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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

versão On-line ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.36 no.30 Rio de Jeneiro jun. 2014

 

ARTIGOS

 

Sintomas de velhos?

 

Symptoms of olds?

 

 

Angela MucidaI*; Jeferson Machado PintoII**

IEscola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - Brasil
IIUniversidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Comumente se escuta a frase "sintomas da velhice" como se, a partir de certa idade, sobretudo após a meia idade, o sujeito começasse, inevitavelmente, a ter sintomas que o inscreveria no conjunto de "velhos". Se a psicanálise não tem como operar com "patologias" da velhice, ela trata dos sintomas enquanto subjetivados e nos quais os sujeitos encontram-se implicados. Esse artigo visa problematizar a ideia de sintomas de velhos, tendo como eixo algumas indicações freudianas e lacanianas sobre a função do sintoma sua aliança com um gozo sempre singular. Não existe homogeneidade de gozo e, portanto, não existem sintomas de velhos.

Palavras-chave: Gozo, inconsciente, lalangue, sintoma, sinthome, velhice, real.


ABSTRACT

Frequently hear the expression "symptoms of aging" as if, from a certain age on, especially after the middle-age years, people would inevitably start expressing symptoms that include them in the group of "the elderly". While psychoanalysis cannot operate with the "pathologies" of old age, it aims at treating the symptoms in a subjective way while engaging with the subject. This article proposes the discussion of the idea of symptoms of aging by relying on some Freudian and Lacanian indications on the function of the symptom and its alliance with an ever unique kind of enjoyment. There is no uniformity of enjoyment and, therefore, there are no symptoms pertaining to the elderly per se.

Keywords: Enjoyment, unconscious, lalangue, symptom, sinthome, old age, real.


 

 

Introdução

O tom talvez provocativo do título evoca, de imediato, algo paradoxal: primeiro, ao supor que os sintomas, da mesma forma que o corpo, envelhecem, e segundo, que eles perdem na velhice a singularidade. A frase "isso é coisa de velho" é comumente utilizada para tentar cernir algumas manifestações sintomáticas a partir de determinada idade, variável, mas sempre conjugada a algum conceito de velhice, como se a idade por si modificasse o caráter de fixidez do sintoma, sua função de amarração de estrutura e o gozo subjacente a ele.

Estranha à concepção psicanalítica de sintoma como verdade e solução singular de cada sujeito diante do Real, essa maneira de referir-se ao que se passa na velhice encontra seu fundamento na ideia de que, dadas as inúmeras modificações e perdas concernentes ao corpo, imagem e aos diferentes laços, não resta ao sujeito que diluir sua diferença em prol de uma concepção generalizada de velhice. Se a passagem do tempo inaugura uma tipologia sintomática, estamos diante de uma óptica desenvolvimentista e segregatória tanto em relação ao conceito de velhice quanto de sintoma. Uma via, portanto, anti-analítica e sem saída.

 

Não existem sintomas de velhos

Esta afirmação desdobra-se em outra: todo sintoma é antigo, mas não exatamente "velho", tomando esse vocábulo tanto em sua acepção usual "muito idoso" quanto no sentido figurativo - "usado, obsoleto, ultrapassado". O sintoma no singular não passa com o tempo porque se trata de uma resposta do sujeito ao buraco inaugurado pelo recalque originário com seus pontos de fixação. Mesmo que os sintomas, no plural, carreguem diferentes versões no tempo e se atualizam sob os efeitos discursivos de cada época, algo no sintoma permanece fixado e indiferente à passagem do tempo.

Assim, o efeito imediato da afirmativa acima é de retirar o conceito de sintoma de uma categoria ou de um grupo, alinhando-o ao singular, à diferença; algo passível de ser escutado e tratado. A universalidade não permite um tratamento, é uma das lições freudianas. Freud só pode inventar o dispositivo analítico porque soube ler, no sintoma, uma mensagem cifrada trazida por cada sujeito com diferentes sentidos e que só pode ser parcialmente escutada na singularidade do caso. O singular é também efeito da aliança entre sintoma e trauma. O sintoma é "um símbolo mnêmico do trauma", ele é a insistência do trauma e, portanto, carrega em si pontos de fixação efetivos, mesmo que desconhecidos. De onde Freud percebe o caráter conservador do sintoma que, além de constituir-se um entrave a toda tentativa de erradicá-lo, iguala-se à própria neurose. "É como se houvesse no caráter das neuroses um traço conservador que assegura que um sintoma uma vez formado será, se possível, retido, muito embora o pensamento inconsciente a que ele deu expressão tenha perdido seu significado" (Freud, 1905/1972, p. 51).

 

O caráter conservador e atual do sintoma

A leitura que extraímos de Freud, de que no sintoma algo não se erradica e não muda com a passagem do tempo, se alia à tese freudiana da existência de um ganho primário, "interno" e constante no sintoma, envolvendo uma "solução mais conveniente quando há um conflito mental (falamos de uma 'fuga para a doença')" (Ibidem, p. 40). Falar de um "ganho interno e constante" é acentuar um tipo de satisfação, primária e fundamental, com a qual o sujeito se identifica, não quer ou não pode perder. Quer dizer: a satisfação experimentada pelo sintoma ultrapassa em muito qualquer tentativa de reduzi-lo a uma simples resposta. Tal satisfação revela que o sintoma porta a verdade de cada sujeito.

A relação entre sujeito, sintoma e satisfação leva Freud a articular o conceito de "resistência terapêutica negativa"; o sujeito, mesmo queixando-se e sofrendo com seu sintoma, não quer dele se livrar. "E acontece que quem tente curá-lo vê-se com espanto diante de numa poderosa resistência, que lhe ensina que a intenção do paciente de livrar-se de seus males não é nem tão inteira e completamente séria quanto parecia" (Ibidem, p. 41).

O sintoma cumpre uma função e trata-se, inclusive, para o sujeito de uma solução que o possibilita de viver. "Na verdade há casos em que até mesmo o médico deve admitir que um conflito terminar em neurose constitui a solução mais inócua e socialmente mais tolerável" (Freud, 1916-1917/ 1976, p. 446). Essa impecável indicação clínica deixa entrever o cuidado ao se escutar o sintoma, pois, como forma de satisfação aliada ao que foi primariamente marcado, ele é o operador clínico fundamental, que permite ao analista verificar a hipótese do inconsciente em cada análise e não algo a ser extraído. Assim, mesmo que os sintomas sofram novas traduções e sentidos ao longo da vida, eles portam, em seu núcleo, as trilhas pelas quais o gozo foi fixado.

Nessa direção Freud acentua que os sintomas realizam uma fantasia de cunho sexual e de um desejo inconsciente marcados, portanto, por uma fixação libidinal, precursora e condição do recalque. Nessas fixações libidinais se encontram as diferenças estruturais entre as neuroses e as psicoses. Nestas, dado o fracasso do recalque originário, ao invés dos sintomas, podem advir fenômenos elementares e o delírio como tentativa de tratar o real inassimilável, sem nome, mas efetivo.

A relação entre sintoma e fixação libidinal conduz Freud à observação de que certas modificações encontradas no curso da vida, sobretudo na adolescência, na menopausa e na andropausa, com tudo que esses momentos carregam de "elevação libidinal"¹ podem provocar o despertar de inibições, traumas com seus pontos de fixidez, angústia e a irrupção de diferentes sintomas. Quer dizer, se não existem sintomas de velhos, não se pode desconhecer que há efeitos da passagem do tempo sobre o corpo e, portanto, sobre o surgimento de alguns afetos e sintomas.1

Freud indica ainda certa analogia entre as mudanças hormonais femininas e o que ocorre com os homens: "Há homens que têm um climatério, como as mulheres, e que desenvolvem uma neurose de anústia nessa ocasião de potência decrescente e crescente libido" (Freud, 1895/1976, p. 120). O climatério masculino e a angústia advêm de um aumento da "excitação somática" e a incapacidade de resposta pela psique. Entretanto essa elevação libidinal não opera sozinha.

Em Tipos de desencadeamento da neurose (Freud, 1913/1969), ao expor os quatro motivos de desencadeamento da neurose, ele nos deixa teses importantes sobre a função dos sintomas. Um dos motivos, para a emergência destes, refere-se às dificuldades de o sujeito lidar com os limites impostos pelo mundo externo com suas perdas e frustrações. Essa tentativa de adaptação ao mundo implica, por sua vez, certa flexibilidade psíquica para conduzir o inesperado e o grau de facilidade com que cada sujeito consegue fazer substituições intrínsecas ao trabalho de luto. Observa-se, entretanto, que os motivos de "desencadeamento" de sintomas, incluindo a puberdade e a menopausa, não funcionam independentemente dos traços anteriormente marcados para cada sujeito.

Em relação à puberdade e à menopausa, Freud acentua que muitas dessas pessoas, em aparência, nunca ficaram doentes, pareciam conduzir bem a realidade, mas exibem de repente uma dificuldade com esse período específico de suas vidas no qual "a quantidade de libido em sua economia mental experimentou um aumento que em si é suficiente para perturbar o equilíbrio da saúde e estabelecer as condições necessárias para uma neurose" (Ibidem, p. 296).

Se o fator quantitativo não pode ser negligenciado em nenhum dos motivos para adoecer, ele não se refere a uma quantidade absoluta, mas encontra-se na "relação entre a cota de libido em operação e a quantidade de libido com que o ego individualmente é capaz de lidar- isto é, de manter sob tensão, sublimar ou empregar diretamente" (Ibidem, p. 297). Por efeito, sem negar os efeitos das modificações hormonais sobre o corpo, Freud deixa claro que a quantidade de libido posta em ação não opera sem um sujeito com suas fixações libidinais, a força pulsional e, portanto, os traços singulares. Nesse sentido é mencionado, ainda, o papel econômico do sintoma definido por ele como "gozo residual".

Aprende-se com Freud que, se a passagem do tempo tem efeitos sobre as respostas sintomáticas, no núcleo dessas respostas encontram-se fixações primárias alinhadas a pontos de identificação que o sujeito, mesmo não as reconhecendo, não pode abdicar. Não é a velhice que tornaria mais difícil e complexo o tratamento dos sintomas, mas o gozo subjacente a eles. Por essa via em O ego e o Id (Freud, 1923/1976) é afirmado que a reação terapêutica negativa ancora-se em um "perigo" muito primário - que podemos ler como aquele advindo do recalque originário -, que tem como base essas fixações, por isso o sujeito se defende quando se vê ameaçado de perdê-las. "Há certas pessoas que se comportam de maneira muito peculiar durante o trabalho de análise. Quando se lhes fala esperançosamente ou se expressa satisfação pelo progresso do tratamento, elas mostram sinais de descontentamento e seu estado invariavelmente se torna pior" (Ibidem, p. 65).

Essas teses desembocam em uma lógica que liga ainda a "resistência terapêutica negativa" à satisfação obtida no sintoma e o sentimento de culpa precocemente marcado, efeito do supereu. Sob este aspecto vale lembrar (Mucida, 2012, p. 109) que tanto para Freud quanto para Lacan há uma relação direta entre o conceito de supereu e os traços marcados muito precocemente para o sujeito: "o supereu acaba por se identificar àquilo que há somente de mais devastador, de mais fascinante, nas experiências primitivas do sujeito" (Lacan, 1953-54/1983, p. 123). Produto das percepções e impressões sensoriais, algo visto ou ouvido, o supereu é efeito de "traumatismos primitivos, sejam eles quais forem, que a criança sofreu" (Ibidem, p. 123).

Por esse breve percurso nota-se que, se de um lado não há como negar que diferentes encontros com o real, como podem ocorrer na menopausa e andropausa, podem ocasionar a irrupção de sintomas, estes não se universalizam jamais. Não existem com a psicanálise "sintomas de velhos" já que eles se estruturam a partir de pontos de fixações primariamente marcados. Com Freud, podemos dizer que, a despeito de possíveis e contingentes patologias do envelhecimento, não existem sintomas de velhos já que todo sintoma atualiza a verdade incrustada no inconsciente.

 

O real sintomático em Lacan

Sinalizamos em Lacan, também, duas vias principais de análise do sintoma, simbólica e real, e que se tornam mais complexas à medida que ele avança com algumas formulações sobre o Real², levando-o à noção de inconsciente real, enodamento borromeano e sinthoma (sinthome).2

Nos anos 50, vige a ideia de sintoma como retorno do recalcado equivalendo-o ao próprio recalcado. Nesta conjunção, entre o que foi recalcado e seu retorno, reside uma maneira bem freudiana de Lacan unir um conflito atual e um passado presentes no sintoma, ou seja, o significante dado primitivamente "não é nada enquanto o sujeito não o faz entrar em sua história" (Lacan, 1955-56/1985, p. 180). Tese solidária à ideia de que é o analista quem faz o inconsciente existir, apesar de o inconsciente existir antes dele. É o analista que coloca em ato a hipótese do inconsciente e, portanto, opera com a atualidade do sintoma na medida em que busca extrair seu valor de verdade. No entanto, nesse momento de seu ensino, apesar de Lacan não estar desatento ao real concernido no sintoma, a direção do tratamento centrava-se na busca do sentido.

Uma torção é feita ainda no final dos anos 50 quando em Variantes do tratamento-padrão é sublinhado os limites de uma análise calcada no sentido a ser decifrado. Seguindo Freud, Lacan afirma que algo resiste ao sentido e à cura e encontra-se no próprio discurso do sujeito (Lacan, 1955/1998, p. 335), acentuando que a satisfação obtida no sintoma encontra-se ancorada na repetição do inconsciente, ou seja, há um sentido no sintoma que se repete e não se modifica. Assim, oferecer sentido ao que já encontra pleno de sentido é reforçar o sentido do gozo. Se algo não se modifica e se repete, isso implica que a relação entre sintoma, desejo e satisfação é bem mais complexa; há uma excentricidade, uma errância do desejo em relação à satisfação.

Sobre este ponto, vale ressaltar que, mesmo que a velhice imponha limites à realização de alguns desejos, o impossível encontra-se na própria estrutura do sintoma e, portanto, do desejo. De toda forma alguns sujeitos só se deparam com a finitude do desejo quando o limite do tempo se lhes apresenta de maneira implacável. Isso pode implicar tanto a emergência de sintomas e afetos quanto ao surgimento de amarrações inéditas na sustentação do desejo.

Nas relações entre sintoma, desejo e gozo, é pela via do gozo que, anos mais tarde, no seminário A angústia (Lacan, 1962-1963/2005), Lacan relança a ideia de que o sintoma é, por natureza, gozo. Essa aliança entre sintoma e gozo demonstra, de maneira mais radical, a função de amarração do sintoma. Ele não é algo que possa ser extraído em uma análise, jogando por terra qualquer ideia desenvolvimentista de sintoma.

Com Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (Lacan, 1964/1988), tendo em vista o conceito de real, isso que retorna sempre no mesmo lugar, Lacan avança na formalização da imbricação entre sintoma, repetição, gozo, recalque e inconsciente, desembocando na ideia de que há um saber no sintoma que o sujeito sabe que lhe concerne, mas não sabe o que é. O saber é desconhecido - lemos anos depois (Lacan, 1972-73/1985) -, porque se trata de um saber opaco, arredio ao sentido. Há uma verdade primordial, primeira, que acompanha o sujeito, mas que não pode ser tocada por uma análise. Dessa forma, diríamos, há sintomas, no plural, que entram na cadeia significante, tomam diferentes sentidos na historicidade subjetiva, mas há um sintoma, fundamental ou primordial, efetivo e imodificável e que não entra nessa cadeia.

Os diferentes sentidos do sintoma se unem a um sintoma principal cujo sentido encontra-se perdido, mas com o qual o sujeito é intimamente identificado. O caráter conservador do sintoma nos permite ler que, malgrado possíveis patologias supostas à velhice, o sintoma como o nome próprio do sujeito, não se modifica, pois a velhice não traz em cena outro sujeito. Mas, se o sujeito é definido como aquilo que o significante representa para outro significante, ou o significante que "pulou da cadeia", e se o significante encontra-se no campo da representação e do sentido, como destacar aí a fixidez ou o caráter real do sintoma?

Tal questão é mais, propriamente, respondida com algumas formulações dos anos 70, sobretudo com o conceito de parlêtre, ser falante ou 'falasser' que, conforme Lacan, se substitui ao inconsciente freudiano (Lacan, 1975/ 2001). Tese que possibilita reler e avançar com a ideia freudiana de que o inconsciente é o infantil.

De maneira simplificada podemos dizer que existem duas formas de o inconsciente se apresentar; como verdade a ser decifrada, disposto na rede de significação apresentada pelas formações do inconsciente, implicando uma tradução parcial e, o inconsciente Real, falasser, intraduzível. Como efeito da lalíngua³, significantes em "estado bruto", letras, marcas que não se apagam, mas efetivas, o inconsciente real só surge para o sujeito na forma de afetos enigmáticos, desconhecidos e um gozo opaco ao sentido.3

Com essa tese podemos responder parcialmente a questão supracitada: não importa a idade, como seres falantes, somos sempre afetados pela linguagem e pelo inconsciente real efeito de uma língua primária e elementar. Pensar em inconsciente real é supor também a existência de um sintoma fundamental, efetivo e que não pode jamais ser erradicado. É o que se lê em La troisième "A terceira" (Lacan, 1974): o sintoma é "é isso que vem do real", implicando com isso, há algo que não anda bem, retorna sempre ao mesmo lugar e resiste a ser dissolvido. O sintoma é, portanto, "o modo de cada um gozar do inconsciente à medida em que o inconsciente o determina (Ibidem).

Não se pode, pois, afirmar que a velhice modificaria, por si só, a satisfação obtida no sintoma. No entanto, alguns sujeitos se valem de algumas patologias mais comumente encontradas na velhice como forma de gozo já existente; a velhice passa o álibi para tudo que não funciona bem na vida tecendo, muitas vezes, um laço que leva o sujeito ao pior a partir de um fatídico diagnóstico "sintomas de velhos". Na clínica é comum encontrar esse tipo de laço e trazemos uma vinheta como índice de reflexão.

Ana chega para a primeira entrevista trazendo uma série de sintomas: depressão, ansiedade, dores no corpo e com o diagnóstico médico de "síndrome do pânico". Sobre isto, afirma que desde que completara 65 anos começaram os temores de que algo "muito ruim estava prestes a acontecer". Descreve o surgimento de alguns sintomas dois anos antes de completar essa idade; associada desde a tenra idade à velhice, ao surgimento de várias perdas e sintomas, bem como a "idade para a morte". Diante de um destino tão funesto, planejou sua vida de forma a viver o máximo possível, ter um bom emprego, viajar muito e aposentar-se bem cedo para ficar quieta em casa. No paradoxal, entre viajar muito e ficar quieta, Ana acaba por ver-se, depois de aposentada, em casa, sem nenhum projeto e sem saber como aproveitar o tempo livre tão almejado por ela, passando a ocupá-lo com pensamentos torturantes sobre todas as escolhas feitas na vida. Culpa e arrependimento tomam a cena impedindo-a de "viver bem". Se na velhice é comum encontrar uma relação entre perda de muitos ideais e o domínio tirânico do supereu sob a forma de observar e criticar, com efeitos de agressividade, sobretudo sobre o próprio corpo, com surgimento de sintomas como punição ao que se desconhece, (M ucida, 2012, p. 110), a raiz do supereu e seus efeitos só podem ser verificados no singular de cada caso.

Dos paradoxos que ligam o desejo ao gozo, esse sujeito traz no curso da análise, e que fora colocado já no primeiro encontro, junto ao desejo de aposentar-se e viver intensamente, uma associação direta entre aposentadoria, velhice, morte, solidão e abandono, encontrados no curso de sua vida desde muito nova, quando ela se via só e sofrendo no seio de uma grande família, onde a regra era "trabalhar muito, sem pensar, para depois descansar". Como resposta a esse real inassimilável, mas sem tratá-lo, Ana adquire, em pouco tempo, o que ela nomeia de "sintomas de velhos: artrose nos joelhos, na coluna, dificuldades motoras, dentre outros sintomas. Reconhece que, para ter direito a uma vida "plena", correu a vida toda. Diante da pergunta para onde ela corria, responde sem vacilar: "Seria para a vida ou para a morte? Será que vivi tentando driblar a morte?"

O corte no tempo da análise, fora do relógio e que ela não podia controlar, inaugura um intervalo entre velhice e morte, onde ela é obrigada a se incluir por meio de uma cadeira significante que a leva a outra velhice; aquela vivida por meio da avó. Esta, malgrado a fragilidade física, mostrava-se como alguém forte e que mantinha sonhos; histórias que ela escutava e pensava um dia poder realizar. A perda dessa avó ainda nova - não sabe precisar a idade, mas imagina que ocorrida antes dos seus 60 anos -, surge como um corte doloroso e ela se vê sem saídas diante da árdua vida familiar. Salienta que, talvez, tivesse suposto, mas sem o saber, que a realização dos sonhos contados pela avó só aconteceria na velhice, mas é o momento em que ela vive também o corte do Real, marcando o impossível. A velhice coloca-se então entre o realizável e o impossível da realização, impondo à direção do tratamento uma atualização do que se deseja e que os sintomas vêm também denunciar.

Esse fragmento nos ensina que os sintomas descritos como próprios à velhice não se constituíram sem a presença de algumas marcas importantes na vida desse sujeito. A velhice é um significante que encontra alguns desdobramentos na cadeia então constituída e da qual o sintoma se inscreve como uma reposta e uma interrogação. Trata-se de sintomas que, ao contrário da ideia de "doença" prevalecente no discurso médico, não podem ser erradicados. O analista só pode operar tendo em vista seu caráter de singularidade.

Falar de singularidade do sintoma nos permite, ainda, avançar com Lacan no conceito de sinthoma. A retomada dessa velha ortografia parece ter sido uma estratégia lacaniana para introduzir algo novo em sua concepção de sintoma, malgrado encontrar-se ao longo do seminário dedicado a esse conceito (O sinthoma), o uso por vezes indiscriminado dos vocábulos sintoma e sinthoma. Sem nos adentrarmos nesse debate, salientamos apenas alguns pontos que nos parecem ainda essenciais à análise que depreendemos sobre a fixidez do sintoma e os efeitos do real aí incrustado.

O conceito de sinthoma radicaliza a ideia de que todo sintoma é sempre singular e como singular ele é uma resposta, possível e contingente, de cada ser falante diante do Real. Ao defini-lo como o quarto elemento que permite enodar o real ao simbólico e ao imaginário de forma a mantê-los juntos, Lacan associa-o à ideia de um savoir y faire, um "saber fazer" alguma coisa com o real que delimita o impossível, assim como abre ao ser falante a impossibilidade de que tudo possa ser nomeável. Há algo fora do sentido que cada ser falante tenta responder por meio de seu sinthoma.

Como enlaçamento específico entre Real, Imaginário e o Simbólico, Lacan deixa entrever um enlaçamento sintomático específico também às psicoses. Ou seja, trata-se de um conceito operante também para as psicoses, desde que consideradas suas especificidades. Dessa forma, enquanto o irredutível do sinthoma nas neuroses, como afirmado, é um efeito da operação do recalque originário fundando um sintoma fundamental e irredutível, o mesmo não ocorre nas psicoses. Impera nesta estrutura um fracasso do recalque originário provocando um erro específico no enodamento entre o Real, o Imaginário e o Simbólico. Na paranoia, por exemplo, Lacan discerne um tipo de nó no qual os três registros se igualam.

Entretanto, como nos ensinou Joyce, o psicótico pode inventar um sinthoma, corrigindo o erro advindo da falha do recalque originário. Como analisa Lacan, Joyce inventou um artifício, sua arte, tratando, a seu modo, a carência paterna. Ele pode construir um ego, tendo como suporte sua escrita e sua publicação. Por meio de sua escrita, ele construiu um ego, mas é com a publicação que Joyce cria um nome, "James Joyce", e um sinthoma que serviu de anteparo a um desencadeamento psicótico. Mas o sinthoma de Joyce é específico a Joyce. Podemos dizer que ele soube muito bem se valer de seus traços ou dons singulares, pois, como indicou Lacan "o sinthoma se caracteriza justamente pela não equivalência" (Lacan, 1975-76/2007, p. 98), indicação que reforça a tese do sintoma, marca fundamental que constitui cada ser falante. Cada um inventa seu sinthoma com os recursos que lhe são próprios, ideia que reforça ainda mais a inexistência de sintomas de velhos.

Com a noção de parlêtre Lacan reafirma, por sua vez, a ideia de uma origem perdida, porque inassimilável, mas efetiva para cada ser falante e que se encontra no cerne de toda resposta sintomática. Em sua resposta a Marcel Ritter, ele acentua:

É pelo fato de ter nascido desse ventre (...) isto que eu designo pelo nome de Parlêtre, que se encontra ser outra designação do inconsciente, bem nascido de um ser que o desejou ou não o desejou, mas que por este único fato o situa de certo modo na linguagem, que um Parlêtre se encontra excluído de sua própria origem (Lacan, 26/01/75).

Há, assim, um real para além do real da metáfora paterna constitutiva da posição subjetiva. Como esclarece Porge (2010), "um real escapa à metáfora e é apreendido pelo sujeito como retorno daquilo que está excluído do saber sobre ele mesmo" (PORGE, 2010, p. 25 ). É do encontro entre o Real, o singular do falasser e a contingência que nós, analistas, colocamos questões que atravessam o curso de uma análise:4

(...) do que aquele sujeito particular se serviu para tratar esse real? Como essa escapada a que corresponde todo discurso foi subjetivada? Ou ainda: como ela se tornou letra a ser transmitida (...). Pode ser que o real não possa ser mais bem fundamentado, pois o que temos como referente é apenas a escapada a que corresponde todo discurso. Trata-se agora de um "desaparecência, uma despareciência, como cunhou Lúcia Castelo Branco (2003). Entretanto, é com essa impossibilidade que temos de nos virar (P into, 2008, p. 147).

O real do Parlêtre é a fórmula lacaniana mais radical e precisa para afirmar a presença de um umbigo, uma cicatriz ou o ponto fixado que impede ao falasser ter acesso ao seu ser. Impossibilidade que sublinha também, conforme lemos com Freud, os efeitos dos primeiros traços na vida de cada sujeito.

Algumas consequências podem ser destacadas das teses abordadas. Não existe uma forma homogeneizada de envelhecer, a despeito de todas as modificações que incidem diretamente sobre o corpo, pois há um ser falante que não envelhece. Isso nos leva a pensar no paradoxo presente em geral nos discursos ligados à área médica e que se ocupam da velhice. De um lado vige uma ideia utópica de saúde e de uma velhice sem sintomas e, de outro, uma tendência a diagnosticar alguns sintomas que possam surgir a partir de determinada idade como oriundos ou efeitos apenas da velhice. Lembramo-nos que Freud ao destacar em "O problema econômico do masoquismo" (Freud, 1924b/ 1976, p. 201) que o princípio de Nirvana (tendência do aparelho psíquico em manter mais baixo o nível de excitação) encontra-se a serviço da pulsão de morte, inaugura outra maneira de se conceber a saúde, contrária à ideia do silêncio dos órgãos. Os sintomas, pelo contrário, constituem-se uma resposta ao mal-estar e aliam-se aos investimentos libidinais.

Na contramão dessa maneira de operar com os sintomas, o discurso médico atual ao interpretá-los como patologias, inaugura, em torno da velhice, um amplo mercado de tratamentos e serviços. Como destaca Pinto (2008), "O médico atual é, hoje, um técnico em procedimentos específicos. Se antes as restrições inerentes à estrutura do discurso médico já dificultavam um atendimento personalizado, hoje ele é impossível. Todo procedimento está previamente determinado pelos protocolos" (Ibidem, p. 143-144). E isso atinge os idosos de maneira mais suntuosa já que vige um conceito de velhice extraído da subjetividade.

É comum escutar de alguns sujeitos que a sensação de velhice adveio depois de uma consulta médica. De maneira literária Garcia Márques (2005) nos descreve um episódio.

Nunca pensei na idade como se pensa numa goteira no teto que indica a quantidade de vida que vai nos restando.(...) Comecei a me perguntar quando tomei consciência de ser velho, e acho que foi pouco antes daquele dia. Aos quarenta e dois anos havia acudido ao médico por causa de uma dor nas costas que me estorvava para respirar. Ele não deu importância: é uma dor natural na sua idade, falou. -Então- disse eu- o que não é natural é a minha idade (Ibidem, p. 12-13).

Outra consequência importante a ser destacada das teses anteriormente explanadas é a distinção entre sintoma antigo, no sentido de primordial e "sintoma de velho". Mesmo que os sintomas inaugurem outros sentidos ao longo da vida, sofram efeitos dos discursos e constituam-se também em respostas ao mal-estar de cada época, em todo sintoma persiste algo singular e fundamental. Por isso, não há como calá-lo, a despeito de todas as tentativas comuns em nossa época de tentar calar tudo que denuncia o furo presente na relação do sujeito com o objeto. O real insiste e retorna no mesmo lugar denunciando o fracasso de todos os discursos em apagá-lo. É com isso que a psicanálise pode operar.

É interessante ainda lembrar que um dos sintomas atuais muito presentes entre idosos, o laço excessivo com a medicação, porta, como todo sintoma, uma mensagem cifrada por meio de uma cadeia metonímica que, impedindo muitas vezes que o diagnóstico médico se efetue, tem como efeito, no melhor dos casos, a demanda de uma escuta. Imperando a doença, em detrimento do valor de verdade do sintoma, impera a ausência de implicação subjetiva e um mau tratamento ao real da velhice.

Com a psicanálise, podemos afirmar que a ideia de "patologias da velhice" tem como efeito desresponsabilizar o sujeito naquilo que o concerne. Tomados como "patologias" os sintomas não podem ser subjetivados e sem isso não há implicação subjetiva com o mal-estar e a satisfação obtida, não há maneiras de o sujeito "saber fazer" com o real. Todos os sintomas apresentados na clínica como "coisa da velhice", a despeito de possíveis relações com a passagem do tempo, quando analisados, exibem uma maneira de gozar precocemente marcada e uma maneira singular de se sustentar no mundo e que deve ser escutada. Mesmo em casos de graves patologias como no Mal de Alzheimer percebemos que o sujeito tenta fazer algum uso da lalíngua, primeiras letras marcadas e deixadas no curso da linguagem, como forma de tratar o desenlaçamento dos tempos e da memória.

Dessa forma, podemos afirmar que não existe tratamento possível à velhice concebida como um "mal natural". Essa ideia geral e trágica de velhice leva muitos sujeitos a respostas sintomáticas que só tendem a aguçar os efeitos do envelhecimento; deixam de se cuidarem, desenlaçam-se da vida e tecem sintomas com os quais o corpo leva a pior. Sem responsabilização subjetiva, a tendência é o agravamento dos sintomas, detalhe importante na direção do tratamento, sobretudo, quando se escuta idosos acamados. Aprendemos com Freud que o trabalho conjunto das pulsões de vida e de morte dirige-se a favor da economia libidinal, enquanto a desfusão pulsional é comum em muitas formas de regressão e de agravamento sintomático. Ao se desresponsabilizar daquilo que lhes concerne, muitos idosos fazem um casamento infeliz com a pulsão de morte, com o predomínio de um gozo opaco ao sentido que, sem entrar na cadeia subjetiva, acarreta além do aguçamento sintomático, a irrupção da angústia e inúmeros afetos enigmáticos.

Se o sintoma é uma manifestação do inconsciente, é a presença do analista que determina a forma como ele se apresenta. Dessa forma, podemos afirmar que o analista não escuta idosos, mas sujeitos que falam, em especial, por meio de diferentes respostas sintomáticas. O analista escuta o ser falante com seus afetos enigmáticos e um gozo opaco que necessitam se aliar a algum índice da cadeia de sentido. Só escutando as diferentes maneiras de o real se apresentar torna-se possível tratar as diferentes modificações decorrentes da velhice. Na direção do tratamento, não importa a idade, cabe ao analista inventar artifícios para ensinar "o analisante a emendar, a fazer emendas entre seu sinthoma e o real que parasita seu gozo (Lacan, 1975-1976/ 2007, p. 71).

 

 

Referências

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Artigo recebido em: 27/08/2013
Aprovado para publicação em: 12/12/2013

Endereço para correspondência
Angela Mucida
E-mail: angelamucida@gmail.com
Jeferson Machado Pinto
E-mail: jmachadopinto@gmail.com

 

 

*Psicanalista, analista membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. doutora em Psicologia/Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG (Belo Horizonte-MG-Brasil), autora dos livros, O sujeito não envelhece: psicanálise e velhice e Escrita de uma memória que não se apaga: envelhecimento e velhice.
**Psicanalista, doutor em Psicologia/Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG (Belo Horizonte-MG-Brasil), prof. do Programa de pós-graduação em Psicologia/Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG (Belo Horizonte-MG-Brasil), autor do livro Psicanálise, feminino, singular.
1A propósito, Freud ([1895], 1976, p. 130) sinaliza que "O horror que, na época da menopausa, a mulher em processo de envelhecimento sente diante do aumento indevido de sua libido, pode (...)" pode acarretar o surgimento da angústia. Mais tarde, (Freud [1937], 1975, p. 258), a questão é retomada: "Duas vezes no curso do desenvolvimento individual certas pulsões são consideravelmente reforçadas: na puberdade e, nas mulheres, na menopausa.(...) Quando suas pulsões não eram tão fortes, ela teve sucesso em amansá-las, mas quando são reforçadas, não mais pode fazê-lo. (...) Tais reforços podem ser estabelecidos por novos traumas, frustrações forçadas ou a influência colateral e mútua das pulsões." (Freud [1937], 1975, p. 258)".
2O conceito de real tem diferentes desdobramentos no ensino de Lacan, especialmente após os anos 70. Salientamos duas maneiras principais que se entrelaçam. Tomado pela categoria do impossível, o real remete ao trou (buraco) do recalque originário (Urverdrängung), "é o apagar de todo sentido (...) é absolutamente impossível dizer inteiramente esse Todo-outro, há uma Urverdrängung" (Lacan, 17\12\74). Concebido como fora do sentido, o Real não faz acordo, não tem ordem e é algo do qual estamos separados. "O verdadeiro real implica a ausência de lei" (Lacan, 1975-76/ 2007, p. 133). Ele é, pois, irrepresentável e surge como um acontecimento que não se decifra, implicando com isso um gozo opaco ao sentido. O real fora do sentido só pode ser parcialmente articulado, tomado como ex-sistência ao enodar-se ao simbólico e imaginário.
3A lalíngua (lalangue) é um neologismo utilizado por Lacan para distinguir a língua enquanto código de uma língua mais fundamental e arcaica, constituída de significantes em estado bruto que se fixam e não se apagam, mas são incapazes de formarem uma cadeia. À lalíngua se associa a ideia de um inconsciente Real que, diferentemente do inconsciente das formações do inconsciente não entram na cadeia de sentido. Seguindo a indicação de Haroldo Campos: "alíngua, poderia significar carência de língua, de linguagem, como alingüe seria o contrário absoluto de plurilíngue, multilíngue, equivalendo a deslinguado". Ora, L alangue, pode-se dizer, é o oposto de não-língua, de privação de língua" (Campos, 1989, p. 8). Campos, H. O afreudisíaco Lacan na galáxia de lalíngua (Freud, Lacan e a Escritura). Recuperado em 23/05/2010 de, <http://www.inabima.org/BibliotecaINABIMA/A-L/H/HaroldoCampos.br>.
4Tradução nossa. No original: Un réel échappe à la metaphore et s'appréhende pour le sujet comme un retour de ce qui est exclu du savoir sur lui-même.

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