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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

On-line version ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.37 no.33 Rio de Jeneiro Dec. 2015

 

ARTIGOS

 

O adolescente e o encontro com os impasses do sexual

 

The adolescent and the encounter with the impasses of sex

 

 

Anna Carolina Lo BiancoI*; Erimaldo NicacioI**

IUniversidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tem por objetivo discutir a adolescência a partir da psicanálise. Esta fase é abordada como o tempo de enfrentar as exigências estruturais que estão em jogo na constituição do sujeito, sobretudo no que se refere à injunção ética de assumir seu lugar na identificação sexual e na escolha de objeto. A adolescência surge, no mundo moderno, como uma experiência de transição para a vida adulta, na qual o sujeito deveria se preparar para ocupar um lugar no mundo do trabalho. No entanto, isso mudou na medida em que a cultura contemporânea incita o jovem a exercê-la livremente. Conclui-se que o hedonismo de massas, promovido na cultura, tem o efeito de evitar o encontro com o desejo e a dimensão da castração que ele implica.

Palavras-chave: Adolescência, Psicanálise, Sexualidade, Cultura, Freud, Lacan.


ABSTRACT

This article aims to discuss adolescence from psychoanalysis approach. Adolescence is addressed as a specific way of dealing with the structural requirements that are at play in the constitution of the subject, especially with regard to ethical injunction to take his place on gender identity and object choice. Adolescence appears in the modern world, as a experience of transition to adulthood in which the subject should prepare to occupy a place in the working world. Only from this is that it becomes able to assume their sexuality within marriage. More recently, however, the culture does not ask for more than the repression teen sexual drive, but the urges to exercise it freely. It concludes that the mass hedonism promoted by culture has the effect of avoiding the encounter with the desire and the castration it entails.

Keywords: Adolescence, Psychoanalisis, Sexuality, Culture, Freud, Lacan.


 

 

Nos incontáveis estudos que se dirigem à adolescência, tomando-a como objeto de investigação nos dias atuais, talvez uma asserção se destaque e mereça ainda outra vez a atenção: não se trata de uma fase natural do desenvolvimento, em que pese a observação do senso comum de que qualquer impasse que aí se apresente seja remetido à ebulição dos hormônios. É certo que as transformações fisiológicas estão presentes e não deixarão de ter consequências importantes, particularmente quanto à sexualidade e quanto à identidade. Isso nos faz admitir que haja um encontro com o real do corpo e do sexo. No entanto, o que se faz com este encontro resta inteiramente apreendido nas malhas da cultura em que ele se realiza. Logo, diz-se que a adolescência é um fenômeno recente, culturalmente falando, podendo ser remetido à instalação da sociedade burguesa (ARIÈS, 1981). Os recursos da psicanálise nos permitem apreender a adolescência não apenas na dimensão de um corpo biológico sujeito a mudanças e nem somente a sua dimensão de locus de incidência da cultura. Ela nos dá as condições de reconhecer, na adolescência, um momento de encontro com as transformações do corpo e com a irrupção do desejo sexual, colocando, para o sujeito aí em questão, a injunção de tomar lugar na partilha dos sexos com as consequências culturais daí decorrentes.

Portanto, o presente artigo tem por objetivo mostrar que a adolescência, não sendo natural, constitui-se como uma resposta ao dado de estrutura que é o encontro com o real do sexo e do corpo, levando em consideração que este encontro no falasser1 se realiza pela via da castração. Veremos, mais adiante, o quanto o declínio das referências mítico-rituais, que balizavam a passagem da infância para a vida adulta, no mundo antigo e nas sociedades tribais, abriu caminho para a experiência da adolescência. Esta surgiu no mundo moderno como uma fase de preparação para a vida adulta, num longo percurso, no qual se colocava a injunção do recalque da sexualidade, que só poderia ser exercida no momento em que o jovem assumisse um lugar no mundo do trabalho. Assim, o desejo era colocado em segundo plano (MELMAN, 1997, 2000 e 2001).

Freud (1923, 1924, 1925 e 1931) descobriu que a conquista da sexualidade para todo falasser passa pela operação da castração. É um mundo em que a cultura não é mais regida pelas configurações mítico-rituais. Freud pôde inventar o mito de Édipo como uma forma de circunscrever o advento do sujeito no campo do desejo sexual, o que implica uma tomada de posição ética diante da perda e do enigma que são constitutivos deste campo.

No mundo contemporâneo, a exigência de recalque já não pesa mais sobre os jovens, pois o que a cultura prescreve, agora, para todos, é o levantamento do recalque e, com isso, a "livre expressão" da sexualidade. No entanto, nesta aparente liberdade, pode-se indagar se não está aí implicada uma tentativa de se evadir do desejo e da perda implicada nele por estrutura.

 

A castração, ainda

Quando se trata de considerar a instalação do sujeito em relação ao sexo, na psicanálise, fazemos recurso ao conceito de castração (FREUD, 1925, 1931; LACAN, 1966ª e 1999). Mesmo levando em conta os avanços da teorização, que remetem a problemática da sexualidade a outras formulações, consideramos que o complexo de castração nos dá o acesso necessário para examinarmos, com precisão, a passagem implicada na adolescência. Partimos então da afirmação de Lacan (1998/1966ª) que, ressaltando a função de nó do complexo de castração, vê nela uma operação que não, apenas, diz respeito à estruturação dos sintomas em cada estrutura clínica. Ela também - e este é o ponto que nos interessa enfatizar - tem implicação na instalação do sujeito como sujeito ao sexo. Na verdade, o que se passa na esfera dessa tomada de posição quanto ao sexo, dá a razão para a estruturação mesma do sintoma e, portanto, não é sem um lugar determinante na própria estrutura clínica.

No entanto, Lacan (1966ª) encontra, na função exercida pela castração, uma antinomia e se pergunta por que ela se faz necessária: "existe uma antinomia interna na assunção de seu sexo pelo homem (Mensch): por que deve ele assumir-lhe os atributos apenas através de uma ameaça ou até mesmo sob o aspecto de uma privação" (LACAN, 1966ª, p. 692)? Localiza, nesta descoberta freudiana, uma aporia que não pode ser teorizada com base em dados biológicos. E isso é demonstrado pelo fato de Freud ter necessitado construir um mito edípico para dar conta desta conquista da sexualidade. E é levando em consideração a relação do sujeito com o falo, que não depende exclusivamente da diferença anatômica entre os sexos, que Lacan aborda esta aporia. Acompanhar o encaminhamento de Lacan a propósito da castração, do falo e do Nome-do-Pai, nos permitirá examinar o que está implicado nessa tomada de lugar, pelo adolescente, de onde virá a se exercer como ser sexuado.

Vemos que Lacan acentua o que foi um achado de Freud e que dirá respeito ao valor do falo, que aqui não se confunde com o pênis. Esta função dependerá de que tenha sido alçado, suspenso (aufgehoben) à dimensão de significante que representa o sujeito. Vale dizer, o falo é um objeto imaginário cuja função de significante e, como tal, tem a propriedade de vir a representar o sujeito - justamente o sujeito do desejo. Trata-se no complexo de castração, então, da ameaça de perda ou de privação deste objeto e aí talvez a antinomia apontada por Lacan: é só por meio desta perda que o falasser (LACAN, 1966ª) terá acesso ao gozo sexual. Ao gozo, no exercício do qual virá a se exercer como sujeito sexuado.

O falo como significante, neste ponto da teorização psicanalítica, terá um estatuto particular, por sua função de ser a marca dos efeitos do significante no falasser. Este terá sua existência, aquela que, como vimos, poderia se supor natural, subvertida por ser efeito da incidência do significante, isto é, efeito de linguagem. Lacan (1966ª) diz que o falo é o significante dos efeitos de significado, na medida em que tais efeitos são condicionados pelo significante, ou seja, surgem como significados por serem sujeitos ao significante, que lhes determina enquanto tais.

Melhor dizendo, esta proposição nos mostra que a existência do falasser não se organiza como um sistema de signos em que a cada palavra corresponde uma coisa definida. Se assim fosse, no laço social estaria tudo resolvido, a cada coisa corresponderia sua palavra e a comunicação se daria sem equívocos. Sendo assim, o falo se torna marca da subversão que o significante introduz no desejo humano. Retira-o do campo da necessidade, afastando-o do que seria uma regulação instintiva. Nesta, a satisfação é obtida, sempre e adequadamente, com o mesmo objeto. Ao invés disso, como Freud (1905) mostrou desde cedo, quanto ao desejo humano não há um meio único de satisfazê-lo. Em decorrência do fato de falar, o sujeito humano encontra-se alienado do que seriam as necessidades. Desde que é tomado na rede significante, sua satisfação se articula em uma demanda, isto é, através de um pedido endereçado ao outro. E, neste ponto mesmo, em que a fala veicula uma demanda, por nunca ser ela passível de ser atendida completamente, algo escapa. Aí se localiza o desejo. Portanto, vemos uma hiância entre demanda e desejo. Este não se reduz a uma demanda que pode ser atendida.

É preciso passar pelas elaborações que nos mostram a constituição do sujeito para que possamos situar as circunstâncias enfrentadas por um adolescente, que virá a ser um adulto. Vimos, até aqui, a importância, para considerarmos os fenômenos da adolescência, da submissão do sujeito à rede significante - esta que tem na instalação do falo o seu pilar. Impõe-se a necessidade de examinarmos como se dá a referida submissão do sujeito à linguagem, bem como sua relação com o falo que lhe confere as condições para que ocupe seu lugar de sujeito no campo do significante. A ideia de submissão ao falo é aqui essencial para que haja a possibilidade de se responder pelas condições para que o sujeito venha a se exercer como sujeito ao desejo, em relação com a cultura na qual se constitui e na qual toma lugar.

Lacan (1999) usa o conceito de Metáfora Paterna para se referir a uma operação que leva à instituição de uma ordem significante, a qual fica "guardada em reserva" e mais tarde terá uma significação desenvolvida a partir daí. O que ressalta é sobretudo a incidência da ordem simbólica no sujeito.

Utiliza-se, neste ponto, das injunções do encontro entre os sexos para falar como a criança, investida pelo desejo da mãe, interroga-se sobre o que é este desejo para ela. Na medida em que o desejo da mãe é perpassado pela ordem simbólica comandada pelo falo, a criança se reconhece como objeto desse desejo. E nisso Lacan rompe com as abordagens psicanalíticas que se estruturam em torno da relação mãe-bebê, pois para ele, diante da mãe, a criança não está sozinha. Há o falo que representa um terceiro, a ordem simbólica que organiza a relação entre a mãe e a criança, a partir da qual o sujeito advirá.

Pela intervenção do Nome-do-pai a criança é desalojada deste lugar. No lugar do desejo da mãe aparece a função do pai como aquela que interdita a mãe para a criança, ao mesmo tempo em que a priva de estar numa relação direta com o filho. É por isso que Lacan diz que o pai é uma metáfora. A emergência de um sujeito, no desejo sexual, só é possível a partir de uma operação de linguagem, na qual se realiza uma substituição significante, isto é, o desejo da mãe é substituído pelo Nome-do-pai. Portanto, o pai não vem simplesmente interditar o desejo, pois é ele mesmo que dá condições para a emergência do sujeito desejante. Trata-se de uma injunção em si mesma paradoxal, pois só há desejo na medida em que um sujeito emerge como tendo se submetido a este corte introduzido pela função paterna.

Por haver sofrido a incidência do corte, a criança passa a ver no pai aquele que tem o que a mãe deseja, o falo que lhe confere a potência e a condição de desejante. Este corte desaloja a criança do sonho de ser o falo, momento em que passa a se confrontar com a questão de ter o falo. Sua posição frente a este 'ter o falo' será determinante de sua sexualidade. Como Freud (1931) declarava, a psicanálise não pode dizer o que é um homem ou o que é uma mulher, mas pode dizer algo sobre como o sujeito se posiciona frente à divisão dos sexos.

É importante assinalar que o acesso à sexualidade não abre simplesmente um caminho para a satisfação. A fim de dar conta do fato estrutural de que a sexualidade do falasser não está submetida a uma regulação instintiva ou mesmo simplesmente ao princípio do prazer, Lacan (LACAN, 1998/1966b: 836) introduz o conceito de gozo, que é esse "além do princípio do prazer" que define a existência do sujeito como falha.

Diz Lacan: "Aquilo a que é preciso nos atermos é que o gozo está vedado a quem fala como tal, ou ainda, que ele só pode ser dito nas entrelinhas por quem quer que seja sujeito da Lei, já que a lei se funda justamente nessa proibição (LACAN, 1966b)". É, portanto, essa interdição do gozo que o torna acessível apenas no campo do discurso. O gozo não se confunde com uma energia difusa, um afeto, mas é algo que aparece 'entre-ditos'.

E acrescenta esta observação:

Mas não é a Lei em si que barra o acesso do sujeito ao gozo; ela apenas faz de uma barreira quase natural um sujeito barrado. Pois é o prazer que introduz no gozo seus limites, o prazer como ligação da vida, incoerente, até que uma outra proibição, esta incontestável, se eleve da regulação descoberta por Freud como processo primário e pertinente lei do prazer (LACAN, 1966 b, p. 836).

O acesso do sujeito ao gozo se dá em perda, já que, por um lado, o próprio prazer impõe limites ao gozo. Por outro, a proibição do gozo é o fundamento da lei que, por sua vez, produz um sujeito barrado. Lacan, neste mesmo texto, situa o falo como o símbolo do gozo, como o que dá corpo ao gozo, na medida em que este é proibido. E é na operação simbólica da castração que se marca o sacrifício que eleva o falo à dimensão de significante desse gozo que se exerce como falha, como perda.

Por conseguinte, o sujeito é um efeito que emerge na fala, abolido pela barra do falo, isto é, submetido a essa barra.

 

A marca de uma passagem

Tendo atravessado e se constituído na operação da castração, ou seja, na submissão à ordem fálica, o adolescente entra no período de latência, no qual as pulsões encontrarão certo apaziguamento. Num momento posterior, ele será confrontado com o real das transformações do corpo e da irrupção do sexo.

Se, no período de latência, o real do corpo e do sexo está silenciado, obturado, na adolescência, ele começa a se mexer e retornar para o sujeito. Após o período de latência, o corpo toma então a dianteira, sob o primado das zonas genitais. É quando o sujeito vê a sua sexualidade se cristalizar e se vê confrontado ao dever de assumir sua identidade sexual e suas escolhas de objeto (BALBO, 2001). Em outras palavras, o adolescente encontra-se com a "re-edição da castração" (SOLBERG, 2010, p. 52) que exige essa tomada de posição, entendida como um dever ético de assumir seu lugar no desejo e na identificação sexual. Trata-se, pois, de uma injunção estrutural que impõe ao sujeito uma decisão acerca de seu lugar no sexual.

O que chama atenção, no entanto, é que cada cultura organiza formas específicas de responder a essa injunção estrutural de assumir o próprio sexo. A passagem da infância à vida adulta se realiza, em nossa cultura, de uma forma muito específica, encarnada, como estamos vendo, no que se chama adolescência. No entanto, trata-se, como afirmamos, de uma experiência recente. A pesquisa de Van Gennep (1988) sobre os ritos de iniciação nos dão subsídios para verificar que nas sociedades tribais ou nas configurações mítico-rituais, como Lacan (2009) prefere designá-las2, não existia a adolescência. A saída da infância e entrada na vida adulta era mediada por ritos de iniciação, nos quais o jovem participava de uma série de práticas rituais que visavam separá-lo do núcleo familiar e agregá-lo ao mundo dos adultos. Nestes rituais, os jovens eram submetidos a mutilações, pinturas, flagelações e também a certas restrições tabu. Encenava-se a sua morte - marcando assim uma ruptura com a infância - e seu posterior renascimento para a vida adulta. A partir daí seu status social mudava: deixavam de ser crianças e se tornavam homens e mulheres.

É possível ver aí como, nestes ritos, imprime-se uma marca que produz algo novo, que produz um sujeito e sua relação com o desejo. A castração é, portanto, uma marca que modifica o desejo. A perda do falo como objeto imaginário impõe ao sujeito sua inscrição na identificação sexual. Lacan (1999) diz:

Insisto neste caráter de marca. Aliás, fora da análise, em todas as suas manifestações interpretativas ou significativas, e certamente em tudo o que a encarna em termos cerimoniais, ritualísticos e sociológicos, a marca é o sinal do que sustenta a relação castradora cuja emergência antropológica a psicanálise nos permitiu perceber (Lacan, 1999, p. 320).

É possível, com algumas indicações da psicanálise, afirmar que as inscrições feitas no corpo, por ocasião destes rituais, libidinizam o corpo, isto é, o constituem, ao mesmo tempo que dão lugar ao sujeito no social. Ao retomar o conceito freudiano de libido, no Seminário 11, Lacan (1990) o define como um órgão irreal, que se encarna. Lacan afirma:

Eu lhes dou já sua materialização. Uma das formas mais antigas de encarnar, no corpo, esse órgão irreal, é a tatuagem, a escarificação. O entalhe tem muito bem a função de ser para o Outro, de lá situar o sujeito, marcando seu lugar no campo das relações do grupo, entre cada um e todos os outros. E, ao mesmo tempo, ela tem, de maneira evidente, uma função erótica, de que todos aqueles que abordaram sua realidade se aperceberam (LACAN, 1990, p. 195)

Quando afirma que a marca é o sinal do que sustenta a relação castradora, ele mostra como, nos ritos da puberdade, o grande Outro imprime uma marca que dá um lugar ao sujeito. No entanto, isso não se realiza sem que o sujeito dê provas de que algo aconteceu na sua vida, em temos de uma passagem. Há um corte que se opera com a intervenção do Outro fazendo advir um sujeito que se faz representar por determinados significantes, que marcam sua posição de adulto. É a libra de carne que é preciso perder para que um sujeito possa nascer. E essa marca, como atesta a citação acima, tem uma função erótica, na medida em que a libido se encarna no corpo através dela.

 

O advento da adolescência

Segundo a proposta de Melman (2000), no texto O que é um adolescente?, este é um sujeito que atingiu a maturidade sexual, sem que a família e o meio social reconheçam essa maturidade. O adolescente, diante das transformações do corpo e da irrupção do sexual, não encontra, no campo social, a legitimidade simbólica para se exercer como sujeito sexuado. Como afirmamos, anteriormente, esse fenômeno é recente e surgiu com o desenvolvimento da sociedade burguesa. Até o século XIX, após terem passado pela puberdade, os jovens assumiam responsabilidades na sociedade e no casamento. Como vimos anteriormente, nas sociedades tribais, e mesmo em outros momentos históricos, na própria sociedade ocidental, a passagem da infância para a vida adulta não se dava sem o suporte simbólico e material para que os jovens pudessem se exercer no campo do desejo (MELMAN, 2000).

No mundo moderno, esta passagem para a vida adulta deixou de se realizar por um ritual localizado no tempo e se tornou uma longa preparação, visando à formação do futuro agente econômico. Esta preparação encontrou uma instituição social específica - a escola (ARIÈS, 1981). No período medieval, a escola era uma instituição de formação religiosa para um grupo restrito de clérigos. Em seguida, passou a congregar um número crescente de nobres e burgueses para o estudo da gramática, da matemática e das artes. Segundo Ariès (1981): "Essa evolução da instituição escolar está ligada a uma evolução paralela do sentimento das idades e da infância" (p. 170). Somente no século XIX se instalou uma distinção entre infância e adolescência, associada à separação entre ensino primário, secundário e superior. Portanto, a adolescência, como um fato cultural, articula-se ao o processo de escolarização, no qual se realiza a instrução e a formação moral do futuro adulto.

Daí em diante, a mensagem que passou a ser transmitida ao adolescente era a de que a necessidade é primeira em relação ao desejo. Por isso, neste momento, impunha-se que ele recalcasse suas pulsões sexuais para se engajar numa longa preparação através da educação formal e, assim, ter acesso às condições para prover, materialmente, uma família. Com isso, ele poderia exercer a sexualidade no âmbito da união legítima, isto é, o casamento.

É necessário observar, no entanto, que há uma nova implicação envolvida neste adiamento da entrada no desejo. No texto Qu'attend l'adolescent de la sexualité et de la mort? Melman (2001) observa que, mesmo tendo atingido a maturidade sexual, nem por isso passaram a ter as responsabilidades que são as dos adultos. Essa observação é interessante, pois mostra como esse adiamento implica uma suspensão das responsabilidades envolvidas no desejo.

Podemos dizer, por isso, que, em nossos dias, isso mudou e será necessário examinar em que consiste essa mudança. Por enquanto, vamos nos ater à observação de que é neste contexto cultural que se constitui a adolescência como um período em que o sujeito não mais realiza a "passagem" de um estatuto bem definido para um outro, como estabelecido por Van Genep (1988). Essa experiência da adolescência no mundo moderno se define, então, como uma fase na qual o sujeito se encontra em um não-lugar. Ele é lançado numa condição marcada pela ambiguidade e pela incerteza, pois ele não é mais criança, mas ainda não é adulto ou, ainda, ele é um pouco criança, mas ao mesmo tempo, está em vias de se tornar adulto.

O sujeito não atravessa mais uma passagem institucionalizada e ritualizada que lhe proporcione balizas simbólicas. E quais as consequências disso? O (re)encontro com o sexual tende a ser vivido como uma "crise psíquica" (MELMAN, 1997). A crise advém do fato de que o adolescente ainda não encontrou seu lugar no gozo, isto é, ele ainda não está instalado nos seus hábitos, no ciclo da sua repetição. O gozo implica um saber inconsciente, um saber que comanda o sujeito, que o constitui e funda a sua ex-sistência. O adolescente está em busca do seu lugar no gozo, mas onde ele poderá se apoiar para isso?

Um encaminhamento possível dessa questão passa pelos três registros estabelecidos por Lacan: real, simbólico e imaginário.

Se o adolescente é possuído pela categoria do real, deste real do sexo, deste real do corpo, se o domínio do simbólico se verifica incapaz de responder a esta crise, nada mais lhe resta, é evidente, que a dimensão do imaginário, para responder a essa situação difícil (MELMAN, 2000, p. 24).

Na família, o sexual devia ser silenciado e o adolescente, quanto a isso, ficava em suspensão, tendo que direcionar suas energias para a formação escolar. O problema é que no lugar a ele reservado para se preparar para a vida, o saber que é ali transmitido, o saber científico, o exclui como sujeito e, portanto, não interessa a ele. Assim, não é que o domínio do simbólico não dê um lugar ao adolescente, mas ele é incapaz de ampará-lo na sua crise. No momento de irrupção do real do sexo, o lugar de estudante o coloca em suspensão e à margem do laço social (MELMAN, 1997; 2000).

Ao ser convocado a se preparar para ingressar na vida adulta, o adolescente, de alguma forma, percebe que o gozo que ele vai encontrar ali é insatisfatório, a começar pelo que ele vê na vida de seus próprios pais. Ao ser convocado a assumir em nome próprio a castração, o adolescente se encontra diante da dissimetria que marca a diferença entre os sexos. Além disso, o mundo se apresenta para ele como deficitário, injusto e sem graça. É por isso que a primeira experiência sexual do adolescente tende a ser decepcionante.

E, na longa jornada que ele inicia para ingressar no mundo adulto, tende a encontrar algum suporte no registro do imaginário. A idealização que marca a relação da criança com os pais entra em declínio na adolescência. No entanto, o adolescente conserva um olhar idealizante para o mundo e é isso que faz com que a realidade passe a ter esse aspecto precário e defeituoso (MELMAN, 1997)

Uma outra expressão dessa preeminência do imaginário é o fato de que o semelhante passa a ser uma referência fundamental para o sujeito. Um amigo ou o grupo de amigos são aqueles nos quais será possível encontrar uma sustentação para a imagem que agora se vê abalada pela crise que ele enfrenta. Os amigos são aqueles com quem o sujeito pode compartilhar experiências e maneiras de lidar com seus impasses, em particular, aquelas que dizem respeito ao encontro com o sexual. Se, no grupo, a realização desta fraternidade permite o reconhecimento e certa reciprocidade, constata-se que a identificação especular está sempre aberta para a reafirmação da assimetria de estrutura, onde impera a lógica do ou ele ou eu. É assim que o semelhante se converte numa ameaça.

Ainda em relação a essa tendência a um investimento idealizante sobre a realidade, pode-se verificar a importância que tem para o jovem a presença de um líder carismático, dotado de atributos admirados e que serve de referência para o sujeito. Tal figura idealizada pode ser o líder do grupo, o "dono" da favela, uma celebridade ou um pop-star.

Uma questão a ser aprofundada é se as diferentes formas de evasão encontradas pelo adolescente (os videogames, a internet, o isolamento, as fugas e as drogas) surgem em resposta, tanto à sua condição de estar em um "não-lugar", quanto à tentativa de buscar um lugar alternativo à realidade tão decepcionante que os adultos lhe oferecem.

 

Uma nova inflexão

Há pouco afirmamos que a mensagem dirigida ao adolescente, no sentido de que ele recalque sua pulsão sexual, não vigora mais. É interessante investigar como certas mudanças culturais inventam novas respostas às exigências estruturais que constituem o sujeito. E, de fato, no mundo contemporâneo, a passagem para a vida adulta vem sofrendo uma nova inflexão. Como dissemos, a cultura não pede mais ao jovem o recalque da pulsão sexual, mas ao contrário incita a sua livre expressão3.

Esta nova moral sexual corresponde a uma mutação cultural de amplas consequências entre as quais destaca-se a promoção de um hedonismo de massa: "O meio social se caracteriza hoje por valores essencialmente hedonistas" (MELMAN, 2001, p. 14). Assim, cada vez mais os jovens são incitados a exibir as insígnias do pertencimento a essa cultura de consumo. As roupas, os cabelos, as tatuagens, os celulares são os objetos através dos quais eles podem encontrar algum reconhecimento. Padecendo de uma condição de não-lugar o adolescente tenta encontrar um lugar adquirindo objetos que lhe permitam sustentar sua imagem.

Novas práticas sexuais surgiram como expressão desta moral hedonista: beijar várias pessoas numa mesma festa; o "ficar", isto é, uma relação sexual sem compromisso; realizar experiências com parceiros do mesmo sexo, ainda que não tenha se consolidado, para o sujeito, uma escolha de objeto homossexual. Além disso, há inúmeros casos de meninas que filmam a si próprias nuas ou mantendo relações sexuais a fim de divulgar na internet. Em alguns bailes funks, nas favelas do Rio de Janeiro, temos a prática do "cadinho", que consiste na situação em que moças "preparadas" (isto é, sem calcinha) realizam um ato sexual com rapazes sentados, dispostos numa fileira de cadeiras.

A questão que emerge é a seguinte: se, nas últimas décadas, a sexualidade do adolescente passou a ser reconhecida e adquiriu legitimidade, o que caracteriza agora a adolescência? Talvez sua característica fundamental continue sendo o fato de que os adolescentes estão isentos de assumir as responsabilidades do adulto, entendendo que o ingresso no mundo adulto continua se definindo pelo lugar que o jovem passa a ocupar no mundo do trabalho. E neste campo, a diferença entre os sexos não conta, pois todos se reduzem à condição de agentes econômicos, o que conduz a constituição de uma "identidade monossexuada" (MELMAN, 2001).

A adolescência continua sendo, portanto, este período prolongado em que o sujeito está em suspensão quanto às exigências do laço social. E mesmo que agora ele se veja autorizado a exercer a sexualidade, continua sem a sanção simbólica que lhe propicie alguma dialetização dos impasses que ele enfrenta no encontro com o real do sexo.

É preciso interrogar se a liberalidade sexual, dos dias atuais, conseguiu eliminar os embaraços que o sexo implica. As práticas mencionadas anteriormente podem ser caracterizadas como o exercício de uma sexualidade lúdica, autoerótica, através de uma relação dual sem compromisso. Nelas se realiza o sonho neurótico de uma sexualidade livre. Mas livre de quê? O que se propõe aí não seria uma sexualidade livre do desejo? O desejo possui um caráter problemático, descentrado, na medida em que é desejo do Outro. O sujeito não tem uma relação transparente com ele, nem pode dominá-lo. O sujeito advém no campo do desejo em perda, na medida em que se entrega, isto é, ao ser abolido, emergindo apenas representado no significante.

Concluímos por constatar que o hedonismo contemporâneo tem favorecido uma relação instrumental com o semelhante, ao preço de deixar de fora o que é da ordem do desejo. É o que se vê, por exemplo, na prática recente de buscar a primeira experiência sexual com um amigo ou uma amiga. Tal expediente possibilita um encontro sexual baseado num acordo prévio em que o desejo pode ser colocado de fora, amenizando os constrangimentos e desencontros inerentes ao próprio encontro amoroso. Diferentemente do que acontecia até a primeira metade do século XX, nos dias de hoje, a sexualidade do adolescente é reconhecida e estimulada, em função de uma nova moral sexual que promove a supressão do recalque da pulsão sexual. Assim, a atual promoção do hedonismo é uma nova forma pela qual a cultura evita o encontro com a falha, inerente ao encontro com o Outro sexo. Trata-se de uma forma de evitar o desejo e, com isso, a dimensão da castração, adiando quase indefinidamente a entrada no mundo adulto.

 

 

Referências

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Artigo recebido em: 27/04/2015
Aprovado para publicação em: 06/08/2015

Endereço para correspondência
Anna Carolina Lo Bianco
E-mail: aclobianco@uol.com.br
Erimaldo Nicacio
E-mail: erimaldo.nicacio@ess.ufrj.br

 

 

*Psicanalista, PhD - Universidade de Londres, profa. associada Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ (Rio de Janeiro-RJ-Brasil).
**Doutor em Saúde Coletiva Instituto de Medicina Social-IMS/UERJ, prof. associado Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ (Rio de Janeiro-RJ-Brasil)
1Falasser é um neologismo introduzido por Lacan em 1974 (LACAN, 2002 e 2005) a partir da junção das palavras parler(falar) eêtre(ser) como uma das formas de expressar o conceito de inconsciente, constituído a partir do fato do homem ser um animal falante. Com a noção de falasser certamente Lacan pretende sustentar a articulação entre linguagem e pulsão na determinação do sujeito.
2A propósito das chamadas sociedades primitivas, Lacan afirma: que a "configuração mítico-ritual, que é a melhor maneira de rotulá-las, não implica forçosamente a articulação do discurso do mestre" (LACAN, 2009: 25).
3Sobre isso Rassial afirma: "Não estamos mais no tempo do interdito sobre a sexualidade do adolescente" (RASSIAL, 1999, p. 28).

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