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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

versão On-line ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.41 no.41 Rio de Jeneiro jul./dez. 2019

 

RESENHA

 

Continuidade e descontinuidade no processo de subjetivação do bebê

 

Continuity and discontinuity in the baby's subjectivation process

 

 

Issa Damous*

Universidade Federal Fluminense - UFF - Brasil
Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro - CPRJ - Brasil

Endereço para correspondência

 

 

ARAGÃO, R. O.; ZORNIG, S. (Orgs.). São Paulo: Escuta, 2018.

 

Regina Aragão e Silvia Zornig nos convidam, com seu livro Continuidade e descontinuidade no processo de subjetivação do bebê, para os embalos rítmicos de 13 textos absolutamente pertinentes ao tema proposto. Densos em suas abordagens e criteriosamente encadeados, os capítulos se desdobram em 4 partes harmoniosamente entrelaçadas.

Centrado no conhecimento sobre o bebê, o livro traz à baila uma temática bastante atual para a psicanálise: os processos arcaicos de subjetivação e suas diversas implicações que - é importante demarcar - não se restringem à primeira infância, dadas as reflexões que instigam. Estas abrangem a permanência e continuidade dos cuidados do bebê pela família, por profissionais de saúde e da educação, associados à constituição do sentimento de si e de continuidade do existir e, portanto, também aos processos de simbolização, assim como ao campo teórico e clínico da psicanálise.

De fato, o livro proporciona ao leitor a possibilidade de entrever o percurso do bebê em relação à continuidade e descontinuidade dos cuidados, desde os processos iniciais de subjetivação. Os capítulos partem dos primórdios, passam pelas experiências na família e seguem para além desta, problematizando, a seguir, o cuidado em contexto de sofrimento psíquico, como transtornos de subjetivação arcaica, adoecimento crônico com demanda de internação prolongada e mesmo óbito perinatal. E sem perder o ritmo!

 

Parte 1 - Permanência e continuidade nos cuidados do bebê

O ritmo é geralmente um aspecto importante a ser considerado em termos de cuidado e, nas experiências do bebê, é essencial, tal como assinalado por Albert Ciccone. Colocadas em perspectiva, pelo menos três planos dessas experiências se apresentam. O primeiro deles diz respeito à alternância entre abertura/fechamento, contato com o mundo/retraimento, vigília/sono, demarcando os primeiros passos do bebê nos processos de subjetivação. Eis o que inicia a possibilidade de interiorizar experiências. Estas, no entanto, demandam ainda uma coreografia de encontro entre o bebê e seus pais, desenhando um segundo plano das experiências rítmicas. Trata-se aqui do compartilhamento de experiências muitas vezes conduzido pelo bebê, ele, o maestro, cujos movimentos podem mesmo preceder a entonação de sua mãe nas protoconversações que ela estabelece com ele, respeitando e ajustando-se ao seu ritmo. Do adulto então chegam as variações, as surpresas que, como nos lembra o autor, devem ser temperadas, uma vez que se inserem como disritmias nas coreografias entre o bebê e seu parceiro, tal como na brincadeira de cócegas...: fazê-las antes ou depois, ou mesmo ao lado de onde o bebê as espera. Essas violações são introduzidas no encontro, e frustram expectativas; porém, devem ocorrer em uma certa medida, a ponto apenas de operar uma descontinuidade como abertura à excitação, ao lúdico.

Então, com o objeto em foco, Ciccone nos traz a seguir a ritmicidade da presença/ausência do objeto frente à necessidade de ser mantido vivo no interior do bebê que, de sua parte, precisa se esforçar para manter consigo a continuidade do objeto. Dentre as colheradas da alimentação, da calmaria que manifesta em presença da colher que o alimenta à agitação em sua ausência, o bebê se empenha em manter permanente o olhar do observador. Diante da ausência do seu parceiro, o bebê busca indícios de sua presença, incorpora a situação que interessa aos pais, recria em seu corpo o que chamou a atenção deles, busca assim sensações duras para encontrar um apoio e proteger-se das sensações macias, frágeis, que remontam à possibilidade de perda... duro/macio... Está em questão o trabalho psíquico do bebê para resolver a ausência que, embora inevitável, não pode desmentir a promessa de encontro. De presença à ausência para novamente a condição de presença, a dimensão subjetiva da temporalidade excedida mergulha o bebê na agonia e transforma a ausência em vazio.

Um ritmo perturbado, desorganizador, faz-se perceber em um grito, um choro inconsolável e, então sabemos que estamos nos deparando com a confusão interna projetada para fora. Um apaziguamento dessa perturbação encontra suas bases na integração da matriz bissensual, experiências de continuidade/descontinuidade, macias/duras, articuladas particularmente no tônus corporal, no tônus da prosódia. Estes constituem aspectos arcaicos que qualificam posteriormente a biparentalidade psíquica pautada, por um lado, na firmeza, segurança, do paternal primário e, por outro lado, no envelopamento maleável, macio, do maternal primário. Para Ciccone estas são as bases de um apoio seguro ao sentimento de identidade, com a devida sustentação e amortecimento: o ritmo permitindo a abertura para o mundo, com a sorte de que se confirme a permanência da existência de si.

A ritmicidade dos cuidados fomenta assim uma segurança de base que garante a ilusão de permanência necessária ao sentimento de ser. Indo além, tem-se que um ritmo seguro de cuidados garante ao bebê uma experiência temporal que permite a antecipação, e também a ilusão de criar o objeto que encontra - base, portanto, do pensamento. Afinal, antecipar uma experiência satisfatória assevera a confiança em si e no mundo. Mas é preciso considerar que as bases da ritmicidade derivam ainda de experiências sensoriais, perceptivas e emocionais bastante primitivas, quiçá ruídos rítmicos intrauterinos. De todo modo, trata-se de poder experimentar a descontinuidade sobre um solo sedimentado de continuidade. Isto sim é organizador, e o é tanto para a separação do objeto primário quanto para o encontro com a alteridade.

A temática sobre ritmicidade segue na discussão do livro com Regina Aragão. A autora retoma a perspectiva dinâmica configurada pelas marcações rítmicas de continuidade/descontinuidade, presença/ausência, e problematiza a construção da permanência do objeto interno do bebê. Essa dinâmica é fundamental nos processos nascentes de simbolização que se fundam no jogo relacional rítmico entre o bebê e sua mãe, no nível do corpo, dadas as capacidades perceptivas e sensórias, e em meio à mutualidade comunicacional entre ambos. Ativo e receptivo na "espiral interativa com seus parceiros" (p. 31), o bebê conduz com seu ritmo a coreografia do encontro. A mãe, de sua parte, compartilha intersubjetivamente uma experiência do bebê transpondo uma modalidade de percepção para outra, utilizando a transmodalidade como recurso do bebê, introduzindo, no entanto, uma leve digressão no tempo.

O aspecto tempo funciona, nesse contexto, como elemento de passagem do registro sensório-perceptivo para a atividade do pensamento. Através do tempo, integram-se aglomerados de experiências, o ritmo liga e religa, alternam-se repetições e surpresas ou, ainda, conjugam-se dois tempos, o dos macrorritmos e o dos microrritmos. O tempo dos macrorritmos diz das repetições quotidianas, como as refeições, o banho, o deitar-se, a previsibilidade circular que apazigua, que satisfaz e que confirma as expectativas. Já o tempo dos microrritmos remonta à brevidade da surpresa que pontua os acontecimentos na medida em que uma modificação é introduzida na sequência estabelecida. Nesse ponto, cria-se um espaço psíquico diante do desconhecido: o bebê precisa então antecipar e preencher com sua atividade simbólica o vazio daquele instante que o pega de surpresa.

Desde as primeiras marcas rítmicas da vida intrauterina aos ritmos das interações corporais e vocais pós-nascimento, é possível, portanto, avançar na compreensão de processos sutis das relações primárias, como entender que é único o estilo rítmico compartilhado entre dois parceiros. Uma boa sintonia rítmica nesse sentido aponta para uma vertente criativa das relações primordiais frente ao encontro com o objeto, com a alteridade, inevitavelmente traumático.

Na esteira de Regina Aragão, eis a questão colocada por Sylvain Missonier: Como se presentifica o futuro dos laços humanos? Os laços com o externo ou interno estão permanentemente associados a um tensionamento existencial, uma vez que, em meio à espiral interativa, experimenta-se, no presente, o devir - do sujeito e de seus grupos de pertencimento. Dentre as problematizações que originam essas questões e também as que daí derivam, Sylvain Missonier enfatiza a antecipação, via de acesso à simbolização, como inscrição de uma temporalidade que atravessa o desenvolvimento da parentalidade e da criança, pois transporta o ser, no presente, para um futuro: tornar-se pai, nascer humano, ser cuidador. Nesse contexto, o autor discute paradigmas em torno do debate acerca da (in)diferenciação primordial em relação ao objeto. Entendendo limites teóricos à concepção de indiferenciação primária, propõe concebermos uma linha de desenvolvimento pautada na antecipação, uma linha chamada da agonia primitiva à angústia-sinal, que, a seu ver, caminha na perspectiva da epigênese, na qual figura a natureza intersubjetiva do feto humano orientado para o outro virtual.

Assim, para Missonier, a antecipação encarna uma virtualidade em meio a variações que vão desde a agonia primitiva à conquista da angústia-sinal. Como um mecanismo de defesa adaptativo voltado para um futuro em vias de elaboração, e, portanto, indeterminado, incerto, a antecipação emerge da rede de interações pais/embrião/feto/bebê sendo única para cada indivíduo. Nesse contexto, as interações comportamentais e emocionais se somam às interações fantasmáticas que trazem à tona o encontro entre os fantasmas parentais e as protorrepresentações da criança.

Do lado dos pais, a parentalidade pode se organizar via antecipação da separação que se segue ao nascimento do bebê, além da vivência da alteridade radical do recém-nascido ao mesmo tempo em que é totalmente dependente no início da vida. As inter-relações pós-nascimento podem ser em parte organizadas pela antecipação no período perinatal, de tal modo que o bebê imaginado durante a gravidez constitui uma representação antecipadora. Uma vez no pós-parto, a ilusão antecipadora da mãe guia-a em suas respostas ao seu bebê.

Do lado do feto, Missonier ressalta a hipótese de uma antecipação geneticamente programada, decerto considerando as variáveis constitutivas e o ambiente perinatal, mas, de todo modo, sendo marcada pela continuidade da existência do eu e pela integração, favorecendo a ideia de um eu-agente e auto-organizado. Do lado do recém-nascido, têm-se as protorrepresentações, formas impressas nas moções de afeto que permeiam a reciprocidade relacional inscrita nas interações fantasmáticas primitivas dos diálogos tônicos, cutâneos, mímicos, vocais, olfativos, visuais. O bebê de três meses que estende os braços para sua mãe não o faz por ser uma atividade programada, mas porque tem protorrepresentações de sua mãe. Ele tem uma atividade fantasmática que o capacita à antecipação do comportamento maternal.

 

Parte 2 - Experiência de continuidade e descontinuidade na família

Com Konicheckis, adentramos no processo de instauração de uma subjetividade, processo que remonta ao sentimento fantasmático e sensorial de continuidade da existência num tempo de experiências afetado por descontinuidades. Aí têm lugar os laços primeiros, os que emanam da sensorialidade corporal, tempo de experiências em que os sujeitos e objetos, bem como as relações que estabelecem, ainda não estão constituídos subjetivamente. O autor enfatiza assim o sensório como o que se origina do encontro entre partes do corpo e objetos, como o que encarna a ambiguidade do compartilhamento e da separação entre mundo interno e externo, entre psique e soma.

A intensidade das sensorialidades é íntima, exclusiva, dificilmente transmissível, configurando uma identidade sensorial diretamente associada à constituição do sentimento de identidade pessoal. Sobre o eixo da temporalidade, a ritmicidade da repetição, a circularidade das experiências sensoriais que retornam em uma nova modalidade, insere uma repetição, uma circularidade, que mantém a coesão e instiga a formação de novos objetos-sensação.

Com efeito, o outro e o si estão conjugados de maneira complementar nos laços sensoriais que suportam as simbolizações. No encontro sujeito-objeto estão as formas primeiras da sexualidade no viés da intensidade sensorial oriunda do objeto parental, excitante e fascinante, em vez de apaziguador. Da diferença inaugural então entre a experiência sensorial da criança e a do adulto decorrem outras diferenças: penetrante/penetrado, ativo/passivo, masculino/feminino.

De todo modo, é da experiência sensorial, mais ou menos feliz ou violenta, compartilhada com o objeto exterior, que se desenvolvem os embriões de sentido, sementes, tesouros sensoriais. Em oposição, a psicopatologia vê desfilarem sintomas e quadros clínicos em que o quesito sensório se revela, com destaque para a relação psique-soma, para o predomínio de clivagens e para a transformação da sensorialidade em objeto impedindo o trânsito dentro/fora, eu/outro, tornando bem difícil estabelecer laços associativos como o convidaria a fazer a transicionalidade.

Da experiência sensorial compartilhada entre o bebê e o objeto exterior, passamos à discussão levada por Silvia Zornig sobre as funções dos objetos primordiais nos processos de simbolização primários. Aqui estão em jogo dois eixos, a saber, espelhamento e descontinuidade, ambos correspondendo, respectivamente, à presença qualitativa do objeto primordial e ao trabalho do negativo, este como aquele que opera disjunções necessárias ao estabelecimento de limites contra os excessos do objeto. Vale esclarecer que o objeto é um outro-sujeito, que permite a semelhança sem perder a singularidade e que, diferentemente dos processos de simbolização primários, os secundários se fundam na ausência do objeto, sua perda, via luto.

À função de espelhamento do objeto primordial cabe "conter e sustentar os afetos em estado bruto do bebê para evitar que o acesso à diferença seja insuportável e leve à vivência de desamparo" (p. 97). Constitui-se desse modo o narcisismo primário, em meio à sensibilidade da mãe que entra na preocupação materna primária e propicia a experiência de ilusão ilustrada na perspectiva do objeto encontrado/criado, protegendo o bebê da percepção prematura da diferença, embora esta venha a ser essencial para a terceiridade que favorecerá a saída da dimensão especular.

Quanto à descontinuidade, esta fica sob o encargo estruturante do trabalho do negativo que implica paradoxalmente a possibilidade de restabelecer a continuidade. A constituição de limites, bem como o apagamento do objeto primordial, são processos que compõem o trabalho do negativo transformando a ausência em presença potencial e permitindo a transformação do objeto primordial em estrutura de enquadramento na qual podem ter lugar os processos de simbolização, autorreflexivos inclusive, podendo ser dispensados os cuidados do objeto. Trata-se de que é também "preciso dizer não ao excesso pulsional e ao objeto para preservar as possibilidades de ligação e de vida" (p. 100).

Na clínica, a dimensão patológica do negativo comparece fazendo com que muitas vezes o objetivo da análise seja menos resolver conflitos inconscientes e mais promover a expansão do continente-contido. A aposta nesse sentido parece se realizar, via "envelope protonarrativo", uma integração das experiências oriundas de diferentes unidades temporais elementares em uma unidade de base dotada, isto sim, de continuidade temporal, e assim investir positivamente a estrutura psíquica de enquadramento.

Com Diana Dadoorian colocamos o holofote sobre o lugar dos pais no tratamento psicanalítico da criança, temática repleta de discussões na história do movimento psicanalítico que diz respeito a essa clientela. Então... eles devem ou não participar?

Para seguir no debate, a autora nos alerta para a importância de considerarmos o papel dos pais em relação ao sintoma apresentado pela criança. Dadas as perspectivas de transmissão geracional, a ideia do bebê como portador de um mandato transgeracional e a coconstrução da vida subjetiva das crianças, percebemos que pais e filhos são, muitas vezes, confrontados com "uma descontinuidade psíquica, um vazio na trama de representações e de pensamentos" (p. 119) em função das histórias conflituais e narcísicas herdadas das gerações anteriores. Trata-se de que conflitos inconscientes não elaborados na geração dos pais, dos avós, são transmitidos à criança de modo também não elaborado e ela passa a portar o mandato de repará-los. Diante desse fenômeno, deve ser permanente e constante o lugar de pais e familiares no tratamento das crianças com o intuito de favorecer a retomada da "continuidade de uma trama narrativa e simbólica na transmissão entre gerações" (p. 120).

É importante ainda considerar como pode ser difícil para os pais colocar um filho em análise, principalmente em função do sentimento de culpa pelo sintoma da criança. Assim, desenvolver um vínculo com os pais, escutá-los empaticamente, explorar com eles as questões trazidas e com eles também buscar saídas, é um caminho para ajudar a criança a entrar na sua história e assim retomar a possibilidade de continuidade narrativa, estando ela mais apropriada da linguagem e do pensamento que a precedem.

 

Parte 3 - Alargando as fronteiras da família: a entrada no mundo

Para além da família, a creche! Sim, este também pode ser um espaço para os bebês, por questões educacionais, de vulnerabilidade, ou simplesmente por ser um lugar alternativo quando não é possível à família, mas de todo modo, um espaço no qual se faz igualmente imprescindível a discussão sobre continuidade e permanência dos cuidados, e isto, na primeiríssima infância. Nesse sentido, Isabel Khan Marin retoma da psicanálise a metapsicologia associada à função simbolizante do objeto para problematizar a função da creche no processo de subjetivação do bebê, pois tal como é esperado do objeto materno, a creche poderia exercer a para-excitação, ficando em aberto, no entanto, a questão quanto à medida em termos de presença/ausência já que a não presença do objeto materno se impõe de saída para a criança na creche. Ocorre que, em muitas práticas educadoras, mesmo guiadas por propostas interessantes e consistentes, procura-se disfarçar a ausência da mãe, distrair o bebê, suporta-se mal o choro ou manifestações de angústia. De seu lado, a família contemporânea está hiperexigida e, sentindo-se impotente para dar conta de tantas demandas, terceiriza o saber... Educadoras e mães acabam disputando entre projeções recíprocas os descuidos em relação aos bebês.

Uma saída possível: que a creche consiga se constituir como espaço potencial, garantindo uma transicionalidade que inclua espaço e tempo como marcadores de um ritmo presença/ausência como condição para o bebê da permanência do seu sentimento de existir. Isto inclui, em meio a temores e expectativas, permitir "a construção de narrativas que transformem suas vivências em experiências comunicáveis" (p. 130). Trata-se de incluir a ideia da creche como rede social de apoio de modo que possa compor a perspectiva da função simbolizante para o bebê, mas também para sua família que, acolhida, pode também participar ativamente do cuidado.

A autora alerta para o fato de que a equipe de cuidados precisa também suportar deixar-se ser utilizada sobrevivendo aos ataques do bebê sem cair na tentação da indiferenciação, negando, como em geral vigora na sociedade contemporânea, o contato com o vazio, com a espera, a ausência que, na verdade, seriam condições para a simbolização, para a subjetivação. Nesse sentido, podem conversar com os bebês enquanto estão cuidando deles, podem testemunhar o brincar, permitir que os bebês deixem suas marcas. Indo além, a autora nos assinala ainda a necessidade de garantir condições de reflexão à equipe de cuidados, como momentos de supervisão, já que os bebês mobilizam registros arcaicos do adulto cuidador, disparando afetos que precisam igualmente de sustentação e contenção.

Aliás, refletir sobre o trabalho com profissionais de creche é a proposta de Maria Teresa Venceslau de Carvalho, visando a prevenção em saúde mental na primeira infância com prioridade para as possibilidades de ação do professor. A autora entende a creche e as relações estabelecidas com o bebê como parte do processo de constituição subjetiva em que o sujeito do desejo ocupa um lugar determinado numa estrutura simbólica, submetido às marcas de uma história que o antecede, sendo sempre singular. É então grande a responsabilidade dos educadores no cotidiano da creche com o bebê: desde a separação da família, passando pelo cuidado de necessidades como sono, alimentação, higiene, proteção, incluindo necessidades afetivas, a vivência de diferentes experiências sensoriais, motoras, comunicacionais... Tudo o que, além de um projeto pedagógico, valorize as relações interpessoais entre o adulto educador e o bebê.

Para tal, cuidar do educador pode ser uma estratégia preventiva que redunda na valorização do espaço da educação coletiva como um espaço potencial. Escutar o educador pode ser nesse contexto um espaço de reconhecimento da complexidade implicada no cuidado e educação de um bebê que, afinal, é potente, pode protagonizar seu desenvolvimento. Além disso, a formação desse profissional é desafiada de pronto pela confrontação com o "senso comum de que basta gostar de crianças pequenas para saber cuidar delas" (p. 151). Ledo engano!

O trabalho com cuidadores de bebês é também o foco de Solange Frid Patricio que, da fenomenologia do cuidado a uma visão psicanalítica, indica a necessidade de espaços potenciais para sustentar esse cuidador no exercício da sua função, o que pode, por exemplo, acontecer através de um trabalho em grupo que favoreça espaço de narração. Conforme trazido pela autora, o cuidado é constitutivo da dimensão humana e dentre as diferentes possibilidades de ser compreendido, está a atitude de preocupar-se, inquietar-se pelo objeto, cuja existência tem importância para aquele que cuida.

Essa atitude, no entanto, precisa estar equilibrada na posição de, por um lado, uma presença implicada, o que pressupõe estar comprometido e atuante, não saturando, porém, o espaço vital do objeto de cuidado, afastando-se então, por outro lado, e mantendo certa reserva, deixando-o desobstruído para o exercício de sua potência criativa. O cuidado pode ser, nessa perspectiva, "uma escolha ética-estética e política daqueles que entendem que a função do cuidado é de todos" (p. 161)... uma prática que também deve ser sustentada para acontecer com qualidade e que, na medida em que considera a alteridade, o valor da vida viva é, também, afinal, resistência à lógica capitalista que parece priorizar o utilitarismo humano como força de trabalho, como capacidade de produção e de consumo. Por mais "modo-de-ser-cuidado"!

 

Parte 4 - Lidando com o sofrimento psíquico e as situações de risco à constituição do bebê

A partir do aumento de certas apresentações sintomáticas na atualidade, como a hiperatividade e transtornos do espectro autista, Victor Guerra interroga a inter-relação de momento histórico e sintoma. Nesse sentido, o autor articula fatores constitucionais da criança a falhas nos vínculos intersubjetivos pais-filhos atravessados por aspectos da cultura, entendendo que daí pode estar emergindo uma possível epidemia de quadros clínicos infantis graves. Contudo, em se tratando do trabalho psicanalítico com crianças pequenas, em que uma metapsicologia da presença é necessariamente considerada, ficam as perguntas sobre as modalidades de presença, sobre o funcionamento parental na atualidade... Na verdade, sobre a própria construção da subjetividade, dadas as mudanças da cultura.

Especificamente quanto à relação subjetividade-cultura atual, tem-se um cenário em que vigora uma volatilização das identidades que, se por um lado está associada à maior liberdade de movimento na subjetivação, por outro lado, tem-se a instabilidade ancorada em uma hipervalorização da descontinuidade. Além disso, os espaços íntimos parecem implodidos em favor do estímulo a uma contínua exposição do self, ou mesmo a uma necessidade permanente de conexão com outros. Parâmetros acerca do tempo e do espaço também dão o que pensar em termos de subjetivação, dada a velocidade de deslizamento na superfície dos vínculos, dos espaços, cujas experiências de vazio podem ser grande inimigo. A experiência do tempo presente é o que importa, sob a ênfase do sensorial, principalmente visual: trata-se de apresentar em lugar de representar.

A ênfase numa lógica da apresentação, num presente acelerado, sem memória, que cultua a urgência e que valoriza a ação, incide doravante no vínculo pais-filhos: os pais também aceleram, passam a estimular rapidamente o filho, e este deve ser autônomo e dar mostras de que suas potencialidades estão desenvolvidas num ponto ótimo. Consequentemente, os pais conectam-se com a imagem do bebê autônomo e produz-se desde cedo uma descontinuidade nos vínculos que, em termos de língua corporal, diz de um bebê exigido a um poliglotismo sem que ele já tenha estabelecida sua língua, restando-lhe substituir a dependência e apelar a defesas sensoriais, como a aderência sensorial bidimensional, em que o televisor pode ser um bom exemplo.

A questão nodal para a subjetivação é a necessidade de organização e coordenação dos diferentes fluxos sensoriais mediante "o encontro rítmico, atentivo e narrativo com o outro" (p. 179), cujas manifestações clínicas, Victor Guerra propõe chamar transtornos de subjetivação arcaica - transtornos que requerem um trabalho de delicado encontro rítmico com o ambiente subjetivante, incluindo os pais e a escola, na esperança de novos rumos para a subjetivação.

De fato, o sofrimento psíquico da primeira infância pode continuar ao longo da vida ou irromper em alguma condição psicopatológica posterior. Contudo, os avanços no conhecimento sobre o bebê nos fornecem "um aporte considerável para a prática do cuidado psíquico, qualquer que seja a idade do paciente", nos indica Anne Brun (p. 193). Seu trabalho com crianças autistas e psicóticas é inspirado na clínica de bebês e utiliza mediações terapêuticas como dispositivos articulados em torno de um meio maleável (MILNER) como pintura, modelagem, música, brincadeira com água, marionetes.

Brun entende que a especificidade do sofrimento dessas crianças diz respeito a "experiências primitivas catastróficas, articuladas ao estado do corpo e às sensações que tendem a retornar sob uma forma não verbal" (p. 195), geralmente na linguagem do bebê, sensório-motora. Trata-se do universo das agonias primitivas (WINNICOTT) ou do terror sem nome (BION), de um psíquico não integrado, cujo sofrimento precisa ser interpretado pelos cuidadores para tornarem-se mensagens e então ganhar sentido.

O uso de mediações nos espaços de cuidado inclui a materialidade do meio, em sua concretude, assim como o terapeuta que apresenta o meio. Nesse contexto, o material transformável e o laço transferencial estão em jogo no conjunto da sala de brincar, onde, em geral, a criança escolhe o material que lhe permita trabalhar o aspecto de sua problemática. A aposta de Anne Brun nesse trabalho clínico é de que o encontro com o meio reative provações corporais e psíquicas impensáveis e que assim favoreça simbolizações primárias considerando, sobretudo, a sensório-motricidade como o modo primitivo de comunicação dos bebês.

Acompanhando o tratamento de uma criança psicótica, a autora nos evidencia como a mediação pictórica pode favorecer a constituição de um fundo para representação, antes da qual, no entanto, a criança pode se situar em uma posição adesiva patológica, sem ter integrado o sentimento de envoltório. Em uma relação especular com o meio, a criança pode se tornar uma sensação mão agarrada à folha, ou folha pele acariciada. Apenas na medida em que um fundo se constitui, ocorre um jogo entre figura e fundo, isto é, o uso da matéria em sua tridimensionalidade.

O prazer compartilhado no encontro com o cuidador no processo desenhado por Anne Brun desempenha papel fundamental para as emoções da criança que se apresentam não como emoções, mas como sensações: oferecendo "uma espécie de espelho corporal e afetivo" (p. 202) que pode (re)estabelecer o circuito relacional com o ambiente. O eco produzido em espelhamento transforma em mensagem o que fora apresentado, relançando os fenômenos de sintonização criança-mãe, as harmonizações de fundo que favorecem, portanto, as primeiras formas de simbolização.

Como pensar, no entanto, essa sintonização com bebês no contexto de adoecimento crônico, atrelado muitas vezes à necessidade de internações prolongadas? Essa é a preocupação de Natalia Pfeil e Creuza da Silva Azevedo. As autoras interrogam em que medida o ambiente de cuidados reconhece, no contexto das práticas de saúde nos hospitais, a singularidade e necessidades dos bebês em contrapartida a uma mecanização e impessoalidade, sobretudo em meio aos procedimentos invasivos dos cuidados médicos em que pode se tornar difícil ver o bebê como sujeito. Nessa cena das práticas de saúde, esperançadas e certamente facilitadas pelos avanços tecnológicos, está em jogo o compartilhamento de fantasias e angústias primitivas vivenciadas pelos bebês, seus pais e profissionais de saúde. A hipótese das autoras é que, para além da técnica, os profissionais lidam também com a exigência de trabalho psíquico de cuidar de bebês nesse cenário.

Com efeito, do ponto de vista dos processos de amadurecimento emocional em curso nos bebês, estão em jogo a facilitação suficientemente boa aos processos de integração e de constituição psicossomática, assim como a diferenciação eu/não-eu, em que, para além da preocupação materna primária, entra em cena também no contexto de cuidados de que falam as autoras a preocupação médico-primária. Esta preocupação é caracterizada por uma aproximação afetiva e pelo favorecimento de uma sensibilidade para identificar as necessidades do bebê. O outro lado da moeda é a confusão imaginária dos profissionais levando a uma possível parceria com os pais, mas também a disputas e julgamentos.

De todo modo, é necessária uma disponibilidade emocional para sintonizar-se com o bebê, conectar-se afetivamente e investir libidinalmente na comunicação com ele, escutá-lo no mais profundo de si e por todos os sentidos que dele emanam, acolhendo, contendo e transformando... Sem escapar, no entanto, da condição de muitas vezes ser tocado em suas partes mais sensíveis... Aqui, o cuidado diferenciado em termos de implicação e reserva traz a necessidade de que se renuncie à própria onipotência, de que se renuncie às fantasias reparadoras maníacas, de deixar-se também ser cuidado, eis o que abre espaço para a mutualidade dos cuidados cuja base é a empatia, a capacidade de sentir com. Ocorre que o limite em curar caminha pari passu à gratificação narcísica de cuidar de um bebê e com direito a todas as surpresas no curso do desenvolvimento que escapam a prescrições e prognósticos, já que "criança tem essa vantagem de criar novos caminhos " (p. 219) e seguir seu ímpeto para a vida.

Decerto, há particularidades a serem consideradas, como situações de perda fetal, quando o óbito acontece intra utero, a partir da 22ª semana de gestação, como nos convidam a refletir a respeito, Helena Aguiar e Silvia Abu-Jamra Zornig. A descontinuidade nesses casos não demarca a ritmicidade... É de ruptura que se trata, de interrupção da promessa e, em diferentes aspectos, a começar pela morte sem um corpo, uma não existência a partir da qual não existem espaços ou tempo para dividir a dor do bebê morto, pois ele nem mesmo chegou a existir para a maioria, há poucas recordações, poucos traços deixados. Mesmo os profissionais de saúde envolvidos no ocorrido podem sentir a morte fetal como fracasso, além de terem mobilizadas partes íntimas de si demandando provavelmente alguma atenção, mas, se, reconhecem de maneira implicada o drama que a situação pode ser para os pais, isto já pode ter impacto positivo para o trabalho de luto perinatal.

As autoras aproximam então a perda fetal à perda melancólica no que diz respeito a certos marcadores, desenhando um caminho possível de saída para o óbito fetal pela melancolia. Um marcador para essa discussão consiste na natureza do objeto perdido no óbito fetal, a saber, um objeto em potencial, virtual, circunstância na qual nem mesmo a realidade revela que o objeto de amor não existe mais... Retirar o investimento libidinal de que objeto perdido?! Como iniciar o trabalho de luto? Tal como na melancolia em que se coloca uma perda desconhecida, também na perda fetal podemos falar do estatuto virtual do objeto perdido. Outro marcador é a relação de objeto na melancolia complicada pelo conflito devido à ambivalência. Trata-se de que os afetos ambivalentes atravessam em geral toda a gestação, embora o nascimento de um bebê saudável renarcise a mãe, tranquilizando-a e gratificando-a. Isto, porém, não ocorre em caso de óbito fetal, situação em que "a mãe não encontra algo que a conforte, que lhe mostre que seus sentimentos hostis não prejudicaram seu bebê" (p. 226).

A identificação do ego com o objeto perdido é ainda um marcador para a discussão proposta pelas autoras, pois tanto na perda fetal quanto na melancolia, o ego não é liberado para novos investimentos, já que a libido livre é retirada para o ego que se identifica com o objeto perdido: o objeto perdido no óbito fetal é incorporado no ego da mãe, tal como na identificação melancólica mas, no caso da perda fetal, a identificação ocorre com o objeto interno virtual e não com o objeto externo perdido. Ainda assim, o trabalho que o luto comporta é sempre singular. E, mesmo que nas circunstâncias de perda pré-natal a saída se dê pela melancolia, a mãe ainda precisará deixar morrer gradualmente uma parte de si mesma...

As diferentes contribuições propostas pelos autores neste livro nos provocam e, mesmo após o encontro no processo de leitura, continuam a existir conosco, em nossas práticas de cuidado, em nossos trabalhos teóricos e/ou clínicos... Embriões de sentido, em uma ritmicidade harmoniosa de base, fundo no qual certamente pode se fazer figurar a continuidade de reflexões sobre a primeira infância. Que possamos seguir semeando novas coreografias de encontro!

 

Endereço para correspondência
Issa Damous
E-mail: issa@infolink.com.br

 

 

*Professora Adjunta do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisadora CNPq. Participante do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro (CPRJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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