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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

versão On-line ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.35 no.28 Rio de Jeneiro  2013

 

Artigos

O véu do inconsciente e a questão da angústia*

 

The veil of the unconscious and the issue of anxiety

 

 

Fabíola Menezes de Araújo**

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

Lacan evoca a noção de véu do inconsciente em paralelo à de muro da linguagem. A tese do psicanalista de que o inconsciente é estruturado como linguagem se apresenta, nesses termos, em conformidade com a seguinte lógica: assim como o véu em questão dá-se como uma alternância de significantes, também a phantasia se constituiria como uma alternação dos significantes capazes de conjugar tanto a função imaginária da castração quanto a ausência dessa função. De modo semelhante à phantasia, o agalma também compreende a função da castração. O agalma, no entanto, favorece a produção simbólica com base no acontecimento da angústia, já na phantasia afasta-se simplesmente a angústia que, posteriormente, tende a retornar no modo de sintomas.

Palavras-chaves: Ordenações simbólicas, phantasia, agalma, angústia.


Abstract

Lacan evokes the notion of the veil of the unconscious as running in parallel with the notion of wall of language. The psychoanalyst's thesis of the unconscious – as being structured as language – is presented, in those terms, in conformity to the subsequent logic: as the veil in question occurs as an alternation of signifiers, phantasy would also present itself as an interchange of signifiers enabled to combine both the imaginary function of castration and the absence of this function. Similarly to phantasy, the agalma also comprehends the function of castration. The agalma, however, fosters the symbol production based on the occurrence of anxiety, while in phantasy occurs a mere seclusion of the anxiety, which subsequently tends to return in the mode of symptoms.

Key-words: Symbolic ordination, phantasy, agalma, anxiety.


 

 

Introdução

No vocabulário lacaniano, a disposição do chamado 'véu do inconsciente' surge segundo uma lógica de pulsação1. Essa lógica pode ser depreendida a partir das noções de phantasia, de castração e de agalma. Enquanto o agalma é o processo de aparecimento que torna possível a simbolização do objeto a, a phantasia é chave para dar-se a ver o próprio ritmo da pulsação do inconsciente. Na phantasia o objeto a surge em virtude de seu reflexo, por meio dos significantes, talvez mesmo de sintomas, que suspenderiam, ainda que momentaneamente, a incidência da castração. É possível pontuar que, junto à phantasia, a castração seria suspensa apenas momentaneamente e sem redundar em produção simbólica, de modo que a castração voltaria a incidir após breve período de suspensão imaginária. A função da phantasia, nestes termos, é conter a possibilidade da castração imaginária. Caso não contivesse essa possibilidade, de castração, a phantasia não poderia suspendê-la. A phantasia surge por via de um significante ou de uma rede de significantes responsável pela manutenção da angústia em determinados limites. Limites esses que também deixam transparecer a temporalidade com que a phantasia deixa de atuar. Essa alternância, entre a incidência da castração e de sua suspensão, aponta para o acontecimento de uma escansão onde se alternam phantasia e castração. Nesse sentido, a phantasia suspende tanto a incidência da castração quanto a angústia atrelada à castração, ao passo que afasta o 'real' traumático, relegando-o a uma zona de progressivo desconhecimento. Isto não significa que a phantasia seja destituída de valor terapêutico ou ainda que deva ser menosprezada. Ao contrário, a phantasia evidencia a importância de uma localização no âmbito do inconsciente em que tendemos a permanecer. Ao mesmo tempo, ela traz consigo a possibilidade de sua transposição em proveito de uma assunção do próprio inconsciente. Pretendemos tratar aqui, além da questão da lógica pulsátil do inconsciente, também da possibilidade da referida assunção, capaz de reverter a posição de dependência frente à phantasia em proveito de uma posição simbolicamente mais rica.

Na perspectiva de Lacan, é apenas quando a castração recebe uma leitura quanto ao seu caráter simbólico que podemos providenciar a transposição da phantasia. É do seguinte modo que essa leitura é realizada: o objeto a, ao surgir em meio à análise, vem atrelado ao 'agalma'2, e recebe uma leitura quanto à sua proveniência à medida que o analisando fala. O agalma permite a produção simbólica na medida em que o analista deixa o silêncio reverberar em fala-ser (parlêtre). Segundo Lacan, Sócrates é um exemplo oportuno para ilustrar como surge o agalma. Essa personagem surge para Alcebíades no célebre diálogo 'O banquete' como um agalma e isso por dois motivos: em Sócrates, a figura de Alcebíades é refletida, mas ao contrário da figura do Narciso que se apaixona pela própria imagem, Alcebíades se apaixona pela "caixa acústica que lhe forma a figura de Sócrates" (LACAN, 1960,1966/1992, p. 308), isto é, Alcebíades se apaixona pelas figuras de linguagem, os 'torpedos socráticos'3 que Sócrates lança e nos quais Alcebíades vê o seu próprio ser, como possibilidade de vir-a-ser, refletido. Nesse momento, Sócrates conteria não apenas a função imaginária da castração, mas a função de agalma por circunscrever o âmbito da 'falta-a-ser' enquanto simbolicamente sustentável. O segundo motivo que faria Sócrates surgir como agalma é Agathon: Lacan pondera que o desejo só pode instalar-se mediante a interseção de um terceiro, que serviria como uma espécie de tela, de véu, em que o inconsciente vem a ser refletido e o agalma circunscrito em correlação com o desejo e a falta a ser. Como parte privilegiada do véu, como lugar de incidência do reflexo, ao terceiro cabe espelhar o Outro, de modo que o desejo do Outro seja traduzido em termos de falta a ser. Podemos depreender que Sócrates surge como um agalma tal como um psicanalista deve fazê-lo em fórum analítico?

 

O véu do inconsciente e a questão da angústia

No Seminário II: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1954- 1955), Lacan enfatiza a compreensão de que se trata, na teoria psicanalítica, de uma perspectiva totalmente diferente das que têm lugar nas perspectivas "clássica, teórica". E isso não apenas em função de caber ao psicanalista o silenciar, e nem tanto a fala, como caberia a Sócrates, ou ainda em função de não caber ao analista incorporar a figura de um ideal que sirva como mestre a devotos, como talvez seja o caso do filósofo grego. Não se trataria, tampouco, na técnica psicanalítica, como se discute na modernidade, de se ater ao sujeito, ao objeto, ou tampouco à cisão ou à reunião entre esses termos. Estaria em jogo, antes, a recriação do "véu" no qual a falta a ser "é apresentada como um reflexo". Nisso, uma relação outra com o ser – uma relação mesma "pela qual o ser existe":

É num registro de relações totalmente diferente (comparando com a 'perspectiva clássica, teórica, quando há entre sujeito e objeto cooptação, co-nascimento') que o campo da experiência freudiana se estabelece. O desejo é uma relação de ser com falta. Esta falta é falta de ser, propriamente falando. Não é falta disto ou daquilo, porém falta de ser pela qual o ser existe. Essa falta acha-se para além de tudo aquilo que possa apresentá-la. Ela nunca é apresentada senão como um reflexo num véu (LACAN, 1954-1955/ 1978, p. 280/281).

É preciso refletir do que se trata exatamente, na nomeação do chamado 'véu do inconsciente'. Trata-se de um véu perfeito a partir da alternação de elementos significantes – a rede – apontada como responsável por reger mesmo o advento do ser. Lacan compreende essa rede como perfeita tal como uma máquina, a chamada máquina cibernética. É essa rede uma superestrutura que sustenta as possibilidades dos sujeitos nela inscritos. A reflexão lacaniana acerca do muro da linguagem enquanto máquina cibernética tem uma origem clara: o logos, que nos convida a, auscultando-o, dizer "tudo é um" (HERÁCLITO citado por HEIDEGGER, 1951, p. 1). Por um lado, o 'um' ao qual Lacan se devota a auscultar é o muro da linguagem. Por outro lado, se, para o psicanalista, não podemos dizer que 'tudo é o muro', como realiza Heráclito junto à água, é porque nesse muro apenas algumas partes nos concernem, e não o todo. Nossa destinação se realiza, nessa perspectiva, a cada vez diferencialmente, e não como uma totalidade que joga a si mesma em um destino capaz de singularizar- se. Precisemos melhor a questão acerca do modo como a máquina realiza as linhas mestras do destino. Independentemente do conteúdo das mensagens transmitidas na máquina, vem a ser configurados circuitos que se perfazem 'instantaneamente' como uma "rede". A célula máter dessa rede circunscreve-se por meio de uma lógica binária em que se alternam desvelamento e velamento, abertura e fechamento. Uma porta "esteja aberta ou fechada", permite ou não a configuração de 'circuitos significantes'. No nível mais amplo da estrutura da máquina, o que é veiculado é ainda capaz de se auto-engendrar a partir do modo como se alternam os referidos movimentos. À proporção que determinado significante serve como fio condutor ao advento de um circuito significante, este significante se coloca como pilar de uma estrutura autônoma, parte da máquina. Nesses termos, é ao se intercalar um significante a outro que tem origem o advento de ordenações simbólicas. Na maneira como se instalam essas ordenações, elas continuam a se alternar. Cria-se uma estrutura orgânica que se mantém na permutação de seus elementos. No sistema nomeado de 'máquina cibernética', são assim perfeitas ordenações de caráter simbólico, surgidas a partir de uma estrutura lógica e do movimento autônomo de seus elementos.

 

Phantasia versus agalma

No âmbito da autonomia da máquina cibernética, no tecido que é o véu do inconsciente, assumirá o papel de 'tesouro' aquele significante capaz de evocar o agalma. Coincidentemente, esse significante também se dá a ver na 'phantasia', por esta conter "a função imaginária da castração":

A phantasia (…) contém a função imaginária da castração (…) à maneira de um número complexo, (...) incluído no objeto a, é o agalma, o tesouro inestimável que Alcebíades proclama estar contido na caixa acústica que lhe forma a figura de Sócrates. (…) Assim como é a mulher por trás de seu véu: é a ausência do pênis que a faz falo, objeto do desejo (LACAN, 1957/1992, p. 308-309).

O véu do inconsciente é apontado como aquilo por meio do qual 'a mulher se faz falo', e se configura como "objeto do desejo". Seguindo a passagem, é ao conter a função imaginária da castração que a mulher se faz falo. Ainda não está suficientemente claro como na teoria lacaniana recebem lugares distintos phantasia e agalma. É preciso situar quais são estes lugares e como se dá essa distinção. Não deixa de ser curiosa a afirmativa de que na "phantasia", o objeto a contenha a "função imaginária da castração". No Seminário VI: O desejo e sua interpretação (1958-59), nosso autor traz o objeto a4 como 'objeto do desejo'. No Seminário X, esse objeto, capaz de colaborar com a ausculta quanto à origem do desejo, é trazido como "o objeto angustiado" "que eu sou" (LACAN, 1962- 1963/2004, p. 375-376). Nesse momento, esse objeto dá a ver o próprio ser do angustiado, posto que se apresente muito mais nesse ser do que em 'algo' passível de existir fora dele. A angústia teria como objeto, nesses termos, um real que escamoteia no próprio ser do angustiado. Já em Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano (1960/1992), o objeto a é apresentado como 'objeto causa do desejo': parte separável da imagem do corpo, esse objeto comportaria o valor de uma libra de carne5, um traço da 'coisa', retomada, desta vez, do contexto freudiano. A exemplo da placenta, esse traço faria visível algo de comum no entre o sujeito e o Outro, trazendo consigo, para o sujeito e para o Outro, por vezes, um traço de horror (LACAN, /1992, p. 301). O referido traço da coisa ainda valeria como 'semblante' em uma linhagem (metonímia) na qual o phallus é o ponto de perspectiva. O objeto a, nesse contexto, é circunscrito como o objeto fálico que torna o real habitável (idem, p. 32).

Propomos que enquanto a phantasia oblitera as possibilidades de diversificação simbólica, o agalma exige essa diversificação. Ao confinar a incidência da castração a limites meramente imaginários, distanciados de uma lida fática com o real e da necessidade de simbolizá-lo, na phantasia tende-se à mera manutenção de 'fixações imaginárias'. No Discurso de Roma Lacan é taxativo quanto à necessidade de evidenciar como os sintomas, tais como atos falhos, lapsos de memória ou mesmo o surto psicótico, surgem em momentos de conflito entre o plano das ordenações simbólicas e as 'fixações imaginárias'. Textualmente: o sintoma é "um meio de acordo entre os conflitos simbólicos e as fixações imaginárias" (LACAN, 1953/1966, p. 279). Não custa lembrar que a palavra 'sintoma' vem do grego sumptôma, que originalmente quer dizer 'com o sinal ou o signo'. Segundo Ricoeur (2010, 3, p. 148), no vocabulário psicanalítico, "o sintoma tem o sentido de 'deixar transparecer uma origem' ao mesmo tempo em que com essa palavra marca-se o fato de ignorar [a origem]." Compreender que no sintoma há tanto uma origem quanto um desejo de ignorar essa origem é capaz de conduzir à ambivalência do nosso problema: a partir do sintoma teríamos acesso àquilo que está relacionado ao desejo e ao 'desejo' de se ignorar a origem desse mesmo desejo 6. Em outras palavras, aquilo que serve de ferramenta à elaboração analítica, a saber, a ausculta do modo e do momento em que o desejo tem origem, tende a permanecer oculta não apenas em razão da natureza fugidia do desejo, mas fundamentalmente em razão da phantasia suplantar a possibilidade dessa ausculta. No âmbito da phantasia, justamente, termina-se por dar-se espaço ao desejo de se ignorar a origem do desejo, ao invés de atentar-se à origem do próprio desejo.

Com base na necessidade de nos voltarmos para um questionamento mais aprofundado acerca da origem do desejo, e de como esse tende a se estabelecer como "meio de acordo entre os conflitos simbólicos e as fixações imaginárias", e isso tanto na phantasia quanto no agalma, Lacan nos acena com a possibilidade de pensar o véu do inconsciente em função das realizações que têm lugar em uma análise. A ausculta analítica, com frequência, permite que as fixações imaginárias, ao serem colocadas na fala, realizem uma transmutação dos sintomas de modo que esses tenham já aí uma resolução. Nessa transmutação tem papel relevante a transferência.

Ao ser apreendida pela fala, na transferência, as fixações imaginárias recebem uma leitura quanto ao seu caráter simbólico e aquilo que servia ao advento do sintoma pode ser acolhido e transformado. Isso acontece porque a fixação imaginária também tem por base uma ordenação simbólica. No momento em que há uma fixação imaginária, porém, não enxergamos essa fixação como estruturada simbolicamente. É no momento em que recebe uma leitura de caráter analítico que a fixação imaginária se mostra em sua estrutura simbólica e pode ser refeita. Lacan considera que a fala em situação analítica permite a apreensão da organização simbólica do ser que se dirige ao tratamento psicanalítico, de modo a provocar um trabalho de reversão dos conflitos imaginários em prol da extração do objeto a (LACAN, 1974, p. 7-8).

 

A angústia na clínica lacaniana

A principal influência filosófica7 presente na concepção lacaniana de angústia é a analítica existencial formulada por Martin Heidegger. Enquanto o filósofo considera o ser-para-a-morte como surgido de um confronto com a morte para a qual somos lançados em meio à angústia causada pelo falatório, a psicanálise considera a angústia como um acontecimento já resultante de um confronto com a morte. A partir do acontecimento referido, o confronto "mortal" passa, por um lado, a ser evitado e, por outro lado, a ser repetido. Realizando- se sob o modo de um ocultamento do real traumático, a phantasia oblitera as possibilidades desse confronto. Por não ser reconhecido, esse confronto pode passar, por sua vez, a se manifestar de uma maneira intrusiva: "isto que não se mostrou como do simbólico, aparece no real" (LACAN, 1954/1966, p. 388) – afirma Lacan já nos idos de 1954. Há a tendência a evitar-se um novo confronto com a morte justamente por conta da angústia gerada. Nesse ponto, a analítica existencial e a psicanálise coincidem. Para ambas, é preciso deixar a angústia ser, de modo a servir à descoberta e ao advento da verdade. Para a psicanálise, por seu turno, no advento da verdade estará em causa a presença da 'coisa'8 cuja mera possibilidade instala no ser uma angústia 'enigmática'.

Essa concepção de 'coisa' referida pelo vocabulário lacaniano é ambivalente. A principal ambivalência é que a presença da coisa se revela no momento da 'morte da coisa', que "constitui no sujeito a eternização do seu desejo" (LACAN, 1953/1992, p. 184). É preciso perguntar: afinal, o que Lacan tem em vista com essa noção de 'coisa', cuja morte determina "o momento em que o desejo se humaniza" (idem, p. 183), mas cuja presença também determina o advento de uma angústia enigmática? Para tratar dessa questão, somos levados a considerar a 'palavra' como o lugar em que a 'coisa' habita.

Na teoria lacaniana, a palavra é tanto concebida como "a coisa mesma" e Lacan chega a afirmar que a palavra não é "simplesmente uma sombra, um sopro, uma ilusão virtual da coisa, é a coisa mesma" (LACAN, 1953-1954/ 1986a, p. 201), quanto a ausência da coisa é tida como fundamental para que a palavra possa ser o que é. Nesse momento de ausência, "o símbolo se manifesta como assassínio da coisa". Já em A coisa freudiana, Lacan afirma ser "através de enigma", por "coisas", que "a verdade" comunica -- "O comércio no longo curso da verdade já não passa mais pelo pensamento: coisa estranha, parece que agora é por coisas: enigma (rebus),9 é através de você que eu comunico" (LACAN, 1955/1966, p. 410). Personificando a verdade, o psicanalista nos convida a considerar como a verdade pode se dizer "por coisas". Neste ponto, assim como em toda a produção teórica de nosso autor, é importante reconhecer o devir de um processo em que alguns termos ganham preponderância para depois não mais receberem atenção. Por exemplo, a partir de 1975, na medida em que é ampliada a perspectiva topológica, o conceito de verdade cederá lugar à espacialidade inerente à própria topologia. A verdade acabará deixando, finalmente, de se apresentar como questão para a psicanálise lacaniana. Segundo essa perspectiva, importa relevar o inconsciente como uma estrutura de ficção a partir da qual a dinâmica pulsional da própria linguagem tem lugar. No presente artigo, o referido devir da produção simbólica do psicanalista pode ser notado ainda junto às noções de coisa.

O psicanalista chega a se postar como 'a verdade'. E isso para fazer notar como a verdade se diz por 'coisas'. Trata-se, antes de tudo, de um artifício retórico para evidenciar como se faz necessário nos atermos ao ato da fala. Nesse ato, não é nem a presença das coisas nem a completa ausência delas o que determina a essência da 'coisa'. No campo psicanalítico, será o próprio ato de dizer 'a coisa' que irá configurá-la. É preciso ainda mais uma vez perguntar: afinal, como é preciso conceber a essência da coisa no referido campo?

Em primeiro lugar, ao dizer que a verdade se diz por enigma, Lacan enfatiza que são as leituras, os deciframentos, que possam ser realizados em situação analítica, que orientam a aparição das 'coisas' por meio das quais a verdade comunica10. A palavra é, nessa medida, tomada como essencial, tanto por determinar a constituição do universo simbólico em que "as coisas" surgem, quanto por que as coisas surgem como uma criação da palavra e podem, pela palavra, serem desfeitas, ou ainda serem criadas de maneira diferente. Se a coisa se mostra cifrada, enigma, rebus, é por conta de o 'universo simbólico' assim a configurar. Esse universo também se constitui a partir de alternâncias em que as coisas se apresentam e se ausentam junto à palavra e ao universo simbólico que as dispõe na linguagem. Para Lacan, para desvendarmos o enigma que é a coisa, é preciso ainda atentar para como responder ao sujeito em análise:

Para saber como responder ao sujeito na análise, o método é reconhecer primeiro o lugar onde está seu Ego, esse Ego que o próprio Freud definiu como Ego formado de um nucleus verbal, em outras palavras, saber por quem e para quem o sujeito faz a sua pergunta. Enquanto não se souber isso, correr-se-á o risco do contrassenso sobre o desejo que aí está para reconhecer e sobre o objeto a quem se dirige esse desejo. O histérico cativa esse objeto numa intriga refinada e seu Ego está no terceiro por meio de quem o sujeito goza desse objeto onde sua pergunta se encarna. O obsessivo (…) dirige sua homenagem ambígua em direção ao camarote onde ele próprio tem o seu lugar, aquele do mestre que não pode se ver. (…) Um se identifica ao espetáculo, e o outro deixa ver. Para o primeiro sujeito, devem fazê-lo reconhecer onde se situa sua ação, para quem o termo de acting out toma seu sentido literal visto que age fora de si próprio. Para o outro, os senhores devem se fazer reconhecer no espectador, invisível da cena, a quem o une a mediação da morte (LACAN, 1953/1992, p. 168).

A partir da definição de "Ego formado de um núcleo verbal", Lacan situa as realizações simbólicas como tendo seu modus operandi na linguagem. É por meio da linguagem que "o histérico cativa" o objeto de seu desejo "numa intriga refinada", enquanto o obsessivo "dirige sua homenagem ambígua em direção ao camarote onde ele próprio tem o seu lugar"11.

Em oposição ao histérico, o neurótico obsessivo tem, de antemão, o seu ser assegurado e passa, então, a direcionar suas realizações, "sua homenagem", "ao camarote", isto é, à possibilidade de ser reconhecido em razão dessas realizações. Já "o histérico" se joga em uma discursividade em que o seu "Ego" passa a reaparecer, se fazendo notar no jogo discursivo que é capaz de manter e onde "sua pergunta", acerca de quem é, "se encarna". Sem ter de antemão o seu ser apreendido, o objeto a do histérico é o "gozo" que esse ser conquista por meio do "objeto" a quem dirige o seu desejo. É esse ser quem lhe permite apreender- se, como "sujeito" que "goza". Nos termos supracitados, enquanto o histérico "se identifica ao espetáculo", o neurótico "se deixa ver". Para o neurótico obsessivo, a intervenção analítica se orienta no sentido de que o psicanalista possa ser reconhecido como "espectador, invisível da cena", a quem o une a mediação do objeto a, a morte. Nesse caso, a intervenção analítica já se realiza no momento em que o analisando dá a ver ao analista suas realizações, unindo- se a ele a partir da mediação da morte. Já para o neurótico histérico, essa intervenção deve se realizar no sentido de "fazê-lo reconhecer onde se situa sua ação", "visto que (já) age fora de si próprio".

A respeito da relação entre objeto a e a morte podemos perguntar: é realmente necessária essa relação, ou, ao contrário, o referido objeto veio a estar equivocamente ligado à morte, como apontam os dois reversos da neurose destacados acima? Neste ponto, é preciso pontuar como, a princípio, Lacan herda a relação entre morte e existência autêntica da filosofia. É Heidegger quem primeiro traz a morte, ainda nos idos da década de 1920, como capaz de libertar o ser-aí para sua singularidade. Como totalidade que vem a ser na medida em que vai ao passado em direção ao futuro (HEIDEGGER, 1927/1986, 2, p. 37-51), ser-aí é ser-para-a-morte. É oportuno atentarmos também para a perspectiva de que Freud traz, antes, a morte como inerente aos processos libidinais. Ela é depreendida, e isso já em 1920, como Tanathos, força que a tudo aniquila e que está em oposição a uma ação inteligente (FREUD, 2006, p. 163-165). Lacan, por sua vez, começa a abordar a questão da morte na década de 1950 a partir da problemática do objeto a. Enquanto localizado no Isso, lugar em que o 'Eu' deve advir, esse objeto remete mais à existência autêntica do que a uma ação ininteligente. Relevemos, ainda assim, que objeto a não deixará de estar ligado à morte na psicanálise lacaniana mesmo nos momentos posteriores dessa abordagem. Sobretudo quando passa a ser tematizado como causa de horror, quando o psicanalista se detém na problemática da repetição sintomática e passa a receber maior destaque à segunda tópica freudiana, esse objeto aparecerá, talvez, mais atrelado à pulsão de morte, à recusa da castração e ao real que escamoteia do que à existência autêntica; mas, ainda assim, não deixa de estar relacionado à morte.

Ainda no âmbito das classificações nosológicas é possível indicar que o psicanalista francês distingue claramente as duas conformações citadas no parágrafo anterior – a neurótica obsessiva e a histérica, assim como a psicótica. O que interessa nessa distinção é o modo como cada sujeito assume ou recusa o objeto a em consonância ou em dissonância à castração, e o modo como essa recusa ou assunção repercute na recriação do véu do inconsciente. Sob essa ótica, a falta que regra a direção do desejo e logo o aparecimento do objeto a surge no momento em que, sob a ausência ou a presença de determinado significante, o real pode ser simbolizado. A possibilidade de assumir ou de recusar essa simbolização determinará o modo como a análise será conduzida. O real surge em virtude de um desvelamento causado pela fala em situação analítica. Por ser imediatamente sucedido pelo velamento, esse desvelamento pode terminar por servir meramente ao funcionamento de phantasias. O real propriamente dito, é preciso grifar, pode, pois, ficar aquém da nomeação e terminar por ser relegado ao simples movimento sincopado. Para além de todas as simbolizações possíveis, esse real pode terminar por surgir apenas intrusivamente, ainda que aí não fique aquém do logos:

Imagem enigmática a respeito da qual Freud evoca o umbigo do sonho, esta relação abissal ao mais desconhecido que é a marca de uma experiência privilegiada, excepcional, em que o real é apreendido para além de toda mediação, quer seja imaginária, quer simbólica (…) esse para além da relação intersubjetiva (…) o logos aí (no entanto) não perde todos os seus direitos (LACAN, 1954-1955/1987, p. 224).

É segundo uma lógica de puras diferenças que se dá a constituição do logos e a aparição da 'coisa', levada a ser recriada no âmbito "dos jogos repetitivos nos quais a subjetividade fomenta tudo junto ao domínio de sua derrelição e o nascimento do símbolo" (LACAN, 1992, p. 183). Símbolo que surge remetido à possibilidade de que a alternância de presença e ausência seja novamente engendrada.

Essa alternância deixa vestígios que, por sua vez, adquirem ek-sistência quando é dado lugar à fala. Ao adquirir o caráter de entes ek-sistentes através da fala, esses vestígios se manifestam por meio da mesma lógica de aberturas e fechamentos que permitem alcançar a verdade, quando "a função da linguagem não é de informar, mas de evocar" (LACAN, 1966, p. 163). Somente por meio dessa evocação tem lugar e pode ser auscultada a presença da coisa.

 

O real e a angústia no Lacan da década de 1950

A alternância de aberturas e fechamentos com que a 'coisa' se anuncia pode ser investigada no âmbito da angústia, por ser essa angústia capaz de evidenciar o momento lógico de aparição da coisa. Nesse momento, a presença da morte é inequívoca. Tal como na 'criança do Fort-Da'12, que entra em cena a partir da ausência desse significante primordial -- a mãe -- o enfrentamento da angústia tem por norte o encontro com a ausência de um significante primordial, que surge junto à possibilidade de trazer para aquele que sofre a recompensa da realização de sentido. Lacan enuncia a tese de que o real13 surge sob o véu de uma estrutura que enlaça imaginário e simbólico ao colocar em questão um sonho do próprio criador da psicanálise. Freud, em Interpretação dos sonhos (1900), analisa um sonho dele mesmo no qual figura uma de suas pacientes, Irma. Lacan o reinterpreta, chamando-o de "sonho da injeção" (LACAN, 1954-1955/1978, p. 177-192). Ele sublinha a imagem terrível vista por Freud no fundo da garganta de sua paciente: "grandes pontos brancos", "extraordinárias formações contornadas", e, sobre elas, "largos escarros branco-acinzentados". Essa forma complexa, sinistra, insituável revelaria um real último, perante o qual todas as palavras param; o objeto de angústia por excelência. É dito que esse objeto precede, com efeito, o imaginário, que surge no sonho sob a forma de personagens. Nesses personagens se projeta com certa desordem o sujeito freudiano. A isto Lacan vai chamar de o simbólico "sem fissuras". O sonho termina com uma fórmula química, que Freud vê diante de seus olhos, impressa em letras garrafais. A fórmula manifesta a presença do simbólico e Lacan interpreta que ela vem apaziguar a angústia de Freud, nascida da visualização do real. É sobre essa relação estrutural, que mantém consonantes real, imaginário e o simbólico que Lacan insiste ainda no Seminário II: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1954- 1955). O sonho, as imagens manifestam aí a presença de uma 'coisa real' que apesar de continuamente retornar de onde "estava já lá", é também recriada, mais e mais, no âmbito das 'formações do inconsciente' às quais cabe à análise dar voz: "o real é isto que retorna sempre ao mesmo lugar – a este lugar que o sujeito, mesmo que ele cogite (…) não o encontra". Não sem a ausculta atenta de um analista, poderíamos acrescentar. Isto porque mesmo que o sujeito se recorde de seu sonho é preciso que ele dê vazão a esse sonho para o analista, e que esse analista seja capaz de 'pinçar' o simbólico onde o real, a cada vez, insiste. Para que o real não se manifeste de uma maneira intrusiva na existência do sujeito, é necessário, pois, que ele seja pego na borda pelo simbólico, como no sonho de Freud, em que a estruturação de um imaginário caótico cede lugar à simbolização de um real quase inominável. Para tanto, além disso, é necessária que seja realizada a afirmação inaugural (die Bejahung), em que o sujeito do inconsciente tem raiz, a afirmação do simbólico, seu reconhecimento pelo sujeito. Este reconhecimento supõe a assunção da castração, assunção que, por sua vez, pode promover o desvelamento do desejo enquanto produtor de sentido.

 

A angústia, finalmente

Concomitantemente à realização de sentido, surgem significantes por meio dos quais 'a coisa' retorna. Nesse retorno, tem lugar 'uma estranheza'. Como manifestação de angústia, a estranheza, tal como concebida por Lacan, é uma concepção herdada diretamente de Ser e tempo, quando a estranheza é destacada como uma tonalidade afetiva aberta pela angústia:

Na angústia, se está 'estranho'. (…) A angústia retira o ser-aí de seu empenho de-cadente no 'mundo'. Rompe-se a familiaridade cotidiana. O ser-aí se singulariza, mas como ser-no-mundo. O ser-em aparece no 'modo' existencial de não sentir-se em casa. É isso o que diz o discurso sobre a 'estranheza' (HEIDEGGER, 1927/1986, p. 253).

Ao invés de imerso na 'familiaridade cotidiana', na angústia, o ser-aí está estranho. Esse ser é levado a singularizar-se justamente por "não sentir-se em casa". "A estranheza" é ainda apontada como "inerente" apesar do ser-aí fugir dela "para o sentir-se em casa da public-idade". Assim, a angústia se realiza, a cada vez, como um retorno a algo inerente que devolve ao "ser-no-mundo" a possibilidade de ser "lançado para si mesmo em seu ser" (idem). É a angústia que pode devolver ao ser-aí o seu poder-ser mais próprio. Já para Lacan, o estranho é algo também inerente, só que é na formação do eu que essa inerência se anuncia. O psicanalista pergunta em Mito individual do neurótico: "o que é o eu, senão algo que o sujeito experimenta primeiramente como estranho no interior de si próprio" (LACAN, 1953, p. 73)? É em razão de o eu só poder situar- se junto às perspectivas traçadas no muro da linguagem que esse ser é continuamente atravessado por uma 'estranheza'. É tanto o retorno da 'coisa' que causa estranheza quanto o fato de o 'eu' precisar das perspectivas traçadas junto ao muro da linguagem, refletidas no véu do inconsciente, para se constituir. Ambas as questões – da estranheza enquanto advinda do anúncio 'da coisa' e enquanto advinda da formação do eu, se encontram relacionadas na consideração da angústia como um 'sinal'. Já na década de 1960, Lacan dedica um seminário inteiro a essa questão e nos informa que foi o criador da psicanálise quem primeiramente se referiu à angústia desse modo:

A angústia, Freud, ao termo de sua obra, designou como sinal.14 Ele a designou como um sinal distinto do efeito da situação traumática e articulado com (…) o caráter de cessão (doação, cession) do momento constitutivo do objeto a. (...) A angústia, tenho vos dito, é ligada a que eu não sei que objeto a eu sou para o desejo do Outro (…) disto resulta que o resto a, isto que eu não sei que objeto eu sou angustiado, é forçosamente desconhecido (…) isto onde a estrutura do desejo é a mais plenamente desenvolvida na sua alienação fundamental é também, paradoxalmente, isto onde o objeto a é o mais mascarado e onde, deste fato, o sujeito é o mais seguro quanto a sua angústia (LACAN, 1962-1963/2004, p. 375/376).

Lacan lê essa última circunscrição da angústia como "um sinal" como realização da perspectiva de que "eu não sei que objeto a eu sou". Na leitura do psicanalista francês sobre a questão da angústia, a ambivalência da coisa se radicaliza: designada como objeto que 'eu sou' "angustiado" por "ser desconhecido", o objeto a é em parte fruto de um momento em que o 'eu' tenta se subtrair ao perigo da castração15 e se realizar eroticamente. Ao mesmo tempo, esse perigo se coloca no âmbito dos significantes que, se interpondo à presença da coisa, a mantém nos limites determinados pelo mesmo perigo da castração. De outro modo, é o próprio perigo de castração que termina por configurar a coisa, seu estatuto de ente 'real'. Nessa medida, a angústia como um 'sinal' se dá em reação ao perigo de castração através do qual, no entanto, a coisa ressurge. O problema, ou os sintomas, vale dizer, só começam quando o 'eu', é levado a uma conformação naqueles significantes que se interpõem à realização erótica. O perigo de castração, assumindo um controle sobre o eu, o subtrai à possibilidade de realização erótica, imobilizando-o, ao mesmo tempo, em uma conformação imaginária. Tomando-se pela perspectiva imaginária, o eu perde de vista que se realiza a medida da sucessão de presenças e ausências que cabe somente ao plano do simbólico situar.

Para poder lidar com sua angústia, o 'eu' precisa realizar-se via simbolização. Isto inclui realizar-se via "alienação fundamental" capaz de reinaugurá- lo como uma sucessão de presenças e ausências. Essa "alienação" é ambivalente pelo fato de nela se distinguirem a dimensão imaginária pela qual o eu constitui uma imagem de si mesmo e a dimensão simbólica em que o falante depende do Grande Outro, lugar de tesouro de significantes em que a dimensão imaginária deve, obrigatoriamente, ceder lugar à dimensão simbólica. Nestes termos, o objeto que "eu sou" é angustiado à medida que o eu não consegue se situar no universo simbólico em que habita, passando a se confundir com o reflexo imaginário que também o representa. No momento em que uma fala plena, autêntica é proferida, a angústia cede lugar a uma realização simbólica, isto é, a uma fala que se realiza também tendo em vista o desejo do Outro.

 

Conclusão

A relação suposta de início, de que no véu do inconsciente a phantasia suspenderia a castração, obliterando, ao mesmo tempo, a possibilidade de diversificação simbólica, mostrou-se coerente com a seguinte perspectiva: na máquina cibernética, a phantasia surge como uma célula junto a qual se tende a evitar um confronto com a angústia. Cede-se à phantasia, que passa a manter a existência em limites estreitos, e em situações de dependência frente ao sinthoma. A partir da suposição lacaniana de que a existência é engendramento na máquina cibernética, pudemos situar a origem do desejo como surgindo em concomitância ao agalma. Isso porque, tal qual Sócrates para Alcebíades, essa situação permite, a um só tempo, a diferenciação simbólica e o advento, na fala, do objeto de desejo. A angústia, aí, pode servir ao trabalho analítico por condensar as letras, os significantes, que, quando revertidos, revelam o que de fato impede à plena diferenciação simbólica. Seja como sinal que a assemelha ao 'medo'16 seja como signo de "um retorno da situação traumática" como "uma reação à perda, à separação"– a angústia dá a ver um enigma, um rebus significante que insiste em instalar o eu em um universo simbólico singular. Nesse universo, determinados significantes surgem como fálicos e sua ausência ou presença determina a aparição de angústia. Cabe à análise investigar que universo simbólico e quais significantes são esses, e como os mesmos permitem ao sujeito lidar com a angústia que, de outro modo, se apossaria de todo o seu ser. A análise, neste sentido, visa causar a elaboração disso que eu venho a ser em consonância a um 'significante enigmático', suporte ao simbólico. Ao retornar, esse significante permite inscrever a castração simbólica em justaposição à travessia da phantasia em que o sujeito do inconsciente, não obstante, tende a permanecer.

 

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Fabíola Menezes de Araújo
e-mail: confabulando@yahoo.com.br

Tramitação: Recebido em 31/08/2012
Aprovado em 03/04/2013

 

 

* Nota da Autora: Agradeço pelas valiosas contribuições dos pareceristas que avaliaram o artigo. Agradeço, especialmente, pelas sugestões conceituais, de sintaxe e quanto à estrutura do texto, que me possibilitaram enriquecê-lo e refletir com mais calma sobre conceitos-chave, tais como ção entre objeto a e morte e de clínica das neuroses
** Filósofa, mestre em Filosofia/Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
1 Postulamos que as bases necessárias ao desdobramento da questão do ritmo de pulsação do, enquanto coordenado pela intercalação entre phantasia, castração e agalma, se encontram nos textos que compreendem o período de 1950 e 1960. Ainda assim, embora bastante útil para quem se interesse por estudar Lacan, a cronologia dessas bases nos parece ser bastante controversa e não serve à nossa pesquisa, tanto quanto o necessário. Pedimos, pois, a indulgência do leitor quanto a este item; por isso, registramos entre parênteses a data de elaboração de cada texto, assim como a data da publicação em que nos pautamos
2 O conceito de agalma aparece atrelado ao objeto a em Subversão do sujeito e dialética do desejo inconsciente freudiano, texto de 1960, cito: "Incluído no objeto a, é o agalma, o tesouro inestimável que Alcebíades proclama estar inserido na caixa acústica que lhe forma a figura de Sócrates. Mas observemos que é afetado do signo (-). É porque ele não viu o rabo de Sócrates... que Alcebíades o sedutor exalta nele o agalma, a maravilha que ele quis que Sócrates lhe cedesse admitindo seu desejo: a divisão do sujeito que ele porta nele mesmo se admitindo (a si mesmo) com o esplendor desta ocasião" (LACAN, 1960, apud. Dictionnaire de la Psychanalyse, p. 44). Desejo esse que, apesar da beleza de Agathon, Alcebíades concebe como incitado apenas por Sócrates. O conceito ainda volta a dar o ar de sua graça na proposição de 9 de outubro de 1967, publicado na revista Scilicet no 1, quando é demonstrado o caráter operatório desta noção, tal como desenvolvemos neste artigo, e ainda com indicações quanto à impropriedade de uma fundação metafísica para a prática psicanalítica: "(...) é que a tomada/pegada do desejo não é senão aquela de um des-ser (desêtre). Neste des-ser se desvela o inessencial do sujeito suposto saber, de onde o psicanalista é dedicado ao ??????, (de onde) da essência do desejo, disposto a pagar para se reduzir, ele e seu nome a um significante qualquer... Assim, o ser do desejo se reúne ao ser do saber para renascer aí isto (uma só falta) em que estão enodados em um banda feita de uma só borda onde se inscreve uma só falta, aquela sustentada pelo ??????." (idem, p. 45)
3 Essa expressão se encontra no Seminário sobre a Carta Roubada, proferido em abril de 1955 (LACAN, 1955/1992, p. 39)
4 É preciso pontuar que o termo 'a' presente na expressão 'objeto a' designa na gramática lacaniana 'le autre', 'o outro', que se interpõe ao Outro, com o maiúsculo. Esse termo, no entanto, recebe no ensino de Lacan múltiplas variações
5 Referência lacaniana à dívida mantida pelo sujeito para com o Outro. Essa referência é extraída de O mercador de Veneza, onde há um agiota que apresenta a seguinte proposta ao protagonista: devendo-lhe uma soma em dinheiro, deveria restituir-lhe o dinheiro ou senão pagar-lhe com uma libra de sua própria carne
6 É interessante notar que esta ambivalência leva Lacan, em 1975, a criar um novo conceito – o 'sinthome'. A partir da homofonia "saint-nom" temos a referência de algo que conferiria certa "santidade" à pessoa que sofre. Já a partir do sin, "pecado" em inglês, o psicanalista faz com que o sintoma reporte a um só tempo à santidade e ao "sinal do pecado" (LACAN, 1975, p. 21). Através da noção de sintoma como sinthome, "santo-nome-que-peca" ou ainda "santaordenação- simbólica-que-norteia-o-pecado", Lacan pretende, pois, dar voz à ambivalência presente nos sintomas tratados pela psicanálise
7 Outra importante influência para Lacan, acerca da questão da angústia, é Kierkegaard, cujo livro Solidão: doença até a morte é citado diversas vezes pelo psicanalista
8 O conceito de 'coisa' nos é trazido primeiramente por Freud, em Projeto para uma psicologia científica (1895/1950). Ali, a 'coisa' é referida como parte do aparelho psíquico, quando sob o jugo de uma experiência erótica (p. 434). 'A coisa' é então citada no singular – Das Ding. Em nosso estudo, distinguimos muito brevemente a "coisa" das "coisas". Isto porque Lacan, na década de 1950, nos convida a refletir sobre o modo como os universos simbólicos incidem na constituição do sujeito, quando se refere à 'coisa' junto à possibilidade de que ela 'ressurja' por 'coisas' junto às quais "a verdade" se diz "por enigma". É preciso destacar, no entanto, a existência do conceito 'a coisa' que, segundo a psicanálise, seria impossível aceder; seja pelo horror que essa aceitação causaria, seja por uma impossibilidade de cunho temporal – 'a coisa' se distanciaria na mesma medida que o 'estranho' (FREUD, 1919/1996, p. 237-269), isto é, quando dela acreditamos nos aproximar, ela, na verdade, se distanciaria (LACAN, 1986b, p. 127-128). Em nossa reflexão, nos autorizamos a partir dos significantes que permitem compreender o enigma a ser desvelado em análise. Nesse sentido, para pensar isto que causa angústia, vamos refletir sobre a questão de como a teoria lacaniana promove 'o objeto a' como substituto possível, alcançável, da 'coisa' em função da tese lacaniana da coisa ressurgir sempre a partir de significantes. Ainda assim é oportuno ponderar que a noção de ´coisa´ não desaparece do vocabulário lacaniano, inclusive em razão do movimento intitulado pelo mesmo de ´retorno a Freud´, que atravessa sua obra e que parte da premissa acerca da necessidade de exercermos um contínuo retorno à obra do criador da psicanálise. No Seminário VII, onde dá inclusive título a dois capítulos (Das Ding I e Das Ding II): "Das Ding deve, com efeito, ser identificada com a Wiederzufinden, a tendência a reencontrar, que, para Freud, funda a orientação do sujeito humano em direção ao objeto" (LACAN, 1959/1960, p. 72), ou ainda em Kant avec Sade, texto de 1963, em que somos convidados a relacionar a Das Ding, a um só tempo com a lei moral, em analogia à obra de Kant, e com o seu reverso, na figura do sádico, do perverso, que identifica o gozo com a infração a mesma lei. (LACAN, 1966, p. 765)
9 Rebus significa, ipsis litteris, 'mau jogo de palavras', ou, ainda, cifras de letras que evocariam por homofonia a palavra ou a frase de uma solução possível a um 'jogo de palavras', por exemplo, na forma de um holograma (vide: Dicionário Michaellis)
10 Assim, duas posturas teóricas devem ser excluídas de antemão: uma deve ser excluída pelo fato de a palavra não se dar com vistas à possibilidade de apontar, designar ou referir a coisa – assim é a interpretação de caráter apofântico, ou seja, a interpretação designativa ou demonstrativa, tal como pontuada por Heidegger no capítulo 33 de Ser e tempo, que precisa ser excluída – em psicanálise "a palavra" é "a coisa mesma" (HEIDEGGER, 1927/1986, p. 65, e p. 211-218), é junto a palavras que o 'enigma' se revela, isto é, não há um 'além' do campo da fala em que a palavra traga, no mais das vezes, um enigma a ser decifrado. A outra postura teórica que deve ser excluída é a que permitiria uma leitura de cunho hermenêutico (idem, p.68/69 e p. 211-218): no universo da psicanálise, a relação entre a experiência de aparição da coisa e de interpretação dessa aparição não realizam necessariamente de maneira simultânea. Ao contrário, é quando a 'coisa' se ausenta, que se torna possível falar nela. De outro modo, 'a coisa' surge e estará presente na fala, na situação analítica, mas no mais das vezes referida à outra experiência, que não a experiência analítica em si
11 As duas principais neuroses de transferência são a histeria e a neurose obsessiva, que podem ser esquematicamente opostas sobre certo número de características, por exemplo, quanto ao objeto de desejo preeminente e quanto à dialética colocada em obra em função do Outro: - na histeria, o seio que simboliza a demanda feita ao Outro, na neurose obsessiva as fezes que simbolizam a demanda feita pelo Outro. Distinguem-se também quanto à condição determinante do surgimento da angústia: perda de amor na histeria e angústia com relação ao super-eu na neurose obsessiva (vide: Dictionnaire de la Psychanalyse, p. 376)
12 A expressão 'Fort-Da' é criada em Além do princípio do prazer, primeira obra em que Freud apresenta a problemática da pulsão de morte. A pulsão de morte aparece como uma tendência do organismo a "retornar ao inorgânico" (FREUD, 1920/2006, p. 162), ao repetir "o comportamento de buscar a morte ao seu próprio modo" (idem, p. 163). Ao introduzir a discussão acerca do mecanismo em jogo na pulsão de morte, Freud comenta que o seu próprio neto, então com 18 meses, supera um momento de dificuldade para a maioria dos infantes – o momento da ausência, ainda que momentânea, da presença materna – brincando com um peão. À medida que a criança joga o peão "para lá" o neto fala "láaaa" ("o-o-o-o"), quando o peão retorna, o neto fala "um alegre aí" (Da) (idem, p. 141). O movimento de "aparecimento e desaparecimento" da coisa é tomado, por Freud, como uma maneira de superar a ausência materna. Para Lacan, a criança do Fort-Da ilustra o movimento de transcendência necessário à superação da 'inércia' (LACAN , 1954-1955, p. 139) quando dá vazão à possibilidade de destruir "o objeto que ela faz aparecer e desaparecer" (LACAN, 1966/1992, p. 183). A superação do mecanismo colocado em jogo pela pulsão de morte se daria, segundo esse autor, à medida que "o desejo se humaniza" – ao invés de submissa à privação do objeto, a criança passaria a assumir essa privação como constituinte de seu vir-a-ser. Sob essa ótica, é a partir da condição de desamparo que surge a possibilidade de superação
13 Segundo Lacan, o real se apresenta senão em relação ao simbólico e ao imaginário. O simbólico o expulsou do registro do que 'pode ser'. O real, então, reaparece, sob a forma dos signos de linguagem quando o sujeito não o reencontra senão como algo angustiante e que, no entanto, não para de se inscrever (LACAN, 1954/1966, p. 388). Cabe ao tratamento analítico, ao dar lugar à fala, dar ao sujeito a oportunidade de se deparar com isso que não para de se inscrever, de modo a, via simbolização, cunhar as bases para o advento de outro modo de ser
14 Freud, em Inibição, sintoma e angústia, trava uma relação entre a angústia, a expectativa do trauma e o fato da repetição do evento traumático "em forma atenuada": "A angústia é, por um lado, uma expectativa de um trauma e, por outro, uma repetição dele em forma atenuada" (FREUD, 1926/2005, p. 161). Caberia à análise favorecer a reminiscência do trauma de modo a permitir a repetição traumática que, de outro modo, se daria no 'agir'. Nesses termos, ainda são basicamente duas as caracterizações freudianas da angústia, mas elas podem se sobrepor: 1) a angústia como "um retorno da situação traumática" é designada como "uma reação à perda, à separação", e seria qualificada como "originária", nessa caracterização também merece destaque a questão da presença da 'coisa' e que, nesse âmbito, a angústia pode surgir como uma reação à saturação do 'eu' perpetrada pela 'coisa'; 2) já como um 'sinal' em reação ao perigo da castração em um tempo em que o eu tenta se subtrair à hostilidade de seu supereu", a angústia seria a elaboração de uma 'ocorrência' "no momento da fase fálica" (idem)
15 Em termos da segunda tópica freudiana, o eu tentaria se subtrair à hostilidade de seu 'supereu'. Sobre isso, vide: HOFFMANN, C., O sujeito e seus modos de gozo. In: Ágora (Rio J.), Jun. 2012, v. 15, no. .1, p. 9-13, artigo disponível em http://www.scielo.br/pdf/agora/v15n1/ v15n1a01.pdf, acesso em 20/09/2012
16 A palavra 'Angst' utilizada tanto por Freud quanto por Heidegger recebe do filósofo uma abordagem que a diferencia do medo, por conta de, no medo, haver sempre uma 'coisa' que o causaria e, na angústia, não; já em Freud, a questão recebe a ambivalência que buscamos evidenciar – a angústia tem um objeto que, por escamotear, se apresenta muito mais no angustiado que em 'algo' supostamente fora dele. Já Lacan trabalha diretamente com o termo 'angoisse' e quase nunca 'peur', medo em francês. Nesse sentido, quando falamos em medo da castração; medo da 'coisa', falamos, na verdade, da angústia que se instala mediante esses medos.