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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

On-line version ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.39 no.36 Rio de Jeneiro Jan./June 2017

 

RESENHAS

 

Psicanálise e Educação

 

Psychoanalysis and Education

 

Maciel, Maria Regina. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2016. 160p.

 

 

Ana Lila LejarragaI*

ICírculo Psicanalítico do Rio de Janeiro - CPRJ - Brasil
IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Brasil

Endereço para correspondência

 

 

A psicanalista Maria Regina Maciel, com seu livro Psicanálise e Educação, convoca-nos a pensar as articulações entre esses dois campos do saber, tanto da perspectiva teórica quanto das propostas práticas.

O livro consiste numa coletânea de textos escritos em diversas épocas, resultado da trajetória de mais de vinte anos da Maria Regina como psicanalista, professora da Faculdade de Educação e pesquisadora. Tendo como base a teoria freudiana, a autora lança mão das contribuições de outros autores, como Lacan e Winnicott, entre outros, para fundamentar melhor seus argumentos e enriquecer o debate sobre o tema.

Assim, embora Freud tivesse afirmado que educar era uma atividade impossível, da mesma forma que psicanalisar e governar e o livro de Catherine Millot, Freud antipedagogo, tivesse influenciado, fortemente, uma geração de psicanalistas sustentando a radical separação entre psicanálise e educação, Maria Regina defende a aproximação desses dois campos, alinhando-se com as propostas mais contemporâneas.

O livro é dividido em três partes. Na primeira, Maria Regina faz um mapeamento das concepções psicanalíticas sobre educação, partindo das ideias freudianas e mostrando a importância dos conceitos de inconsciente, transferência e sublimação para pensar os mecanismos psíquicos que estão em jogo aí. A seguir, a autora vai articular essas perspectivas com os modos de subjetivação na contemporaneidade, lançando mão das propostas de Bauman, Ehrenberg, Sennett, Lasch e Lipovetsky, entre outros. Assim, discute-se a depressão e a apatia como traços marcantes da subjetividade contemporânea, e também a violência narcísica, entendida como efeito traumático e violento da tirania da sociedade de consumo. Com base nas ideias de Sennett, contrapõem-se narcisismo e jogo. Nesse sentido, a cultura do narcisismo afasta os indivíduos dos poderes do jogo, isto é, das brincadeiras expressivas e da aceitação do outro e das regras compartilhadas.

A partir dessas considerações sobre a subjetividade contemporânea, a autora levanta várias questões: poderia a escola, além de transmitir tradições, ser transformadora, possibilitando o brincar e a aceitação dos outros diferentes? Poderia o espaço escolar, além de reproduzir o estabelecido, mobilizar potencialidades de vida e, em vez de promover submissão e apatia, contribuir para desenvolver o "reconhecimento mútuo" (Honneth) e a criatividade?

No frutífero diálogo entre psicanálise e educação, Winnicott será o autor privilegiado, tendo um capítulo dedicado à sua contribuição e atualidade para pensar a educação. A autora destaca, principalmente, o valor do holding do ambiente escolar, no sentido de que a escola possa aceitar a singularidade de cada criança, adaptando-se a suas necessidades e a importância do brincar, que desenvolve a criatividade permitindo uma aprendizagem criativa - não submissa ou adaptativa - e, também, a gradual criação e aceitação da realidade.

A primeira parte do livro termina com um capítulo sobre a questão da diferença e da educação inclusiva, problema fundamental nos dias atuais. Maria Regina começa reivindicando o direito à diferença, que leva ao combate político das desigualdades. O contexto mundial da globalização, que conduz à homogeneização dos indivíduos, produz, necessariamente, exclusão social. A autora defende a necessidade de novas formas de resistência e luta política, mostrando os paradoxos e sutilezas do problema do direito à igualdade e, também, à diferença. Nas suas palavras: "o fundamental para nós é a defesa da igualdade - para que a diferença não gere inferioridade - e, paradoxalmente, da diferença - para que a igualdade não implique descaracterização" (p. 68). Maria Regina foca, depois, a questão mais específica da educação inclusiva de alunos especiais - psicóticos - ressaltando a importância de preparar os cuidadores para lidar com esses alunos, lembrando que as soluções práticas não são simples nem evidentes, devendo ser decididas no cotidiano, de acordo à singularidade de cada caso.

A segunda parte do livro aborda, com mais detalhe, uma questão que já tinha sido pincelada antes: a tarefa psicanalítica no espaço escolar e/ou nas instituições que cuidam da criança. É problematizado o papel das creches, consideradas, com frequência, como um mal necessário, instituição que procura suprir a ausência da mãe. Entretanto, na visão da autora, as creches desempenham importante função nos processos de subjetivação.

Partindo de um viés mais lacaniano, a autora discorre sobre a creche como terceiro, em referência à função paterna e ao complexo do Édipo. Assim, o papel das creches não é pensado em termos da díade mãe-bebê, mas da tríade pai-mãe-bebê. O terceiro, na relação, separa mãe e criança, permitindo a constituição do desejo - como desejo do Outro - e a formação de ideais do eu, indispensáveis na constituição do sujeito. Os educadores das creches não são substitutos da função materna, embora possam exercer a maternagem e a instituição "creche" não seria só um terceiro para a dupla mãe-bebê, mas também um terceiro organizador nas relações entre crianças, pais e educadores.

Em outro capítulo, que também trata a temática das creches, Maria Regina dirige seu olhar para os aspectos não-verbais dos primórdios da vida psíquica. Aborda-se a noção de intercorporeidade, em referência à experiência de troca corporal inicial entre o bebê e seu cuidador, anterior à diferenciação entre sujeito e objeto. A autora entende que devemos trabalhar, teoricamente, na tensão entre as dimensões intercorpórea, intersubjetiva e intrapsíquica, citando as contribuições de Winnicott, Roussillon e Stern, para melhor compreender as dimensões corporais, afetivas e não-verbais do vínculo inicial. Desta perspectiva, as creches exercem, com frequência, a tarefa de oferecer ao infante cuidados contínuos e a necessária estabilidade para o desenvolvimento saudável. A convivência das crianças com educadores e com outros pequenos diferentes, mais que simples substituição dos cuidados maternos, permite a gradual convivência com a alteridade. Por outro lado, a rotina estável das creches também contribui para desenvolver a confiabilidade e para o sentimento de "continuidade de ser", tão valorizado por Winnicott.

A segunda parte do livro finaliza com o relato de interessante experiência com "grupos de discussão" de adolescentes de uma escola pública, coordenados pela autora. Antes de narrar a experiência, Maria Regina retoma a discussão sobre a visão freudiana da educação como domínio e controle do infantil, o que levaria à radical separação entre a psicanálise e a educação e à concepção de "Freud antipedagogo". A autora recorre, novamente, a Winnicott para abordar outra perspectiva sobre o infantil e a educação, teorizando especialmente o valor do brincar espontâneo como experiência criativa por excelência. Na escola pública, um grupo de jovens rebeldes, motivo de queixa da diretora por serem insolentes e bagunceiros, fazia barulho impedindo o diálogo. Num momento dado, espontaneamente, o barulho foi se transformando em batucada. Maria Regina entrou na brincadeira, batucando também, o que possibilitou o desenvolvimento, não só da confiança e do diálogo, mas também da experiência de um brincar compartilhado, um "encontro", que teve efeitos transformadores nos alunos, no sentido de expressar e fortalecer suas potencialidades criativas.

Na última parte do livro, desenvolvem-se reflexões sobre a adolescência no mundo contemporâneo e sobre "o infantil", retomando questões já apontadas nos capítulos anteriores. Em relação à adolescência, Maria Regina cita alguns autores que articulam os estados limites com a adolescência, considerando que os sujeitos contemporâneos vivem uma espécie de adolescência interminável, submetidos ainda a idealizações infantis, o que se reflete na liquidez dos laços afetivos e sociais. Por outro lado, os adolescentes tendem a se organizar em grupos, o que pode ser concebido em termos de relações especulares e alienantes. Entretanto, a autora propõe positivar as organizações grupais dos adolescentes, que podem ser pensadas como formações fraternas, que propiciam o reconhecimento e a diferença. Assim, com um olhar positivo sobre a adolescência, considera a autora que podemos abordar nossas diferenças e semelhanças com os jovens, construindo propostas educacionais que contribuam para suas experiências criativas.

Finalmente, Maria Regina retoma Freud para abordar o protagonismo da infância e, também, para refletir sobre o "infantil" que habita em todos nós e que não deve ser confundido com imaturidade. A autora entende que há um "infantil", que não se dissolveria com a saída da infância cronológica. E esse infantil atemporal, que habita o inconsciente é o que sonha e cria. Nesse sentido, se, como sugere Freud, o processo analítico pode ser comparado a um playground, porque o que está em jogo é o "infantil" criativo, Maria Regina propõe estender esse playground - em que o infantil brinca e cria - para o campo da educação.

As argumentações da autora vão se entretecendo ao longo do livro, articulando conceitos psicanalíticos com outros saberes, no intuito de defender a proposta de uma educação libertária e transformadora. Nas suas palavras: "é possível concluir que, além de ser lugar de 'informação' da tradição - e, nesse sentido, comprometida às diversas formas de dominação -, a escola pode ser, também, lugar de 'transmissão' - e, de certa maneira, espaço criativo de liberdade de sujeitos singulares" (p. 44).

O trabalho da Maria Regina nos apresenta as principais questões debatidas na atualidade sobre o tema, enriquecidas com suas reflexões. Entendemos que este livro se torna leitura fundamental para psicanalistas, psicólogos, professores e todos aqueles que se interessam pelas contribuições da psicanálise para a educação e pelos múltiplos entrecruzamentos desses dois campos de saber.

 

 

Endereço para correspondência
Ana Lila Lejarraga
E-mail: analejarraga@gmail.com

 

 

*Psicanalista, membro efetivo/Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro (CPRJ), mestrado Teoria Psicanalítica/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutorado Saúde Coletiva/Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IMS-UERJ), pós-doutorado Psicologia Clínica/Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), profa. associada Instituto de Psicologia/ Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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