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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

On-line version ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.38 no.34 Rio de Jeneiro June 2016

 

ARTIGOS

 

Eficácia e efeitos terapêuticos em psicanálise: uma leitura a partir do caso francês

 

Efficacy and therapeutic effects in psychoanalysis: an analysis of the French episode

 

 

Letícia Vier Machado*; Fernando AguiarI**

IUniversidade Federal de Santa Catarina - UFSC - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O problema da eficácia terapêutica da psicanálise já era uma preocupação de Freud, mas ganhou novos contornos na França na última década, em decorrência de pressões políticas, econômicas e sociais. A exposição de seus resultados terapêuticos tornou-se necessária para justificar sua permanência na polis. O artigo é teórico e privilegia três perspectivas de análise: revisita os impasses da avaliação da eficácia do ponto de vista do caso clínico em psicanálise; resgata a recomendação de Freud quanto ao abandono da ambição terapêutica, firmando a abstinência do analista como princípio da psicanálise e apresenta um dispositivo de psicanálise aplicada à terapêutica, criado na França, para responder à demanda de produção de efeitos terapêuticos.

Palavras-chave: Eficácia terapêutica, Avaliação, Psicanálise aplicada, França.


ABSTRACT

Although the problem of therapeutic efficacy in psychoanalysis has already been a concern to Freud, it gained new contours in France in the last decade due to political, economic and social pressures. The presentation of therapeutic results became necessary to justify its permanence in the polis. Under a theoretical approach, this paper focuses on three perspectives of analysis: it reexamines the impasses of the efficacy evaluation from the standpoint of the clinical case in psychoanalysis; it recalls Freud's recommendation for abandoning therapeutic ambition, thus establishing the analyst's abstinence as a principle of psychoanalysis, and presents an applied psychoanalysis device, developed in France, to respond to the demand of producing therapeutic effects.

Keywords: Therapeutic efficacy, Evaluation, Applied psychoanalysis, France.


 

 

Introdução

É certo que a psicanálise, não tivesse surgido de um médico, sempre constatou a existência dos efeitos terapêuticos decorrentes de sua prática. Há, por exemplo, aqueles indiretos, como o efeito inicial da análise, em queo início do tratamento é acompanhado de uma melhora no sujeito (MILLER, 2008a), ou a melhora que decorre, simplesmente, da instalação da transferência (SÁNCHEZ, 2005). A preocupação da psicanálise com esses efeitos, que produzem efetivamente modificações em muitos do que se analisam, foi um desafio que a acompanhou desde Freud, sempre pressionado a apresentar os resultados de sua invenção.

Esclarecimentos, explicações, orientações , de 1933 é um dos seus escritos em que discute a eficácia do tratamento psicanalítico. Ao mesmo tempo em que afirma não haver nada de melhor em sua época, prima inter pares, "o mais poderoso" procedimento se comparado aos outros existentes, Freud (1933/2010, p. 314) também admite jamais ter sido "um entusiasta da terapia". De todo modo, assume que inúmeros fatores significativos e, inevitavelmente presentes, restringiam a eficácia terapêutica da análise, desde o grau de enrijecimento psíquico e da forma da doença, até o problema da ambição terapêutica do analista em contraste com o longo tempo requerido por uma análise (FREUD, 1933/2010).

Recentemente, a preocupação com os efeitos terapêuticos voltou à cena, fruto de pressões externas, de ordem política e social (COTTET, 2005b; MILLER, 2008a). Na França, particularmente, o mais recente desdobramento dessa discussão teve seu auge em 2012, quando foi publicado um relatório da Haute Autorité de Santé (HAS), entidade independente composta por especialistas, entre os quais médicos e acadêmicos, condenando as abordagens psicanalíticas por falta de dados sobre sua eficácia nos tratamentos do autismo, eficácia esta, diga-se de imediato, baseada na metodologia da medicina fundada em provas.

O autismo já havia sido proclamado, no mesmo ano, uma "grande causa nacional" na França. A iniciativa da HAS deu origem ao projeto de lei do deputado Daniel Fasquelle, que visava "proibir as práticas psicanalíticas no acompanhamento de pessoas autistas, a generalização dos métodos educativos e comportamentais e a realocação de todos os financiamentos existentes para esses métodos" (FRANÇA, 2012). No texto da lei, o deputado faz referência a outro documento, produzido e divulgado em 2004, quando um reconhecido instituto da área da saúde do mesmo país, o Institut National de Santé et de la Recherche Médicale (INSERM), foi requisitado pelo Estado com o fim de produzir um relatório de avaliação da eficácia terapêutica de três abordagens de psicoterapias: cognitivo comportamental, psicoterapia familiar e de casal e psicoterapia psicodinâmica, na qual a psicanálise estava incluída. Redigido por um conjunto de peritos especialistas, o documento respondia à demanda do Código de Saúde Pública em vigência desde 2002, segundo o qual os pacientes teriam direito a se beneficiar de terapêuticas cuja eficácia fosse cientificamente comprovada. Produzidos a partir de meta-análises divulgadas na literatura internacional e pautados no método baseado em evidências, os resultados divulgados pelo INSERM concluíram pela ineficácia da psicanálise em relação às demais abordagens avaliadas e seus efeitos comparados aos de um medicamento placebo. O documento conduziu os psicanalistas a se articularem ao então Ministro da Saúde, Philippe Douste-Blazy, que reconheceu as conclusões enviesadas do relatório, na medida em que se propunha a mensurar o sofrimento psíquico, e retirou o documento de circulação, excluindo-o do site do Ministério da Saúde francês.

Constantemente questionada pelas práticas avaliativas e de mensuração de resultados na busca incessante pela excelência, a psicanálise é cada vez mais confrontada às questões relativas a seus efeitos terapêuticos e aos resultados que é capaz de produzir. Por um lado, o fato de que se avalia foi uma injunção a toda terapêutica: desejando-se ou não a quantificação, a psicanálise também sofreu os efeitos do "empuxo-ao-psi" contemporâneo, resultante de demandas sociais (COTTET, 2005b).

Inúmeras outras questões desdobram-se da discussão a respeito da eficácia, algumas mais antigas do que outras: os impasses na forma de sua avaliação, confrontando a generalização de resultados à singularidade do caso clínico (forma em que comumente os resultados da psicanálise são descritos); o questionamento do fator da reprodutibilidade da experiência em psicanálise; a necessidade de dar respostas às demandas sociais, com a criação de dispositivos que se enquadrem na lógica do Estado e deem provas da relação custo-benefício do tratamento ofertado para garantir subsídios, mas também capazes de responder às transformações das demandas e à emergência de novas formas de sintoma não decifráveis pela escuta clássica (COTTET, 2005a).

Na impossibilidade de abarcar o tema em todo seu espectro, este artigo privilegia três perspectivas de análise. Primeiramente, serão revisitados os impasses da avaliação da eficácia do ponto de vista da generalização versus singularidade do caso em psicanálise. Em segundo lugar, é resgatada a recomendação de Freud quanto ao abandono da ambição terapêutica, firmando como princípio da psicanálise a abstinência do analista. Por último, uma apresentação do dispositivo dos chamados CPCTs (ou, no singular e em francês, Centre psychanalytique des consultations et traitement), faz-se necessária para justificar a manutenção da psicanálise, no século XXI, como resposta à demanda do Outro social pela produção de efeitos terapêuticos.

 

Da generalização à particularização: o recurso do caso clínico

Devemos reconhecer, de imediato, que a psicanálise jamais poderá fornecer evidências quantitativas de seus efeitos sobre o trabalho com a singularidade, mas isso não significa que não os produza (VIEIRA; SILVA, 2014). O questionamento do método é uma constante crítica à disciplina freudiana, em grande parte proveniente da filosofia da ciência, tal como, por exemplo, a crítica de Adolf Grünbaum à validade do método clínico como meio de produção de conhecimento (MEZAN, 2006).

A psicanálise não é experimental e esta afirmação, por si só, deveria justificar a iniciativa de não comparar a eficácia de seus resultados àqueles das psicoterapias. Contudo, para garantir a permanência da experiência psicanalítica no campo social, é preciso dar a conhecer seus resultados por outros meios. A tentativa de testar e comparar asserções psicanalíticas com um grupo-controle choca-se com sérios problemas epistemológicos, sobretudo porque esbarra na impossibilidade de reproduzir, exatamente, as condições de um grupo em outro. O método da medicina baseado em evidências não convém à psicanálise, uma vez que há uma incompatibilidade entre o método experimental e o objeto que se pretende investigar (MEZAN, 2006).

Em contrapartida, o estudo do caso singular parece ser o método mais adequado de avaliação dos resultados da psicanálise, entendendo que o singular "[...] pode ser aqui uma pessoa, um par (analítico ou não), uma família, uma instituição" (MEZAN, 2006, p. 237). Do estudo do caso singular, afirma Mezan (2006), podem ser extraídas hipóteses e teorias, comparações ou ainda o modo específico de racionalidade da psicanálise, oriundo da experiência prática.

Nesse sentido, o caso clínico em psicanálise, quando ela é questionada, é frequentemente um dos argumentos em favor de sua eficácia, além de servir à sua interlocução com a psicopatologia e à descrição do método clínico (DUNKER, 2011). Além do que, é por se situar no entre a esfera do privado do consultório e do público que o caso clínico deve ser, de alguma forma, um conhecimento passível de transmissão.

Essa intersecção entre público e privado foi justamente o que impôs restrições à publicação dos casos de Freud em seu contexto. No caso Dora, publicado em 1905, queixa-se das circunstâncias e das dificuldades de ordem técnica ou circunstanciais, já que o esclarecimento de um caso de histeria poderia revelar intimidades da vida psicossexual da paciente (FREUD, 1905/1998). De modo semelhante, na introdução do caso do Homem dos Ratos, publicado em 1909, descreve igualmente que "[...] a incômoda atenção de uma grande cidade, dirigida muito especialmente à minha atividade médica, proíbe-me uma exposição inteiramente fiel; e acho cada vez mais inadequadas e reprováveis as distorções a que se costuma recorrer nessas circunstâncias [...]" (FREUD, 1909/2013, p. 14-15). Tais dificuldades estão, certamente, na origem da opção, sobretudo entre os lacanianos, de utilizar vinhetas clínicas a título de exemplos. Mas, sem dúvida, não se pode deixar de relevar as dificuldades na construção mesma de um caso clínico à maneira psicanalítica, do qual Freud foi um mestre ainda sem igual.

Indiretamente, um caso remete à inclusão em categorias. Antes da psicanálise, Charcot, que em dado momento foi o mais conhecido neurologista da Europa, até decidir se dedicar apenas, mais pesquisador do que clínico, aos fenômenos histéricos, e nesta condição foi mestre de Freud na Salpetrière, apreciava o método dos casos, pois os via como exemplo de cientificidade pela descrição da semiologia. Já para Liébault, psicoterapeuta da chamada Escola de Nancy, o caso assumia a função de explanar a eficácia da terapêutica (DUNKER, 2011). Freud, por sua vez, utilizava-se do recurso ao caso clínico e do método dos tipos de classificação, mas atentava, sobretudo, à etiologia e ao seu funcionamento em detrimento das características morfológico-descritivas, como a descrição de um tipo puro e de suas variantes1 (DUNKER, 2011). Dunker (2011) ainda nos esclarece que o caso clínico em psicanálise difere da forma indutiva aplicada na medicina, ou da forma dedutiva utilizada no direito. Em psicanálise, a chave de leitura do caso é a noção de construção, a partir da qual Freud separa a verdade histórica da verdade material e da realidade psíquica. Ele atestava a validade de uma construção pelas suas confirmações indiretas, fornecidas pelo próprio paciente e produzidas pela corroboração direta da interpretação do psicanalista. São as confirmações indiretas que tornam uma construção eficaz e a equiparam a uma lembrança rememorada (DUNKER, 2011).

Mezan (2006) recupera da crítica de Grünbaum um suposto uso por Freud, em suas construções, do "argumento da adequação", para assim colocar em xeque a validade do método clínico. Segundo este argumento, para Freud, a eficácia da análise em remover o sintoma e promover uma reorganização da economia psíquica era devida à interpretação, que encontrava as causas de fato correspondentes aos conflitos e traumas do passado. As interpretações, por sua vez, dependem da livre associação do paciente, estas, livres da sugestão do analista. Em sentido contrário, a eficácia do que diz o analista ao paciente deve corresponder às causas de fato dos conflitos:

As interpretações, que se baseiam nas associações do paciente e em seu modo de vivenciar a transferência, equivalem a asserções causais do tipo P->Q (tal conflito determina em última instância tal sintoma ou traço de caráter). Tudo depende, portanto, do grau de confiança que se possa atribuir às associações, no sentido de estarem livres de qualquer sugestão por parte do analista; do mesmo modo, a aceitação pelo paciente daquilo que lhe diz o terapeuta (que P->Q) desemboca na compreensão dos seus conflitos e na convicção de que eles e não outros eram a causa dos seus sofrimentos (MEZAN, 2006, p. 234).

Porém, para Grünbaum, a sugestão é um fator constante na situação analítica. Desse modo, para ele não é possível a existência de confirmações indiretas vindas do paciente, se qualquer associação é induzida pela sugestão. Assim, as hipóteses baseadas no método clínico não corresponderiam ao critério de veracidade e a eficácia das interpretações do analista não passaria de mera casualidade: "Se a psicanálise cura, não é porque encontra pela interpretação as causas reais dos problemas que afligem o paciente" (MEZAN, 2006, p. 235).

Sem desconsiderar o forte argumento epistemológico de Grünbaum, vale dizer que a prática analítica não se reduz ao problema da sugestão (MEZAN, 2006). A sugestão é apenas uma das formas pelas quais, necessariamente, se manifesta o fenômeno transferencial (MILLER, 1987; AGUIAR, 2016) - sendo, as outras duas, a resistência e a repetição -, impedindo que na análise a sugestão predomine apenas em seu início, mesmo se, de alguma forma, ela permanece ao longo de todo o processo analítico. É mesmo a investigação analítica que permite reconhecer a sugestão como a parte positiva do fenômeno de transferência, que como tal "subsiste e é para a psicanálise, tanto como para outros métodos de tratamento, o condutor de sucesso" (FREUD, 1912/1998, p. 57). Mas, Freud não deixa de assinalar ser conveniente dar ao termo sugestão o sentido atribuído por Ferenczi e ele próprio, ou seja, "a influência exercida sobre um ser humano por meio dos fenômenos de transferência que nele são possíveis" (FREUD, 1912/1998, p. 114).

Ademais, na psicanálise, o caso não é uma verificação da teoria, tampouco se limita às generalizações e agrupamentos em classes. O caso transcende a comparação médica entre a norma e seu desvio, é antes uma história de conotação literária destinada, não a tornar reprodutível uma experiência, mas a reproduzir "o regime de eficácia linguística pelo qual se julga um tratamento psicanalítico, a saber, o assentimento entre as partes" (DUNKER, 2011, p. 544). Daí o seu valor exemplar2 ou, como propôs Miller (2008a), a atitude de alçar alguns casos exemplares de experiências psicanalíticas mais atuais (referindo-se a tratamentos realizados em instituições com psicanálise aplicada) ao estatuto de casos paradigmáticos.

Contudo, as pesquisas que tentam comparar a eficácia da psicanálise em relação a outras terapias ou ao tratamento farmacológico ratificam que a reprodutibilidade do método de tratamento é questionável, julgando o caso clínico como demasiadamente internalista (DUNKER, 2011). Contra esses adversários, Dunker (2011) argumenta que o caso em psicanálise não almeja a divulgação de seus triunfos terapêuticos (lembremos que Freud não recuava diante da publicação de um caso malsucedido, como Dora ou, de certa maneira, O homem dos lobos), ou a verificação de regularidades clínicas, mas a enunciação de uma verdade capaz de transmitir algo próprio da análise. No mesmo sentido, Cottet (2005c, p. 56) esclarece: "Opomos a clínica do detalhe do caso [psicanalítica] a uma clínica fundamentada na estatística, na comparação, na generalização [...]. Essa clínica do detalhe não se fundamenta na observação e na comparação, e sim na argumentação. Não medimos".

Com efeito, é quase impossível falar em generalização na psicanálise se consideramos a diversidade das formações, escolas e procedimentos adotados. Diferentemente de técnicas de aprendizagem ou modelagem de comportamentos, a psicanálise não consegue reproduzir uma técnica, justamente porque não faz uma generalização diagnóstica entre suas diferentes escolas e tradições, ou ainda porque, no interior destas, as formas diagnósticas transformam-se com o tempo. Nesta acepção, se o caso clínico não é útil para o estabelecimento de critérios de generalização diagnóstica, semiológica ou terapêutica, também não serve para definir a eficácia da terapêutica psicanalítica (DUNKER, 2011).

 

"Regra da abstinência" ou a renúncia à ambição terapêutica

A política da psicoterapia é direcionada às demandas, à eficácia e à prática orientada por resultados. Ademais, a preocupação do psicoterapeuta com a eficácia terapêutica da sua técnica é latente desde o início do século XIX, avaliada pelo próprio paciente (DUNKER, 2011). Assim, o psicoterapeuta não se ocupa da compreensão do funcionamento de um sujeito, centra-se antes no aperfeiçoamento de um método de cuidados (MALEVAL, 2003). As psicoterapias que se caracterizam por uma concepção própria do mundo e do homem, por um protocolo mais ou menos preciso, pelo uso acrítico da sugestão e pela necessidade de reconhecimento social (MARIE, 2004), assentam-se em três pilares de sustentação: a personalidade do terapeuta e sua crença no poder de cura; a sugestão e a crença do paciente no poder de cura do terapeuta; e a eficácia terapêutica (MARTINS, 2012).

Na própria psicanálise, a ênfase na terapêutica, voltada para um ideal de normatividade e, tendo como critério a adaptação social, foi característica da vertente que se desenvolveu em solo norte-americano, a partir da década de 1930, em que a psicanálise foi ao encontro do discurso médico e psicológico: "Ocorre que nos Estados Unidos [ela] encontrou lugar e difusão no contexto da medicina e da psiquiatria, estabelecendo-se como um ramo da psicologia geral, sendo articulada ao ideal adaptativo da cultura americana" (MARTINS, 2012, p. 37). A ênfase deslocou-se para os efeitos terapêuticos das análises, entendidos como a garantia da eficácia.

A rapidez dos efeitos terapêuticos de um tratamento emerge, em primeiro lugar, como demanda dos pacientes. Atualmente, o mercado do sofrimento diversifica suas ofertas: pílulas milagrosas, resgate de técnicas de meditação, programas de coaching em sessões reduzidas, programações neurolinguísticas são apenas alguns dos produtos disponíveis, que, em sua maioria, podem ser adquiridos com apenas um clique. De modo semelhante, no campo das psicoterapias, assistimos à emergência das abordagens ditas integrativas que se propõem a associar diversas perspectivas, num ecletismo técnico despreocupado com sua incoerência teórica e com o objetivo de aumentar a eficácia de sua terapêutica: "Torna-se então possível combinar, por exemplo, a associação livre, a ab-reação, o relaxamento, a reestruturação cognitiva, o sonho vígil-orientado, a autoafirmação, o exercício gestaltista da cadeira vazia, a respiração ampliada [...]" (MALEVAL, 2003, p. 51). Assim, a hipótese falaciosa do acúmulo da eficácia parte do pressuposto, segundo o qual, se uma psicoterapia é avaliada e constatada como eficaz, associá-la a outras terapias, igualmente eficazes, aumentaria seus efeitos.

Em contrapartida, um dos termos definidores da prática psicanalítica, utilizado por Freud é a palavra Sorge, para designar em alemão um tipo especial de cuidado intimamente relacionado ao tempo, essa dimensão que procuramos encolher e reduzir ao mínimo: "Sorge indica passividade e atividade, incluindo a importância da passagem do tempo, tal como se verifica no fabrico do queijo e do vinho, que devem aguardar um tempo de ‘cura' até que o processo se complete" (DUNKER, 2011, p. 33). Portanto, ainda que a urgência seja um critério terapêutico (ou antes científico, até mesmo político), isso não indica ou implicaque a psicanálise esteja inapta a tratar pacientes (DUNKER, 2011). Ocorre aqui um processo que Freud chamou de perlaboração (Durcharbeitung), pelo qual o analisando vai, paulatinamente, integrando interpretações, mediante uma espécie de "trabalho psíquico" que, constante no tratamento, pode sofrer uma intensificação em períodos de fortes resistências. A expectativa é que este processo, marcado e definido por idas e vindas e jamais linear, "permita ao sujeito aceitar certos elementos recalcados e se libertar da influência dos mecanismos repetitivos" (LAPLANCHE; PONTALIS, 1973, p. 305).

Então, se a experiência psicanalítica produz efeitos terapêuticos rápidos, vistos muito mais como um obstáculo do que como uma ajuda ao trabalho de análise, e se, portanto, não os tem como objetivo, outra questão daí se desdobra. Novamente, surge a dificuldade de delimitar sua reivindicada especificidade em relação às psicoterapias, para, enfim, justificar a inadequação da avaliação de sua eficácia terapêutica pelos modelos médicos de investigação.

O que não significa, por outro lado, que seja impossível propor qualquer outra "plataforma para critérios alternativos" (PERON; DUNKER, 2002, p. 85). Lucía D'Angelo (2008) procura demarcar a diferença entre os efeitos terapêuticos das psicoterapias (breves) e da psicanálise pela descrição da técnica da primeira e dos operadores conceituais da última. Na psicoterapia breve, trabalha-se com o conceito de foco, o terapeuta é ativo, compreensivo, espontâneo, por vezes pedagógico, motivador e tecnicamente flexível. A psicanálise difere radicalmente, em sua tática e estratégia, por dois de seus operadores: o uso que faz da transferência (estratégia) e da interpretação (tática), ou ainda, "a particularidade estratégica da interpretação da transferência" (D'ANGELO, 2008, p. 89). Para Lacan (1958/1998), transferência e interpretação são a quota de investimento do analista no tratamento: com a transferência, o analista paga com sua pessoa, emprestando-se às identificações do paciente; com a interpretação, o analista paga com suas palavras.

Portanto, o analista tem um papel na direção do tratamento, o que não significa que conduza o paciente (LACAN, 1958/1998). Ademais, aquilo que ele é, seus sentimentos e paixões não entram em cena - abstém-se: "Mas o que há de certo é que os sentimentos do analista só têm um lugar possível nesse jogo: o do morto; e que, ao ressuscitá-lo, o jogo prossegue sem que se saiba quem o conduz" (LACAN, 1958/1998, p. 595). Freud tratou da abstinência, à qual voltaremos mais adiante, como uma das duas regras fundamentais da clínica psicanalítica e só formalizada anos mais tarde daquela, fundadora, que conhecemos como associação livre, para o analisando, e sua contrapartida, a atenção uniformemente suspensa (ou flutuante), para o analista.

No sentido oposto da direção que Lacan dá ao tratamento, os efeitos que determinam a eficácia do tratamento na psicoterapia dependem da adesão do paciente às concepções do terapeuta. Foi o que indicou o estudo de A. Dazord, Évaluation des psychothérapies: intérêt de la prise en compte d'éléments relationnels et non spécifiques [Avaliação das psicoterapias: interesse da consideração de elementos relacionais e não específicos], citado por Maleval (2003). Ao avaliar a eficácia das psicoterapias no final do tratamento, constatou-se que a mudança terapêutica era tributária da adesão às concepções do terapeuta, ou seja, o efeito resultava de processos de identificação com o papel do mestre e, como consequência, de uma aquisição de conhecimento:

Ao cabo de uma psicoterapia que teve efeitos terapêuticos, é comum o sujeito atestar que adquiriu um conhecimento de seus problemas: ele sabe quem lhe enviou uma sorte [sic], é capaz de identificar o espírito que interveio, e as razões desse último etc. Na cultura ocidental, ele tem a sensação de conhecer seus mecanismos psicológicos e de poder agora controlá-los: afirma de bom grado "ter examinado a questão", de modo que se sente à altura de dominar seus problemas (MALEVAL, 2003, p. 53-54).

Trata-se, portanto, do efeito de uma oposição radical entre a completude (nas psicoterapias) e a falta (na psicanálise). Enquanto a completude se faz pela aquisição do conhecimento, pela ilusão do controle e da dominação de si, de modo que idealmente a eficácia da psicoterapia residiria na produção do homem livre e capaz de tudo (MALEVAL, 2003), a condição de sujeito dividido é o que emerge da experiência psicanalítica, desvelando a incontornável falta que nos habita. Daí a impossibilidade de circunscrever a complexidade dos processos psíquicos que se desdobram da experiência em uma matriz única de comparação dos efeitos terapêuticos (PERÓN; DUNKER, 2002).

Talvez por considerá-la da ordem do impossível, Freud advertia os praticantes da psicanálise quanto aos perigos da ambição terapêutica, recomendando seu abandono já de saída. Nas Recomendações ao médico que pratica a psicanálise (FREUD, 1912/2010, p. 115), ele alerta para o perigo deste afeto: "Nas circunstâncias de hoje, um afeto perigoso para o analista é a ambição terapêutica de realizar, com seu novo e discutido método, algo que tenha efeito convincente em outras pessoas". Assim, assumir o lugar de analista implica em não partir de seus próprios afetos, não os colocar em foco e não responder à demanda (de cura) que lhe é endereçada.

Isso porque o furor curandis, a vontade de curar, contrapõe-se à perspectiva, segundo a qual um tratamento psicanalítico não implica no desaparecimento dos sintomas: portanto, impossível avaliar a eficácia a partir deste critério único. Se o psicoterapeuta tem como objetivo a eficácia, portanto, a cura, o psicanalista na metáfora de Hambra (1996) é antes um curador, assumindo uma função semelhante a de um curador de museus, que cuida das peças e organiza sua exposição.

Freud expressou essa função de abstinência aludindo à frase inscrita em hospitais franceses: Je le pensai, Dieu le guérit [Eu lhe fiz os curativos, Deus o curou] (FREUD, 1912/2010, p. 116). Sem divinizar o psicoterapeuta, o psicanalista encontra seu lugar distante das pretensões de erradicar o sintoma a qualquer preço, abstém-se na medida em que, combinando procedimentos éticos e técnicos, ele pretende nada querer para o seu analisando.

Quanto à eficácia, aborda-a também em um texto tardio, Análise terminável e interminável (FREUD, 1937/1980). No comentário que o antecede, o editor inglês James Strachey (1969/1980) considerou ser este escrito de Freud marcado pelo pessimismo e pelo ceticismo quanto à eficácia terapêutica da psicanálise, já que, além de nunca ter sido um terapeuta entusiasta, Freud detém-se a analisar as barreiras ao sucesso da análise. Contudo, ele também sublinha seus avanços, considerando, por exemplo, uma análise como terminável, quando o paciente deixa de sofrer de seus sintomas (o que não significa que eles tenham desaparecido por completo), quando tiver superado sua angústia e suas inibições. Assim, considerar a possibilidade do término não implicaria no alcance de um estado completo de normalidade (questão meramente quantitativa), mas no julgamento do analista de que a tomada de consciência do material recalcado e a superação de resistências internas dificultariam a repetição do estado patológico (FREUD, 1937/1980).

É que, embora a análise possa contribuir para a não repetição de certos sintomas neuróticos, haverá sempre uma dimensão irredutível do sintoma (COELHO, 2008). A variabilidade dos resultados de uma experiência psicanalítica deve-se a parcialidade da transformação realizada: algo do sintoma permanece intocável pela análise (FREUD, 1937/1980). Entretanto, ao conceber esse incurável como eixo da experiência psicanalítica, efeitos terapêuticos poderão ser produzidos (SÁNCHEZ, 2005).

Mas é também por não ter como objetivo a produção dos sucessivos efeitos terapêuticos que a psicanálise se descola das psicoterapias (MARTINS, 2012). Em psicanálise, para repetir, mais uma vez, o célebre aforismo difundido por Lacan (1955/1998) que coloca na perspectiva de um acréscimo3. O que fica fora dessa operação é algo da ordem do pulsional, algo com o qual o analista se depara e que ultrapassa o alcance da terapêutica, orientada ao bem-estar e à remoção do sintoma (MARTINS, 2012).

Muito ainda poderia ser explorado sobre a noção de cura na psicanálise, mas o que nos convoca à discussão presente neste artigo é o seguinte questionamento: como conciliar o funcionamento de uma experiência psicanalítica, sempre produtora de um resto não eliminável, com as demandas de eliminação dos sintomas cada vez mais insistentes, advindas tanto dos pacientes como do Outro social? Afinal, avaliar os benefícios imediatos, e consequentemente a eficácia do tratamento, exclui, necessariamente, aquilo que Freud teorizou como o benefício secundárioda doença, aquilo "[...] que não pode ser considerado como um puro déficit quantificável" (COTTET, 2005a, p. 27).

 

O CPCT como solução de compromisso: entre demanda e desejo

O Centro Psicanalítico de Consultas e Tratamento - Centre Psychanalytique de Consultations et Traitement (CPCT) - nasce como resposta à demanda do Outro social por ações que justifiquem a presença da psicanálise no século XXI. Foi assim que, como resposta ao eco "do mal-estar e do discurso contemporâneos, da aparente rarefação das demandas de análise provenientes de sujeitos neuróticos, do forte aumento das demandas por melhora sintomática em curto prazo [...]" (FARI, 2008, p. 62) cresceu o entusiasmo no seio da psicanálise de orientação lacaniana com a psicanálise aplicada à terapêutica. De modo que essa convocação da psicanálise para que se estendesse à terapêutica como condição de sua sobrevivência resultou também de determinantes econômicos e políticos.

A psicanálise aplicada é colocada em ação quando se toma como princípio que a existência de uma experiência psicanalítica não depende de duração, de lugar ou de ritual pré-estabelecido, senão da operação do analista com a palavra sobre o gozo, de modo que o enquadre é posto a serviço da análise, e não o contrário (GUÉGUEN, 2003). Admitir a não existência de condições ideais para o ato analítico permite remanejar a técnica em favor da experiência e estender a variedade das práticas, sem, necessariamente, degradar a psicanálise (ainda que a degradação permaneça como possibilidade): para Lacan, não seria o enquadre que define o ato analítico, mas a pureza dos meios e dos fins para os quais se orienta (COTTET, 2003).

Contudo, uma ressalva antes se faz necessária: Guéguen (2003) esclarece que não há garantias a priori de que um tratamento seja psicanalítico, já que somente a posteriori é possível constatar se o que ocorreu entre um analista e seu paciente tenha sido psicanálise ou não. De qualquer modo, duas condições se impõem para que haja psicanálise aplicada à terapêutica no contexto das instituições: primeiro, a rejeição ao princípio segregativo ou universalizante que rege as instituições, separando os sujeitos pela especialização de seus sintomas - a psicanálise trabalha com a lógica do caso a caso; em segundo lugar, como consequência do primeiro, o trabalho orientado para o sujeito (dividido) e não para o indivíduo (uno e identificado exclusivamente pelo seu sintoma) (BROUSSE, 2003; GUÉGUEN, 2003). Isso porque diferentemente do indivíduo, o sujeito, do ponto de vista psicanalítico, é resultante da linguagem, é representado por significantes e não por categorias ontológicas - a anoréxica, o imigrante, a vítima, etc. -, o que produz consequências clínicas e práticas (BROUSSE, 2003).

Ao concluírem que o CPCT era um dos meios (eficazes) de presentificar a psicanálise, face as grandes instituições e aos ataques bélicos dirigidos a sua prática, os psicanalistas da Escola da Causa Freudiana (ECF)4 conquistaram um lugar mais ou menos confortável para a psicanálise, no cenário social francês do início do século XXI. Esse lugar é correlato de uma tomada de posição no espaço social, ele próprio atravessado pela política e operando como um "contra-ataque" às críticas dirigidas à psicanálise quanto à invisibilidade de sua eficácia terapêutica. Fari (2008, p. 60) declara: "[...] me parece agora evidente que uma lógica do sucesso pesa fortemente sobre nós. Por um lado, esta é correlata da vontade política inicial de demonstrar, em um contexto de ataques virulentos e repetidos, a utilidade da psicanálise (aplicada) no campo social".

O resultado mais abrangente dessa iniciativa foi o reconhecimento, em maio de 2006, da ECF (instituição psicanalítica de orientação lacaniana) como "uma instituição de utilidade pública" pelas autoridades francesas. Nesse sentido, Miller (2008b) resgata um aspecto cultural relevante, ao enfatizar a importância do reconhecimento social para a legitimação de uma prática na França, o que toca principalmente em aspectos políticos e econômicos, como a conquista de subvenções, mas também em aspectos transferenciais: o público deposita mais confiança no dispositivo ao sabê-lo gratuito e institucionalizado (FERNANDEZ, 2008).

Pelo terreno que abrigou seu surgimento, o CPCT organizou-se como um dispositivo singular. Nascido em 2003, em Paris, como dispositivo do Campo Freudiano e seguindo uma orientação lacaniana, o CPCT apresenta como premissa a gratuidade e o tempo limitado das sessões, variando de quatro a oito meses. Ainda que subvertendo esses dois elementos essenciais do setting analítico, o pagamento e a delimitação do tempo, o CPCT traz a marca da psicanálise em sua finalidade. Dito de outra maneira: apesar de surgir como resposta a uma demanda de eficácia dos tratamentos psicanalíticos, o CPCT a subverte por não visar o rendimento terapêutico: "Não substituímos a psicanálise por conselhos, nem temos como finalidade imediata a supressão do sintoma" (COTTET, 2005a, p. 36).

Do lado da demanda, o dispositivo foi pensado como uma maneira de levar a um público que, dificilmente, buscaria um analista, seja por razões econômicas, sociais ou estruturais. Do lado da oferta, para a Escola da Causa Freudiana (ECF) o CPCT funciona como um lugar de formação para aqueles que desejam exercer uma prática psicanalítica. O Centro divide os analistas em dois grupos para os atendimentos. Integram o grupo A analistas da Escola (AE), já com sólida formação psicanalítica, e o grupo B, analistas em formação. Os casos passam por supervisões, a fim de estabelecer um diagnóstico estrutural e traçar a direção do tratamento (MERLET, 2008).

Os atendimentos acontecem em dois momentos, justificando o título do dispositivo de "Centro Psicanalítico de Consultas e Tratamento": em um primeiro momento, os sujeitos são atendidos em consulta por um analista da Escola, que faz a função de filtro dos casos e já alerta o sujeito de que não será ele quem conduzirá o tratamento. Num segundo momento, o tratamento breve é realizado por alguém do grupo B, sob a supervisão do grupo A. Ao comparar o funcionamento do CPCT com o curso de uma análise no setting tradicional, poderíamos aludir a consulta às entrevistas preliminares (Lacan) ou tratamento de ensaio (Freud), e o tratamento, à análise propriamente dita.

É importante salientar que o CPCT, de modo análogo à universidade, não forma psicanalistas. A vinheta do caso atendido no CPCT-Chabrol, em Paris, por Yasmine Grasser (2008, p. 19-20) oferece uma noção do processo:

Uma jovem se apresenta à sua primeira entrevista no CPCT perguntando se ali só havia psicanálise porque era justamente o que ela não queria fazer. Retifico e pondero dizendo: só há psicanalistas, mas aqui eles não propõem um tratamento analítico, o que, aliás, em 16 sessões, é impossível. [...] com toda certeza, todos os psicanalistas do Centro estão em formação, ou seja, cada um está engajado em sua experiência analítica pessoal, e sempre que encontra alguém pela primeira vez vai, assim, formar-se um pouco mais, pois nenhum sofrimento, nenhum sintoma se parece com outro [...].

Portanto, a caracterização do dispositivo como uma psicanálise aplicada à terapêutica é tributária, principalmente, da formação dos analistas e de seu comprometimento com a psicanálise. O que se faz no CPCT é entendido por alguns como um tratamento psicanalítico, mas não como uma análise propriamente dita, ou uma "psicanálise pura" (MERLET, 2008). Por outro lado, Cottet (2005a, p. 29) entende que "uma prática esclarecida não se degrada, nem abandona em nada seus princípios, ao deformar seus conceitos para ampliar o campo da experiência". A seu ver, não é a necessidade social de diversificação dos dispositivos da prática psicanalítica que enfraquecerá seus princípios gerais, senão a ambição terapêutica e a visada de uma cura acelerada que poderão produzir o desvio da prática.

A esse respeito, basta lembrar a proposta de Freud (1919/2010) de uma "atividade" do analista que orientaria o desenvolvimento da psicanálise. A postura "ativa" proposta por Freud consistiria, entre outras características, em expandir o raio de ação dos tratamentos psicanalíticos, considerando a possibilidade de sua gratuidade e de um subsídio estatal5. Por outro lado, Freud discordou das teorias de Otto Rank sobre o encurtamento na análise. Rank, analista da primeira geração e muito próximo de Freud, cedeu aos ideais adaptativos da psicanálise propagados nos Estados Unidos, nos anos 1920 e se tornou adepto de uma renovação da técnica psicanalítica, contrária ao projeto freudiano original. Rank questionou o tratamento psicanalítico clássico e, em 1926, propôs "[...] tratamentos curtos e limitados previamente no tempo, assim como um recentramento no presente [...] a fim de estimular o seu desejo de se curar [...]" (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 643). Em Análise terminável e interminável, Freud (1937/1980) reafirma ser contrário às teses de Rank para acelerar o ritmo da análise, julgando que a tentativa de encurtar a análise ia ao encontro da pressa da vida americana, e sua aplicação era ineficaz.

O diálogo de Grasser (2008, p. 20) com o sujeito em consulta prossegue:

[...] Respondo: [Grasser] se você me permitir, eu diria que uma psicanálise implica buscar uma causalidade, não uma origem no passado, [...] se quiser me dar um exemplo de comportamento, talvez eu possa me fazer compreender melhor para lhe responder, sabendo, aqui entre nós, que isso não exigiria, em seguida, que você iniciasse um tratamento aqui.

A analista oferece sua presença e sua escuta para que o sujeito, em consulta, se ponha a falar. Não há, no CPCT, a prioridade de produzir uma demanda de análise, podendo esta se restringir a uma demanda terapêutica:

[...] Ela aceita e me explica: quero ter sempre razão, não largo mão. Isso me faz [sic] porque estou sempre em conflito com os outros. Proponho-lhe que me explique muito detalhadamente como é que um conflito acontece. Ela pensa e depois diz: quero verificar se me amam. Interrompo: portanto, em primeiro lugar, o que está em jogo em um conflito é ver se o outro lhe [sic] ama. Ela continua: posso ir muito longe, quero ter razão, não quero largar mão, meus amigos me censuram. Uma vez mais, a interrompo: portanto, em segundo lugar, você não quer largar mão. Ela retoma: é, mas quando me dou conta de que fui longe demais porque o outro explode, pergunto-me o que está acontecendo. Refaço a contagem: portanto, em terceiro lugar você não suporta que o outro sofra por sua causa. Às vezes fico arrasada quando me dou conta disso, mas nem sempre. Digo: portanto, em quarto lugar, você larga mão. [...] Pergunto-lhe se quer tentar afrouxar esse sistema que a faz sofrer, em 16 sessões, precisando que não será comigo (GRASSER, 2008, p. 20-21).

O que se espera é que o efeito terapêutico, resultante de um tratamento no CPCT, possa produzir o afrouxamento de um sistema, o fechamento de um ciclo de vida ou uma tomada de decisão que talvez permita uma entrada em análise - desde que haja desejo para tal (MILLER, 2008a). Não se trata, pois, de responder à demanda de cura. O tratamento (ou até mesmo a consulta) produz efeitos terapêuticos, mas não os tem como causa final:

Ela diz sim, mas reafirma: com a condição de que seja com alguém que me responda. Mas você sabe que há um aleatório, digo, que depende de seus horários. [...] Mas posso me certificar de que seja alguém "sob medida" para você. [...] Como foi que eu pus minha formação a serviço desse sujeito? Diria, primeiro: sendo dócil diante de sua demanda de eu não "ser analista" com ela, mas isso não aconteceu sem que tenha estado em jogo "o analista-objeto", sabendo esquivar-se de sua demanda de conflito. A aposta a ser feita, no que concerne a essa entrevista, era de que a entrevistada pudesse leva-la em conta [...]. O "sob medida" é, nesse sentido, uma espécie de promessa analítica, mas jamais significa que vai ser necessariamente adquirido (GRASSER, 2008, p. 21).

O essencial no CPCT não está na curta duração ou na gratuidade, mas no limite de seu objetivo, traçado no tempo da consulta (LA SAGNA, 2008). Porém, algo de ilimitado passou a ser produzido na experiência CPCT: o fato de o dispositivo alcançar a produção de efeitos terapêuticos rápidos foi uma das razões de seu tremendo sucesso, ao mesmo tempo em que seus integrantes percebiam um excesso difícil de manejar. Assim, a demanda crescente por atendimento exigiu que algumas unidades dos Centros se desmembrassem em especialidades, como a criação de um CPCT-crianças e CPCT-adolescentes.

Diante dos resultados positivos nos CPCTs e, portanto, do crescimento da demanda, vários impasses começaram a surgir, de modo que o dispositivo foi questionado por seus integrantes em aspectos que vão contra o propósito de uma experiência psicanalítica, por um lado, mas que respondem à demanda do Outro social, por outro. Em primeiro lugar, a necessidade de subvenção estatal esteve no topo das pautas de discussão: a Escola da Causa Freudiana subvencionou o dispositivo durante os dois primeiros anos, depois dos quais, em 2005, os CPCTs tiveram de buscar recursos em outras fontes.

Em segundo lugar, o impasse a que chegou o dispositivo foi o questionamento a respeito do excesso de suas pretensões terapêuticas (MERLET, 2008), na contramão da recomendação freudiana sobre a ambição terapêutica, como vimos acima. O "fenômeno CPCT", como foi designado, cindiu opiniões: "A favor ou contra? Demonização ou exaltação de suas qualidades? É o binário que parece atravessar os espíritos nesse momento em que nosso debate se centra em torno do fenômeno CPCT" (SOLANO, 2008, p. 34). A crescente demanda de atendimentos acompanhava-se do temor de um excesso de clínica que não deixasse lugar à teoria, tanto no cotidiano da instituição quanto na forma de prestar contas da prática da psicanálise na cena social.

Por último, o CPCT colocou em xeque a divisão entre "psicanálise pura" e "psicanálise aplicada". O dispositivo interrogou a possibilidade de flexibilização do tratamento-padrão e seu sucesso alertou para a necessidade de buscar outros meios de tornar presente a psicanálise no século XXI, o que Lacan denominava "psicanálise em extensão", ou seja, aquilo que "[...] permite situar uma experiência como verificadora da função analítica e, portanto, pertencente à psicanálise" (LA SAGNA, 2008, p. 80), renovando a originalidade de sua experiência sem perder seu rigor:

Essa experiência [a psicanálise em extensão] é essencial para isolá-la da terapêutica, que não distorce a psicanálise somente por relaxar seu rigor. Observaria eu, com efeito, que não há definição possível da terapêutica senão o restabelecimento de um estado primário. Definição, justamente, impossível de enunciar na psicanálise (LACAN, 1967/2003, p. 251).

A experiência dos CPCTs é, sem dúvida, uma das soluções de compromisso para a psicanálise que, tal como um sintoma, encontra uma saída para um impasse (ainda que fracasse em promover a satisfação permanente): de um lado, a função reguladora do Estado, demandando que a psicanálise justifique sua utilidade social; de outro, ao desejo da psicanálise de existir e encontrar para si um espaço no século XXI (que, como aposta Roudinesco (2000), parece ser o século das psicoterapias). O dispositivo foi criado em vários países europeus além da França, como Bélgica, Itália e Espanha. Neste último, especificamente, o modelo do CPCT de Paris (CPCT Chabrol), criado em 2003, foi replicado em Barcelona já no ano seguinte (MILLER, 2008a).

Na França, há, aproximadamente, doze unidades de CPCTs em grandes centros urbanos, sendo que muitos deles oferecem tratamento em várias línguas (espanhol, alemão, inglês, árabe, entre outras). Na América Latina e, portanto, também no Brasil, os CPCTs se vincularam às Escolas de Psicanálise de orientação lacaniana, notadamente em Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro, e continuam em funcionamento. As vicissitudes desse dispositivo, assim como as controvérsias que envolvem a psicanálise aplicada à terapêutica merecem uma análise mais detida. Nessa primeira abordagem da questão, coube apenas ressaltar a existência da via aberta pela Associação Mundial de Psicanálise como resposta às demandas de eficácia terapêutica e como modo de conferir visibilidade social à prática da psicanálise e mantê-la viva no século XXI, sobretudo na França.

 

Considerações finais

Explanar sobre a eficácia da terapêutica psicanalítica foi uma preocupação de Freud que reverberou, na última década na França, acompanhada de pressões políticas, econômicas e sociais. Estando certo que a psicanálise produz seus efeitos para garantir sua permanência no campo social, faz-se cada vez mais necessário prestar contas a respeito de sua prática a partir de seus próprios referenciais.

O recurso ao caso clínico em psicanálise, forma na qual seus resultados são comumente divulgados, tem sido questionado por ser demasiadamente internalista ou por não permitir a generalização de seus resultados. Com efeito, a psicanálise funciona na lógica do caso a caso, mas isso não significa que algo não possa ser apreendido a partir do caso clínico: ele não é uma verificação da teoria, tampouco visa às generalizações, é antes uma história de conotação literária destinada a reproduzir um regime de eficácia linguística em vigência na experiência psicanalítica (DUNKER, 2011), e possui antes um valor exemplar (MEZAN, 2006).

Ademais, se a eficácia é considerada a partir da remissão dos sintomas, cabe lembrar a regra fundamental enunciada por Freud (1912/2010) de que o psicanalista deve renunciar ao perigoso afeto da ambição terapêutica. Com Lacan (1955/1998), essa afirmação foi expressa no célebre aforismo de que a cura, em psicanálise, vem por acréscimo. Afinal, em psicanálise a vontade de curar vai de encontro ao princípio conforme o qual um tratamento psicanalítico não implica no desaparecimento dos sintomas, o que impossibilita uma avaliação da eficácia a partir deste critério único.

Contudo, pressões políticas na França exigiram uma resposta imediata da psicanálise a respeito de sua eficácia, o que resultou no ano de 2003 na criação do dispositivo de psicanálise aplicada dos Centros Psicanalíticos de Consulta e Tratamento. O remanejamento no setting analítico e as sessões reduzidas foram ajustes necessários e uma saída possível para que a psicanálise estenda o alcance de sua prática àqueles que de outro modo não teriam acesso a um analista; bem como, sem abdicar de seus princípios, para que continue a produzir efeitos num cenário que se apresenta hoje como desfavorável a sua temporalidade própria, exigindo cada vez mais resultados em curto prazo.

 

 

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Artigo recebido em: 26/11/2015
Aprovado para publicação em: 01/04/2016

Endereço para correspondência
Letícia Vier Machado
E-mail: leticiaviermachado@gmail.com
Fernando Aguiar
E-mail: fernando.aguiar@ufsc.br

 

 

*Psicóloga/Universidade Estadual de Maringá-UEM (Maringá-PR-Brasil), mestrado Psicologia/Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC.
**Psicólogo/ Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Goiatuba-FAFICH/UFMG (Goiatuba-GO-Brasil), mestrado em Filosofia/FAFICH-UFMG, doutorado e pós-doutorado em Psicologia e em Filosofia/Universidade Católica de Louvain -UCL (Louvain-la-Neuve-Bélgica), prof. do Departamento e do Programa de Pós-graduação Psicologia/Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC (Florianópolis-SC-Brasil).
1Dunker (2011, p. 539) salienta que o caso remete ao modelo genérico da inclusão em categorias: "o gênero e a espécie, a ocorrência e a lei, o elemento e o conjunto, o caso e a regra, a manifestação e o tipo a que ela pertence". O método dos tipos, por sua vez, baseava-se originalmente na descrição de um tipo puro, "que torna visível os mecanismos e permite formular leis atinentes a todos os membros da classe a que pertence" (DUNKER, 2011, p. 540). Em seguida, distinguiam-se as variantes do tipo puro, bem como suas formas degeneradas e os tipos que não se incluíam na classe. Usava-se ainda a expressão cure-type, e foi por essa via que Charcot trabalhou com a histeria, tentando determinar certa ordem na desordem aparente dos ataques histéricos.
2A respeito do valor do exemplar, no célebre caso de neurose obsessiva do Homem dos Ratos, Freud (1909/2013, p. 23) escreve: "[...] Podendo-se obter um exemplo específico, para alguma das vagas generalidades da neurose obsessiva, tenha-se a certeza de que tal exemplo é a coisa original e autêntica mesma, que devia permanecer escondida pela generalização".
3No texto Variantes do tratamento padrão, Lacan (1955/1998, p. 327) enuncia: "Assim, se admite a cura como um benefício adicional do tratamento psicanalítico, ele se precavém contra qualquer abuso do desejo de curar, e o faz de maneira tão habitual que, ao simples fato de uma inovação motivar-se neste, inquieta-se em seu foro íntimo, ou reage no foro do grupo através da pergunta automática que desponta de um ‘será que isso ainda é psicanálise'?" Então, o aforismo da "cura por acréscimo" teria sido enunciado por Lacan dois anos mais tarde, em um seminário promovido no dia 05 de fevereiro de 1957 e publicado na revista Psychanalyse n.4, sem perder sua referência a Freud, quando se remete por exemplo ao "Eu lhe fiz os curativos, Deus o curou".
4A École de la Cause Freudienne (ECF) foi criada em 1981, na França, como desdobramento da École Freudienne de Paris, fundada em 1964 e dissolvida em 1980 por Lacan. Os dirigentes da ECF pertenciam à quinta geração de psicanalistas franceses, entre eles Jacques-Alain Miller. Miller fundou ainda a Association Mondialede Psychanalyse (AMP) em 1992, reunindo diversas instituições de psicanálise lacaniana, e no Brasil a Escola Brasileira de Psicanálise (EBP), em 1995, ligada à AMP (ROUDINESCO; PLON, 1998).
5Sándor Ferenczi, por sua vez, também propõe em 1919 uma "técnica ativa", mas que se caracterizou como uma intervenção direta no tratamento por meio de gestos de ternura e de afeto (ROUDINESCO; PLON, 1998). O próprio Ferenczi critica essa proposta em 1926, ao reconhecer que ela respondia mais às necessidades do analista do que do paciente.

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