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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

versão On-line ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.41 no.40 Rio de Jeneiro jan./jun. 2019

 

ARTIGOS

 

Formalização e clínica psicanalítica: a estrutura, o significante e o sujeito

 

Formalization and psychoanalytic clinic: the structure, the signifier and the subject

 

 

Charles Elias LangI*; Hudson Vieira de AndradeII**

IUniversidade Federal de Alagoas - UFAL - Brasil
IIApertura Para Otro Lacan - APOLa - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo visa explorar o modelo de formalização da clínica psicanalítica, presente na teoria lacaniana, por meio dos conceitos de estrutura, significante e sujeito. Assim como qualquer língua possui sua sintaxe, o encadeamento entre os significantes pressupõe uma estrutura que estabelece seu sistema de regras. Através da articulação entre os significantes, um saber é produzido, permitindo supor que ali houve emergência de sujeito. Nosso propósito é o de fazer uma leitura dos conceitos de estrutura, significante e sujeito de forma indissociada, pretendendo, com isso, esclarecer o modelo de formalização da clínica psicanalítica proposto por Jacques Lacan.

Palavras-chave: Psicanálise, Lacan, Estrutura, Significante, Sujeito.


ABSTRACT

This article aims at exploring the model of formalization in psychoanalytic clinic, which is present in Lacanian theory, through the concepts of structure, signifier and subject. Just as any language has its syntax, the signifying chain presupposes a structure that establishes its system of rules. Through the signifying chain, a certain knowledge is produced, allowing the assumption that there was an emergence of the subject. Our purpose is to elaborate on the concepts of structure, signifier and subject in an undissociated way, with the aim of clarifying the model of formalization in psychoanalytic clinic that was proposed by Jacques Lacan.

Keywords: Psychoanalysis, Lacan, Structure, Signifier, Subject.


 

 

Introdução

O filósofo Louis Althusser (1984) buscou sintetizar no artigo Freud e Lacan o trabalho que estava sendo desenvolvido na psicanálise por Jacques Lacan, com o objetivo de que o mesmo pudesse ser realizado no marxismo. Na década de 1960 o marxismo passava por duras crises, após ter sido transformado em doutrina de Estado pelo dogmatismo stalinista, e convertido em uma antropologia existencial pelo fundamento humanista que nele foi introduzido. Segundo o autor, o único modo de superar essas crises seria através de uma crítica rigorosa e teoricamente demonstrável que permitisse separar o marxismo dos pressupostos ideológicos ali introduzidos.

Althusser usou o exemplo de Lacan, pois naquele momento ele estava organizando os conceitos e reconstruindo o edifício teórico da psicanálise, cuja prática realizada pelos pós-freudianos vinha se orientando cada vez mais na adaptação do indivíduo ao seu meio social. O futuro da psicanálise não estava ameaçado pela neurociência ou pela psiquiatria, mas pelos psicanalistas, por introduzirem nela os pressupostos ideológicos da cultura. Para ele, o desvio realizado pelos praticantes da psicanálise ocorreu em virtude da equivocidade dos conceitos que foram utilizados por Freud.

Que esse revisionismo tenha podido autorizar-se do equívoco de certos conceitos de Freud, que foi obrigado, como todo inventor, a pensar sua descoberta nos conceitos teóricos existentes, constituídos, portanto para outros fins, também podemos compreendê-lo [...] Não há nisso nada que possa surpreender um espirito um pouco informado acerca da história das ciências novas - e preocupado em definir o irredutível de uma descoberta e de seu objeto nos conceitos que a exprimiram quando em seu nascimento, e que, desatualizados pelo progresso dos conhecimentos, podem ulteriormente ocultá-la (ALTHUSSER, 1984, p. 48).

Lacan proferiu em 1953 seu relatório de Roma, publicado posteriormente como Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. Ele pode ser considerado como o marco fundador de seu ensino e o começo da tentativa de organizar os conceitos psicanalíticos. Além de criticar fortemente o modelo institucional adotado pelos pós-freudianos e sua aversão em reformular os pressupostos teóricos e metodológicos da psicanálise, Lacan questiona o uso que Freud fez de seus conceitos, por "conservarem a ambiguidade da língua vulgar" (LACAN, 1953/1998, p. 240-241). Embora Lacan pareça hesitar quando diz ser "prematuro romper [com] a tradição de sua terminologia" (ibidem, p. 241), no parágrafo seguinte ele afirma que:

Mas, parece-nos que esses termos só podem esclarecer-se ao estabelecermos sua equivalência com a linguagem atual da antropologia ou com os mais recentes problemas da filosofia, onde, muitas vezes, a psicanálise só tem a se beneficiar (LACAN, 1953/1998, p. 241).

No relatório de Roma, Lacan organizou os conceitos da psicanálise e reconstruiu seu edifício teórico através do campo da linguagem, sendo especialmente importante o papel que a fala desempenha nele. "Nossa tarefa será demonstrar que esses conceitos só adquirem pleno sentido ao se orientarem num campo de linguagem, ao se ordenarem na função da fala" (LACAN, 1953/1998, p. 247). Embora o destaque atribuído à fala pareça trivial, vale destacar que Freud apresentou o que chamou de aparelho psíquico em termos energéticos, não em termos de linguagem.

Freud (1913/2001) em O interesse da psicanálise buscou argumentar sobre a relevância da psicanálise para as outras disciplinas. Nesse artigo, ele estabeleceu que sua teoria possuía afinidades tanto com o campo das ciências biológicas, quanto com o campo das ciências da linguagem. Apesar da posição ambivalente que Freud manteve com esses dois campos, Lacan não hesitou em rechaçar o primeiro e adotar o segundo para o seu modelo teórico. Mais de dez anos após o momento inaugural do relatório de Roma, ele comenta:

Em meu relatório de Roma, procedi a uma nova aliança com o sentido da descoberta freudiana. O inconsciente é a soma dos efeitos da fala, sobre um sujeito, nesse nível em que o sujeito se constitui pelos efeitos do significante. Isto marca bem que, com o termo sujeito [...] não designamos o substrato vivo de que precisa o fenômeno subjetivo, nem qualquer espécie de substância, nem qualquer ser do conhecimento em sua patia, segunda ou primitiva, nem mesmo o logos que se encarnaria em alguma parte, mas o sujeito cartesiano (LACAN, 1964/1985, p. 122).

Embora o objeto de trabalho da psicanálise não seja derivado das ciências biológicas, isso não significa que ele produza menos efeitos. Na clínica psicanalítica o sintoma do analisante apoia-se em algo que não possui existência tridimensional, tal como o corpo biológico e os neurônios. A respeito da base material com que se trabalha na psicanálise, Lacan propôs chamá-la de materialismo da palavra (motérialisme). "É, se vocês me permitem usá-lo pela primeira vez, nesse motérialisme onde reside o manejo do inconsciente" (LACAN, 1975/1988, p. 126). O materialismo em termos de linguagem implica outra forma de existência, distinta dos objetos palpáveis e que possuem três dimensões.

Apesar de a psicanálise se estabelecer em função do uso da fala, seu material clínico é constituído pela conversão de palavras em significantes. Isso implica certa concepção teórica de linguagem, fortemente desenvolvida no primeiro momento da obra de Lacan através do método produzido pela linguística estrutural. Não sustentamos que exista um primeiro, um segundo e um terceiro Lacan; sustentamos que sua proposta teórica está posta desde o começo e que ela vai sendo interrogada através de diferentes campos do saber, durante os trinta anos que durou o seu ensino.

Nossa proposta neste artigo consiste em explorar o modelo de formalização da clínica psicanalítica por meio dos conceitos de estrutura, significante e sujeito, presentes de forma indissociável na teoria lacaniana. Nesse sentido, torna-se imprescindível passarmos pelos encontros e desencontros de Lacan com o método estruturalista. Assim como qualquer língua possui sua sintaxe, o encadeamento entre os significantes pressupõe uma estrutura que estabelece seu sistema de regras. Por meio da articulação entre os significantes, um saber é produzido, permitindo supor que ali houve emergência de sujeito.

 

A estrutura formal do inconsciente

Lévi-Strauss no início da década de 1940, ainda em sua primeira visita aos Estados Unidos, entrou em contato com o método produzido pela linguística estrutural, através do fonólogo russo Roman Jakobson (DESCOLA, 2009). Nos anos seguintes, o antropólogo francês utilizou insistentemente esse método em suas pesquisas etnográficas. Assim que o seu programa de investigação começou, ele convocou outras disciplinas com o objetivo que elas também pudessem fazer uso do mesmo método em suas pesquisas.

Mas, quando um acontecimento dessa importância ocorre numa das ciências do homem, os representantes das disciplinas vizinhas são, mais que autorizados, obrigados a verificar imediatamente suas consequências e sua possibilidade de aplicação a fatos de outra ordem (LÉVI-STRAUSS, 1945/2017, p. 43).

Hoje podemos dizer que o convite feito por Lévi-Strauss não passou em branco, pois o campo de influência do estruturalismo se estendeu, em maior ou menor grau, por diferentes disciplinas e autores no cenário francês naquele período. A influência do estruturalismo perpassou pela teoria literária de Roland Barthes, pela releitura da obra de Marx feita por Althusser, pela arqueologia das ciências humanas de Foucault e pela proposta de leitura da psicanálise feita por Lacan.

O estruturalismo representou uma forma de unificar o campo das ciências humanas, através de seu método mais próximo do modelo científico. No entanto, apesar do enorme frenesi que causou no cenário intelectual francês nos anos de 1950 e no começo de 1960, o estruturalismo entrou em total declínio nos anos de 1970 (DOSSE, 1993).

Ainda em 1966, após ter publicado seu Escritos, Lacan comenta: "O estruturalismo durará tanto quanto duram as rosas, os simbolismos e os Parnasos: uma temporada literária [...] Já a estrutura não está nem perto de passar porque se inscreve no real" (1966/2003, p. 230-231). Embora o movimento estruturalista estivesse com os seus dias contados, o conceito de estrutura permaneceu presente na teoria lacaniana.

As pesquisas realizadas por Ferdinand de Saussure foram resgatadas e permitiram o nascimento da linguística estrutural, influenciando fortemente o estruturalismo. O estudo sobre a linguagem não era novidade na época de Saussure; já existiam vastas pesquisas realizadas em gramática comparada e filologia, sua novidade foi desenvolver um novo método.

A linguagem foi decomposta por Saussure (1916/2006) em duas partes: a fala (parole) e a língua (langue). A fala é marcada pelo modo acidental com que cada indivíduo faz uso da linguagem. Por sua vez, o funcionamento da língua é independente do indivíduo isolado, pois se estabelece por meio de convenções sociais. Assim, o estudo da língua possibilitou a Saussure um objeto de conhecimento mais estável, permitindo depreender melhor certas regras sobre o funcionamento da linguagem.

A língua tornou possível que os estudos realizados pela linguística estrutural se desvencilhassem da noção de sujeito psicológico, pois seu interesse não recai nas experiências individuais. Esse posicionamento foi adotado pelos autores que fizeram uso do método estrutural em suas pesquisas. Em virtude disso, conceitos clássicos da filosofia como consciência e intencionalidade, que serviam para definir o que é o sujeito, deixaram de ser utilizados.

Hoje em dia, no tempo histórico em que estamos, de formação de uma ciência, que podemos qualificar de humana, mas que é preciso distinguir bem de qualquer psicossociologia, isto é, a linguística, cujo modelo é o jogo combinatório operando em sua espontaneidade, sozinho, de maneira pré-subjetiva é esta estrutura que dá seu estatuto ao inconsciente (LACAN, 1964/1985, p. 26).

O conceito de estrutura implica certa concepção de sistema regido por leis que, por sua vez, organizam o pensamento independente da consciência do indivíduo. O conceito de inconsciente extraído disso não é o mesmo que o compreendido pelo romantismo alemão, pois não pressupõe que exista uma parte oculta e irracional na natureza humana. Mas sim que o inconsciente é regido por uma estrutura formal, que produz efeitos através de seus jogos combinatórios autônomos. O conceito de inconsciente advindo do estruturalismo permitiu que o próprio conceito de inconsciente na psicanálise fosse relido por Lacan.

 

A criação exnihilo da estrutura

A estrutura opera de maneira autônoma e implica que seus efeitos são produzidos antes do surgimento do próprio indivíduo, pois já está constituída antes dele. Esse modelo teórico contradiz o paradigma evolucionista, já que o segundo presume existir primeiro o corpo biológico e posteriormente o sistema da linguagem.

Lacan contrapõe o paradigma evolucionista com o paradigma criacionista, ao fazer referência ao Evangelho segundo São João, onde no começo está o verbo, a palavra. "Mas quando falamos da ordem simbólica, há começos absolutos, há criação. Eis porque in principio erat verbum [...]" (LACAN, 19545/1985, p. 353). O começo da ordem simbólica parte de um momento de criação absoluta, exnihilo, onde todos os elementos que compõem o seu sistema são produzidos, sem que nada exista antes.

Estou-lhes mostrando a necessidade de um ponto de criação exnihilo do qual nasce o que é histórico na pulsão. No começo era o Verbo, do qual quer dizer, o significante. Sem o significante no começo é impossível articular a pulsão como histórica. E isso basta para introduzir a dimensão do exnihilo na estrutura do campo analítico (LACAN, 1959-60/2008, p. 256).

A noção de criação exnihilo, presente na teoria lacaniana, é desenvolvida por Alfredo Eidelsztein (2012) através da teoria do Big Bang. Nesse modelo cosmológico toda matéria do universo surgiu após uma grande explosão de um ponto com infinita temperatura e densidade. Visto que o próprio tempo também surgiu após esse evento, qualquer tentativa de depreender o que existiu antes dele representa um impasse lógico.

Disso podemos retirar duas considerações. A primeira consiste em dizer que nada existe antes da ordem simbólica, isso significa que a pergunta sobre o que a originou se torna irrelevante. Dessa forma, não parece certo dizermos que primeiro existe o corpo biológico e que, em seguida, ele é afetado pela linguagem. Mas sim que o corpo que concerne ao campo da psicanálise é aquele que surge desde sempre afetado pela linguagem.

A causa do sujeito em psicanálise não se encontra na base tangível do corpo biológico, mas como efeito da ordem simbólica. Isso resulta em uma nova teoria sobre o modelo de causalidade para o sujeito em psicanálise, pensada de maneira independente da causa material do corpo biológico.

Vocês precisam perceber que o que eu lhes disse sobre as relações do homem com o seu corpo atém-se inteiramente ao fato de o homem dizer que o corpo, seu corpo, ele o tem. Dizer seu já é dizer que ele o possui, como se fosse, naturalmente, um móvel. Isso nada tem a ver com qualquer coisa que permita definir estritamente o sujeito, que, por sua vez, só se define de modo correto na medida em que é representado por um significante junto a outro significante (LACAN, 1975-6/2007, p. 150).

A respeito da segunda consideração, o tipo de criação exnihilo estabelece um momento inicial a partir do qual todos os elementos que compõem o sistema da linguagem são produzidos pelo jogo combinatório da ordem simbólica. Assim como toda matéria que compõe o universo foi formada pela combinação de átomos após o momento inaugural do Big Bang, na teoria lacaniana o Outro simbólico e o significante ocupam esse momento, no qual real, sujeito, gozo, falta e objeto a são produzidos como efeitos da ação da estrutura da linguagem

No ano de 1966 uma série de palestras sobre o estruturalismo foram dadas na universidade de Baltimore, dentre elas, uma proferida por Lacan e nomeada A respeito da imisção da outridade, preâmbulo sobre qualquer assunto. Em sua conferência, Lacan (1966/2007) usou o termo imisção com o objetivo de evidenciar o modo no qual o Outro simbólico e o sujeito se incorporam. Esse termo foi retirado da química e designa um tipo de mistura onde não é possível separar duas ou mais substâncias, uma vez unidas. Assim como na banda de Moebius, o Outro simbólico e o sujeito são interseccionados sem que exista descontinuidade entre eles. A causa do sujeito em psicanálise, nesse sentido, é decorrente da articulação produzida entre os significantes na estrutura da linguagem.

O efeito de linguagem é a causa introduzida no sujeito. Por esse efeito, ele não é causa dele mesmo, mas traz em si o germe da causa que o cinde. Pois sua causa é o significante sem o qual não haveria nenhum sujeito no real. Mas esse sujeito é o que o significante representa, e este não pode representar nada senão para um outro significante: ao que se reduz, por conseguinte, o sujeito que escuta (LACAN, 1960/1998, p. 849).

 

A relação covariante dos significantes

Um dos pressupostos básicos do estruturalismo consiste em dizer que um elemento tomado de maneira isolada não possui qualquer propriedade, mas apenas pela relação com que cada elemento estabelece com os demais no sistema. Para Saussure (1916/2006), o sistema da língua é composto por um conjunto de signos. Por sua vez, cada signo se divide em duas partes: o material acústico (significante) e o conceito (significado). Essas duas partes são unidas de forma arbitrária, através da convenção social estabelecida entre os falantes.

Cada signo se constitui pela relação de pura diferença com os outros signos, um é o que o outro não é. Isso significa que primeiro existem relações e depois existem propriedades. Quando se altera uma relação, todos os elementos que compõem o sistema na língua sofrem alterações. A consequência disso é o afastamento da concepção de identidade, substância ou essência, pois qualquer propriedade depende da relação e quando ela muda consequentemente a propriedade também é modificada.

Por não existir centro ou fundamento na estrutura, não há elemento mais importante no sistema formado pela língua. Esses elementos formam um conjunto covariante, onde cada um exerce relação recíproca sobre os outros.

A noção de estrutura merece por si mesma que nela nos detenhamos. Tal como a fazemos funcionar eficazmente na análise, ela implica um certo número de coordenadas, e a própria noção de coordenada dela faz parte. A estrutura é em primeiro lugar um grupo de elementos formando um conjunto covariante (LACAN, 1955-6/1985, p. 210).

Embora Lacan (1953/1998) inicialmente faça uso de conceitos como palavra plena e palavra vazia, que permitem presumir um tipo de fala que carregue significação mesmo que isolada, diferentemente, o significante existe apenas articulado com outros significantes. Na psicanálise não existe significante isolado, é necessário que ele esteja articulado em cadeia com outros significantes. "Nosso ponto de partida, o ponto a que voltamos sempre, pois estaremos sempre no ponto de partida, é que todo verdadeiro significante é, enquanto tal, um significante que não significa nada" (LACAN, 1955-6/1985, p. 212).

A definição de significante contrapõe-se a nossa noção comum de palavra, já que ela pode significar algo isoladamente. Significante e palavra são coisas distintas. Além disso, o conceito de significante em Lacan adquire uma conotação distinta da utilizada pela linguística. Em Saussure qualquer significante remete a um significado; por sua vez, em Lacan um significante não significa nada, ele apenas produz significação quando articulado com outros.

Por fim, o conceito lacaniano de significante também permite ser distinguido do conceito freudiano de representação (Vorstellung). Assim como o significante não representa nada, ele tampouco pode ser recalcado, tal como é admitido no conceito de representação em Freud. Significante e recalque são conceitos antagônicos, pois na hipótese estrutural não existe elemento encoberto. O inconsciente não é desvelado, mas é produzido através da articulação entre significantes.

 

O avesso do signo saussuriano

Como comentamos acima, Saussure apresenta o signo linguístico composto por significante e significado, eles são unidos como uma folha de papel, onde um lado não pode ser recortado sem que o outro também o seja. No Curso de Linguística Geral, o signo linguístico é representado pelo esquema na árvore, no qual o significado na parte superior surge de maneira interdependente com o significante na parte inferior.

Fonte: SAUSSURE, 1916/2006, p. 81.

Essa relação de interdependência formada pelo signo saussuriano implica que qualquer significante remete a um significado, o que termina produzindo certa concepção de linguagem submetida à função representacional. "Os signos são plurivalentes: sem dúvida representam alguma coisa para alguém" (LACAN, 1960/1998, p. 854). O signo tomado dessa maneira pressupõe que sua função consiste em representar algo, que cada significante possui um significado que lhe é próprio. Lacan busca se desvencilhar dessa função representacional da linguagem, sobre isso ele escreve:

E fracassemos em sustentar sua questão enquanto não nos tivermos livrado da ilusão de que o significante atende à função de representar o significado, ou, melhor dizendo: de que o significante tem que responder por sua existência a título de uma significação qualquer" (LACAN, 1957a/1998, p. 501).

Lacan (1957a/1998) faz uma paródia do signo saussuriano. Através do esquema da árvore ele produz um anagrama pela substituição da palavra arbre (árvore) por barre (barra). A barra é introduzida entre o significado e o significante, o que impossibilita qualquer relação de interdependência entre eles. A resistência da barra demarca que existe deslocamento e alternância de sentido na linguagem, colocando em suspenso sua função representacional. Além disso, ele coloca o significante sobre o significado, destacando sua precedência lógica. Temos então "uma linguística sem teoria do signo" (NANCY; LACOUE-LABARTHE, 1991, p. 44).

Fonte: LACAN, 1957a/1998, p. 502.

Com isso, o significante possui precedência lógica sobre o significado e não se vincula com o sentido de maneira unívoca. A função representacional da linguagem encontra-se anulada, ao invés de representar algo, ela produz distintas possibilidades existenciais através do jogo combinatório entre os significantes. "É o mundo das palavras que cria o mundo das coisas" (LACAN, 1953/1998, p. 277). É através da articulação significante que um sentido inesperado pode surgir, modificando o sentido anterior que sustentava o sintoma.

Apesar das contribuições trazidas pelas ferramentas teóricas da linguística estrutural à psicanálise, Lacan buscou diferenciar os dois campos. Em uma de suas primeiras aulas no seminário de 1972, com o linguista Roman Jakobson presente entre os ouvintes, ele diferenciou a linguística utilizada pelos linguistas, daquela usada pelos psicanalistas através do neologismo linguisteria.

Mas se consideramos tudo que, pela definição da linguagem, se segue quanto a fundação do sujeito, tão renovada, tão subvertida por Freud, que é lá que se garante tudo que de sua boca se afirmou como o inconsciente, então será preciso, para deixar a Jakobson seu domínio reservado, forjar alguma outra palavra. Chamarei a isto de linguisteria (LACAN, 1972-3/1985, p. 25).

O neologismo linguisteria compreende certa concepção de linguística intrínseca à psicanálise, dependente da descoberta freudiana do inconsciente. Pois na relação entre linguagem e inconsciente, o uso da fala produz um dizer mais além e mais aquém do que era pretendido. Essa descoberta desemboca em uma teoria na qual o sujeito surge como efeito produzido pelo encadeamento dos significantes.

 

O modelo espaço-temporal da escrita do significante

O encadeamento formado pelos significantes não obedece ao mesmo funcionamento da fala, que acontece pela sucessão das palavras de forma linear, pois sua lógica não é unidimensional. O material produzido no contexto analítico pressupõe cadeias de significantes que se cruzam, produzindo um modelo bidimensional. Lacan (1957a/1998) nomeou essas duas dimensões constituídas pela lógica significante como metáfora (substituição) e metonímia (conexão/ contiguidade).

A metonímia indica que através da conexão de um significante com outro significante ocorre o deslocamento do sentido. No começo de seu ensino, Lacan formula o processo metonímico como o equivalente da estrutura do desejo, onde este está sempre deslocado em relação ao seu referente.

[...] a estrutura metonímica, indicando que é a conexão do significante com o significante que permite a elisão mediante a qual o significante instala a falta do ser na relação com o objeto, servindo-se do valor de envio da significação para investi-la com o desejo visando essa falta que ele sustenta (LACAN 1957a/1998, p. 519).

A metáfora, por sua vez, indica que um significante substitui outro significante, o que possibilita o surgimento de novas significações no contexto clínico. Lacan comenta que o processo metafórico produzido pela articulação do discurso, onde um termo substitui outro, é menos evidente do que o processo metonímico.

[...] a estrutura metafórica, que indica que é na substituição do significante pelo significante que se produz um efeito de significação que é de poesia ou criação, ou, em outras palavras, do advento da significação em questão (LACAN, 1957a/1998, p. 519).

Embora os processos da metonímia e da metáfora apareçam de forma separada, eles fazem parte de um mesmo mecanismo. "Numa palavra, não haveria metáfora se não houvesse metonímia" (LACAN, 1957-8/1999, p. 80). No instante em que ocorre o deslizamento do sentido (metonímia), surge também o efeito inesperado produzido por uma nova significação (metáfora). Lacan chamou como ponto de basta esse mecanismo produzido em conjunto pela metáfora e metonímia.

Foi a propósito disso [relação do significante com o significado] que forjei a imagem, retirada da técnica do estofador, do ponto de basta. É preciso que em algum ponto, com efeito, o tecido de um se prensa ao tecido do outro, para que saibamos a que nos atermos, pelo menos nos limites possíveis desses deslizamentos (LACAN, 1957-8/1999, p. 15).

Lacan afirma que o discurso articulado pela lógica significante descreve um funcionamento bidimensional, o que contrasta com o funcionamento unidimensional da fala: uma dimensão posicionada na horizontal, relacionada com o deslizamento do sentido na cadeia significante, constituída pela metonímia; outra dimensão posicionada na vertical, onde novas significações são produzidas, constituídas pela metáfora.

Foi da co-presença, no significado, não só dos elementos da cadeia significante horizontal, mas de suas contiguidades verticais, que mostramos os efeitos, distribuídos, de acordo com duas estruturas fundamentais, na metonímia e na metáfora (LACAN, 1957a/1998, p. 518-519).

O funcionamento unidimensional da fala é insuficiente na compreensão desse modelo, pois além da sucessão linear das palavras, o material produzido no contexto analítico depende da relação produzida entre elementos, mesmo que presentes em momentos distintos do tratamento. Esse modelo está mais próximo da escrita, pois o material clínico precisa estar disposto em determinada espacialidade para que possa ser lido, nada surge na linearidade da fala.

Nesse sentido, a topologia se torna indispensável para Lacan, pois ela oferece outra racionalidade espacial que torna pensável e transmissível o modo como o discurso do inconsciente se articula na clínica psicanalítica. "Para se estar nesse campo [psicanalítico], convém dispor do que se chama em outros domínios mais sólidos uma topologia e ter uma noção de como é construído o suporte sobre o qual se inscreve o que está em pauta" (LACAN, 1967/2006, p. 12).

A escrita produzida pelo inconsciente não depende somente de uma espacialidade como também de uma temporalidade, como na física contemporânea, o modelo teórico produzido por Lacan trabalha na forma espaço-temporal. Embora o analisante atribuísse um sentido prévio a seu sofrimento, o material clínico depende de que algo precedente possa se relacionar com algo subsequente.

Freud usou o termo nachträglich argumentando que o trauma só se constitui quando uma experiência posterior ressignifica uma anterior. Esse termo foi relido por Lacan como futuro anterior (aprés-coup). A consequência disso é uma concepção de temporalidade distinta do tempo unidirecional, pois o material que se produz nas sessões pode ser relacionado tanto com algo que já foi dito, quanto com algo que ainda o será.

O que se realiza em minha história não é o passado simples daquilo que foi, uma vez que ele já não é, nem tampouco o perfeito composto do que tem sido naquilo que sou, mas o futuro anterior do que terei sido para aquilo em que me estou transformando (LACAN, 1953/1998, p. 301).

Isso carrega consigo fortes consequências para o modelo de temporalidade na clínica psicanalítica, pois uma intervenção na fala do analisante produz consequências tanto para o seu passado, quanto para o seu futuro. O que surge na linearidade da fala apenas se transforma em material clínico quando pode ser articulado com outra coisa, com o S1 se articulando com o S2, quando esse cálculo é eficaz o que se produz são novas significações pela modificação do sentido que existia. A articulação significante pode ser descrita do seguinte modo:

Lacan comenta que o movimento lógico de abertura e fechamento do inconsciente depende da temporalidade do futuro anterior. Em contraposição ao modo intuitivo no qual pensamos o discurso como uma linha unidirecional contínua, esse argumento implica que o discurso descreve uma linha que se fecha sobre ela mesma, produzindo uma borda e delimitando um buraco.

[O fechamento do inconsciente] também demonstra o núcleo de um tempo reversivo, muito necessário de introduzir em toda eficácia do discurso, e já bastante sensível na retroação - na qual insistimos há muito tempo - do efeito de sentido na frase, o qual exige, para se fechar [boucler], sua última palavra (LACAN, 1960/1998, p. 853, grifo nosso).

Podemos extrair disso o seguinte esquema:

Embora seja usada a palavra "fechar", como possível tradução para boucler, essa escolha deixa escapar algo importante sobre o movimento lógico do inconsciente. No francês, boucle refere-se tanto ao formato de um cinto afivelado, de um laço ou de um cacho de cabelo1. Boucle em francês e loop em inglês são próximos, ambos descrevem uma linha que se fecha sobre ela mesma. Nesse sentido, os termos fechamento e abertura são bastante imprecisos por carregarem certa conotação de interno e externo, como se o inconsciente fosse uma caixa que pudesse ser aberta ou fechada. A palavra boucle está mais próxima da noção de uma superfície que se fecha sobre ela mesma.

Esse movimento não se produz de maneira espontânea, por meio da fala unidirecional e que nunca recua produzida pelo analisante. Se o inconsciente é constituído como uma escrita, isso significa que sua produção depende também de uma leitura na qual o analista está implicado. Em outros termos, se existe produção de inconsciente, o analista deve considerar como ocorre o fechamento do boucle.

Isso não é insolúvel, se o abre-te sésamo do inconsciente é ter um efeito de fala, ser estrutura de linguagem, mas exige do analista que ele reconsidere o modo de seu fechamento. Hiância [béance], pulsação, uma alternância de sucção, para seguirmos certas indicações de Freud: é disso que precisamos dar conta, e foi isso que tratamos de fazer fundamentando-o numa topologia. A estrutura daquilo que se fecha inscreve-se, com efeito, numa geometria em que o espaço se reduz a uma combinatória, ela é, propriamente falando, o que ali se chama de uma borda (LACAN, 1960/1998, p. 852, grifo nosso).

Trazendo essas noções para pensarmos o conceito de inconsciente, somos impedidos de concebê-lo como algo interior ou profundo. Sua geometria estaria mais próxima de uma superfície constituída pela combinatória de letras, que se fecha na forma de um cacho de cabelo (boucle). Para que essa linha se feche, produzindo uma borda no movimento realizado, um de seus elementos deve necessariamente se repetir (na figura acima o "b").

Lacan comenta que o movimento descrito pelo boucle produz uma béance. No português essa palavra foi traduzida por hiância, fenda ou buraco. Eidelsztein (2006) lembra que em francês, o termo béance designa o tipo de abertura produzido pela boca quando ocorre alguma surpresa, assim como béant refere-se ao estado de surpresa produzido em alguém por algo inesperado. Com isso, podemos afirmar que o movimento descrito pelo boucler produz novas articulações na fala, criando assuntos (sujet) inesperados no contexto analítico.

 

O sujeito como o efeito da articulação significante na estrutura

Lacan (1965/1998) argumenta que foi o advento da ciência moderna que tornou possível o surgimento do sujeito com que se opera na psicanálise. A respeito disso, ele deixa claro seu débito junto à proposta de leitura feita por Alexandre Koyré sobre o paradigma científico na modernidade. "Em tudo isso nos parece radical uma modificação em nossa posição de sujeito, no duplo sentido: de que ela é inaugural nesta e de que a ciência a reforça cada vez mais. Koyré é nosso guia aqui, e sabemos que ele ainda é desconhecido" (LACAN, 1965/1998, p. 870).

A interpretação do mundo modificou-se profundamente com o advento da ciência moderna, atributos como qualidade, essência e substância que eram utilizados na ciência aristotélica foram destituídos dela (KOYRÉ, 1973/2011). No lugar de propriedades intrínsecas aos objetos, eles são estudados através de cálculos matemáticos. A queda de uma pedra deixa de ser descrita através de sua afinidade com o elemento Terra, sendo analisada por meio de modelos teóricos e fórmulas matemáticas. A forma empírica de conhecer o mundo sensível cede lugar para o conhecimento abstrato, descrito através de letras.

Se o advento da ciência moderna foi o que tornou possível o surgimento do sujeito da psicanálise, isso significa que ele não pode ser confundido com o indivíduo empírico que possui um corpo biológico e tridimensional. Tampouco podemos afirmar que esse sujeito possui qualquer propriedade intrínseca, que possa ser chamada de sua essência. Assim como na ciência moderna, o sujeito da psicanálise depende da articulação de letras para ser produzido, ou como também podemos dizer, ele depende da articulação entre significantes.

Em suma, reencontramos aqui o sujeito do significante, tal como o articulamos no ano passado. Veiculado pelo significante em sua relação com outro significante, ele deve ser severamente distinguido tanto do indivíduo biológico quanto de qualquer evolução psicológica classificável como objeto da compreensão (LACAN, 1965/1998, p. 890).

Embora o conceito de sujeito tenha sido duramente criticado por sua carga metafísica, Lacan o introduz na psicanálise retirando dele sua conotação psicológica e afetiva. Ele tampouco permite ser equiparado com o conceito metafísico de substância, pois não depende dele próprio para existir, mas surge como efeito da articulação significante desde o Outro simbólico.

Lacan faz uso da polissemia presente no termo sujet (sujeito) em francês, que também pode significar assunto e tema. Com isso, podemos dizer que o Outro simbólico funciona como o lugar onde ocorrem articulações significantes, que produzem como efeito assuntos no contexto analítico.

O conceito de sujeito apresentado por Lacan rompe com os pressupostos individualistas do Ocidente. Mais do que afirmar que existe pensamento que não se pensa com o eu, em sua teoria torna-se irrelevante saber quem pensa, quem fala e quem sabe, já que isso pensa, isso fala e isso sabe. "No inconsciente, que é menos profundo do que inacessível para o aprofundamento consciente, isso fala: um sujeito no sujeito, transcendente ao sujeito [...]" (LACAN, 1957b/1998, p. 438). O inconsciente produzido em análise não é propriedade de alguém, mas o produto da articulação significante no campo do Outro simbólico, no qual o sujeito é seu efeito.

Isso fala no Outro, dizemos, designando por Outro o próprio lugar evocado pelo recurso à palavra, em qualquer relação em que este intervém. Se isso fala no Outro, quer o sujeito o ouça ou não com seu ouvido, é porque é ali que o sujeito, por uma anterioridade lógica a qualquer despertar do significado, encontra seu lugar significante. A descoberta do que ele articula nesse lugar, isto é, no inconsciente, permite-nos apreender ao preço de que fenda (Spaltung) ele assim se constituiu. (LACAN, 1958/1998, p. 696).

Alain Badiou (1996) considera inovador o conceito lacaniano de sujeito, abrindo o que ele considera como uma segunda doutrina acerca desse conceito. A respeito dessa virada no modo como o conceito de sujeito é tematizado, o filósofo não inclui Freud como participante desse movimento. Acreditamos que isso merece ser mais bem investigado, pois há atualmente uma concepção bastante difundida entre os pesquisadores da psicanálise que procura sustentar que existe continuidade sem ruptura entre Freud e Lacan.

Somos igualmente contemporâneos de uma segunda época da doutrina do Sujeito, que não é mais o sujeito fundador, centrado e reflexivo, cujo tema se estende de Descartes a Hegel, e ainda permanece legível até Marx e Freud (e até Husserl e Sartre). O sujeito contemporâneo é vazio, clivado, a-substancial, irreflexivo. Aliás, ele pode apenas ser suposto no tocante a processos particulares cujas condições são rigorosas. (BADIOU, 1996, p. 12).

 

Conclusão

No decorrer deste artigo vimos que no modelo de formalização proposto por Jacques Lacan à clínica psicanalítica, o conceito de estrutura simbólica adquire precedência lógica, em que os elementos que compõem o seu sistema são produzidos pelo jogo combinatório dela. Em virtude disso, o paradigma evolucionista é descartado, por ele afirmar que primeiro existe o corpo biológico e posteriormente o sistema da linguagem. A precedência atribuída ao Outro simbólico implica que a causa do sujeito em psicanálise não se encontra no referente biológico e sim na articulação significante.

A causa do sujeito em psicanálise não se encontre na base material biológica; contudo, isso não resulta no comprometimento com o idealismo. Lacan propôs chamar o material com que se trabalha nas sessões de materialismo da palavra (motérialisme). Em decorrência disso, o sintoma na clínica psicanalítica constitui-se de algo que não possui existência tridimensional, embora seja possível intervir sobre ele e modificá-lo.

O material clínico da psicanálise depende da produção de significantes, vimos que esse conceito se distancia da nossa noção comum de palavra, visto que diferente dele, ela pode significar algo isoladamente. Além disso, sua conotação é distinta da utilizada na linguística saussuriana, já que nela um significante remete a um significado. O conceito lacaniano de significante também permite ser diferenciado do conceito freudiano de representação (Vorstellung), pois assim como ele não representa nada, tampouco pode ser recalcado, tal como é admitido em Freud.

O que surge na linearidade da fala do analisante apenas se transforma em material clínico no momento em que um significante pode ser articulado com outro, esse modelo temporal foi chamado por Lacan de futuro anterior (aprés-coup). Isso resulta em determinado modelo espaço-temporal, que compreende o modo no qual os significantes se articulam na forma de boucle. È através dessas novas articulações que se torna possível intervir e modificar o sintoma na clínica psicanalítica.

A insistência de Lacan em afirmar que foi o advento da ciência moderna que possibilitou o surgimento do sujeito da psicanálise, justifica-se pelo afastamento da concepção empírica. Assim como na ciência moderna o mundo sensível cede espaço aos modelos teóricos e fórmulas matemáticas, na psicanálise o sujeito é produzido pela articulação entre significantes. Em virtude disso, o sujeito em psicanálise é distinto da noção empírica de indivíduo, que possui um corpo biológico e tridimensional.

Vimos que Lacan faz uso da polissemia presente da palavra sujet (sujeito) em francês, que também pode significar assunto e tema. Nesse caso, podemos afirmar que o Outro simbólico funciona com o lugar no qual as articulações significantes são produzidas e como consequência delas, são criados assuntos (sujet) inesperados no contexto analítico. Isso representa o afastamento da concepção individualista de sujeito, visto que ele e o Outro simbólico estão interseccionados sem que exista descontinuidade entre eles.

Concluímos que no modelo de formalização proposto por Lacan à clínica psicanalítica, os conceitos de estrutura, significante e sujeito são indissociáveis e precisam ser pensados de forma articulada. O conceito de estrutura em Lacan foi fortemente influenciado pelo método estrutural, tornando possível formalizar o modo no qual o discurso do inconsciente é produzido pela articulação significante. Essas articulações produzem assuntos no contexto analítico, permitindo supor que houve emergência do sujeito.

 

 

Referências

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Artigo recebido em: 19/04/2019
Aprovado para publicação em: 05/06/2019

Endereço para correspondência
Charles Elias Lang
E-mail: charles.lang@ip.ufal.br
Hudson Vieira de Andrade
E-mail: hudson.deandrade@hotmail.com

 

 

*Doutor em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor Associado Nível III da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil.
**Membro aderente da Apertura Para Otro Lacan (APOLa). Graduado em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil.
1Ver em dicionário Linguee em: <https://www.lingue e.com.br/portugues-frances/search?source=auto&query=boucle>.

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