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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

On-line version ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.38 no.35 Rio de Jeneiro Dec. 2016

 

ARTIGOS

 

Elementos do complexo de Édipo na toxicomania: a droga como afastamento da castração na neurose

 

Elements of the Oedipus complex in drug addiction: the drugs as moving away from of castration in neurosis

 

 

Douglas Rodrigo Pereira*

Universidade de São Paulo - USP - Brasil
Universidade Anhanguera de São Paulo - UNIAN-ABC - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo, tenho o objetivo de discutir uma dimensão da castração na toxicomania: o impacto da fratura narcísica na neurose. Situo-me quanto à atualidade e à operacionalidade do conceito de complexo de Édipo; apresento, brevemente, o impacto da castração e da inveja do pênis na construção da subjetividade; e discuto, utilizando-me de fragmentos clínicos, alguns pontos sobre a incidência da castração na toxicomania. Indico como, por meio da operação de pharmakon, há a construção da autocronia (LE POULICHET, 1996; 2012) como modo de afastamento da fratura narcísica imposta pela castração.

Palavras-chave: Toxicomania, Castração, Complexo de Édipo.


ABSTRACT

In this article, my objective is to discuss the dimension of castration in drug abuse: the impact of the narcissistic fracture. I situate myself as to the present and the operation of the Oedipus complex; briefly presenting the impact of castration and penis envy in the construction of subjectivity, discussing, through clinical fragments, some points on the effects of castration on drug addiction. I indicate how, by pharmakon operation, the construction of self timeline (LE POULICHET, 1996; 2012) takes place as a way of moving on from the narcissistic fracture imposed by castration.

Keywords: Drug addiction, Castration, Oedipus complex.


 

 

O conceito de complexo de Édipo é central, na clínica psicanalítica. Seja aceitando-o, conforme as postulações de Freud, seja revendo-o à luz de nossa época, ou até mesmo o abandonando, é impossível psicanalisar sem enfrentarmos Édipo. Esse enfretamento nos coloca diante de temas fundamentais na história da humanidade: a constituição da sexualidade e as suas diferentes formas de exercício de prazer; a ilusão humana de onipotência e o desmoronamento dessa mesma ilusão; a diferença entre os corpos; o papel do outro na hominização do ser humano e a relação humana com a cultura e com a lei. Para o analista, cabe escutar os diferentes pontos dessa trama: a forma de existir do corpo erógeno; o impacto da constatação da diferença sexual na constituição subjetiva; as marcas pulsionais e identificatórias; a castração e as diferentes possibilidades de posicionamento frente a ela; as escolhas de objeto e a constituição do Supereu.

Na obra de Freud, o complexo de Édipo passa por diferentes vias nos meninos e nas meninas. A diferença sexual anatômica possui um papel fundamental: é pelas vias da teoria sexual infantil, obturadora da diferença sexual, que a criança se depara com a alteridade. Diante da constatação de seres humanos sem pênis, o menino teme perdê-lo, e por isso, pelo complexo de castração, abandona os seus objetos incestuosos e se identifica com os pais. A menina, por sua vez, entra na trama edípica por essa mesma constatação: "não possuo o pênis; não me deram algo que eu deveria ter". Essa falta marcará a psique da menina: "falta-me algo que o outro possui; algo que não foi me dado". Desta maneira, a isso que Freud chamou de inveja do pênis, essa incompletude e as diferentes formas de vivê-la, determinará o desenvolvimento psicossexual da mulher1. A castração, portanto, imprime dois efeitos principais no psiquismo: a angústia de poder perder e o sentimento de não ter tido, de ter sido, de alguma forma, prejudicada.

Colocando-me no campo da psicanálise como uma prática implicada com o tempo histórico, procurarei articular o complexo de Édipo a um fenômeno de grande força em nossa cultura: o uso compulsivo de drogas. Na esteira de estudos sobre a clínica e a sua articulação com o social, e sustentando a centralidade do Édipo na psicanálise, tenho o objetivo de discutir alguns efeitos da castração na constituição da toxicomania, em casos de neurose. Como o complexo de castração é um conceito amplo e polissêmico, faço a opção de analisar apenas um de seus sentidos: a fratura narcísica como efeito do impacto da alteridade e da diferença. Para tanto, realizo o seguinte percurso: 1) situo-me quanto à atualidade e a operacionalidade do complexo de Édipo; 2) apresento, brevemente, o impacto da castração e da inveja do pênis na construção da subjetividade; e 3) discuto, utilizando-me de fragmentos clínicos, alguns pontos sobre a incidência da castração na toxicomania2. Como sustentação teórica e clínica, utilizo-me dos textos de Freud (1900/2013; 1900b/1996; 1905/1996; 1923/2011; 1923b/2011; 1924/2011; 1925/2011; 1930/2010; 1931/2010; 1937/1996) e Sylvie Le Poulichet (1996; 2012).

 

Édipo e o tempo histórico

Com efeito, a conceituação freudiana do complexo de Édipo é datada, na história, de um tempo e de um lugar; de uma cultura e de uma forma de viver a sexualidade; tempo de interditos ao prazer, sobretudo da mulher; tempo de um sistema patriarcal hegemônico. Ora, por essa razão, e seguindo o espírito freudiano de pesquisa sobre o psiquismo, cabe-nos, como analistas de nosso tempo histórico, pensarmos e discutirmos a operacionalidade do complexo de Édipo: ele continua nos servindo como referência conceitual para pensarmos nas experiências de constituição da psicossexualidade?

Seguindo essa via de estudo, Nora Miguelez (2012) faz considerações relevantes. Em sua pesquisa bibliográfica, a autora faz uma leitura do pensamento de diversos analistas sobre o tema. De um lado, para um grupo (Miller, Rassial, Lebrun e Melman), a atual falência da figura paterna, no social, evidencia o declínio do Édipo. Haveria, como consequência, uma tendência social à perversão: estaríamos vivendo em um mundo perverso. Por outro lado, outros analistas (Birman, Gondar, Antunez e Santos) sustentam que a função paterna não declinou: ela foi transferida para outros poderes, como a mídia e a cultura de massa, por exemplo. Contudo, esses poderes seriam incapazes de possibilitar uma subjetivação com contornos firmes.

De seu lado, Nora Miguelez sustenta que esses novos poderes, a mídia, o Estado, a escola e a medicina, por exemplo, podem ter a força do patriarcado da época de Freud e, inclusive, podem ter uma brutalidade ainda maior. Em sua concepção, articulada com a sua leitura de Michel Tort (2005, apud MIGUELEZ, 2012), temos dois sentidos no Édipo: 1) um sentido amplo: a interdição ao incesto; e 2) um sentido restrito: a forma cultural como vivemos essa interdição. Assim, a proibição do incesto continua fundamental em nossa sociedade, mas mudou a forma de legislação sobre ela, visto a ruína do sistema patriarcal. Esse declínio não diz respeito ao declínio do falo como símbolo de poder: ele é encontrado em outros lugares, mas não mais no pai. A conclusão da autora é interessante, apesar de questionável: a manutenção do falocentrismo, mesmo que não mais interdito pelo patriarcado, continuaria construindo subjetividades predominantemente neuróticas. A manutenção dos novos agentes, herdeiros da potência paterna, continuaria a manter a interdição ao incesto. Por essa razão, a escolha da neurose, utilizando a expressão de Freud, continuaria sendo sustentada pelo atravessamento da castração. Na atualidade, modalidades normativas estariam mais centradas na persuasão e na sedução. Assim, "[...] a família atual, a educação formal e a empresa, seriam homogêneas nessa vertente sedutora. Esse estilo talvez promovesse a histeria como patologia cultural dominante na contemporaneidade" (p. 222).

No momento, não me cabe discutir as hipóteses de Nora Miguelez sobre os novos poderes e a histeria como neurose de nosso tempo. De seus argumentos, compartilho a sua forma de pensar o Édipo em sentido amplo, representante da lei contra o incesto, e em sentido estrito, como as formas históricas com as quais podemos lidar com essa lei. Trata-se de uma distinção importante para pensarmos: o que no complexo de Édipo é universal? O que está submetido ao momento histórico? Tort (2005, apud MIGUELEZ, 2012) faz uma importante consideração sobre esse ponto. No Édipo, existem elementos constantes e universais (a escolha de objeto incestuosa, a interdição ao incesto e as identificações) e elementos variáveis (a relação de um determinado povo com o poder paterno e com a primazia do falo). Sendo assim, para compreendermos a sua posição do Édipo na cultura, devemos considerar esses elementos constantes e variáveis. A meu ver, o Édipo continua sendo um dos elementos centrais na clínica psicanalítica.

Nesse sentido, concordo com Green (2008):

Quanto a mim, eu não posso me desprender da base fundamental do Édipo: a dupla diferença dos sexos e das gerações presidindo ao nascimento do indivíduo. Segundo essa posição, quaisquer que sejam as escolhas sexuais de um indivíduo, ele não poderá ignorar que nasceu de uma relação sexual entre pai e uma mãe de uma geração anterior, separados eles mesmos pela diferença dos sexos, e que, por toda a sua vida, ele terá que se haver com a elaboração de sua origem. Mesmo que suas escolhas pessoais o levem longe de reproduzir a situação anterior – e se trata de todo o jogo da sexualidade infantil que aqui se coloca – mesmo assim, não pode negar que é de lá que ele veio (p. 237-238, grifo nosso).

Independentemente de época ou de lugar, a diferença sexual e o enigma da vida obrigarão os humanos a construírem mitos e cultura. Nosso trabalho: pensá-lo em nosso tempo e espaço.

 

O desenvolvimento edípico: a castração e a inveja do pênis

A história do conceito de complexo de Édipo é longa e está articulada com o desenvolvimento de diversos outros pontos na teoria freudiana3. Desde as suas primeiras considerações sobre "Édipo Rei4", enviadas ao seu amigo Fliess, Freud5 está às voltas com o triângulo edípico. Em A interpretação dos sonhos (1900/2013), por exemplo, vemos o protótipo do complexo de Édipo positivo: desejo amoroso em relação ao genitor do sexo oposto e o ódio ao genitor do mesmo sexo. No citado texto, lemos que os pais desempenham um papel central na vida psíquica infantil e que os psiconeuróticos se apaixonarão "[...] por um deles e odiar o outro faz parte da reserva permanente de material de moções psíquicas formado nessa época e que é tão importante para a sintomatologia da neurose posterior" (p. 283).

Se, no início de sua obra, vemos as primeiras intuições e considerações sobre os sentimentos ambivalentes na vida psíquica, somente em uma fase avançada de sua produção, na década de vinte, Freud conceituará o complexo de Édipo em sua forma completa. Em decorrência da bissexualidade e da ambivalência, ele pôde postular a existência de duas dimensões do Édipo: 1) positiva: a criança deseja o genitor do sexo oposto e hostiliza o genitor do mesmo sexo; e 2) negativa: a criança deseja o genitor do mesmo sexo e hostiliza o genitor do sexo oposto. A existência de um Édipo simples, somente positivo ou negativo, seria uma esquematização sem fundamento prático. Em O eu e o id (1923/2011), temos uma descrição completa do Édipo.

Uma investigação mais penetrante mostra, em geral, o complexo de Édipo mais completo, que é duplo, um positivo e um negativo, dependente da bissexualidade da criança; isto é, o menino tem não só uma atitude ambivalente para com o pai e uma terna escolha objetal pela mãe, mas ao mesmo tempo comporta-se como uma garota, exibe a terna atitude feminina com o pai e, correspondendo a isso, aquela ciumenta e hostil em relação à mãe (p.41, grifo nosso).

Laplanche (1988) acentua como o complexo de Édipo completo nos conduzirá às identificações: a) a identificação com traços do pai (ser como o pai); b) ter como objeto a mãe (possuir/ser possuído pela mãe); e, ao mesmo tempo, c) identificação com traços da mãe (ser como a mãe); e d) ter como objeto o pai (possuir/ser possuído pelo pai). Vemos, assim, a complexidade de relações estabelecidas entre escolha de objeto e identificações secundárias, nas quais os objetos incestuosos são abandonados e há uma identificação com traços desses objetos.

Seguindo o modelo da oralidade, ao mesmo tempo em que se assimila um traço do objeto, transformando-o em seu, mastiga-o e o destrói. Essas identificações alteram o Eu, possibilitando a construção do Supereu. Nas palavras de Freud, "[...] essa alteração do Eu conserva a sua posição especial, surgindo ante o conteúdo restante do Eu como ideal do Eu ou Super-eu" (1923/2011, p. 42, grifo nosso).

O complexo de Édipo é o organizador da psicossexualidade e determina a forma como nos inscrevemos na cultura. É sob a égide da castração que enfrentamos a nossa incompletude, o desamparo, a nossa ilusão de onipotência e a alteridade. Não é sem razão que a análise do complexo de castração está presente num texto como "Análise terminável e interminável" (1937/1996), artigo no qual Freud questiona o alcance e as limitações da análise.

Como Freud nos mostrou, no menino e na menina a castração terá caminhos e efeitos distintos:

a) No menino, o desenvolvimento edípico ocorreria da seguinte maneira: depois de ter sido confrontado com o enigma da origem do humano, o que o levou à construção de suas teorias sexuais infantis, a percepção da diferença sexual, que inicialmente é recusada, o transporta para a real possibilidade de perder o seu órgão de imenso valor narcísico: o seu pênis. O pai, esse terceiro na relação com a mãe, seria o portador do poder castrador e representante da lei cultural de interdição ao incesto. Por causa de seu apego narcísico ao pênis, o menino abandona as escolhas de objetos incestuosos: lembremos que ambos os genitores são objetos de amor e de ódio: há um abandono do pai como objeto amoroso e uma identificação com ele; assim como há um abandono da mãe como objeto sexual e uma identificação com ela. No menino, o Supereu nasceria do abandono desses objetos de amor e das identificações com eles, sobretudo com a lei paterna.

Se a satisfação amorosa no terreno do complexo de Édipo deve custar o pênis, tem de haver um conflito entre o interesse narcísico nessa parte do corpo e o investimento libidinal dos objetos parentais. Nesse conflito vence normalmente a primeira dessas forças; o Eu da criança se afasta do complexo de Édipo (1924/2011, p. 208).

O complexo de castração, no menino, teria dois ingredientes centrais: a percepção da não existência do pênis e a ameaça de que alguém poderá cortar esse seu órgão. (LAPLANCHE, 1988).

b) Na menina, como podemos verificar no texto Sobre a sexualidade feminina (FREUD, 1931/2010), o desenvolvimento edípico e o impacto da castração ocorrem da seguinte maneira: da mesma forma como acontece com o menino, o questionamento das origens da humanidade a leva ao problema da diferença anatômica. Ao verificar que não possui o pênis, ela interpreta essa falta como um forte ataque ao seu narcisismo. Para a pequena, a castração não apresenta uma intensidade de angústia, pois ela já está consumada: é a constatação da castração que a coloca no palco edípico. Na fase fálica, a lógica do ter ou não ter impossibilita que ela perceba a existência de seu órgão sexual feminino. Por não viver essa ameaça de castração, a menina não teria que, de alguma maneira, destruir o complexo de Édipo. No menino, o pai é castrador; na menina, a mãe é a castradora, visto que, na concepção infantil, deve ter sido ela que não lhe deu o pênis. Afetos ambivalentes tão alastrados nesse complexo: amor, ódio, rivalidade, desejo, inveja e ressentimento. Dessa forma, constrói-se a inveja do pênis: uma inveja de uma suposta completude e um poder fálico. Freud apresenta diferentes formas de a mulher lidar com essa inveja: 1) substituindo o desejo de um pênis pelo desejo de um homem e, posteriormente, de um filho; 2) abandono da sexualidade feminina; 3) e um apego à afirmação masculina, na qual a esperança de ter um pênis se mantém viva em seu psiquismo. As diferenças com o menino não se encerram aqui. Na garota, por ter tido como o primeiro objeto sexual a mãe, assim como o menino também a possuiu como objeto primário, deverá abandonar esse objeto para escolher outro do sexo oposto. Além disso, ela deverá mudar de investimento no órgão sexual análogo ao pênis, o clitóris, e investir libidinalmente a sua vagina. A pré-história edípica, a relação precoce com a sua mãe, deixarão profundas marcas no psiquismo da menina. A relação com o pai será influenciada pelas marcas efetuadas nesse encontro primordial com a mãe. Por essa razão, o seu Supereu6 não possui a força da angústia de castração, visto que não há uma ameaça de perder o pênis. Sua intensidade está relacionada às marcas pré-edípicas no relacionamento com a mãe.

No Édipo feminino, Laplanche (1988) acentua dois ingredientes: percepção e a inveja do pênis. Para esse autor, é importante acentuarmos que a menina também sofre uma angústia severa: a perda do amor da mãe. Por não possuir o pênis, e devido à ambivalência que possui com a genitora, a menina teme que a mãe não a ame mais, visto a sua incompletude. Amor e ódio pela mãe marcam o desenvolvimento da menina e da mulher.

Como não há uma versão unívoca do complexo de Édipo (MIGUELEZ, 2012), a sua apresentação mais detalhada extrapolaria o objetivo desse trabalho. Da angústia de castração, em toda a sua complexa relação com a lei, detenho-me na intensidade da ameaça da perda narcísica do pênis e da marca da falta.

 

A droga no psiquismo neurótico

Enfrentar a toxicomania é dos atuais desafios da psicanálise. Como conduzir a cura nesse tipo de modo específico de sofrer? Modo no qual ocorre a transformação de um objeto de desejo em um objeto de necessidade, o que coloca o ato de se drogar no rol de vivências fundamentais: come-se, bebe-se e se droga.

Em um famoso trecho de Mal-estar na civilização, Freud (1930/2010) mostra-nos como o uso de droga é um método muito eficaz para atenuarmos o nosso sofrimento humano. A intoxicação seria o meio mais direto para nos afastarmos do desprazer e, ao mesmo tempo, obtemos prazer.

O serviço dos narcóticos na luta pela felicidade e no afastamento da miséria é tão valorizado como benéfico, que tanto indivíduos como povos lhes reservaram um sólido lugar em sua economia libidinal. A eles se deve não só o ganho imediato de prazer, mas também uma parcela muito desejada de independência em relação ao mundo externo. Sabe-se que com ajuda do "afasta-tristeza" podemos nos subtrair à pressão da realidade a qualquer momento e encontrar refúgio num mundo próprio que tenha melhores condições de sensibilidade. (p. 34).

Via de regra, as drogas possibilitariam um afastamento da realidade e dos sofrimentos decorrentes dela. Haveria, além disso, a construção de outra modalidade de viver, a qual Freud denomina como um "refugiar-se num mundo próprio". Desta afirmação, podemos obter vários sentidos. Indico um deles: a construção de uma realidade conforme o narcisismo do sujeito, no qual a alteridade seria anulada. A diferença seria fundamentalmente dolorosa e quase impossível de ser sentida e vivida.

Penso na fala de um paciente7, ao me contar sobre como vive a sua experiência com a droga.

Eu concordo quando você fala de outros prazeres além do da droga. Mas, cara, a droga é como um choque de três mil volts. Depois disso, você só quer ter isso novamente. Qualquer outra coisa só dá uns cem, ou mil volts, um pouco mais ou um pouco menos. Mas nada chega aos três mil volts. A gente não pensa em mais nada, na família, em ninguém; a gente só quer alcançar e ter esses choques novamente.

Essa descrição da experiência com a droga me parece primorosa e profundamente psicanalítica. Podemos pensar no encontro com o objeto primordial, marcado pelas experiências corporais e sensoriais, e na eterna busca por esse reencontro. O encontro com o objeto é um reencontro, como bem nos mostra Freud (1905/1996). A busca pela droga pode ser interpretada como a busca pela identidade perceptiva do encontro com o objeto. Pela via regressiva, a satisfação alucinatória do desejo buscaria regressar à coisa mesma, à representação da coisa em si (FREUD, 1900/2013). A busca por essa identidade perceptiva teria como objetivo possibilitar o encontro original com objeto: "uma repetição da percepção vinculada à satisfação da necessidade", ou seja, "algo perceptivamente idêntico à ‘vivência de satisfação’" (p. 595).

Busca-se, com isso, a coisa em si: a vivência sensorial/perceptiva de satisfação do desejo8.

Para Le Poulichet (1996; 2012), o tóxico possui um caráter paradoxal: ao mesmo tempo ele é veneno e é remédio. Para apontar o paradoxo citado, a autora resgata a expressão pharmakon, nome do tóxico na farmácia de Platão. O pharmakon não possui uma essência estável, tampouco se reduz à substância, mas, com efeito, refere-se à sua dupla essência (remédio/veneno): intoxica-se para se curar. No psiquismo, a noção de operação do pharmakon tem a função de criar uma autoconservação por meio da intoxicação. Essa noção tem sido utilizada por analistas para compreenderem as possíveis funções da droga no psiquismo.

Torossian (2003) acentua como, por meio dessa operação, há o desaparecimento do sujeito na toxicomania. Conte (2003), por sua vez, indica a importância de diferenciarmos o uso de drogas e a toxicomania. Para ela, "marca-se então, desta forma, a diferença entre droga e "tóxico". A droga, sendo produto em si, e o "tóxico", a transformação de um produto consumido, tomando para si uma função na vida psíquica" (p. 42).

Como vemos, é a função de produzir esse modelo de autoconservação paradoxal que caracteriza a operação do pharmakon e a toxicomania. Cito Le Poulichet (1996):

Inspirando-me nessas diversas observações, e querendo diferenciar os simples usos de drogas dessa tentativa de autoconservação paradoxal que é a toxicomania, propus referir esta última a uma operação do pharmakon. De fato, o que parece nas toxicomanias, bem mais essencial do que a ação específica de uma droga, é essa operação que inventa um curioso estatuto auto-erótico e auto-referencial de um corpo entregue a um imperativo de autogeração cotidiano, graças à intervenção de um "corpo estranho" que garante uma supressão tóxica da dor e da restauração de uma forma de homeostase na autocronia (p. 115, grifo nosso).

Na toxicomania, essa necessidade de refazer o corpo, diariamente, construindo bordas para ele, é um elemento importante. A esse elemento, acrescenta-se o que Le Poulichet denomina como autocronia. Segundo ela, ocorre uma identificação entre o objeto que é incorporado e o corpo que o incorpora. Com isso, haveria uma ilusão de fechamento narcísico. Em meu entendimento, esse fenômeno teria o efeito de transformar a existência: ao invés de querer ter a droga (objeto de desejo), o sujeito passaria a querer ser a droga (identificação). Assim, "tornar-se incessantemente o que se incorpora gera assim uma autocronia, isto é, um modo de tempo circular que exclui a alteridade: uma alteração sem alteridade" (p. 113, grifo nosso).

Recordo-me de outra situação clínica. Maria mora em uma pequena casa com alguns familiares, mas prefere passar a maior parte de seus dias nas ruas das cidades. Embaixo dos viadutos, usa várias pedras de crack por dia. Perde a conta das inúmeras "pauladas9" diárias. Em nossos encontros, pergunto-lhe sobre o efeito do crack em seu corpo. Com um ar de alegria no rosto, responde-me:

O crack é a melhor coisa que já tive na vida. É uma sensação maravilhosa! Não dá para descrever. Eu amo crack! Eu amo usar crack! Eu sei que faz mal, mas não vou mentir. Sem ele, parece que eu não sou eu. Eu só me sinto eu depois de usar crack. Por isso já acordo e venho usar.

Para Maria, a droga funcionava nesse registro: um objeto que a possibilitava possuir um corpo e habitá-lo.

 

Castração e autocronia

Como vimos até agora, a angústia de castração e a inveja do pênis são diferentes posicionamentos frente à castração. Das diferentes dimensões conceituais e clínicas do complexo de castração (interdição do incesto, instauração da lei, angústia de castração, inveja do pênis e sentimento de inferioridade, por exemplo), interessa-me pensar na fratura narcísica, decorrente do impacto do reconhecimento da alteridade e da diferença10. A autocronia seria uma espécie de afastamento dessa fratura. Não se trataria de uma recusa da castração, mas da criação de uma unidade narcísica como forma de afastar-se do forte impacto da diferença sexual. Assim, a droga possibilitaria a criação de um modo específico de afastamento da alteridade, da diferença e do outro. Balint (1968/2014) também aponta para a existência de um fechamento narcísico na toxicomania. Nesses pacientes, haveria uma necessidade primitiva de harmonia. As frustrações do encontro com os outros, que na análise são atualizadas na transferência, lhe seriam insuportáveis.

Após um ano de trabalho comigo, Paula está se defrontando com a sua dificuldade em aceitar as suas falhas. Ela me conta como é difícil se manter no trabalho e fazer amizades, pois a relação com o outro lhe é imensamente dolorosa e intensa. Uma breve conversa com alguém, por exemplo, assustava-lhe, pois a diferença era vivida como perigosa e despertava um elemento paranóico: o outro estaria sempre prestes a apontar as suas falhas. Nesse embate com o outro, a bebida servia como refúgio. Em uma sessão, Paula conta-me como está "angustiada" por não conseguir realizar o trabalho da forma como gostaria e desejava. Na noite anterior, bebera muito.

Peço-lhe para me contar mais sobre o seu trabalho. Paula relata-me uma situação limite, na qual a capacidade humana seria afrontada: realizar inúmeras atividades complexas, simultaneamente, e de forma precisa. Detalhe: não era a empresa que lhe impunha tal situação de trabalho, era Paula que se colocava na posição de realizá-las dessa maneira. Com humor, digo-lhe: "Paula, nem você, nem eu, nem o Obama, nem a Dilma ou o Aécio poderiam fazer tudo dessa maneira que você imagina. É humanamente impossível11". Ela ri muito de minha fala.

Começa a questionar a origem de sua necessidade de beber. Pergunta-se sobre a forma de lidar com as falas de seus pais; falas que "não me deixam em paz". Em minha intervenção, com certo humor, defronta-nos com a castração de ambos. Entendi que seria uma forma de começarmos a nos posicionarmos frente a sua fantasia da existência de algum humano super-humano (não castrado).

Ter ou não ter certos atributos ideais era um dos focos do trabalho com Paula. Ter ou não ter a beleza? Ter ou não ter a capacidade de ser boa trabalhadora? Ter ou não ter os homens? Ter ou não ter o amor da mãe? A meu ver, a bebida possibilitava a criação desse espaço de fechamento, no qual a alteridade não lhe mostraria constantemente a castração de Paula. Tratar-se-ia de uma substância que, modificando o funcionamento corporal, construiria um mundo no qual o outro não fosse outro: não desejasse e não mostrasse a incompletude de Paula.

A operação do pharmakon, esse remédio/veneno, possibilitaria o afastamento da castração. Na toxicomania, o sujeito utilizaria a droga como um afastamento do impacto da alteridade. Essa fratura narcísica colocaria à prova, constantemente, a onipotência humana.

Como sabemos, a luta diária de viver nos impõe limites duros: a cada novo dia somos lembrados e confrontados com essa dupla vivência: a ameaça de perder o que se supõe ter e a fantasia que alguém possui algo que não temos – algo que não nos foi dado.

A droga, na toxicomania, poderia ser um modo específico de afastamento da castração.

Afastamento fadado ao fracasso, pois ele não é permanente, visto que os efeitos psíquicos passam e a castração torna a se impor. A autocronia, obtida pela operação do pharmakon seria o efeito desse afastamento: a criação de um tempo sem tempo; a criação de um mundo sem o outro. Haveria, assim, uma anulação do sujeito do desejo.

No tratamento da toxicomania na neurose, o enfretamento da utilização da droga como mecanismo de afastamento da castração e da alteridade é imprescindível. A meu ver, o manejo clínico promove efeitos psíquicos importantes, por meio de um trabalho mais próximo da construção. As interpretações devem ser utilizadas de uma maneira cuidadosa e sutil, pois, em muitos casos, elas podem ser vividas como ataques ou algum tipo de elemento desorganizador da dinâmica psíquica. Dito de outro modo, a interpretação corre o risco de ser escutada como um ataque direto às defesas estruturadas com o uso da droga. Por essa razão, o trabalho de construção conjunta de sentidos, simbolizações e sustentações internas é fundamental. Assim, torna-se mais potente, efetivo e promissor as construções de possibilidades de vivenciar a castração, sobretudo em sua dimensão de confronto com a alteridade.

 

Considerações finais

Em uma leitura freudiana mais completa, teríamos que nos ater à articulação entre o pré-edípico e o edípico, com toda a sua gama de conceitos e noções, e à teoria das pulsões, com ênfase na articulação entre fusão e desfusão pulsional. O belo trabalho de Gurfinkel (1996) é um ótimo exemplo dessa leitura freudiana da toxicomania.

Com Le Poulichet (2012), vemos como a toxicomania deve ser constantemente pensada e repensada, escutada e teorizada, pois, somente assim, conseguiremos nos aproximar mais dessa faceta do existir humano. Concluo afirmando que, além das importantes construções metapsicológicas sobre o tema, torna-se imprescindível pensarmos no alcance e nos limites da psicanálise nesses casos, bem com a articulação do trabalho clínico com outras disciplinas e saberes necessários para o cuidado das pessoas que sofrem pela relação psicopatológica com o tóxico.

 

 

Referências

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CONTE, Marta. Necessidade-demanda-desejo: os tempos lógicos na direção do tratamento nas toxicomanias. Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, Porto Alegre, n.24, p.41-59, 2003.         [ Links ]

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Artigo recebido em: 07/03/2016
Aprovado para publicação em: 04/07/2016

Imagem Seta Endereço para correspondência
Douglas Rodrigo Pereira
E-mail: pereira.dougrodrigo@gmail.com

 

 

* Psicólogo, psicanalista, mestrado Psicologia Clínica/Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), prof. Curso de Especialização em Psicopatologia e Saúde Pública do Núcleo de Psicopatologia, Políticas Públicas de Saúde Mental e Ações Comunicativas em Saúde Pública/Universidade de São Paulo (NUPSI USP), prof. Curso de Psicologia/Universidade Anhanguera de São Paulo-Unidade ABC (UNIAN-ABC).
1Algumas considerações de Freud sobre a sexualidade feminina levantaram polêmicas, sobretudo quanto ao papel da inveja do pênis na constituição do feminino. No entanto, devido ao meu objetivo, não me deterei em discuti-las.
2A toxicomania, usualmente, é pensada a partir da intensidade pulsional, do narcisismo, da compulsão à repetição e da pulsão de morte. Em termos freudianos, estaríamos no campo das identificações primárias, dos desligamentos e da pré-história edípica. Antes de entramos na lógica edípica do ter ou não ter, fálico ou castrado, a análise deveria se focar no ser ou não ser, ou seja, no narcisismo e nas primeiras relações de objeto. Trata-se, é certo, de uma perspectiva certeira, com a qual eu compartilho idéias. Em outro momento (PEREIRA; MIGLIAVACCA, 2014), por exemplo, detive-me sobre as dimensões não desejantes da toxicomania. Atentei, sobretudo, à compulsão à repetição e ao traumático. Por essas razões, optei por não analisar o pré-edípico, já que se trata de linha de leitura mais costumeira. Como com qualquer recorte teórico, obtenho ganhos e perdas conceituais e clínicas importantes. Para os interessados em uma análise aprofundada da toxicomania, indico os trabalhos de Gurfinkel (1996;2011).
3Aos interessados na gênese desse conceito, remeto-os aos textos de Mezan (2008) e Nora Miguelez (2012).
4Para os interessados na tragédia de Édipo e de sua família, remeto-os ao livro de Quinet (1987).
5Gay (1989) cita que o homem Freud se identificava com Édipo. "Freud, mais tarde, gostava de chamar a filha Anna de sua Antígona. Não é o caso de levar longe demais esse nome afetivo: Freud era um europeu culto falando para outros europeus cultos, e fez uma incursão em Sófocles à procura de uma comparação afetuosa. Mas os significados de "Antígona" são ricos demais para serem deixados totalmente de lado. O nome ressaltava a identificação de Freud com Édipo, o descobridor arrojado dos segredos da humanidade, o herói epônimo do "complexo nuclear", o assassino do pai e amante da mãe. E há mais. É mais do que evidente que os filhos de Édipo eram extraordinariamente ligados a ele; tendo sido gerados pela mãe de Édipo, eram tanto filhos como irmãos seus. Mas Antígona destacava-se entre eles. Era sua companheira e leal, assim como Anna se tornou, ao longo dos anos, a camarada escolhida do pai. É Antígona que, em Édipo em Colona, guia o pai cego pela mão, e em 1923 foi Anna Freud quem se instalou firmemente como secretária, confidente, representante, colega e enfermeira do pai enfermo. Ela se tornou seu vínculo mais precioso com a vida, sua aliada contra a morte." (p. 404).
6No Supereu, sem dúvida, as marcas identificatórias primárias também possuem um papel importante no desenvolvimento do Édipo. Em ambos, menino e menina, o narcisismo dos pais desempenha função inestimável nessas primeiras marcas no corpo erógeno. Assim, a construção do Supereu precisa ser pensada na articulação entre o pré-edípico e o edípico, assim como entre o pulsional e o cultural.
7Para manter o sigilo, os nomes apresentados são fictícios. Além disso, não relato fatos que poderiam possibilitar o reconhecimento dos envolvidos.
8Pela as considerações sobre a identidade perceptiva, agradeço a Cleide Monteiro.
9Paulada ou pipada: nomes utilizados na rua para designar o ato de fumar crack.
10Em termos estruturais, teríamos que pensar nas diferentes modalidades de enfrentamento/defesas contra a castração, sejam elas o recalque, a recusa ou a rejeição. Opto por tratar da toxicomania nas neuroses. Sem dúvida, é um campo de estudo essencial é o da utilização dos mecanismos de recusa e rejeição na toxicomania. De fato, a toxicomania se constitui como uma forma de existir e sofrer com proximidade da perversão e da psicose. Entretanto, centro-me nos efeitos da castração na neurose.
11Penso que me utilizei de nomes de políticos para expressar que, independentemente do poder e da posição, todos e todas devem enfrentar condição humana de desamparo e incompletude.

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