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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

On-line version ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.39 no.37 Rio de Jeneiro July./Dec. 2017

 

ARTIGOS

 

Genealogia do sujeito e da psicanálise na obra freudiana

 

Genealogy of the subject and of Psychoanalysis in the Freudian work

 

 

Camila Taiara Perachi*; Miriam Izolina Padoin Dalla RosaI**; Tamara Havana dos Reis Pasqualatto***

IPontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC-PR - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O nascimento da Psicanálise é decorrente da escuta clínica freudiana que produz e é produzida, ao mesmo tempo, pela valorização da palavra como ato psíquico. Neste artigo, propomos duas questões: qual a função da linguagem na constituição psíquica do ser humano? E qual sua relevância na fundação da Psicanálise e na elaboração do conceito de inconsciente freudiano? Sabendo que a psicanálise nasceu com o propósito de desrecalcamento por meio da fala e que as formações do inconsciente são denunciadas na linguagem, constatamos que o inconsciente e a própria psicanálise não seriam possíveis sem a palavra e o estudo freudiano do funcionamento tópico, dinâmico e econômico da linguagem no aparelho psíquico. Foi, portanto, a partir da clínica psicanalítica inaugurada no início do século XX, por Sigmund Freud, que a palavra deixou de ser apenas um instrumento de comunicação para tornar-se também um instrumento de cura.

Palavras-chave: Psicanálise, Linguagem, Freud.


ABSTRACT

The Psychoanalysis' birth was due to the Freudian clinical listening, which that produces and is produced, at the same time, by the valuation of the speech as a psychic act. In this article, we propose two questions: what is the role of language in the psychic constitution of the human being? And what was its relevance in the Psychoanalysis' foundation and in the formulation of the Freudian concept of Unconscious? Knowing that Psychoanalysis was born neither the purpose of derepression through the speech, and that the unconscious formations are denounced in the language, we verify that the unconscious Psychoanalysis itself would be possible without words, or without the Freudian study of the topical, dynamical and economical functionings of the language in the psychic apparatus. Thus, it's since psychoanalytical clinic was inaugurated by Sigmund Freud in the 20th century, speech ceased being just a communication tool to became a healing one.

Keywords: Psychoanalysis, Language, Freud.


 

 

Introdução

Embora seja de Lacan a máxima "o inconsciente é estruturado como uma linguagem", as bases para essa formulação encontram-se nos trabalhos de Sigmund Freud. A relação da Psicanálise com a linguagem está presente desde antes de sua fundação, identificada com o ano de 1900, pela ocasião da publicação de A interpretação dos sonhos. Porém, ainda que a obra freudiana não se dedique a investigar diretamente a linguagem e mesmo que Freud não tenha tido a pretensão de construir uma "teoria da linguagem" propriamente dita, essa noção desempenha um conjunto de papéis decisivos em todo o seu trabalho. Neste artigo, propomos duas questões: qual a função da linguagem na constituição psíquica do ser humano? E, qual sua relevância na fundação da Psicanálise e na elaboração do conceito de inconsciente freudiano?

A primeira seção desse texto inicia com a abordagem da relação animista e primitiva do homem com as coisas e, em seguida, trata a linguagem como promotora do meio social, da transformação da relação do homem com as coisas por meio da capacidade abstraidora (simbólica). A segunda seção relaciona a transmissão da linguagem, atuando de modo determinado na constituição do sujeito e tematiza, por fim, a linguagem na sua relação com a fundação da Psicanálise e o conceito freudiano de Inconsciente. Ao fim deste estudo, constatamos que a linguagem pode ser considerada a fundadora, não somente do sujeito psíquico, como também do próprio inconsciente e, consequentemente, da psicanálise freudiana.

 

Coisa e aquisição da palavra

Em suas pesquisas bibliográficas, na obra Totem e tabu, Freud (1913) recuperou uma série de informações relevantes a respeito dos povos primevos. Ali, ele apresentou relatos dos inúmeros tabus entre os selvagens, um deles envolvendo os mortos. Este tabu previa a proibição de pronunciar o nome de uma pessoa morta e esta era uma regra que se fazia respeitar com extrema severidade1. Todavia, esse tabu deixa de ser tão estranho se considerarmos, como afirma Freud (1913/1996, p. 70), que "[...] os selvagens encaram o nome como uma parte essencial da personalidade de um homem e como uma posse importante: eles tratam as palavras, em todos os sentidos, como coisas". Assim, o ato de pronunciar o nome de uma pessoa morta era considerado um correlato do contato com ela: entre a palavra (nome da pessoa) e a pessoa em si (coisa), não havia diferença. Os selvagens "[...] sentem que pronunciar seu nome [o do morto] equivale a invocá-lo, o que seria rapidamente seguido de sua presença", diz Freud (Ibidem, p. 71).

Constata-se que na formação da mente primitiva, o mecanismo da projeção é um dos processos aos quais se deve atribuir maior importância2. Nem sempre o homem distinguiu sua "vida interna" - ou seja, sentimentos, sensações, percepções - da natureza externa. O animismo certifica essa afirmação. De acordo com Freud (1913/1996), o animismo é, em seu sentido mais estrito, a doutrina de almas e, no mais amplo, a doutrina de seres espirituais em real; e a sua técnica, que é a magia, revela, claramente, e, de maneira inequívoca, uma intenção de impor às coisas reais as leis que regem a vida mental. O que motivou essa interpretação freudiana foi o conhecimento do modo de relação que os povos primitivos tinham com a natureza e com o universo. Afirma Freud (Ibidem, p. 87):

Eles [os povos primitivos] povoam o mundo com inumeráveis seres espirituais, benevolentes e malignos; e consideram esses espíritos e demônios como as causas dos fenômenos naturais acreditando que não apenas os animais e os vegetais, mas todos os objetos inanimados do mundo são animados por eles.

A partir dessa compreensão é possível afirmar, de acordo com Freud (Ibidem, p. 101), que "[...] o homem primitivo transpunha as condições estruturais da sua própria mente para o mundo externo", deixando explícito o funcionamento do mecanismo da projeção nessa transposição. As percepções sensoriais internas eram, portanto, utilizadas para construir e interpretar o mundo externo. Dessa maneira, prevalecia entre os povos primevos, uma condição indiferenciada entre o que pertencia à vida mental (interna) e ao mundo exterior.

Somente após um sistema de linguagem, que remete a pensamentos abstratos, ter sido desenvolvida, as palavras deixaram de ser ou de evocar as coisas mesmas para se tornarem apenas a representação delas. Segundo Freud (1913/1996), por meio da aquisição da linguagem, os processos internos se tornaram capazes de serem percebidos e diferenciados. Quando os resíduos sensoriais das apresentações verbais foram ligados aos processos internos, nasceu a abstração do pensamento. O pensamento, originalmente, surgiu de imagens sensoriais: "[...] seu primeiro material e seus estádios preliminares foram impressões dos sentidos, ou, mais propriamente, imagens mnêmicas dessas impressões. Somente mais tarde as palavras foram vinculadas a essas impressões e as palavras, por sua vez, vincularam-se a pensamentos" (FREUD, 1916/1996, p. 181).

De acordo com Longo (2006, p. 8), a linguagem deve ter nascido de uma só vez: "[...] é pouco provável que as coisas tenham passado a significar progressivamente; o mais plausível é que, após uma transformação [...] tenha sido efetuada uma passagem de um estágio em que nada tinha sentido a um outro em que tudo tinha sentido"3. Desde esse momento, a linguagem tornou-se, então, o depositário da palavra e do pensamento dos homens, bem como o traço indelével que tornará o homo sapiens Sujeito.

A fala possui uma origem comunitária. Para Longo (2006, p. 9), "[...] a capacidade humana para criar a linguagem se realiza na língua de uma comunidade linguística específica" e é por fazer parte de um determinado grupo que o ser humano adquire uma determinada língua. E realçamos: adquire, não a possuía de antemão. Foi preciso obtê-la, incorporá-la, contraí-la de outro. Não é por acaso a expressão "Língua mãe", "língua materna". Esta terminologia, quase cotidiana, é muito significativa: ela é utilizada para designar a primeira língua, da qual um ser humano se apossa e aprende a fazer uso para se expressar e se comunicar; ela lembra que a língua pré-existe ao infans4 e que é transmitida como uma herança pelas pessoas mais velhas de uma comunidade aos seus novos membros; e, concordando com a expressão supracitada, quem agencia essa transmissão é, em especial, a mãe5. Importante pontuar que a transmissão à qual nos referimos não é o mero ensino didático da língua e sim a transmissão simbólica da linguagem6.

Tão importante para o desenvolvimento do ser humano, enquanto espécie, abrindo a via de formação e preservação de comunidades humanas ao longo da história, a palavra também é a formadora fundamental do indivíduo singular, o Sujeito. Os povos primitivos, para desenvolverem uma linguagem abstrata, precisaram diferenciar sua vida mental interna do mundo exterior. Assim, também a criança recém-nascida, para adquirir essa linguagem, outrora desenvolvida pelo contexto no qual está inserida, precisa percorrer um caminho semelhante. Indica-nos Freud (1930/1996, p. 75) que "[...] uma criança recém-nascida ainda não distingue o seu eu do mundo externo como fonte das sensações que fluem sobre ela. Aprende gradativamente a fazê-lo, reagindo a diversos estímulos". Observa, ainda, que a criança fica muito impressionada ao perceber que possui fontes de excitação internas - como seus órgãos corporais - e outras fontes as quais ela não possui qualquer controle, entre elas a mais desejada de todas: o seio da mãe (FREUD, 1930/1996).

O seio da mãe é o primeiro objeto externo percebido pela criança e é assim que, segundo Freud, "[...] pela primeira vez, o eu é contrastado por um 'objeto', sob a forma de algo que existe 'exteriormente' e que só é forçado a surgir através de uma ação especial" (Ibidem, p. 76) tornando-se um incentivo, juntamente com as múltiplas e inevitáveis sensações de sofrimento e desprazer para o desengajamento do eu com relação à massa geral dos estímulos sensitivos. Esse acontecimento leva o eu a isolar-se de tudo que pode tornar-se fonte de desprazer. Esse processo de diferenciação entre o interno e o externo, no entanto, não se dá sem renúncias, pois para Freud (Idem), "[...] as fronteiras desse primitivo eu em busca de prazer não podem fugir a uma retificação através da experiência". Ou seja, não é possível experimentar apenas o prazer porque um dos elementos mais difíceis de serem abandonados, justamente por proporcionar grande prazer é o objeto. Desse modo, apreende-se um processo através do qual, "[...] por meio de uma direção deliberada das próprias atividades sensórias e de uma ação muscular apropriada, se pode diferenciar entre o que é interno - ou seja, que pertence ao eu - e o que é externo - ou seja, que emana do mundo externo" (Ibidem, p. 75-76).

Frente ao desprazer o bebê demanda, dá "gritos de socorro" (Ibidem, p. 76) e será atendido (talvez com alguma delonga) por um adulto, por alguém capaz de lhe dar algum conforto, através do agenciamento de objetos e de palavras. Esse outro, devido à sua magnitude para o bebê, passa a ser alguém privilegiado, o grande Outro. O objeto se torna o mediador entre o bebê e a mãe. A relação dialética entre prazer e desprazer, presença e ausência do objeto externo de satisfação funda o simbólico7, o lugar das palavras. Segundo Thá (1986, p. 25) "[...] sabemos que é por essa dialética que o simbólico se introduz aí e, portanto, é a partir de seu lugar no simbólico que a mãe executa esse agenciamento". O mesmo autor ainda afirma que (Ibidem, p. 26) "[...] é importante sublinhar a anterioridade simbólica do Outro nessa operação. Ele fala e dirige-se ao ser por um nome, o chama desde um lugar na linguagem. O marca com um significante [...]", portanto, junto com o objeto, a mãe fornece palavras carregadas de significados subjetivos e de afeto. Através deste processo, ao diferenciar o mundo externo do interno, o bebê perde em satisfação, porém ganha em palavras.

 

A palavra e as formações do inconsciente

Embora Freud não tenha se debruçado sobre a questão da linguagem propriamente dita, esse elemento permeia toda sua obra e está presente mesmo na fase pré-psicanalítica. É bastante relevante o famoso caso de Joseph Breuer, Anna O.: trata-se de uma jovem histérica a quem, mesmo sob hipnose, era muito difícil fazer falar. Ela própria designou o seu tratamento, com muita sagacidade, de "talking cure" [cura pela fala]. A narração do caso revela que "[...] a princípio [a paciente] sentia dificuldade de encontrar as palavras, e essa dificuldade foi aumentando de maneira gradativa. Posteriormente ela perdeu o domínio da gramática e da sintaxe [...] Com o passar do tempo, ficou quase totalmente desprovida de palavras" (BREUER; FREUD, 1893/1996, p. 60-61).

A percepção e o relato de Breuer sobre o fato de sua paciente ter apresentado tais disfunções da linguagem - em especial, a ausência da fala - é muito significativo do ponto de vista psicanalítico. Freud (1915/1996, p. 218), assinala que "perturbações na fala, como a ausência de um dos elementos da apresentação das palavras como os auditivos, visuais ou sinestésicos, vem a ser a indicação mais importante para que se chegue a uma localização da doença". Portanto, alterações da capacidade de falar são potenciais indicadores de perturbações de ordem psíquica, quando excluído qualquer indício de lesão orgânica ou fator biológico hereditário como causa.

Assim, através das alterações da linguagem tornou-se clara, mediante o caso da jovem paciente, a importância dos fatores psicológicos nos sintomas de origem histérica. De modo curioso, a mesma linguagem que denunciava a desordem psíquica era o mecanismo pelo qual seus sintomas podiam ser dissolvidos. No dizer de Freud e de Breuer (Ibidem, p. 65), "[...] sua mente [de Anna O.] ficava inteiramente aliviada depois que, trêmula de medo e horror, havia reproduzido essas imagens assustadoras e dado expressão verbal a elas".

Além de talking cure, Anna também utilizava outra expressão: "chimney-sweeping" [limpeza de chaminé], para designar seu tratamento, como se as palavras, de fato, eliminassem toda a "fumaça" que turvava sua condição mental:

Seu estado moral era uma função do tempo decorrido desde a última expressão oral. Isso ocorria porque cada um dos produtos espontâneos de sua imaginação e todos os fatos que tinham sido assimilados pela parte patológica de sua mente persistiam como um estímulo psíquico até serem narrados em sua hipnose, após o que deixavam inteiramente de atuar (BREUER; FREUD, 1893/1996, p. 67).

Essa paciente tornou-se um marco no desenvolvimento da psicanálise. Outro fato importante sobre seu caso, diz da ordem dos acontecimentos em seu tratamento. Era possível observar que a fala produzida pela paciente percorria um caminho de volta, ou seja, do ponto em que se encontrava - com suas perturbações motoras e da fala - até a rememoração da lembrança do fato primeiro que havia motivado o sintoma:

Esses achados - de que, no caso dessa paciente, os fenômenos histéricos desapareciam tão logo o fato que os havia provocado era reproduzido na hipnose - tornaram possível chegar-se a uma técnica terapêutica que nada deixava a desejar em sua coerência lógica e sua aplicação sistemática. Cada sintoma individual nesse caso complicado era considerado de forma isolada; todas as ocasiões em que tinha surgido eram descritas na ordem inversa, começando pela época em que a paciente ficara acamada e retrocedendo até o fato que levara à sua primeira aparição. Quando este era descrito, o sintoma era eliminado de maneira permanente (BREUER; FREUD, 1893/1996, p. 70).

Em suas pesquisas, observações e tentativas de tratamento da histeria, Freud notou que entre o médico e os pacientes existia uma espécie de transferência - o que garantia, ao primeiro, um lugar privilegiado - e também que nem todas as pessoas eram passíveis de serem hipnotizadas. Essas constatações conduziram à mudança do método8. Emmy von N.9 era o nome da paciente que primeiro chamou à atenção de Freud para que a deixasse falar livremente ao invés de hipnotizá-la: "[...] disse-me então, num claro tom de queixa, que eu não devia continuar a perguntar-lhe de onde provinha isso ou aquilo, mas que a deixasse contar-me o que tinha a dizer" (BREUER; FREUD, 1893/1996, p. 95).

Freud, então, percebeu que esta paciente, mesmo não estando hipnotizada, produzia ricas associações que serviam ao trabalho de cura. Tal fato se deve, em grande parte, ao poder da transferência entre Freud e Emmy: "[...] todas as vezes, portanto, [...] minha influência já começa a afetá-la; a paciente fica mais tranquila e mais lúcida, e mesmo sem que haja perguntas sob hipnose consegue descobrir a causa de seu mau humor daquele dia" (BREUER; FREUD, 1893/1996, p. 89).

Segundo Longo (2006, p. 20) "[...] as pacientes histéricas de Freud fazem fracassar a hipnose e fundam o lugar do analista - e a própria psicanálise - ao fazê-lo mudar a sua técnica: da hipnose ele passa a utilizar a associação livre". O abandono da "técnica hipnótica" de Breuer e a utilização da associação livre marcam o início da psicanálise10. Esse novo método adotado por Freud revelou a ele aquilo que seria a "[...] pedra angular sobre a qual repousa toda a estrutura da psicanálise" (FREUD, 1914/1996, p. 26): a teoria do recalque11. Diz ele:

É a parte mais essencial dela [da psicanálise] e todavia nada mais é senão a formulação teórica de um fenômeno que pode ser observado quantas vezes se desejar se se empreende a análise de um neurótico sem recorrer à hipnose. Em tais casos encontra-se uma resistência que se opõe ao trabalho da análise e, a fim de frustrá-lo, alega falha de memória. O uso da hipnose ocultava essa resistência; por conseguinte, a história da psicanálise propriamente dita só começa com a nova técnica que dispensa a hipnose (Idem).

Sempre que se tentava remontar aos sintomas de um neurótico, pesquisando seu passado, dois processos psíquicos específicos - além de toda a sintomatologia sem causa física aparente - podiam ser observados: a resistência e a transferência. A variedade de fenômenos psíquicos, com os quais Freud se deparava, não era passível de ser explicada considerando, apenas, os fatos mentais conscientes. Havia lacunas na cadeia desses fenômenos psíquicos observados que só podiam ser explicadas reconhecendo a existência de processos mentais inconscientes12, noção absolutamente fundamental para a psicanálise e que Freud nunca se cansou de afirmar e de argumentar a favor13.

Com a publicação de A interpretação dos sonhos, em 1900, a noção do inconsciente freudiano foi estabelecida de uma vez por todas. Nesse texto inaugural, a grande novidade não é o inconsciente como mera entidade metafísica - conceito já referido por vários filósofos antes dele14 - o que ele fez de inédito foi "[...] revestir a entidade metafísica de carne e sangue" (STRACHEY, 1996 in FREUD, 1915/1996, p. 168), isto é, revelar o inconsciente tal como ele é: o seu funcionamento, suas peculiaridades em relação ao corpo e seu modo de relacionamento com ele. Ou seja, o interesse de Freud pelo inconsciente é clínico. Afirma:

Em geral um ato psíquico passa por duas fases quanto a seu estado, entre as quais, se interpõe uma espécie de teste (censura). Na primeira fase o ato psíquico é inconsciente e pertence ao sistema Ics; se, no teste, for rejeitado pela censura, não terá permissão para passar à segunda fase; diz-se então que foi 'recalcado', devendo permanecer inconsciente. Se, porém, passar por esse teste, entrará na segunda fase e, subsequentemente, pertencerá ao segundo sistema, que chamaremos de sistema Cs. Mas o fato de pertencer a esse sistema ainda não determina de modo inequívoco sua relação com a consciência. Ainda não é consciente, embora, certamente, seja capaz de se tornar consciente [...]. Em vista dessa capacidade de se tornar consciente também denominaremos o sistema Cs. de 'pré-consciente' (FREUD, 1915/1996, p. 178).

É possível chegar a um conhecimento do inconsciente, apenas, a partir do momento em que seu conteúdo se tornou consciente, ou seja, depois de passar pela devida transformação em um material consciente. O trabalho analítico mostra, a cada dia, que essa tradução é possível: "[...] a fim de que isso aconteça, a pessoa sob análise deve superar certas resistências - resistências como aquelas que, anteriormente, transformaram o material em questão em algo recalcado rejeitando-o do inconsciente" (FREUD, 1915/1996, p. 171).

Portanto, de acordo com Longo (2006), a Psicanálise nasce com o propósito de desrecalcamento, que advirá justamente pela fala. O ato de falar põe em exercício o mecanismo que rege o funcionamento da linguagem, em tudo similar ao dos sonhos: 1) a condensação e 2) o deslocamento. Na condensação ocorre um acúmulo de pensamentos oníricos em cada um dos elementos de um sonho. Por conta disso é que o conteúdo dos sonhos se apresenta à nossa memória de modo tão sumário. Há um grande volume de compreensão em cada elemento de um sonho. Desse modo, afirma Freud (1900/1996, p. 305) "[...] a grande desproporção entre o conteúdo do sonho e os pensamentos do sonho implica que o material psíquico passou por um extenso processo de condensação".

Sobre o deslocamento, afirma Freud no mesmo texto, que, no trabalho do sonho, está em ação uma força psíquica que faz com que os elementos, com alto valor psíquico tenham sua intensidade reduzida e criam novos valores através da sobredeterminação, a partir de elementos de baixo valor psíquico, que penetram depois no conteúdo do sonho. Assim sendo, "[...] ocorre uma transferência e um deslocamento de intensidade psíquica no processo de formação do sonho e é como resultado destes que se verifica a diferença entre o texto do conteúdo do sonho e o dos pensamentos do sonho" (Ibidem, p. 333). Disto é possível concluir que o deslocamento e a condensação dos sonhos são dois fatores dominantes e que a forma que os sonhos assumem é consequência dessa atividade.

A condensação e o deslocamento têm seus correspondentes nas figuras de linguagem metáfora e metonímia15. A metáfora é o emprego de um termo cuja significação habitual é substituída por outra, só aplicável por comparação subentendida, ou seja, condensada, resumida. É justamente no ponto de intersecção entre os sentidos concordantes dos elementos da frase metafórica que a condensação ocorre, tal como nos seguintes versos de Manuel Bandeira: "Meu verso é sangue. Volúpia ardente... Tristeza esparsa... remorso vão..." (BANDEIRA, 1990, p. 119). Por sua vez, a metonímia é a figura de linguagem que consiste no emprego do sentido de uma palavra por outro, ligado sempre por uma relação lógica de proximidade. Há uma metonímia quando se toma, por exemplo, o continente pelo conteúdo ou a parte pelo todo, como nos versos de Chico Buarque de Holanda: "E pode o nosso teto, a Lapa, o Rio desabar". O que a metonímia faz é deslizar a palavra de uma parte do objeto para outra que tem uma designação diferente e ao designar o mesmo objeto, com outra palavra, há um deslizamento de sentido, que faz surgir outros diversos sentidos e associações.

Para Longo (2006, p. 22) "[...] tanto o deslizamento metonímico quando a condensação metafórica acontece a todo o momento na língua, pois são a base para que seu mecanismo [...] funcione". É isso que se passa nos sonhos: é a condensação e o deslocamento que dão a eles seu aspecto incompreensível. E a linguagem, nesse processo, exerce um papel fundamental, pois um pensamento onírico não pode ser utilizado para fins de análise em sua forma abstrata, mas apenas depois de ter sido transformado em linguagem pictórica. Afirma Freud (1900/1996, p. 372):

Não há por que nos surpreendermos com o papel desempenhado pelas palavras na formação dos sonhos. As palavras, por serem o ponto nodal de numerosas representações, podem ser consideradas como predestinadas à ambiguidade; e as neuroses (por exemplo, na estruturação de obsessões e fobias), não menos do que os sonhos, servem-se à vontade das vantagens assim oferecidas pelas palavras para fins de condensação e disfarce. É fácil demonstrar que também a distorção do sonho se beneficia do deslocamento de expressão. Quando uma palavra ambígua é empregada em lugar de duas inequívocas, o resultado é desnorteador; e quando nosso sóbrio método cotidiano de expressão é substituído por um método pictórico, nossa compreensão fica paralisada.

Dessa forma, a ambiguidade das palavras e a utilização de figuras tornam os sonhos incompreensíveis, de início. No entanto, se, por um lado, os mecanismos linguísticos operantes nos sonhos dificultam seu entendimento, por outro lado, eles abrem as portas para a possibilidade de associação e deciframento pela palavra. Somente pela linguagem é possível que o sonhador compreenda o significado de seu sonho. Todavia, Longo (2006) lembra que a linguagem humana é falha e inacabada, pois está colocada no lugar de uma falta estrutural surgida com o advento da civilização. Por isso, a interpretação dos elementos dos sonhos feita através da palavra não pode ser definitiva. No mesmo sentido Freud afirma (1900/1996, p. 305): "[...] nunca é possível ter certeza de que um sonho foi completamente interpretado".

Interpretar um sonho, na verdade, é traduzir os pensamentos oníricos latentes para a fala, transformá-los em palavras. Ora, a Psicanálise não tem outro meio de operar senão pela palavra do paciente e a linguagem dos sonhos é "[...] o método pelo qual a atividade mental inconsciente se expressa" (Longo, 2006, p. 23). Desvendando o enigma da estranheza dos sonhos, Freud abre as portas para o saber do inconsciente. Porém, só temos acesso ao inconsciente através de suas manifestações conscientes, conhecidas como "formações do inconsciente", que são os chistes, atos falhos, sintomas e sonhos. O inconsciente se mostra através da palavra do sujeito que fala sempre num ato surpreendente e que ultrapassa sua intenção ao dizer, de modo que o sujeito diz mais do que pretendia, revelando, aí, sua verdade, seu inconsciente.

Em 1901, logo após a Interpretação dos sonhos, Freud escreveu Sobre a psicopatologia da vida cotidiana, dando prosseguimento às suas pesquisas sobre o inconsciente. O texto, que versa sobre o estudo dos fenômenos da linguagem que permeiam o cotidiano humano, ajuda a confirmar a tese de Freud, estabelecida em 1900, de que há dois modos distintos de funcionamento psíquico, descritos como processo primário e secundário, ou inconsciente e consciente. Estudando os esquecimentos cotidianos, os lapsos de memória, os equívocos, os erros e os atos falhos, Freud demonstrou que o inconsciente se mostra no cotidiano e influencia as ações e os pensamentos conscientes. Afirma ele (1901/1996, p. 19): "[...] cheguei à conclusão de que essa situação específica (reconhecidamente comum e sem muita importância prática) em que uma função psíquica - a memória - se recusa a funcionar admite uma explicação de muito maior alcance do que a valorização usual que se dá ao fenômeno".

De modo geral, esses fenômenos ocorrem porque aquilo que foi esquecido ou distorcido associou-se à conteúdos inconscientes, sofrendo modificações; ao reaparecerem no discurso "consciente", literalmente como uma invasão eles causam grande estranhamento no autor da fala e não existe meios de se prevenir ou escapar desse acontecimentos.

Outra formação do inconsciente, manifestada na linguagem, que está presente na vida cotidiana dos seres humanos é o chiste. Longo (2006) afirma que a marca dos chistes é a comicidade, a caricatura, a brevidade. Os chistes escapam à censura e surgem na consciência sem que se possa controlá-los. Eles são, dessa forma, o triunfo do inconsciente. Segundo Freud,

Falamos, é verdade, de 'fazer' um chiste, mas estamos cônscios da diferença (que se inscreve) em nosso comportamento quando fazemos um julgamento ou uma objeção. O chiste tem em alto grau a característica de ser uma noção que nos ocorre 'involuntariamente'. Não acontece que saibamos, um momento antes, que chiste vamos fazer, necessitando, apenas, vesti-lo em palavras. Temos, antes, um indefinível sentimento, cuja melhor comparação é com uma 'absence', um repentino relaxamento da tensão intelectual, e então, imediatamente, lá está o chiste - em regra, já vestido em palavras (FREUD, 1905/1996, p. 158).

Além disso, frente às demais manifestações do inconsciente, os chistes têm uma peculiaridade: eles são a única expressão social do inconsciente, pois proporcionam prazer e relaxamento das tensões daquele que fez o chiste e também daqueles que o ouviram e o entenderam. Trata-se de um "[...] prazer compartilhado pelo riso" (LONGO, 2006, p. 29). Freud (1905/1996) aponta que a comicidade do chiste é provocada pelo esclarecimento de uma palavra que, a princípio, foi enigmática. A expressão chistosa é marcada por ser breve e é regida pelo mecanismo de condensação. As condensações presentes nos chistes são produtoras de prazer e originam-se no inconsciente. Pelo fato de ali se originarem, são caracteristicamente infantis.

Neste sentido, a linguagem conduz à constatação da relação do consciente e do inconsciente, do mesmo modo que rememora a originalidade e atemporalidade do inconsciente. Freud reforça ao alegar que:

[...] o infantil é a fonte do inconsciente e os processos de pensamento inconscientes são exatamente aqueles produzidos na tenra infância. O pensamento que, com a intenção de construir um chiste, mergulha no inconsciente, está meramente procurando lá a antiga pátria de seu primitivo jogo com as palavras. O pensamento retroage por um momento ao estágio da infância de modo a entrar na posse, uma vez mais, da fonte infantil de prazer (FREUD, 1905/1996, p. 160).

A palavra tem a capacidade de resgatar, revelar e atualizar o que pertence ao inconsciente, à história do sujeito; ela é a mediadora que é capaz de buscar algo desde o começo e tornar sabido o que ainda não se sabia sobre si. Essa concepção freudiana é retomada e sustentada por Lacan nos Escritos, em seu texto Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise, fruto do Congresso de Roma realizado em 1953, em que discute a capacidade ou o efeito de cura, provocado pela elaboração obtida por meio do trabalho da escuta clínica. Para Lacan (1996, p. 133) "já está de todo claro que o sintoma se resolve inteiramente numa análise de linguagem, porque ele próprio é estruturado como uma linguagem, porque é linguagem cuja fala deve ser libertada".

 

Considerações finais

Lê-se, no texto Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: uma conferência, de 1893, Freud (1893/1996) comentando sobre um escritor inglês, o qual não nomeia, mas que teria afirmado, com muito acerto, que o primeiro homem a desfechar contra seu inimigo um insulto, em vez de uma lança, foi o fundador da civilização. Tal afirmação foi um dos elementos provocadores dessa pesquisa, que buscou investigar de que modo seria possível fundar a civilização através da palavra. Foi possível constatar que, não somente a civilização, mas também o inconsciente e a própria psicanálise não seriam possíveis sem a palavra, sem a aquisição e o desenvolvimento da linguagem. A subjetividade é constituída pela linguagem e na linguagem.

Decerto, deve-se a Jacques Lacan o mérito de ter ressaltado a linguagem como o aspecto nuclear da obra de Freud. Este artigo constatou que os pressupostos que levaram Lacan a resgatar o funcionamento inconsciente da linguagem na psicanálise estão presentes, de modo embrionário, desde os primeiros escritos freudianos tais como o texto A interpretação dos sonhos ou Die traumdeutung. Embora Freud não tivesse podido contar, no início do século XX, com o recurso da Linguística saussuriana, sua noção de inconsciente e o conhecimento desenvolvido por ele em torno dessa noção estão impregnados com os elementos da linguagem, os quais dão ênfase ao aspecto semântico da linguagem e caracterizam-se, principalmente, pela substituição, comparação e associação de palavras, enfatizando o seu sentido figurado e revelando o desejo inconsciente. Com isso, Freud indica que se deve à palavra o próprio surgimento e desenvolvimento da psicanálise por ele fundada.

É com a palavra que o psicanalista dirige o tratamento. Seguindo as palavras proferidas por Lacan em seus seminários, constatamos que é com conceitos que operamos, assim como o bom cozinheiro que é hábil nos cortes por conhecer os pontos de menor resistência, o psicanalista precisa operar com as palavras para dirigir e fazer avançar o tratamento. Tratamento que, sendo psicanalítico, trabalha, fundamentalmente, com a resistência e a transferência, ambas manejáveis por meio da palavra.

 

 

Referências

BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1990.         [ Links ]

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Artigo recebido em: 17/07/2017
Aprovado para publicação em: 12/09/2017

Endereço para correspondência
Camila Taiara Perachi
E-mail: camilaperachi@gmail.com
Miriam Izolina Padoin Dalla Rosa
E-mail: miriam.rosa@pucpr.br
miriamipdr@gmail.com
Tamara Havana dos Reis Pasqualatto
E-mail: tamarapasqualatto@hotmail.com

 

 

*Psicóloga, graduada em Psicologia/Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), especialista em Psicanálise Clínica - de Freud à Lacan/Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), psicóloga na Prefeitura Municipal de Toledo/PR.
**Psicanalista, graduada em Psicologia, especialista em Metodologia do Ensino Superior, especialista em Psicanálise Clínica e Cultura, mestre em Educação, mestre em Filosofia/Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Docente e orientadora de estágio no curso de Psicologia, membro do corpo docente da pós-graduação em Psicanálise Clínica - de Freud à Lacan/Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
***Psicóloga, graduada em Psicologia/Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), graduada em Filosofia/Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), especialista em Psicanálise Clínica - de Freud à Lacan/Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), mestre em Filosofia/Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).
1Frazer (1911), apud Freud (1913/1996) afirma que esse costume é muito disseminado, sendo encontrado entre os australianos e polinésios; samoiedos da Sibéria e os povos da Índia meridional; os mongóis da Tartária e os tuarengues do Saara; os ainos do Japão e os akamba e os nadi da África central; os tinguianos da Filipinas e os habitantes das Ilhas Nicobar, de Bornéu, de Madagascar e da Tasmânia – ou seja, povos separados por considerável distância geográfica.
2"A projeção de percepções internas para fora é um mecanismo primitivo, ao qual, por exemplo, estão sujeitas nossas percepções sensoriais, e que, assim, normalmente desempenha um papel muito grande na determinação da forma que toma nosso mundo exterior. Sob condições cuja natureza não foi ainda suficientemente estabelecida, as percepções internas de processos emocionais e de pensamento podem ser projetadas para o exterior da mesma maneira que as percepções sensoriais" (FREUD, 1913/1996, p. 77).
3A autora assevera ainda que o estudo desse acontecimento não compete às ciências da linguagem, à psicanálise ou às ciências sociais, mas sim à biologia (LONGO, 2006).
4Do latim, aquele que não fala; não falante.
5Sobre esse assunto cf: THÁ, Fabio. A alienação. Análise com crianças. Curitiba: Letras da coisa nº 7 – Publicação da Coisa Freudiana Transmissão em Psicanálise, 1986.
6Conforme a descrição de Lacan, J. (1964). O seminário, livro XI: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
7Noção psicanalítica associada à Lacan, especificamente no seminário 17. Lacan, J. (1969-1970). O seminário, livro XVII: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
8Ao abandonar a hipnose, Freud passou a tratar seus pacientes da seguinte maneira: "[...] sem exercer nenhum outro tipo de influência, convida-os a deitarem de costas num sofá, comodamente, enquanto ele próprio senta-se numa cadeira por trás deles, fora de seu campo visual. Tampouco exige que fechem os olhos e evita qualquer contato, bem como qualquer outro procedimento que possa fazer lembrar a hipnose. Assim a sessão prossegue como uma conversa entre duas pessoas igualmente despertas, uma da quais é poupada de qualquer esforço muscular e de qualquer impressão sensorial passível de distraí-la e de perturbar-lhe a concentração da atenção em sua própria atividade anímica" (FREUD, 1904/1996, p. 237).
9É relevante lembrar que tal paciente, assim como Anna O., também apresentou distúrbios da linguagem. Emmy sofria de inibição da fala, gagueira e tiques relacionados à linguagem (BREUER; FREUD, 1893/1996).
10"Entre os outros novos fatores que foram acrescentados ao processo catártico como resultado de meu trabalho e que o transformou em Psicanálise, posso mencionar em particular a teoria do recalque e da resistência, o reconhecimento da sexualidade infantil e a interpretação e exploração de sonhos como fonte de conhecimento do inconsciente" (FREUD, 1914/1996, p. 25).
11"Aprendemos com a Psicanálise que a essência do processo de recalque não está em pôr fim, em destruir a ideia que representa uma pulsão, mas em evitar que se torne consciente. Quando isso acontece, dizemos que a ideia se encontra num estado 'inconsciente, e podemos apresentar boas provas para mostrar que, inclusive quando inconsciente, ela pode produzir efeitos, incluindo até mesmo alguns que finalmente atingem a consciência. Tudo que é recalcado deve permanecer inconsciente; mas, logo de início, declaramos que o recalcado não abrange tudo que é inconsciente. O alcance do inconsciente é mais amplo" (FREUD, 1915/1996, p. 171).
12"Deve-se esclarecer de imediato que o interesse de Freud por essa suposição jamais foi de natureza filosófica – embora sem dúvida, problemas filosóficos se encontrassem inevitavelmente próximos" (STRACHEY, 1996, in FREUD, 1915/1996, p. 166).
13"Na realidade, até mesmo a última parte não concluída de seus escritos teóricos, o fragmento escrito por ele em 1938, a que deu título, em inglês, de Some elementary lessons in psycho-analysis (1940), constitui uma nova justificação daquele conceito" (STRACHEY, 1996, in FREUD, 1915/1996, p. 166).
14Entre eles, Fichte, Schelling, Schopenhauer e Nietzsche. Para uma abordagem detalhada sobre alguns destes autores, cf. Mat FFytche (2014).
15Esse par conceitual pertence originalmente à Lacan.

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