas questões mais ligadas à morte mesmo não se tem tanto. Na graduação a gente tem algumas coisas, mas acho que talvez poder pensar um pouquinho mais nesses processos, final de vida. Eu acho que fica um pouco falho, mas também acho que não daria conta numa graduação. (P2)

Num âmbito mais voltado para a preparação do psicólogo para interagir com os outros profissionais integrantes da equipe profissional, foi levantado que:

• ... faltou muito foi essa interface com outras profissões. De tu realmente ter uma coisa mais de trabalho integrado mesmo, de trabalho multiprofissional, de tu poder aprender alguma coisa mais teórica, mas tu poder exercitar isso de fato, que não só nos estágios, acho que o estágio é uma proposta, mas eu poderia ser um pouco mais, tá um pouco mais forte essa questão da interface com outras profissões, e o trabalho integrado mesmo em saúde. (P4)

 

Discussão

Em relação às intervenções realizadas pelos psicólogos intensivistas, Torres (2008) menciona que o psicólogo tem o papel de estimular que o paciente receba informações a respeito de seu quadro clínico, do tratamento que será realizado e de seu prognóstico, e também oferecer um espaço para que o paciente possa elaborar as vivências decorrentes desse processo. De acordo, Caiuby e Andreoli (2005) acreditam ainda que o papel do psicólogo hospitalar é participar ativamente do cuidado, reforçando funções adaptativas do ego, reassegurando a boa percepção da realidade e clarificando as características do paciente, ou episódios de sua vida, que podem estar envolvidos nos conflitos atuais. Dessa maneira, o psicólogo busca diminuir a angústia e a ansiedade, auxiliando o paciente a aumentar seu conhecimento acerca de sua condição psíquica e a enfrentar a sua atual situação de vida. Outra função do psicólogo nesse contexto, segundo Andreoli (1996), seria colocar-se no papel de mediador entre o paciente, a família e a equipe multiprofissional, procurando estimular o diálogo e desfazendo os nós da comunicação. Segundo a autora, as terapias breves são um recurso amplamente utilizado pelo psicólogo no contexto hospitalar. As psicólogas entrevistadas nessa pesquisa relatam práticas semelhantes com as encontradas na literatura. Elas destacam a importância do psicólogo identificar as características positivas do paciente que podem funcionar, de certa forma, como uma tentativa de proteção frente à situação de crise para que se fomentem os mecanismos de defesa adaptativos do paciente nesse momento no qual eles tornam-se essenciais. Além disso, citam a importância de identificar os pacientes em maior sofrimento em virtude de uma ansiedade e/ou angústia exacerbada, e poder oferecer-lhes um momento de escuta e apoio para alívio dos sentimentos negativos. As participantes não trouxeram experiências relativas a atendimentos de pacientes sedados, entubados ou em coma. Pensa-se que, no momento da entrevista, ao serem questionadas a respeito de que intervenções utilizam, as participantes podem ter entendido que a pesquisadora se referia àqueles pacientes em condições de expressar-se verbalmente.

Já quanto ao papel de mediador entre pacientes e familiares e a equipe multiprofissional, as participantes referem algumas dificuldades em assumir este papel. Apesar de acreditarem que o psicólogo pode agregar à sua prática a mediação entre paciente e equipe, ou familiares e equipe, esse tipo de intervenção parece estar prejudicada por questões relativas ao contexto. Entende-se que isso ocorra em virtude da realidade vivenciada pelas psicólogas nos hospitais onde foram realizadas as entrevistas. Os locais de prática referem às psicólogas um acentuado número de atendimentos a pacientes e seus familiares, porém o quadro de psicólogos atuantes nos hospitais não é suficiente para que se possa abarcar, muitas vezes, a dinâmica envolvida na complexidade dos casos atendidos, fazendo com que alguns aspectos da atuação do psicólogo sejam predominantes. As participantes acreditam que deveria ser realizado um trabalho com os profissionais das equipes multidisciplinares que reforçasse a importância da comunicação com os familiares e os pacientes, assim como das questões subjetivas envolvidas no processo de hospitalização de uma pessoa. Dessa maneira, os casos em que se faz necessário uma intervenção por parte do psicólogo referente a comunicação paciente/equipe e família/equipe não necessitariam ocupar um espaço tão significativo nos atendimentos que as psicólogas prestam aos pacientes e familiares. Ainda que a literatura mencione como uma das principais estratégias a psicoterapia breve, o relato das participantes denota a utilização prioritária da terapia de apoio e intervenções em crise, sendo a psicoterapia breve raramente utilizada. A psicoterapia breve, segundo as participantes, é utilizada no caso do paciente ficar mais tempo internado na UTI e demonstrar necessidade e condições de passar por esse processo. Acredita-se que essa diferença se dê em virtude da evolução rápida dos quadros dos pacientes, e, consequentemente, o atendimento geralmente se faz de maneira pontual, tanto pela dinâmica, quanto pela necessidade dos casos atendidos. Além disso, possivelmente tais estratégias são selecionadas pelas entrevistadas em consequência de sua atuação ser predominantemente na UTI, já que, conforme relatado por elas, não é de costume atuar em outra área do hospital que não o intensivismo.

Lazzaretti (2007) afirma que compete ao psicólogo orientar a família sobre a melhor forma de lidar com essa situação estressante. Torres (2008) acredita que a intervenção do psicólogo pode facilitar aos familiares a revisão de seus papéis e a adaptação às novas necessidades decorrentes do adoecimento, assim como ocupar a posição de cuidadores. Nesse quesito, a atuação das psicólogas entrevistadas vai ao encontro com o mencionado na literatura. O que realizam com a família dos pacientes é um trabalho de acolhimento, de auxílio para enfrentar a situação de crise pela qual estão passando. Além disso, ajudam os familiares a se colocarem em uma posição de cuidadores, porém sem deixar de atentar suas necessidades, assim como adaptarem-se em relação aos novos papéis na estrutura familiar e identificar possíveis complicadores de um processo de perda - não somente luto pelo falecimento do familiar que adoeceu, mas pela perda, seja da saúde, de uma condição, de uma realidade. Os relatos das psicólogas quanto à sua prática junto aos familiares corrobora os achados da literatura, entendendo que o acompanhamento aos familiares faz parte do trabalho do psicólogo na UTI. As intervenções tem o objetivo de auxiliar a família a atravessar esse momento de crise da maneira menos traumática possível, e é uma prática que traz benefícios a todos os envolvidos.

Além de atuar com intervenção ao paciente e familiares, o psicólogo também pode realizar a intervenção grupal, que permite atingir um maior número de pessoas, o que se torna de extrema importância no contexto hospitalar, considerando a alta demanda (Scannavino et al., 2013). O grupo psicoeducativo tem por objetivos esclarecer, orientar e informar sobre as características clínicas da doença e as rotinas hospitalares, buscando oferecer maiores subsídios às famílias no enfrentamento da doença, possibilitar maior adesão ao tratamento e prevenir a recaída (Nicoletti, Gonzaga, Modesto & Cobelo, 2010). No grupo, o trabalho da psicologia tem por objetivo minimizar a ansiedade dos familiares, assim como observar relatos e comportamentos em relação à situação enfrentada e ao familiar internado que os participantes possam trazer e que possa auxiliar no atendimento posterior (Baptista & Dias, 2010). Os objetivos das intervenções grupais trazidas pelas entrevistadas vão de acordo com o encontrado na literatura. Os grupos, de caráter psicoeducativo, são realizados como alternativa para abranger um número maior de pessoas, com objetivo de informar a rotina da UTI e tirar dúvidas quanto a procedimentos, tratamentos, aos familiares. O grupo tem o intuito de orientar os acompanhantes para visitas e esclarecer questionamentos que possam surgir, além de buscar identificar familiares que necessitem atenção individualizada. Apesar de todas as participantes afirmarem a importância da intervenção grupal na prática hospitalar, apenas três realizam esse tipo de intervenção. Supõe-se que provavelmente isso se deva a falta de espaço físico para realização de grupos em alguns hospitais, assim como outras dificuldades dos profissionais para interromperem sua prática devido ao grande número de pacientes atendidos individualmente. Além disso, deve-se considerar a baixa adesão de outros profissionais da equipe multiprofissional em atividades voltadas exclusivamente a promoção da saúde e que fujam de suas práticas corriqueiras e tradicionais de assistência.

Considerando a intensidade do trabalho com terapia intensiva, diversos sentimentos podem ser despertados no psicólogo frente às situações delicadas vividas em UTI. Assim sendo, destaca-se a necessidade do cuidado pessoal do psicólogo. Torres (2008) acredita que o psicólogo pode vivenciar sentimentos paradoxais frente aos pacientes críticos, já que o trabalho com eles não corresponde ao modelo tradicional de um atendimento psicológico. Silva (2010) afirma que o trabalho do psicólogo em UTIs exige um grande envolvimento físico e emocional, considerando que o profissional lida com dor, sofrimento, angústia, demandas e solicitações de atendimentos de diversas ordens, o que favorece o desenvolvimento de estresse e outras doenças de caráter ocupacionais. Veiga (2005) sugere possíveis fontes de estresse associadas à prática do psicólogo no hospital, sendo elas o contato constante com dor, morte e sofrimento, problemas de inserção na equipe de saúde, submissão às regras da instituição, envolvimento emocional com pacientes, trabalhos com pacientes não desejosos do atendimento, situações de crise, falta de formação na área hospitalar. Sanzovo e Coelho (2007) destacam a importância do psicólogo criar estratégias para enfrentamento das situações que gerem estresse no dia-a-dia, e, além disso, o conhecimento e a habilidade adquiridos com a experiência podem auxiliar a enfrentar tais situações. As autoras destacam a importância do autocuidado do psicólogo, para que suas intervenções sejam apropriadas, e para que sua saúde mental e física não sejam comprometidas.

As participantes corroboram o que afirma a literatura, pois consideram que o ambiente da UTI é pesado, mexendo com emoções pessoais e que requer do profissional uma preparação diferenciada para não abalar-se emocionalmente, mas também não se distanciar a ponto de ser indiferente aos pacientes. Destacam a necessidade do profissional receber acompanhamento psicológico, considerando as situações que enfrenta e a possibilidade de identificar-se ou mobilizar-se demasiadamente com seus pacientes, que também ocorre em outros âmbitos da clínica. Acredita-se que a necessidade de cuidados pessoais, tanto físicos quanto psicológicos, se faz muito importante diante da prática diária dos profissionais intensivistas. Além disso, o psicólogo deve encarar uma realidade de trabalho diferente do qual se preparou em sua formação, e a busca pelo conhecimento contínuo, assim como a troca de experiências com outros colegas geram melhores condições de enfrentar as situações complexas.

Dentre tantas dificuldades enfrentadas pelo psicólogo na UTI, a necessidade de adaptação de sua atuação é uma delas. O tratamento é objetivante e os aspectos psicológicos e sociais, que são partes importantes do sujeito e que influem em sua sobrevivência, são geralmente esquecidos ou tidos como menos importantes (Palavicini, 1995 em Torres, 2008). Para Simonetti (2004) o atendimento psicológico na UTI apresenta desafios além de inserir-se na equipe e lidar com a objetividade do ambiente. Alguns desafios citados pelo autor seriam o fato de a maioria dos pacientes ali internados apresentar dificuldade para falar, seja por estarem sedados, inconscientes, confusos, entubados ou, ainda, deprimidos. O autor sugere que o psicólogo crie novas formas de linguagem para se comunicar com estes pacientes. Caiuby e Andreoli (2005) consideram que o psicólogo não se deve ater somente à problemática psíquica do paciente, considerando também as interfaces do psíquico e do físico. Ao encontro do que traz a literatura, as psicólogas entrevistadas destacam a necessidade de se adequar à objetividade da UTI, especialmente pela velocidade com que as situações se modificam neste contexto. Sempre fechar as questões abertas durante o atendimento é um dos maiores desafios dessa atuação para as participantes, pois no dia seguinte pode não ser mais possível atender ao paciente. Outra questão citada pelas participantes é buscar sempre informações acerca das doenças e tratamentos e a maneira como estes podem afetar a saúde mental do paciente e também para auxiliar aos familiares, que muitas vezes buscam toda a informação possível a respeito da doença. Por fim, a questão da linguagem psicológica ser diferenciada, pois fala-se muito do subjetivo e de questões que, muitas vezes, se diferenciam do que discute o restante da equipe. Considera-se que a necessidade das adaptações supracitadas provém de uma discrepância ainda vivida entre a preparação do profissional da Psicologia e a exigência da prática no ambiente da UTI. O aprendizado teórico e técnico nas graduações de Psicologia geralmente é voltado para uma atividade na qual se terá um tempo maior para trabalhar questões subjetivas do paciente, assim como uma maior facilidade de comunicação com o paciente, em um setting sem interrupções e com tempo determinado, semelhante ao da clínica convencional. Porém, acredita-se que o profissional que decide se inserir nessa área se interessa pela integridade do paciente, e foca em estudar a interação entre físico e psicológico, estando mais predisposto a lidar com as adaptações exigidas pelo ambiente hospitalar. Além disso, entre as participantes fica evidente a busca por uma formação a nível de pós-graduação que vise dar conta de carências na sua formação e que entendem como exigências para atuação na área.

Outra característica necessária na prática é a atuação em equipe, e não de maneira isolada como na clínica psicológica. Torres (2008) fala sobre duas possibilidades de atendimento com os pacientes internados que envolvem a equipe. O primeiro seriam os atendimentos por solicitação, que podem servir de estímulo para a troca de informações entre profissionais, encarando como objeto de intervenção a relação médico-paciente e não somente o paciente. O segundo seria um modelo onde são realizadas entrevistas de rotina, e o psicólogo passa a conhecer todos os pacientes internados, podendo participar ativamente das visitas médicas e discussões de caso. O foco da discussão passa a ser os aspectos percebidos no paciente, embora não exclua a possibilidade de que a relação médico-paciente, equipe-paciente seja objeto de intervenção. Entretanto, para que haja solicitação é preciso que a equipe conheça os objetivos da atuação do psicólogo na UTI.

Chiattone (2000) ressalta que, muitas vezes, o próprio psicólogo não tem consciência de quais sejam suas tarefas e papel dentro da instituição, ao mesmo tempo em que o hospital também tem dúvidas quanto ao que esperar desse profissional. Ao ter seus objetivos de atuação claros, a inserção do psicólogo na equipe é facilitada. Um aspecto importante na interação com a equipe é o psicólogo auxiliar o restante da equipe a observar aspectos emocionais do paciente e suas expressões corporais, a fim de identificar precocemente necessidades de atenção e demandas (Lucchesi et al., 2008). As participantes enfatizam a dificuldade dos demais profissionais entenderem o papel do psicólogo dentro da equipe multiprofissional, assim como a importância de prevenir traumas psicológicos decorrentes da internação na UTI. Entende-se que, pela Psicologia ter ingressado no ambiente hospitalar recentemente, quando comparado com as outras profissões que compõe a equipe, o papel do psicólogo nesse local pode ainda ser explorado, tanto por outros profissionais, como também por psicólogos. Na prática, as psicólogas entrevistadas relatam atuar tanto por interconsulta, quanto por rotina. Algumas vezes, acontece de intervirem em alguma situação pontual da relação equipe-paciente, em especial atuando diretamente com a equipe, por acreditarem ser uma parte importante de seu trabalho, pois tem consequência direta na recuperação do paciente.

As participantes também apontam a importância do trabalho em equipe, que pode, sim, constituir um desafio para o psicólogo, porém todas relatam ser uma experiência positiva, mesmo refletindo que sua formação tenha sido focada nas práticas individuais e um tanto fragmentadas no âmbito da saúde. Ao encontro com o que traz a literatura, as psicólogas entrevistadas defendem que o restante da equipe precisa compreender melhor a importância de se tratar e prevenir aspectos subjetivos com os pacientes da UTI. Quanto à atuação em equipe, acredita-se que atualmente busca-se uma maior integração entre os cursos da área da saúde já durante a graduação, seja em disciplinas eletivas, seja em eventos científicos ou projetos de extensão. Os cursos aos poucos tem se voltado para uma maior preparação para atuação na saúde pública e em equipe, proporcionando uma visão mais completa para a atuação conjunta de quem se dedica a área da psicologia na atenção a saúde. Para que a atuação seja mais efetiva, é necessário suprir uma demanda que é a de falta de profissionais disponíveis, especialmente na saúde pública. As participantes trouxeram que a quantidade de atendimentos é maior do que a disponibilidade de tempo, e que, possivelmente, com um maior número de contratações de psicólogos, a demanda seria melhor suprida. Não só atendimentos aos pacientes e familiares, mas também a equipe, que muitas vezes está em intenso sofrimento e não encontra o apoio necessário para seguir seu trabalho. A atuação do psicólogo pode ser mais abrangente, inserido em uma equipe, realizando grupos, auxiliando na relação equipe-paciente, entre outros. Acredita-se que com o fortalecimento da especialidade, outras práticas do psicólogo na UTI possam ser implementadas e desenvolvidas, o que gera benefício às equipes, pacientes e seus familiares.

A tendência é que quanto melhor for a preparação dos profissionais, cada vez mais a importância da inserção do psicólogo no hospital será notada. Segundo Castro e Bornholdt (2004), para estar capacitado a trabalhar em saúde, o psicólogo deve refletir se sua formação lhe fornece as bases necessárias para a prática, ou seja, a aprendizagem deve preparar além de teoria e técnica, mas também a importância do comprometimento social, saber lidar com os problemas de saúde de sua região e ter condições de atuar em equipe. Alguns autores acreditam que, no Brasil, a formação em Psicologia é deficitária quando analisada quanto aos conhecimentos que fornece acerca da realidade sanitária do país, à participação em pesquisas e em políticas de saúde (Dimenstein, 2000; Sebastiani, 2003 em Castro & Bornholdt, 2004). A formação do psicólogo deve considerar temas que envolvam, cada vez mais, discussões sobre Saúde Pública, Promoção e Educação em Saúde, Epidemiologia, e Políticas de Saúde (Maia et al., 2005). As psicólogas entrevistadas acreditam que houve lacunas em suas formações, especialmente referentes ao trabalho em equipe, à realidade que enfrentariam no ambiente da UTI e quanto às políticas públicas que atravessam o hospital. Além disso, julgam que sua formação foi focada para o trabalho clínico, tendo sido apresentadas poucas alternativas para suprir estas demandas. Uma das alternativas pensadas poderia ser a expansão dos estudos em Psicologia da Saúde através da reflexão sobre a origem de determinadas doenças e o papel dos comportamentos, fatores de risco e proteção, associados ao processo de saúde/doença.

Com exceção de uma das entrevistadas, que afirma ter estudado políticas públicas durante sua formação, as outras três entrevistadas que atuam em hospital público afirmam julgar essa uma importante lacuna, já que as políticas públicas atravessam sua prática. Pensa-se que o fato das graduações de Psicologia valorizarem a área clínica seja devido, ainda, às raízes históricas dos cursos. Entretanto, a realidade dos cursos de Psicologia parece estar atualizando-se frente ao contexto vigente, voltando-se cada vez mais para a saúde, pesquisa e os diferentes contextos de atuação do psicólogo, formando profissionais mais completos e melhor preparados para diferentes áreas nas quais a psicologia está inserida. Entende-se que os cursos de Psicologia não tem como contemplar todas as diferentes especialidades da profissão em sua profundidade. Uma possibilidade está em oferecer conteúdos de forma transversal e proporcionar momentos nos quais os alunos se envolvam com profissionais atuantes em diferentes áreas e que apresentem com propriedade o cotidiano da profissão naquele contexto. Estimular mais os alunos a realizarem pesquisas na área da saúde também são alternativas para complementar a formação.

 

Considerações Finais

A presente pesquisa teve como objetivo proporcionar um campo de reflexão sobre a inserção do psicólogo no âmbito do intensivismo. A partir das entrevistas realizadas, foi percebida uma carência que ainda se faz presente nos cursos de Psicologia, de uma forma geral, de conteúdos que capacitem os alunos para as especificidades da atuação em saúde no atual contexto brasileiro, tanto no que se refere ao setor público como privado. Algumas lacunas ainda existem quando se examina os conhecimentos em políticas públicas, atuação em equipes multiprofissionais e pesquisas na área.

No que tange a atuação em Psicologia Hospitalar, mais especificamente a Psicologia Intensivista, é necessário que o psicólogo esteja em constante atualização, buscando munir-se de todo conhecimento possível para sentir-se cada vez mais integrado às práticas em UTI. Ressalta-se também a importância do cuidado pessoal do psicólogo neste campo, considerando a carga emocional intensa, a demanda de atendimentos e as particularidades destes, no sentido do trabalho em um ambiente carregado, com diversas situações de perdas e a necessidade de atuar em situações de urgência e muitas vezes traumáticas.

A pesquisa evidenciou também a necessidade de adaptação das técnicas já utilizadas no atendimento clínico destes profissionais. As particularidades da UTI exigem adaptação e busca de subsídio teórico para a realização tanto de atendimentos a pacientes e familiares como no que diz respeito à avaliação psicológica e intervenções em grupo nestes contextos.

Entretanto, mesmo tratando-se de um estudo exploratório, imagina-se que os resultados desta pesquisa possam ter sido influenciados pelo fato de que foram entrevistadas psicólogas somente de dois hospitais da cidade de Porto Alegre, o que permitiu que se analisasse somente dois campos profissionais específicos, ainda que se tenha atentado para selecionar um no setor público e outro privado, buscando compreender os dois contextos. Outro aspecto não explorado em profundidade nas entrevistas, mas que durante a análise de conteúdo mostrou-se relevante é o que diz respeito às questões éticas envolvidas nas práticas diárias, tanto no que se refere às situações de terminalidade ou prolongamento da vida, quanto as referentes, por exemplo, ao sigilo profissional do psicólogo versus o compartilhamento de informações junto à equipe multiprofissional.

Acredita-se que uma das limitações do presente estudo possa ser a disparidade do tempo de atuação das participantes entrevistadas, podendo-se pensar, para futuros estudos, avaliar vivências e reflexões de profissionais com tempo de atuação em UTI semelhantes.

No que tange a realização de novas pesquisas, seria interessante abordar a realidade deste campo profissional em outros estados do Brasil, ou também analisar a percepção dos demais profissionais que compõe a equipe multiprofissional sobre a inserção do psicólogo na UTI, suas potencialidades, desafios e intersecção com as demais áreas da saúde. Complementar a isso, acredita-se na relevância de pesquisas que analisassem os projetos político pedagógicos e bases curriculares dos cursos de graduação em Psicologia, buscando analisar de que forma são inseridos conteúdos que subsidiam as ações do psicólogo na saúde.

Por fim, a pesquisa evidencia a carência de estudos sobre a Psicologia Intensivista, demonstrando necessidade de maior número de pesquisas nesta área, inclusive publicações que relatem atendimentos de casos e outras experiências na área, mostrando a realidade de sua prática e as adaptações técnicas necessárias, para que isso sirva como subsídio teórico aos profissionais que desejam ingressar na área.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Amanda Mom berger Schneider
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Departamento de Psicologia
Rua Sarmento Leite, 245, Prédio Principal, sala 208
Porto Alegre, RS, Brasil, 90050-170
E-mail: marianacm@ufcspa.edu.br

Recebido: 29/01/2016
1ª revisão: 12/04/2016
2ª revisão: 25/05/2016
3ª revisão: 24/06/2016
Aceite final: 29/06/2016

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