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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

On-line version ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.38 no.35 Rio de Jeneiro Dec. 2016

 

ARTIGOS

 

A Mania como um destino do Luto

 

Mania as a destination of Mourning

 

 

Thais Carneiro Ribeiro*

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo, os estados maníacos serão tomados como um destino do Luto, dando continuidade à convocação de Freud de buscarmos uma explicação psicanalítica para a Mania. Tanto a Melancolia como a Mania têm origem em um encontro com a perda de um objeto amado ou desejado. Entretanto, cada uma destas afecções terá um modo de funcionamento psíquico próprio, em que a Mania será vista em sua positividade, para além de uma defesa em relação à Melancolia. O tema é abordado por meio das concepções de Sigmund Freud, Melanie Klein e Jacques Lacan.

Palavras-chave: Psicanálise, Luto, Mania, Melancolia, Objeto, Supereu, Identificação.


ABSTRACT

In this paper, maniac conditions will be assumed as a destination of Mourning, thus proceeding with Freud's appeal for searching a psychoanalytic explanation to Mania. Both Melancholy and Mania have a common origin in the encounter with the loss of a loved or desired object. However, each of these conditions has its own psychic working, in which Mania is considered for its positivity beyond a mere defense regarding Melancholy. The subject is approached according to Sigmund Freud's, Melanie Klein's, and Jacques Lacan's concepts.

Keywords: Psychoanalysis, Mourning, Mania, Melancholy, Object, Superego, Identification.


 

 

Introdução

O intuito deste artigo é dar continuidade a pesquisas que busquem explicações psicanalíticas para a Mania, seguindo a convocação feita por Freud ao expor limites em suas principais concepções sobre esse transtorno. Seu título propõe uma subversão da ideia usual de que a Mania se estabelece apenas como um contraponto à Melancolia.

Pensamos que tanto a Mania quanto a Melancolia fazem parte de um mesmo "complexo", relacionado ao encontro com a perda de um objeto amado ou desejado, que origina formas de funcionamento psíquico, próprias e distintas, para lidar com a negação dessa perda. Assim, da mesma maneira que a Melancolia se distingue da tristeza, a Mania não se confunde com a alegria, uma vez que carrega em si mesma uma potência mortífera.

Entendemos que a Mania não deve ser vista apenas como um refúgio para a Melancolia ou como uma defesa, no sentido de evitação, mas também em sua positividade, tanto para o sujeito melancólico, já que, muitas vezes, ela vem em seu socorro, contendo seu impulso suicida, quanto como um fator inerente ao desenvolvimento infantil.

 

A Mania do ponto de vista de Freud

Já em Introdução ao narcisismo (1914), com os termos Eu ideal e Ideal de eu, a noção de Supereu começa a se esboçar. Entretanto, este último termo, passando pelo artigo Luto e melancolia (1914/15), só veio a se consolidar como uma das instâncias psíquicas na segunda tópica em O eu e o isso (1923).

Os conceitos de Identificação e Supereu estão fortemente implicados no entendimento da Melancolia e da Mania. Em Luto e melancolia (1914/15), uma forma de identificação é proposta na busca de uma explicação para a Melancolia e sua diferenciação do luto. Uma de suas precondições é que haja uma catexia objetal, com forte fixação, mas com pouco poder de resistência, para manter-se enquanto tal, por ter se estabelecido sobre uma base narcísica. Assim, uma catexia erótica é substituída por uma catexia narcísica, regressiva e parcial. Tal processo será denominado identificação narcísica. Com esse mecanismo, o Eu incorpora a si mesmo o objeto perdido e amado.

Na Melancolia, uma parte do Eu se colocará contra outra, julgando-a e tomando-a como um objeto. Um conflito entre um Ideal de Eu, que funciona como agente crítico e o Eu se estabelece. As recriminações dirigidas a ele procedem da ambivalência quanto ao objeto amado e perdido. Neste texto, a noção de Supereu segue tomando forma e se afirmando como resultado das identificações derivadas da dissolução do Complexo de Édipo, associadas à ameaça de castração.

Em O eu e o isso (1923), o Supereu aparece como sendo formado mediante identificações com as catexias abandonadas no Isso. A identificação passa pela dessexualização, que resultará em uma desfusão pulsional e uma forma de agressividade será liberada. Assim, o Supereu poderá ser cruel como só o Isso consegue ser. Influenciado por uma cultura de pulsão de morte, o Supereu poderá empurrar o Eu em direção à mortificação, como um tirano a ordenar "farás".

O tema da Mania se destaca, mais fortemente, no artigo Luto e melancolia (1915), em que Freud aponta como uma notável característica da Melancolia sua tendência a transformar-se em Mania, afirmando a necessidade de estender à Mania uma explicação psicanalítica. Inicialmente, uma explicação do ponto de vista econômico é buscada. Nela, a exaltação e triunfo dos quadros maníacos pode ser justificada pela descarga de uma grande quantidade de energia psíquica, que vinha sendo despendida no trabalho do Luto e que se torna novamente disponível. Assim como na Melancolia, diferentemente de quando o trabalho de elaboração do luto é efetuado, aquilo sobre o que o Eu triunfa ou o que ele domina permanece oculto, inconsciente.

Pode-se supor, então, que na Mania o Eu superou a perda do objeto e o seu luto, apropriando-se das catexias objetais que haviam sido abandonadas, e que, agora, se tornaram disponíveis. O sujeito em Mania seguirá buscando novas catexias como um homem faminto e voraz. Entretanto, Freud se perguntou, então, por que todo processo de enlutamento não seria seguido de uma fase de triunfo.

Em Psicologia das massas e análise do eu (1921), o estudo dos grupos retoma a distinção entre o Eu e o Ideal de Eu, estabelecida, inicialmente, em "Introdução ao Narcisismo" (1914). Esta diferenciação traz novas dificuldades para o funcionamento do aparelho mental e aumenta sua instabilidade e caráter conflituoso. O embate entre o Ideal do Eu e o Eu é, por vezes, temporariamente suspenso e eles se fundem, uma vez que as renúncias que o primeiro impõe ao segundo tornam-se insuportáveis e a transgressão das proibições se torna uma regra.

Por este viés, os festivais dos povos primitivos são interpretados por Freud, em Totem e tabu (1913), como excessos previstos em lei, que têm seu caráter alegre, por proporcionar alívio frente às exigências superegoicas. O Eu, assim, poderia sentir-se satisfeito consigo próprio por um breve período, desfrutando, parcialmente, da abolição de suas inibições, considerações pelos outros e autocensura, livre da tensão entre o Eu e o Ideal de Eu e dos sentimentos de inferioridade e de culpa. Neste texto, a Mania é tomada como análoga à Festa.

Assim como na Melancolia, a Mania pressupõe a existência de um Ideal de Eu forte, incansável, severo e rígido, que gera conflitos agudos, mas, enquanto o sujeito melancólico sucumbirá ao conflito, o sujeito maníaco rebelar-se-á contra o Ideal de Eu.

 

A Mania do ponto de vista de Melanie Klein

Em Contribución a la psicogénesis de los estados maníaco-depresivos (1934), Melanie Klein dá seguimento às interrogações freudianas, ao tratar da ligação entre os estados maníacos e depressivos e relacioná-los a uma posição subjetiva de negação da perda. As flutuações entre estes estados, que carregam ansiedades psicóticas, fazem parte do desenvolvimento normal da criança e sua transformação, ou não, em patologias na vida adulta depende de seu atravessamento e elaboração.

O mundo dos objetos para o bebê pode ser descrito como constituído de partes e porções do mundo externo, que são hostis e perseguidoras ou gratificantes e benéficas, divisão que estará na origem dos sentimentos ambivalentes. Esta percepção ajuda o bebê a se defender dos objetos maus e a internalizar os bons, com os quais estabelecerá suas relações de confiança e amor. A unificação dos objetos amados e odiados, reais e imaginários, é levada a cabo em planos, cada vez mais próximos da realidade e a ambivalência em relação aos objetos diminuirá.

Nesse momento inicial da vida, o Eu se defronta, então, com a necessidade de reconhecer e distinguir, paulatinamente, a realidade psíquica e a realidade externa. A criança manterá, junto com suas relações com os objetos reais, suas relações com a imago destes como figuras excessivamente más, ou boas.

O processo de integração desses objetos leva a criança a perceber que o objeto amado é ao mesmo tempo o objeto odiado. O temor da perseguição pelos objetos maus, já suavizado, somado ao pesar pela perda deste objeto bom, caracteriza a posição depressiva e sua ansiedade básica, cujo protótipo é o desmame. Melancolia e Mania, enquanto estados patológicos na vida adulta, têm por base tal posição.

É nesse estágio, muito inicial, que se estabelecem as fantasias maníacas de omnipotência, primeiramente, controlando o seio e, em seguida, controlando os pais internalizados e externos. No entender de Klein, a qualquer momento que a criança encontre de novo o seio, a coincidência entre o Eu e o Ideal de Eu será reencenada.

Junto à diminuição da ansiedade paranoide, pelo domínio da agressividade e pelo crescimento do amor pelos objetos bons, por meio dos vínculos com objetos externos, tendências reparadoras terão um papel decisivo na superação da posição depressiva. Tais tendências são colocadas em movimento por meio de diversos mecanismos, inclusive os maníacos.

O sentimento de omnipotência é o que caracteriza, primeira e principalmente, a Mania. Ele está baseado na negação da realidade, psíquica ou externa, inaugurada como defesa para a mais profunda das ansiedades, que é o temor aos perseguidores internos. O Eu pressionado pelo medo dos objetos maus e perseguidores também recorre a estes mecanismos, em sua luta para controlar sua ansiedade persecutória.

Ele procura escapar da subordinação e da perigosa dependência dos objetos bons, sem abrir mão deles. Negando a importância de seus bons objetos, bem como as ameaças advindas dos objetos maus, o Eu busca dominar e controlar seus objetos introjetados. O sujeito maníaco conjuga a negação, não a uma separação e inatividade frente à realidade externa, mas ao excesso de atividade, a que tal esforço o obriga.

O domínio dos objetos é necessário para controlar o medo e para possibilitar que sua reparação seja levada a cabo. Os objetos poderão ser mortos ou reparados de modo omnipotente pelo sujeito maníaco, que tem fome de introjetar objetos bons e nega as ansiedades relacionadas à introjeção de objetos maus e à destruição dos objetos bons já internalizados.

Pode-se supor, então, que o processo descrito por Freud, em que o Eu e o Ideal de Eu coincidem na Mania, ocorra da seguinte forma: o Eu incorpora o objeto de forma canibalística e triunfante e, ao mesmo tempo, nega-se a sentir interesse por ele ou a lhe atribuir importância. O menosprezo pelo objeto torna-se uma característica peculiar da Mania, bem como inviabiliza sua contribuição ao processo de reparação.

A fome e a depreciação de objetos caminham simultaneamente, mas operam de maneiras diferentes. O sujeito, ao acionar defesas maníacas, pode contribuir para a fortificação do Eu, frente à ameaça de perda de objetos bons, força que, na posição depressiva, ele ainda não pode alcançar. Assim, os estados maníacos aparecem, não só como refúgio para os estados depressivos, mas como um conjunto de mecanismos que permitem sua emergência.

O Eu, ameaçado de ser destruído, erigirá fantasias omnipotentes e violentas, com o propósito de controlar e dominar os objetos extremamente maus, salvar e restaurar a perfeição dos objetos bons, e, finalmente, proteger-se contra a perigosa dependência de seus objetos amados. Tal operação envolve omnipotência, negação e idealização e é marcada por intensa ambivalência.

O sujeito em Mania deseja, assim, controlar, vencer e humilhar o objeto. O triunfo sobre ele poderá fazer parte do processo de reparação, mas, esse ciclo benigno poderá ser rompido por seu caráter omnipotente. Os objetos que deveriam ser restaurados transformam-se em perseguidores e reforçam a necessidade de destruir o objeto perseguidor, por meio de mecanismos maníacos. Entretanto, o triunfo sobre os objetos internos é um aspecto destrutivo da posição maníaca, que impede o trabalho primitivo do luto.

Para ilustrar esse processo, vemos nos sujeitos maníacos ou hipomaníacos uma tendência à valorização exagerada ou ao desprezo, concebendo tudo em grande escala ou quantidades, sempre de acordo com a magnitude de sua omnipotência. Eles diminuem a importância dos detalhes e da escrupulosidade. Esse desprezo pela vida e pelo objeto se deve, em parte, à necessidade de recuar de seu impulso em direção à reparação, porque, para colocar em movimento este impulso, seria preciso reconhecer a causa desta reparação, ou seja, a injúria e o ataque ao objeto, sua perda e a culpa subsequente.

A habilidade crescente, mas ainda limitada, da criança aumenta sua capacidade para controlar seus impulsos hostis, para desenvolver maior confiança em suas possibilidades construtivas e, por conseguinte, diminuir sua omnipotência maníaca. As flutuações entre as posições depressiva e maníaca farão parte de seu desenvolvimento normal.

O maior perigo para o sujeito em luto é o retorno contra si mesmo do ódio relativo à pessoa amada, que tem como resultando um estado melancólico. Porém, uma das formas pelas quais o ódio, na situação de luto, se expressa são os sentimentos de triunfo sobre a pessoa morta, próprios das defesas maníacas. Os desejos de morte da criança com relação aos pais e irmãos, aparentemente, se cumprem quando alguém morre. Assim, a morte, ainda que frustre em diversos sentidos, é sentida, de certo modo, como vitória.

Klein, portanto, discorda da afirmativa freudiana em Luto e melancolia (1915), onde é dito que, no luto normal, não surge indício da condição econômica necessária para uma fase de triunfo consecutiva ao seu término. Ou seja, essa fase só seria concebível na Melancolia, por haver uma forte descarga de contracatexias.

O triunfo durante o luto retarda seu trabalho e contribui para as dificuldades do sujeito. Entretanto, o mecanismo maníaco de idealização do objeto amado é uma das fases de seu processo. Como se sabe, o enlutado encontra alívio em recordar a bondade e qualidades da pessoa perdida. O contraponto a esta idealização é o ódio e o medo de sua vingança. Gradualmente, o sujeito restabelecerá sua confiança na pessoa amada perdida, mas aceitando que ela não foi perfeita. Assim, uma importante etapa do trabalho de luto será vencida.

Freud afirma que uma das razões para o enlutado desfazer suas ligações com o objeto perdido e optar pela vida são as pequenas satisfações narcísicas obtidas ao longo da vida. Para Klein, essas satisfações narcísicas também contêm um elemento de triunfo, que para Freud não faz parte do luto normal.

O sofrimento inerente ao luto, em que a posição depressiva é reativada, pode ser produtivo. Este encontro com uma adversidade e sua superação ocasiona um trabalho mental semelhante ao do enlutamento, em que cada avanço no processo pode ter como resultado um aprofundamento das relações do sujeito com seus objetos e a felicidade de tê-los reconquistado, como a criança que conquista uma maior independência em relação aos objetos internos e externos.

Os sujeitos que fracassam no trabalho de luto são aqueles que não lograram sucesso em vencer a posição depressiva, estabelecendo bons objetos internos e sentindo segurança em seu mundo externo, de forma que o Eu esteja suficientemente fortalecido para enfrentar perdas.

 

A Mania do ponto de vista de Lacan

"Pecado mortal e covardia moral" é a definição, sustentada em complexa base filosófica - sobre a qual não nos estenderemos - que se deduz nas poucas linhas que Lacan dedica à Mania em Televisão (1973). A profusão dos sintomas maníacos, na visão da psiquiatria, se resumirá em uma palavra: excitação. Em sua formulação, o sujeito maníaco está implicado nessa excitação e a Mania se constrói a partir dos mecanismos de rejeição. É esta a posição que, nesse caso, o sujeito assume diante da problemática da culpa, posição já apontada por Klein como negação ou escotomização.

Collete Soler, autora inspirada em Lacan, desenvolverá, em Estudios sobre la psicosis (1992), o tema da Mania e da Melancolia, partindo da ideia de que aceder à condição de falante, por si só, já condiciona o sujeito a uma virtualidade melancólica, uma vez que a aquisição da linguagem implica na morte da coisa. Além disso, à ascensão ao Simbólico, pela instauração da Lei, na teoria lacaniana, também representa uma perda, por estar associada à morte do Pai e à castração.

Assim, a dor de existir, a culpa e a dívida são questões colocadas para o falante desde o início de sua constituição, questões para as quais cada estrutura psíquica constituirá uma resposta, o que Lacan chamou de "a insondável escolha do ser". Na Mania e na Melancolia, a relação com o objeto, causa de desejo, é profundamente alterada, recaindo sobre o sujeito aquilo que a linguagem tem de mortal e, consequentemente, provocando a desregulação do gozo.

O melancólico objeta precisamente à "comédia do falo", ao véu idealizado onde reluz o brilho fálico, que encobre e ofusca a ausência do objeto. O sujeito melancólico alimenta o objeto com toda a consistência de seu eu e, ainda que ele aparente querer desvendar este objeto miserável e expor seu saber sobre o falo, o melancólico reivindica uma ignorância absoluta e reclama, pela via do insulto e da recriminação, dirigida ao exterior ou a si mesmo, a ilusão e a máscara.

Assim, ele preencherá o vazio deixado pelo objeto perdido com o seu próprio ser e abrindo mão de desejar, em nome da ignorância. Nesse sentido, ele é a encarnação do resto, um objeto miserável, deixado pela operação significante. Sua resposta àquilo que foi rejeitado advirá do Real, que é um espaço não subjetivável.

Melancolia e Mania implicam uma negação da perda, ao nível do significante. Em contraste com a mortificação do melancólico, encontramos o estado de exaltação maníaca. O tipo de fala maníaca, que foi descrita pela psiquiatria como "fuga de ideias", assume, nesses estados, o caráter de fenômeno elementar, independentemente de se fazer acompanhar ou não por alucinações, ou seja, a forma usualmente tomada nas psicoses como única e paradigmática do retorno do Real.

Trata-se aí de um discurso que não mais se desenrola, senão no vetor da antecipação da significação, sem que nenhuma retroação venha estabelecer um ponto de amarração, apresentando-se numa infindável justaposição de frases. Como se o objeto tivesse sido destituído em sua função de ancoragem do discurso, ou seja, do que causa a produção de sentido. Na Mania, o sujeito está imerso em uma existência que perdeu sua historicidade, há uma ausência do tempo histórico e o sujeito está disperso no infinito da linguagem que o atravessa. Inversamente, na fala do melancólico, é o vetor da antecipação que é posto de lado, o discurso perde sua fluidez, bem como sua capacidade de deslizar de um significante para outro.

A Melancolia nega a perda ao nível do significante e o sujeito se identifica com o objeto perdido, como afirmou Freud: "a sombra do objeto recai sobre o Eu". A Mania, entretanto, pressupõe uma dupla negativa, em que ele não só se identifica com o objeto perdido, como realiza a operação de expulsá-lo para fora de si. É neste ponto que Freud reconhece a virada efetuada pelo maníaco e seu consequente triunfo sobre a perda do objeto.

Em suas últimas observações sobre a Mania, Freud afirma que aquilo sobre o que o maníaco triunfa é o Ideal de Eu, ligado à figura do pai. Sua hiperatividade tem, entretanto, menos um caráter festivo e orgiástico, derivado de uma liberação positiva das pulsões, do que a marca inequívoca do mais, além do princípio do prazer, que faz o sujeito precipitar-se em uma nova catástrofe. O sujeito maníaco é, antes, uma presa das exigências de gozo do Supereu, do que liberto de seu caráter limitador e proibitivo.

A excitação maníaca, com a anarquia da intencionalidade e a desregulação dos ritmos vitais que a caracterizam, é tão arriscada quanto a mortificação melancólica. Assim, um falar maníaco carrega, não raramente, um conteúdo melancólico. Em sua busca de novos objetos e catexias, o maníaco torna-se infatigável, animado por uma vida paradoxal que marcha para a morte com a mesma firmeza que o melancólico. O sujeito maníaco elege negar a perda e expulsar o objeto, colocando, no lugar da tristeza e da culpa, a raiva e o rancor.

 

Conclusões

O que se pode denominar como um mesmo complexo relacionado à Melancolia e à Mania diz respeito à ocorrência de uma catástrofe libidinal, advinda dos danos, que uma perda de natureza imprecisa produz nas relações de objeto. O estado maníaco para Freud, em suas considerações finais, aparece como alegria e alvoroço no plano da conduta, causados pela suspensão das inibições impostas pelo Ideal de Eu. A simetria da Melancolia e da Mania é demonstrada por meio do tratamento análogo que ele lhes concede ao estabelecer uma relação entre a Festa e a Mania e entre o Luto e a Melancolia, entre a dor do melancólico e a alegria no maníaco.

A festividade na Mania é concebida como a derrota da instância da censura em proveito da afirmação narcísica e triunfal das exigências pulsionais. Fora dos quadros maníacos, o que ocorre é que essa relativa satisfação diante da insistência dos desejos recalcados permanece submetida ao julgamento do Ideal de Eu.

Uma das linhas de pesquisa deixadas por Freud, quanto à Mania, é sua articulação com as concepções futuras sobre o mais além do princípio de prazer, onde o Supereu, mais que apenas gerar um conflito psíquico, ligar-se-á à pulsão de morte. Ele não é apenas um princípio de limitação, mas se apresenta também como exigência de gozo, expressa na afirmação ditatorial do "farás".

A ideia da Mania, como Festa, não sugere o risco mortal à qual está enlaçada. Logo, o sujeito maníaco não pode ser tomado como um ser orgiástico. O líder, que não aceita nenhum sacrifício de sua libido, difere do maníaco, assim como a ascensão das pulsões, em um sujeito, difere da exuberância e transgressão maníacas. Seu excesso de vitalidade é uma ameaça à própria vida. Não se trata de uma afirmação assumida e sem travas das pulsões, nem de hedonismo, nem de cinismo. O retorno do que foi negado pelo Eu no Inconsciente, retorna como excitação.

Klein e Lacan refletiram sobre a Mania e concordaram que ela consiste em uma posição subjetiva adotada frente ao objeto e sustentada pelo mecanismo da negação, reafirmando o ponto de vista de Freud de que uma causalidade psíquica opera em sua base.

A negação da realidade psíquica nos estados maníaco-depressivos se manifesta na fuga de ideias, na lentidão e silêncio, como fenômenos da Mania e da Melancolia, respectivamente.

Eles demonstram a perda do sentido na linguagem e apontam para os transtornos que se tornam presentes nas relações do sujeito com o objeto nesses casos. O sujeito maníaco está disperso no infinito da linguagem, que o atravessa ao se desprender do objeto e o sujeito melancólico está impedido de deslizar pela linguagem, uma vez que é presa do objeto.

O gozo barrado pela castração resulta em um prazer possível, na medida em que a pulsão busca satisfação ao circundar o objeto perdido, separado do sujeito, por meio de sucessivos deslocamentos metonímicos.

O desregulamento do gozo no sujeito maníaco, em sua excitação, gera um desequilíbrio das funções vitais, que ignora as exigências do corpo, o que o torna incansável e o coloca no caminho da morte, com a mesma firmeza que o melancólico.

 

 

Referências

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Artigo recebido em: 23/03/2016
Aprovado para publicação em: 05/09/2016

Imagem Seta Endereço para correspondência
Thais Carneiro Ribeiro
E-mail: tcarneiroribeiro@gmail.com

 

 

*Psicanalista, mestrado Psicologia Clínica/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

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