SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.34 issue26The discoursive listening of autistic children's mothers: the first look at the childTraces and debris of violence: memories of murder author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

On-line version ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.34 no.26 Rio de Jeneiro June 2012

 

Artigos

O brincar e a realidade virtual

 

Playing and virtual reality

 

 

Daniela Romão-Dias;* Ana Maria Nicolaci-da-Costa**

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

Após quase duas décadas da entrada da Internet comercial no Brasil, seu uso nocivo continua a ser alvo de muitos debates. Na contramão desta corrente, este artigo pretende destacar algo pouco estudado nos meios psicanalítico e psicológico: os efeitos enriquecedores da Internet. Tomando por base o trabalho de D. W. Winnicott, articulamos os conceitos de espaço potencial e do brincar com o espaço virtual gerado pela Internet. A partir de observações do cotidiano, referências bibliográficas e de uma pesquisa realizada com usuários brasileiros da Rede, sustentamos que a Internet pode assumir, para alguns, a função de espaço potencial e ser um lugar para o brincar.

Palavras-chaves: Espaço potencial, brincar, internet, subjetvidade.


Abstract

Almost two decades after the popularization of commercial Internet in Brazil, its harmful use continues to be debated. Contrary to this trend, the present paper aims at highlighting something that receives little attention in the context of psychology and psychoanalysis: the positive effects of the Internet. D. W. Winnicott's concepts of potential space and play are articulated to the virtual space created by the Internet. Observations of daily life, bibliographical references and an investigation carried out with Brazilian Net users support our view that, at least for some, the Internet can play the role of potential space and also act as a place for play.

Key-words: Potencial space, playing, Internet, subjectivity.


 

 

"Deus morreu, Nietzche também e eu não me sinto muito bem". Esta frase jocosa, de autoria desconhecida, foi reproduzida ad nauseam no final do século XX. Não era para menos. Nas últimas décadas daquele século, a julgar por boa parte das produções literárias, o mundo tal qual o conhecíamos estava acabando. Falava-se em fim da história, fim das narrativas lineares, morte do sujeito, mal-estar na psiquiatria, na psicanálise, na modernidade.

Foi justamente neste contexto intelectual que o mundo passou a conhecer – e a usar intensivamente – a mais revolucionária invenção tecnológica desde a Revolução Industrial: a Internet. Se boa parte dos intelectuais já não estava muito otimista quanto ao futuro do mundo, a radicalidade das mudanças macro e microssociais geradas pela Rede só fez aumentar o temor do que vinha pela frente. No que diz respeito especificamente às consequências subjetivas do uso da Internet, muito do que foi publicado no início da expansão desta concentrava-se nos efeitos nocivos do seu uso, principalmente no que tocava a manutenção de relacionamentos interpessoais (cf. NICOLACI-DA-COSTA, 2002; 2003). Embora os ânimos já tenham se aplacado, tal visão ainda está presente nos dias de hoje. Seguem-se alguns exemplos.

Baudrillard (1997) dizia que as novas tecnologias, especialmente a Internet, criam uma realidade virtual que "assassina" o real. Em sua opinião, a Rede gera uma falsa realidade que serve para cegar e confundir os sujeitos, que ficam imersos em um mundo caótico e sem sentido. Birman (1997), em um texto escrito a partir do filme Denise está chamando, de Hal Salwen, chamava atenção para quão solitário e patológico pode ser o uso da Internet nas relações interpessoais, dado que esse tipo de comunicação à distância contribui para a ausência do contato físico, além de incentivar formas maquínicas e desafetadas de relacionamentos. Mais tarde, Bauman (2007), em O amor líquido, destaca que a Internet vem colaborando para que os relacionamentos interpessoais fiquem mais frágeis e volúveis. Recentemente, Turkle (2011), em seu livro Alone together, reforça a ideia de que os novos meios de comunicação e o desenvolvimento da robótica vêm tornando o ser humano mais solitário.

Ainda que a preocupação com os prejuízos que o uso da Internet pode trazer para o sujeito seja bastante pertinente, gostaríamos de chamar a atenção para a possibilidade de um uso positivo e enriquecedor. Nosso intuito é afirmar que nem sempre o espaço virtual precisa ser um lugar propício a experiências patologizantes. Ao contrário, argumentaremos que a Internet pode representar um importante espaço para o brincar. Para sustentar nossa tese, utilizaremos os conceitos do célebre psicanalista inglês, D. W. Winnicott1

 

Winnicott e o brincar

Winnicott viveu na Inglaterra e lá presenciou as duas Grandes Guerras. Ele pôde observar, portanto, momentos em que o cotidiano das pessoas sofreu profundas alterações. Podemos inferir que foi testemunha de muitas transformações subjetivas geradas por esses contextos bélicos.

Apesar de os contextos de guerra legitimarem as visões pessimistas acerca da vida como um todo, Winnicott demonstrou ser possível ter uma visão diferente. Em O brincar e a realidade, livro lançado no ano de sua morte, ele diz que "podemos examinar a sociedade em termos das doenças (...). Não escolhi examinar a sociedade sob esse aspecto. Escolhi examiná-la em termos de sua saúde, isto é, em seu crescimento ou rejuvenescimento perpétuos, naturalmente a partir da saúde de seus membros, psiquiatricamente sadios." (WINNICOTT, 1975, p. 190)

Essa escolha de Winnicott por olhar o ser humano considerando a saúde o coloca, de fato, em uma posição muito diferente da maior parte dos psicanalistas. Ele, inclusive, diz que "a psicanálise não é um modo de vida. Sempre esperamos que nossos pacientes terminem a análise e nos esqueçam: e descubram que o próprio viver é a terapia que faz sentido" (WINNICOTT, 1975, p. 123). Essas citações nos fornecem pistas a respeito de alguns de seus principais interesses: a saúde e a vida, mesmo em momentos em que seria natural ser pouco otimista.

No período da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, havia na Inglaterra lugares que acolhiam crianças que, para sua própria segurança, eram separadas dos pais, muitas vezes por iniciativa destes. Winnicott, como assinalam Salem (2006) e Rodman (2003), realizou um trabalho com essas crianças na região britânica de Oxfordshire que foi fundamental para a sua carreira. Em Oxfordshire, essas crianças, por estarem longe de sua família, em lugares estranhos e muitas vezes pouco acolhedores, pareciam ter perdido a confiança no ambiente. Ainda assim, o psicanalista procurou observar aquelas que tentavam insistentemente recriar um ambiente em que pudessem confiar, isto é, observou crianças que se desenvolviam saudavelmente apesar das circunstâncias em que se encontravam. Apesar desse contexto não favorável, portanto, ele observou tais crianças muitas vezes com olhos, senão otimistas, no mínimo esperançosos.

Além de seu olhar para a saúde, Winnicott foi um autor que tentou ter o espírito livre para olhar o mundo com os próprios olhos (RODMAN, 2003). Esse seu espírito de liberdade aparece bastante em O brincar e a realidade (1975) que é a principal referência deste artigo.

Um dos temas principais de O brincar e a realidade remete ao júbilo, ao brincar. Tanto é que, para o autor, "brincar, essencialmente, satisfaz" (WINNICOTT, 1975, p. 77). O brincar de Winnicott, todavia, é algo bastante sério no que diz respeito à subjetividade. Além disso, o brincar faz parte de um conceito maior de grande importância para o desenvolvimento do sujeito: o espaço potencial. Como ficará mais claro abaixo, é o espaço potencial que possibilita o brincar como psicanalista o define.

Escolhemos abordar os conceitos de espaço potencial e do brincar não apenas porque eles remetem a ideias positivas, relativas à saúde e não à doença. Nossa opção também se deu porque acreditamos haver uma possível correlação entre esses conceitos e a forma como algumas pessoas utilizam a Internet.

No que se segue, convidamos o leitor a viajar conosco pelo uso da Internet a partir das inspirações advindas dos conceitos de espaço potencial e do brincar winnicottianos. Para que esta viagem seja bem sucedida, primeiramente será necessário explicar o que vem a ser o espaço potencial e o brincar. Para estabelecer a relação entre esses conceitos e o uso que algumas pessoas fazem da Internet, lançaremos mão de fragmentos de uma pesquisa brasileira realizada com usuários da Rede, além de outras referências bibliográficas e observações do cotidiano.

 

O espaço potencial

Além de ter exercido a profissão de pediatra por muitos anos, Winnicott também era psicanalista infantil, o que lhe deu muita experiência com crianças. Essas experiências profissionais fizeram com que seu olhar se voltasse para as fases iniciais da vida de um ser humano. Para ele, assim como para os demais psicanalistas, as experiências iniciais da vida são de extrema relevância para a vida adulta. A primeira experiência de um ser humano no mundo, portanto, tem uma ligação estreita com sua futura organização subjetiva. Essa primeira experiência é a relação entre a mãe e o bebê. É dessa relação que Winnicott parte para apresentar muitos de seus conceitos e com o espaço potencial isso não é diferente.

Segundo Winnicott (1975), quando o bebê nasce, ele se encontra em um estado de indiferenciação em relação à mãe. Se o bebê, neste momento inicial, ainda não tem capacidade de se distinguir da mãe, ele também não se diferencia do mundo. Com isso, não há ainda a constituição do que costumamos chamar de mundo interno e mundo externo. Tudo, neste momento, está mesclado, havendo uma espécie de fusão mãe-bebê, isto é, eu-mundo.

Apesar deste primeiro momento de indiferenciação, sabemos que, em outro momento, haverá uma melhor diferenciação entre o eu e o mundo. Assim, diz Winnicott, chegará o tempo em que haverá um "mundo interno" e uma "realidade externa". Antes de este momento chegar, no entanto, o psicanalista postula que o bebê se encontrará em um terceiro espaço, em uma espécie de interseção entre o mundo interno e realidade externa: o espaço potencial, que será constituído a partir do objeto e dos fenômenos transicionais.

É no momento em que o bebê começa a estabelecer uma relação com algo que não faz parte do corpo dele, ou seja, um não-eu, que se inaugura o espaço potencial. Assim, "o objeto transicional e os fenômenos transicionais oferecem a todos os seres humanos algo que sempre será importante para eles: uma área neutra de experiência que não será contestada." (WINNICOTT, 1975, p. 28-9). A seu ver, o espaço potencial, inaugurado pelos objetos e fenômenos transicionais, é uma área "neutra" e, também, "não contestada" porque propicia experiências sobre as quais nunca haverá perguntas do tipo: esse objeto foi criado por mim ou ele já fazia parte da realidade? Essas serão experiências que sempre ficarão entre o que faz parte do sujeito, seu mundo interno, o mundo das suas fantasias, e a realidade externa. Ainda assim, o bebê pode ter a ilusão de que foi ele quem criou esse objeto. Essa ilusão será importante para que, mais tarde, ele desenvolva sua criatividade.

A área inaugurada pelos objetos e fenômenos transicionais também é neutra porque ela não está nem no controle absoluto do bebê e, posteriormente, do sujeito e nem totalmente fora de seu controle. Ela não é como um sonho ou uma fantasia, mas também não é como a realidade externa. Assim, o espaço potencial permite um certo alívio para o sujeito, que não precisa ver-se entre as exigências da realidade e as exigências de seu mundo interno. Sobre isso, Winnicott diz que:

Presume-se aqui que a tarefa de aceitação da realidade nunca é completada, que nenhum ser humano está livre da tensão de relacionar a realidade interna e externa, e que o alívio dessa tensão é proporcionado por uma área intermediária de experiência (...). que não é contestada (artes, religião, etc). Essa área intermediária está em continuidade direta com a área do brincar da criança pequena que se 'perde' no brincar (WINNICOTT, 1975, p. 29).

Como podemos inferir a partir da citação acima, após a primeira função do espaço potencial estar cumprida, ou seja, após a separação mãe-bebê, esse espaço não desaparece. Ao contrário, ele permanece como uma área importante para o sujeito por toda vida, existindo como uma área de repouso que Winnicott chamou de "neutra". Esse espaço neutro, no entanto, não será mais o espaço dos objetos e fenômenos transicionais. Do espaço potencial, segundo Winnicott, farão parte as artes, a religião (que são exemplos do que ele chama de experiências culturais) e, especialmente, o brincar. Para Winnicott, "há uma evolução direta dos fenômenos transicionais para o brincar, do brincar para o brincar compartilhado, e deste para as experiências culturais" (WINNICOTT, 1975, p. 76). Vejamos.

 

O brincar em Winnicott

Ainda que o brincar esteja ligado ao mundo infantil, ele não é exclusivo delas. Para Winnicott, "o que quer que se diga sobre o brincar de crianças aplica-se também aos adultos" (Winnicott, 1975, p. 61). Nos adultos, no entanto, o brincar manifestar-se-á de outras formas como, por exemplo, no senso de humor, nas atividades de lazer, no jogo, etc. Além disso, assim como os objetos e fenômenos transicionais evoluem para o brincar, o brincar também evolui para as experiências culturais.

Sobre o brincar, o autor chama a atenção para a "importância, tanto na teoria quanto na prática, de uma terceira área, a da brincadeira, que se expande no viver criativo e em toda a vida cultural do homem." (WINNICOTT, 1975, p. 142). Neste trecho, além de ser estabelecida a ligação entre a brincadeira e a experiência cultural, é mencionada a terceira área, essa que está "entre o subjetivo e o que é objetivamente percebido" (WINNICOTT, 1975, p. 75). Assim, "essa área do brincar não é a realidade psíquica interna. Está fora do indivíduo, mas não é o mundo externo" (WINNICOTT, 1975, 76-77). Essa a área do brincar é o espaço potencial. Novamente nas palavras do psicanalista:

Por exemplo, o que estamos fazendo enquanto ouvimos uma sinfonia de Beethoven, ao visitar uma galeria de pintura, (...) ou jogando tênis? (...) É necessário também formular a pergunta: onde estamos (se é que estamos em algum lugar)? Já utilizamos os conceitos de interno e externo e desejamos um terceiro conceito. Onde estamos, quando fazemos o que, na verdade, fazemos grande parte do nosso tempo, a saber, divertindo-nos? (...) Podemos auferir algum proveito do exame desse tempo que se refere à possível existência de um lugar para o viver, e que não pode ser apropriadamente descrito quer pelo termo 'interno', quer pelo termo 'externo' (WINNICOTT, 1975, p. 147)?

Como podemos ver acima, para Winnicott, o brincar relaciona-se também com o júbilo. Não é à toa que os exemplos que ele cita são de atividades de lazer, como ouvir música ou jogar. Lembramos que, para o autor, o brincar satisfaz. O brincar, contudo, não remete somente ao júbilo, mas, também, à saúde, ou seja, ao contrário do que é patológico. Sobre isso, Winnicott diz que "(...) é a brincadeira que é universal e que é própria da saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde (...)" (WINNICOTT, 1975, p. 63, ênfases do autor). Mais que isso, ele diz que "é com base no brincar, que se constrói a totalidade da existência experiencial do homem" (WINNICOTT, 1975, p. 93)

Ou seja, para Winnicott, o brincar não só faz parte da saúde, mas também pode ser aquilo que dá ao sujeito um sentido de existência. Em outras palavras, através do brincar o sujeito pode sentir que é um ser no mundo, que existe, que está vivo. Esse sentimento de estar vivo faz parte de um aspecto do brincar ao qual Winnicott dá muito destaque: a criatividade.

A criatividade é um conceito que, assim como ocorre com o espaço potencial, por vezes se encontra muito próximo a outro conceito. Neste caso, a criatividade está muito próxima do brincar. Assim, algumas vezes o que Winnicott fala sobre brincar ele também fala sobre a criatividade e vice-versa. É preciso ficar claro, todavia, que a criatividade é um aspecto do brincar, uma "importante característica do brincar" (WINNICOTT, 1975, p. 79). De acordo com o próprio autor, "é no brincar, e talvez apenas no brincar, que as crianças ou o adulto fruem sua liberdade de criação" (WINNICOTT, 1975, p. 79). Mais adiante, ele continua dizendo que "é no brincar e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo" (WINNICOTT, 1975, p. 80).

Como já afirmamos, descrições positivas da subjetividade nos interessam e, por tudo o que foi exposto até o momento, cremos haver encontrado em Winnicott uma grande fonte de inspiração. Tentemos, agora, relacionar os conceitos por ele propostos a alguns usos que são feitos da Internet.

 

Vivendo na fronteira: a realidade virtual e o espaço potencial

A analogia entre o espaço potencial winnicottiano e a realidade virtual não é original. Turkle (1997), por exemplo, já mencionava essa possibilidade no seu célebre livro Vida no ecrã. Diferentemente de Turkle, no entanto, almejamos não apenas mencionar, mas também esmiuçar essa analogia, justificando sua propriedade.

Tendo em mente tal justificativa, ou, em outras palavras, se pretendemos afirmar que a Internet pode servir de espaço potencial, consideramos necessário aprofundar as semelhanças entre os dois espaços: o virtual e o potencial. Para tanto, recorreremos a exemplos de pesquisas e a observações do cotidiano.

Nos primórdios da difusão da Internet, Turkle (1997) realizou uma extensa pesquisa com jovens usuários de jogos online nos Estados Unidos. Naquela época, ela investigou o uso que esses jovens faziam dos personagens que criavam para os jogos. Considerou que os personagens poderiam ser facetas do eu daqueles os criavam e, a partir desta premissa, analisou as consequências subjetivas, positivas e negativas, que estas personae online poderiam acarretar para esses jovens.

Entre as consequências positivas que Turkle menciona está justamente a possibilidade de o usuário dos jogos ter o que ela chamou de experiência transicional. Para ilustrá-la, a autora comparou-a a um episódio de Strar Trek: the next generation. Neste, o personagem Picard, comandante da célebre nave Enterprise, veste a pele de um habitante de um mundo virtual, Catanh, e lá vive experiências que têm impactos inesperados na sua vida real. Para ser comandante da Enterprise, Picard fez renúncias importantes em sua vida pessoal: abriu mão de casar e constituir família, por exemplo. Em Catanh, o personagem virtual de Picard vive justamente essas experiências que ele não havia tido. Como consequência, após usufruir, no espaço virtual, de uma vida amorosa e de um casamento que não havia experimentado na vida real, Picard percebe-se apaixonado por uma colega de trabalho, paixão essa que antes não admitiria sentir.

Turkle acredita que, para Picard, Catanh serviu como o espaço potencial (que muitos chamam de transicional), livre das tensões da realidade: "Aqui, a virtualidade é poderosa, mas transicional. Em última análise, é posta ao serviço do eu corporizado de Picard. A Catanh virtual de Picard, tal como o espaço criado no âmbito da psicanálise, opera num tempo fora do tempo normal e é regida por leis próprias" (TURKLE, 1997, p. 392).

Turkle não menciona Winnicott explicitamente. A partir do trecho apresentado e da citação que veremos abaixo, contudo, podemos supor que quando diz que a virtualidade é transicional, ela está se referindo ao espaço potencial. Como vimos acima, este espaço é de fato regido por leis próprias, leis estas que permitem que o sujeito não esteja nem submetido às pressões da realidade nem preso ao seu mundo interno.

Mais adiante, ainda tendo em mente o espaço gerado pela Internet, ela afirma que: "os espaços virtuais podem proporcionar-nos a confiança necessária para expormos as nossas imperfeições, de modo a que consigamos começar a aceitar-nos tal como somos. A virtualidade não tem que ser uma prisão. Pode ser a jangada, a escada, o espaço transicional..." (TURKLE, 1997, p. 393-4).

Uma das condições para o estabelecimento do espaço potencial é a confiança. Ao fazer tal afirmação Turkle, portanto, revela que, ao contrário do que muitos acreditam, o espaço virtual pode dar a algumas pessoas a confiança necessária para ter uma experiência transicional. Em outras palavras, ela crê que o espaço virtual pode servir como espaço potencial.

Além da pesquisa de Turkle nos EUA, outras foram levadas a cabo no Brasil. Em uma destas (ROMÃO-DIAS, 2007; ROMÃO-DIAS e NICOLA-DA-COSTA, 2005), foram realizadas entrevistas online com pessoas que frequentavam salas de bate-papo para fins de lazer. Um dos aspectos da pesquisa que chama a atenção é a relação especial que alguns entrevistados mantinham com a Internet.

Um desses entrevistados, Quinhodantas, revelava ter consciência de que, na Rede, não há como obter referências palpáveis sobre a pessoa que está do outro lado da tela. Essa falta de referências, que causa temor a muitos, parecia, contudo, ser interessante para ele. Em suas próprias palavras, na Rede, "tudo pode acontecer". A falta de referências dá ao sujeito a liberdade para preencher com sua fantasia as inevitáveis lacunas entre o que o outro diz e o que é possível averiguar. Podemos, portanto, argumentar que, na Rede, a falta de referências gera uma liberdade de ação que se assemelha ao espaço potencial.

Lembremos que, exatamente por se situar entre a realidade externa e o mundo interno o espaço potencial adquire a capacidade de, não sendo nem uma coisa nem outra, estar livre de tensões, das exigências da realidade, sem, ao mesmo tempo, estar sob o total controle do mundo interno.

Para exemplificar melhor esta redução de tensão que a Internet pode propiciar recorreremos a outro participante da mesma pesquisa, Morpheus. Para ele, se quem está do outro lado da tela é um amigo "real", a Internet é como um telefone, serve para a comunicação "normal". Já, se do outro lado está um amigo virtual, a Internet "vira um mundo de fantasia". Ele crê que, na Internet, é possível "controlar todas as variáveis". Se assim fosse, a Internet ficaria tão alheia à realidade que se assemelharia mais ao mundo interno, ao "mundo de fantasia" do que ao espaço potencial.

Neste ponto, cabe um parêntesis. Em um capítulo de O brincar e a realidade, a partir de um caso clínico, Winnicott, faz uma diferença entre fantasiar, sonhar e viver. O autor percebe que, em alguns momentos (no caso de sua paciente em especial), a fantasia ou o devaneio podem ser perturbadores e levar o sujeito a um emperramento de sua vida. Relatando o lugar da fantasia para sua paciente, Winnicott afirma que

Enquanto sonhar e viver pertenciam a uma mesma ordem, o devaneio era de uma outra ordem. O sonho ajusta-se ao relacionamento com objetos no mundo real, e viver no mundo real ajusta-se ao mundo onírico por formas que são bastante familiares, especialmente para psicanalistas. Em contraste, porém, o fantasiar continua sendo fenômeno isolado, a absorver energia, mas sem contribuir quer para o sonhar, quer para o viver (WINNICOTT, 1975, p. 45).

O fantasiar, neste caso, sem qualquer relação com objetos reais, é uma fixidez, um momento em que nada se passa e faz com que o sujeito se alheie do mundo em sua volta e se perca. Se lançamos mão dessa referência, uma interpretação possível para o que acontece com Morpheus seria a de que, na realidade virtual, ele fantasie e se perca em uma atividade muito diferente do brincar, já que, para Winnicott "o brincar criativo é afim ao sonhar e ao viver, mas essencialmente, não pertence ao fantasiar" (WINNICOTT, 1975, p. 52).

Embora essa seja uma possibilidade interpretativa, preferimos ir em outra direção. No referido capítulo, Winnicott refere-se a versões do fantasiar, como o fumo compulsivo e jogos de cartas repetitivos. Em todos seus exemplos, o fantasiar é sempre solitário. Embora aceitemos que para muitos autores estar com alguém na Internet possa ser equivalente a estar só, acreditamos que há também a possibilidade de que o outro, mesmo na Internet, ofereça resistência a esse fantasiar concebido por Winnicott. Deste modo, aquele que, como Morpheus, acredita que controla todas as variáveis na Rede apenas tem, tal qual o bebê em relação ao objeto transicional, a ilusão de que tudo que se passa com ele no espaço virtual é sua criação. Isso porque o tão sonhado controle de todas as variáveis não é possível nem no mundo virtual, dado que há uma pessoa do outro lado da tela. Por mais que se possa fantasiar acerca de quem está do outro lado, este interlocutor diz coisas, desperta emoções naquele com quem interage, se comporta como quer. Em outras palavras, ele tem vida própria e, assim sendo, tem o poder de, a qualquer momento, atrapalhar o ato fantasioso e chamar o sujeito de volta à vida.

Desse modo, se, por um lado, a Internet possibilita uma conexão mais tênue com a realidade externa, por outro, a fantasia tem um freio a partir do contato com o outro. Por isso, defendemos que a Internet pode gerar este estado intermediário que é o espaço potencial. O sujeito nem está na realidade externa, nem em seu devaneio. Talvez se sinta no espaço neutro do qual fala Winnicott.

Mais um participante desta pesquisa – Sr. Mistério – fornece subsídios que reforçam essa interpretação. Declara que, na Internet, pelo fato de sua ansiedade ser reduzida, ele consegue "encontrar soluções comportamentais bem melhores do que na vida real." Neste caso, ele se refere à sua capacidade de argumentação e persuasão. Afirma que, na Rede, testa a reação dos outros diante de uma abordagem mais enfática ou agressiva de argumentação do que aquela que adotaria fora dela. Se a nova abordagem funcionar bem, ele a aplica na vida real.

Esses exemplos indicam que o mundo virtual pode produzir um alívio de tensão que se assemelha ao alívio de tensão experimentado no espaço potencial. E mais, significa que, se a Internet pode exercer a função de espaço potencial, ela também pode ser um lugar para o brincar, já que o brincar acontece no espaço potencial. Foi justamente "a fim de dar um lugar ao brincar" que Winnicott postulou "a existência de um espaço potencial entre a mãe e o bebê" (WINNICOTT, 1975, p. 63). Cabe, portanto, examinar como isso pode acontecer.

 

O brincar e a realidade virtual

Na pesquisa que vimos usando como fonte de exemplos, um dos critérios de recrutamento dos participantes era o de que eles utilizassem a Internet para lazer. Eles poderiam, obviamente, utilizar a Rede para trabalho, mas era imprescindível que gastassem parte de seu tempo nela simplesmente se divertindo. A fim de assegurar a observância desse critério, foram entrevistadas pessoas que faziam uso de programas destinados unicamente ao bate-papo.

Lazer, segundo Houaiss (2006), vem do arcaico "lezer", que significa "ócio, passatempo". Já "passatempo" tem como significados, entre outros, "lazer, recreação, distração, jogo, brincadeira". A partir desses significados, podemos equacionar lazer à brincadeira. Exercer uma atividade de lazer pode ter relação, portanto, com o brincar.

De fato, os entrevistados dessa pesquisa brincavam na Internet. Sr. Mistério, como foi dito acima, nela testava comportamentos. E fazia isso por meio do uso de vários personagens. Estes personagens, todos bem construídos, com características e personalidades bem delineadas, ele criava e "matava" a seu bel prazer. Ler um relato do que ele fazia é quase equivalente a ver uma criança brincando, ou, como diz Winnicott, uma criança "que se perde no brincar" (WINNICOTT, 1975, p. 29). Segue-se um de seus depoimentos:

(...) eu desenvolvi um alter-ego chamado Grouxo, um personagem totalmente arbitrário, que saía agredindo uns e se aliando a outros sem o menor critério, além de ter uma opinião do contra. O interessante foi o seguinte: como o Grouxo estava apenas em busca de polêmica, arrumou dúzias de inimigos figadais e um bom punhado de admiradores(as). (...) Acabei ficando amigo dessas pessoas, trocando e-mails e contando a vida toda online. (...) [criar o Grouxo] foi como brincar de ser escritor. Porque todas as opiniões do Grouxo eram possibilidades em minha mente (...) Quer dizer, as opiniões dele, bem poderiam ser as minhas, mas não as defenderia com tanta ênfase assim. (...) O primeiro [personagem que criei] foi White (...) White era sério e professoral. O segundo, Grouxo. O oposto de White. Caótico. Polêmico (...), bem-humorado, debochado, sacana. O atual, Sr. Mistério, surgiu de uma discussão que resultou na morte do Grouxo (...) O White era meio chato, matei-o sem muita dó. Já o Grouxo me causou alguma tristeza, mas eu mesmo já não agüentava [seu] radicalismo (...) (ROMÃO-DIAS, 2007, p. 34-35).

No trecho acima, podemos ver como Sr. Mistério brincava de criar, incorporar e também matar seus personagens. Mais do que isso, quando ele dizia que brincava de ser escritor, revelava exercer sua capacidade criativa. Isso nos leva de volta a Winnicott, que dizia que o brincar vai além da diversão e do enlevamento que uma atividade jubilosa proporciona. Como vimos acima, o brincar justamente tem relação com a criatividade.

A fala de outra entrevistada, Margot, também permite entrever sua criatividade. Ela dizia que no bate-papo exercitava seu lado criança, um lado que, a seu ver, a tornava mais criativa.

Revelava que se sentia criando algo de novo em sua vida a partir das experiências que tinha online. Algumas vezes, inclusive, surpreendia-se com suas próprias atitudes, como podemos ver através de seu relato:

Sinto que [na Internet] exercito este lado criança, menos compromissado, sem preocupações de ser polìticamente correta. Sou muito assim no real tb. Tô sempre alegre. Mas no chat posso ser ainda mais criativa e descompromissada (...)". E dava um exemplo: "Uma amiga nossa do chat entrou para a Faculdade (...) Fomos comemorar e levei de presente um estojo destes de meninas, rosa, com tudo bonitinho. Na amizade real, acho que não teria esta criatividade... (ROMÃO-DIAS, 2007, p. 33).

Como podemos observar, Margot surpreendia-se com sua criatividade na Internet. E essa capacidade de nos surpreendermos é importante. De acordo com Winnicott, "quando surpreendemos a nós mesmos, estamos sendo criativos e, descobrimos que podemos confiar em nossa inesperada originalidade" (WINNICOTT, 1999, p. 36). Ainda segundo seu raciocínio, é sendo criativo, ou melhor, é através do brincar criativo que é possível lançar um olhar novo sobre o mundo, que é possível ter a ilusão de que se tem "a capacidade de criar o mundo" (WINNICOTT, 1999, p. 24).

Parece ser isso o que Margot queria dizer quando mencionou a possibilidade de criação que a Internet lhe proporcionou: "Acho que resgatei na internet um lado adolescente de querer conhecer, de estar fazendo coisas novas (...) a internet é fálica...risos...eu (...) me sinto assim...poderosa...risos" (Romão- -Dias, 2007, p. 85). Talvez o poder que ela sentia quando usava a Internet fosse derivado justamente dessa sensação de que era capaz de criar o mundo, da ilusão de que tudo podia acontecer. Tal poder, ou potência, pode até mesmo ser experimentado como onipotência, a exemplo do que parece acontecer com aqueles que acham que controlam todas das variáveis como Morpheus. Essa ilusão de onipotência, todavia, é, como já vimos, uma característica fundamental da criatividade.

Há ainda outra importante característica da criatividade, e logo do brincar. É exercendo a criatividade vinda do brincar que o sujeito encontra uma via de saúde para a vida. Os exemplos que fornecemos nos permitem dizer que existem indicadores de que a Internet proporciona algo que Winnicott considera fundamental: um lugar para o viver criativo, um lugar para se sentir vivo.

Feitas essas analogias, se voltarmos nosso olhar para os usos atuais da Rede, veremos que, embora usando outros programas e ambientes, muitos parecem continuar brincando na Rede. Isso significa que a Internet pode continuar servindo de espaço potencial para algumas pessoas.

Tentaremos demonstrar isso recorrendo a exemplos que têm origem diferente daqueles, baseados em nossa pesquisa, que foram apresentados anteriormente. Embora, diferentemente do que ocorria na época em que a pesquisa foi realizada, haja agora um maior número de profissionais psi interessados em analisar os impactos subjetivos da Internet, ainda são muito escassas as pesquisas sobre essa temática. Dado que não temos conhecimento de dados atuais gerados de forma análoga aos nossos, lançaremos mão de exemplos retirados do cotidiano e também de meios de comunicação. Assim procedendo, nosso intuito é simplesmente o de mostrar que, mesmo no nosso dia-a-dia, podemos encontrar pistas – que certamente não são "provas" – de que a Internet ainda hoje pode servir de espaço potencial. Vejamos.

As redes sociais, massivamente utilizadas no Brasil e no mundo, são um bom exemplo para fazermos a analogia tanto com o brincar quanto com o espaço potencial.

Em relação ao brincar, temos o exemplo de Irene. Ela é uma economista na casa dos cinquenta anos, casada e com filhos. Trabalha em uma empresa multinacional na qual se destaca por sua competência e seriedade, comumente confundida com sisudez. Como é frequente acontecer nas redes sociais, Irene adicionou pessoas do seu trabalho no Facebook. É lá que ela mostra uma face pouco conhecida de seus colegas: seu humor e capacidade de rir de si mesma. Assim, é comum Irene postar na Rede fotos de si em situações cômicas, que poucos se atrevem a mostrar, mesmo no Facebook. São fotos com roupas antigas, que certamente lhe caíam mal, foto-montagens suas com cabelos extravagantes e, mais surpreendentes, de seu rosto deformado por programas de edição de imagens, que podem fazê-la parecer tanto com algum animal quanto com um extraterrestre. Observando seu comportamento na Rede, podemos dizer que, assim como nossa entrevistada Margot, Irene parece sentir-se na Rede livre e criativa para brincar, expressando-se de forma inusitada e bem-humorada.

Podemos inferir que, se, tal como Margot fazia algum tempo atrás, Irene também brinca na Internet nos dias de hoje, é porque esta provavelmente continua exercendo a função de espaço potencial para algumas pessoas. Novamente observando as Redes Sociais, destacaremos abaixo alguns curiosos equívocos cometidos por usuários destes tipos de ambiente e, posteriormente, estabeleceremos a relação entre estes enganos e o espaço potencial.

Alfredo trabalhava no escritório quando a rede interna saiu do ar e impediu que ele e seus colegas continuassem o serviço. Todos começaram a conversar descontraidamente até que Alfredo resolveu fazer um comentário no Facebook via smartphone. Ele comemorava a queda da rede e dizia que esperava mesmo que ela só voltasse ao ar na semana seguinte. Alguns minutos depois a chefe do setor, que não estava na sala, mas estava na lista de amigos do seu Facebook, foi até ele e chamou sua atenção.

O caso de Alfredo, que, esquecendo-se da visibilidade da rede social, publicou um comentário que lhe causou embaraço, está longe de ser uma raridade. Frequentemente são citadas nas mídias polêmicas ou gafes cometidas por celebridades via Internet. Um ator famoso, por exemplo, quando estava começando a usar o Twitter, postou o número de seu celular, certamente esquecendo- se do alcance que isso teria. Outra "celebridade" recebeu críticas de deficientes físicos e se retratou publicamente após explicar em seu microblog por que não gostava de se sentar na primeira cadeira do avião: "Todo mundo fica olhando, como se você fosse um paraplégico".

O que é comum nestes equívocos é que o usuário faz comentários (ou coloca fotos) praticamente se esquecendo da visibilidade que eles terão. Quando surgem as conseqüências dessa visibilidade – constrangimento com um amigo, com empregadores, exigência de retratação pública etc. –, esses mesmos usuários se surpreendem, se arrependem ou até mesmo se sentem indignados.

Podemos dizer que algo análogo acontece muitas vezes com o YouTube, site no qual as pessoas postam vídeos variados sobre qualquer situação ou assunto. Muitas vezes adolescentes tímidos, que jamais conseguiram tocar violão (ou qualquer outro instrumento) na frente de familiares ou amigos, postam vídeos caseiros no YouTube de si mesmos tocando esses instrumentos e enviam o link para esses mesmos amigos e familiares.

Todos esses exemplos têm algo em comum: esses sujeitos, na Rede, agem com menos censura do que fariam se estivessem frente-a-frente com todos aqueles que podem ver o que eles postam. Fazendo uma analogia com a pesquisa relatada, lembramos que os entrevistados diziam sentirem-se mais livres para dizer o que pensavam quando estavam na Internet. Acreditamos, assim, que esses comportamentos têm em comum a ilusão de onipotência e de neutralidade que a Rede proporciona, funcionando, deste modo, como espaço potencial. A Internet, para eles, parece confiável e neutra suficiente para que se exponham. Mesmo que a realidade depois cobre seu preço.

 

A fé no que virá

Passados mais de quinze anos que a Internet tornou-se comercial no Brasil, o temor que de que ela possa dar concretude às ideias de fim do mundo pensadas no fim do século XX ainda permanece. No que diz respeito às relações humanas, tanto a literatura especializada quanto a mídia encarregam-se de mostrar todos os efeitos nefastos que ela pode acarretar: dos vícios às perversões, do isolamento do sujeito à superexposição.

Tudo isso faz parte da Rede e não é nossa intenção negar esses fatos ou ignorá-los. Especialmente para a clínica, é evidente a importância de pensarmos essas patologias cotidianas. Como tentamos deixar claro ao longo deste artigo, sabemos que a plasticidade da Rede de fato faz com que dela possamos fazer muitos usos, inclusive aqueles que, à semelhança do fantasiar infrutífero e mortificante analisado por Winnicott, nos afastam da vida e da realidade.

Neste artigo, no entanto, decidimos tomar o caminho oposto, não para lançar um olhar ingênuo sobre a Internet, mas para lembrar que o espaço virtual também pode ter usos enriquecedores. Assim, fazendo analogias com O Brincar e a realidade, pensamos que a Rede pode servir de espaço potencial e ser um lugar para o brincar. Mesmo na clínica, é essencial que nos voltemos não só para o que resulta em patologia, mas também para onde podemos vislumbrar saúde e vida, como fez Winnicott.

 

 

Referências

BAUDRILLARD, J. Tela total: mito-ironias da era do virtual e da imagem. Porto Alegre: Sulina, 1997.         [ Links ]

BAUMAN, Z. O amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: JZE, 2004.         [ Links ]

Birman, J. Entre o gozo cibernético e a intensidade ainda possível: sobre Denise está chamando, de Hal Salwer. In: ______. Estilo e modernidade em psicanálise>. São Paulo: Editora 34, 1997, p. 221-233.         [ Links ]

HOUAISS. Dicionário da língua portuguesa. Disponível em: . Acesso em: maio 2006.         [ Links ]

NICOLACI-DA-COSTA, A. M. Internet: a negatividade do discurso da mídia versus a positividade da experiência pessoal. À qual dar crédito? Estudos de Psicologia. Natal, UFRN, v. 7, n. 1, p. 25-36, 2002.         [ Links ]

______. A dupla face do contraponto com a modernidade na análise da pósmodernidade. Contrapontos, v. 3, n. 2, p. 197-207, 2003.         [ Links ]

RODMAN, F. R. Winnicott: life and work. Cambridge: Perseus Publishing, 2003.         [ Links ]

ROMÃO-DIAS, D. Brincando de ser na realidade virtual: uma visão positiva da subjetividade contemporânea. 2007. Tese (Doutorado em Psicologia). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.         [ Links ]

ROMÃO-DIAS, D.; NICOLACI-DA-COSTA, A. M. "Eu posso me ver como sendo dois, três ou mais": algumas reflexões sobre a subjetividade contemporânea. Psicologia, Ciência e Profissão. Brasília, v. 25, no 1, p. 70-87, 2005.         [ Links ]

SALEM, P. A gramática da quietude: um estudo sobre hábito e confiança na formação da identidade. 2006. Tese (Doutorado em Medicina Social). Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.         [ Links ]

TURKLE, S. A vida no ecrã: identidade na era da Internet. Lisboa: Relógio D'água, 1997.         [ Links ]

_______. Alone together: why we expect more from technology and less from each other. Basic Books (Kindle Edition), 2011. Disponível em: www.amazon.com. Acessado em: 18 fev. 2011.         [ Links ]

WINNICOTT, D. W. (1971). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.         [ Links ]

_______. (1986). Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes, 1999.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Daniela Romão-Dias
e-mail: danirom@globo.com

Ana Maria Nicolaci-da-Costa
e-mail: anicol@puc-rio.br

Tramitação: Recebido em 31/08/2011
Aprovado em 12/04/2012

 

 

* Psicanalista, associada ao Fórum/CPRJ, mestre e doutora em Psicologia Clínica/PUC-Rio, profa. adjunta do Departamento de Psicologia da PUC-Rio.
** Psicóloga, profa. associada do Departamento de Psicologia/PUC-Rio, PhD pela Universidade de Londres.
1 Observamos que, neste artigo, nos apropriamos de alguns conceitos de Winnicott de forma simplificada, tomando-os como fonte de inspiração para algumas reflexões. Temos ciência de que os conceitos utilizados aqui são mais complexos do que aparecem no texto e, certamente, se ligam a outros da obra de Winnicott que não serão discutidos.