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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

versão On-line ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.42 no.42 Rio de Jeneiro jan./jun. 2020

 

ARTIGOS

 

A clínica que realmente fazemos, o tempo em que vivemos e a experiência de análise: o caso Ulysses

 

The clinic that we really do, the time in which we live and the analysis experience: the case Ulysses

 

 

Renata Lisbôa MachadoI, II*; Audrey Fernanda Blackwell**; Adriana Vignoli***; Carmem Lucia SilvaII, III****; Franciela BonacinaII*****; Rafael BrazII******

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Brasil
IIInstituto Wilfred Bion - Brasil
IIIInstituto de Terapias Integradas de Porto Alegre - ITIPOA - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho propõe pensar a clínica contemporânea que se atualiza com os aspectos encenados na transferência e que interroga a clínica que realmente fazemos tomando como objeto de estudo o recorte de acompanhamento a um jovem em situação de análise com base no método psicanalítico. As indagações do trabalho gravitam em torno das possibilidades de criar novos caminhos de escuta. Inspirados no pensamento de Winnicott e com o objetivo de explicitar a relação entre o tempo em que vivemos e de que modo ele se reflete na clínica que realmente praticamos, elegemos deslindar percepções de um caso clínico a fim de interrogar de que modo a esquizoidia, pela riqueza que representa, pode retratar um fenômeno tanto clínico quanto da cultura.

Palavras-chave: Clínica, Experiência de análise, Esquizoidia, Tempo, Ulysses.


ABSTRACT

This paper aims to reflect about the contemporary clinic that is updated with the aspects staged in the transference and that interrogates the clinic that we actually do taking as object of study the cut of accompaniment a young person in situation of analysis based on the psychoanalytical method. The inquiries of the work gravitate around the possibilities of creating new ways of listening. Inspired by Winnicott's thought and with the purpose of explaining the relationship between the time in which we live and how it is reflected in the clinic we actually practice, we choose to delineate perceptions of a clinical case in order to question how the schizoidia, by wealth that it represents, can portray a phenomenon both clinically and culturally.

Keywords: Clinic, Psychoanalysis experience, Schizoidia, Time.


 

 

À porta, quem virá bater
Em uma porta aberta se entra
Uma porta fechada um antro
O mundo bate do outro lado de
minha porta
Pierre Albert-Birot

 

Introdução

Este artigo nasce do acompanhamento de um caso clínico de um adolescente, discutido e pensado no Grupo de Estudos de Winnicott do Instituto Wilfred Bion, realizado no período de um ano com encontros semanais de uma hora e trinta minutos na sede do Instituto. O grupo é composto de psicólogos e psicanalistas que vêm se debruçando sobre o estudo e a pesquisa no âmbito da clínica de Winnicott. O presente trabalho foi concebido com intuito de partilhar as reflexões do grupo, apresentadas no XXVII Encuentro Latinoamericano sobre el pensamiento de Donald Wooods Winnicott, promovido pela ApdeBA (Associación Psicoanalítica de Buenos Aires) em Buenos Aires, evento anual que concentra psicanalistas e pesquisadores de Winnicott que apresentam e divulgam seus trabalhos e suas pesquisas. O Congresso teve como um dos eixos temáticos a clínica que realmente praticamos e tal eixo interessou o grupo a pensar sobre as relações entre o acompanhamento de um caso, o que se extrai como consequências e os desafios que se colocam na clínica contemporânea enlaçados com as produções da cultura. Como questão principal levantada pelos participantes temos a interrogação sobre quais são os desdobramentos dos sintomas apresentados na clínica considerando o tempo em que vivemos, o contemporâneo. Entendemos que o tempo em que vivemos se apresenta na clínica que praticamos através de uma constelação de sintomas que nos desafiam, enquanto analistas, a reinventar e a expandir o modo e a qualidade de nossa escuta, atentos às variedades clínicas da transferência. Por fim, explicitamos algumas considerações do acompanhamento do caso e as ferramentas clínicas utilizadas levando em conta as demandas e os endereçamentos atuais no setting.

 

Apresentação do caso

Quando Ulysses bateu à porta, a primeira impressão que tivemos foi que um bebê de pele branquinha se alojava no corpo esguio de um homem jovem e tímido com olhos sempre em potencial passagem para as lágrimas. Atrás das lentes dos seus óculos e das camisetas sempre escuras, esse adolescente calado e reservado de 18 anos, estudante de design, segundo filho de uma prole de dois, que mora com a namorada numa cidade próxima a do seu pai, ia se apresentando com comunicações sutis que instigaram a analista a conhecê-lo de um modo muito particular. Nas primeiras sessões, ele foi fornecendo pistas de como transitou até aqui o seu existir. Desde a procura inicial, que esbarrou numa primeira hesitação frente à localização do consultório da analista − este não era perto da sua casa − até as queixas listadas na sua narrativa inicial, o trânsito possível entre um ponto e outro, no caso a analista e o analisando, foram desenhando um mapa provisório que sinaliza esse movimento entre o aproximar-se e o afastar-se nessa geografia dos afetos em que se deflagra uma análise.

Desde essa perspectiva e pelo que o paciente foi contando a cada encontro, pareceu-nos evidente a necessidade da utilização da técnica do manejo winnicottiano, visto que a escuta a ser empregada estava em relação direta com o acolhimento de temas ligados às suas experiências emocionais precoces tanto quanto com o tema do amadurecimento pessoal.

Isso nos faz pensar na clínica que Winnicott propõe e que se mantém atual. Vejamos o que Edna Vilete (2013) diz a respeito:

Após estudar a natureza da relação mãe-bebê, Winnicott se volta para a dupla paciente-analista, em especial no tratamento de esquizoides, ou nos estados de regressão à dependência desencadeados pelo processo analítico. Nessas condições, os pacientes desenvolvem uma variedade primitiva de transferência em que o analista não é uma pessoa diferenciada, com vida própria, mas tão somente uma extensão deles próprios, uma repetição da mãe necessitada como um objeto subjetivo nos primeiros tempos de vida. Diz ele então: "na medida em que o objeto é subjetivo, é desnecessário que a comunicação com ele seja explícita". Winnicott apresenta, aqui, o território das comunicações silenciosas, a área sagrada na qual os psicanalistas hesitariam penetrar. E, mais ainda, ele defende o direito do paciente de permanecer em silêncio durante a sessão, numa época em que não falar era entendido como resistência ao trabalho analítico (VILETE, 2013, p. 69).

Nesse território das comunicações silenciosas, Ulysses foi imprimindo o seu ritmo. Estar na sua presença frequentemente nos evocava o contato com o mistério e com o não-sabido. Ele nos convidava a navegar num novo mar, enigmático e vasto. O silêncio, então, se afigurava como barco a percorrer o mar, o mar da análise, que começava a dar seus primeiros movimentos. Atentos a esses aspectos, fomos observando e captando que aquilo que o paciente trazia se aproximava do universo das coisas não ditas, comunicáveis, porém, não verbalizáveis num primeiro momento. Assim, vimos que não poderíamos escutá-lo preocupados com interpretações argutas, mas através da técnica do manejo, em que o interesse real pela vida do paciente, além da confiabilidade e da previsibilidade, assim como uma disponibilidade emocional da analista tornaram-se aliados ao processo transferencial para se percorrer a travessia com analisandos que desde muito cedo viveram a dor de não encontrar e de não experimentar a descoberta de um espaço para si. Nesse sentido, Winnicott afirma:

Psicoterapia não é fazer interpretações argutas e apropriadas; em geral, trata-se de devolver ao paciente, a longo prazo, aquilo que o paciente traz. É um derivado complexo do rosto que reflete o que há para ser visto. Essa é a forma pela qual me apraz pensar em meu trabalho, tendo em mente que, se o fizer suficientemente bem, o paciente descobrirá seu próprio eu (self) e será capaz de existir e sentir-se real. Sentir-se real é mais do que existir; é descobrir um modo de existir como si mesmo, relacionar-se aos objetos como si mesmo e ter um eu (self) para o qual retirar-se, para relaxamento (WINNICOTT, 1967/1975, p. 161).

Em se tratando de poder experimentar a descoberta de um espaço para si, aspecto que Ulysses demonstrou vir buscar na análise, interrogamos a função do silêncio como condição que vai pavimentando o vínculo entre analista e analisando. O silêncio veio propiciar a desacomodação do ato de escutar na pessoa da analista, o que parece ir ao encontro da dimensão paradoxal que se atualiza na clínica winnicottiana, mas também possibilitou conhecer um novo caminhar nesse tráfego da escuta, que é formado por silêncios e por palavras, por mistérios e surpresas. O que se espera de uma escuta são as palavras. No entanto, Ulysses, como os bebês, surpreendeu e de início já inventou o seu próprio trajeto. Dessa forma, o método da psicanálise, no interior da sua história, ganha nova atualização, porque brota do processo mesmo do encontro, sempre intercorpóreo, sempre singular. A esse respeito, o psicanalista Tales Ab'Saber (2005) contribui de forma interessante para verticalizar nossa reflexão:

A surpresa é um dos bons elementos de nosso trabalho. É provável que ela esteja relacionada à ingenuidade do ego, o do paciente e o nosso, diante do poder criativo e da mobilidade mágica do processo primário que move tanto o inconsciente quanto o self. Eu diria que a surpresa é um elemento do trabalho, da mesma forma que a angústia nele contida, ou a intimidade por ele construída, ou o humor por vezes liberado, assim como indissolúvel, campo afetivo que ele sempre cria (AB'SÁBER, 2005, p. 112).

Conforme sinaliza Ab'Sáber (2005) a surpresa possivelmente está relacionada à ingenuidade de dois egos, de dois corpos, desse encontro da intercorporeidade "diante do poder criativo e da mobilidade mágica do processo primário". Diante desse poder, pensamos que é factível assinalar que os pacientes que buscam tratamento na atualidade demonstram menos necessidade de resolver conflitos e mais a busca por um sentido de vida. Isso requer dos analistas uma postura que exige autenticidade, vitalidade, compromisso, espontaneidade e esperança. Assim, segundo o psicanalista Carlos Nemirowski1, o tema da analisabilidade hoje depende mais da relação e do vínculo do que do diagnóstico. E nós acrescentaríamos: depende mais disso, do que do centramento da escuta na conflitiva edípica.

Nesse sentido, o que adquire importância é a noção de co-transferência, conceito trazido pela psicanalista Donna Orange, que amplia o conceito original de transferência, embora o conserve. Para Orange, a co-transferência primariamente designa "a contribuição do analista para o campo intersubjetivo no tratamento psicanalítico"2. Isso reitera a afirmação de Nemirowski sobre a prevalência dos vínculos e das novas formas de se conceber a prática clínica, além da importância de o analista se colocar mais, evitando aspectos como a neutralidade excessiva e o distanciamento. Valorizando o caráter vincular presente na nossa reflexão, gostaríamos de introduzir a noção de co-transferência como uma noção importante para se pensar a vulnerabilidade ao traumático, aspecto que se coloca com premência na clínica contemporânea. Antes de apresentar as ideias de Donna Orange, pretendemos relembrar algumas características fundamentais sobre a transferência e a contratransferência apresentadas por Winnicott (1960/1983) no seu texto Contratransferência. Para o psicanalista: "A característica da técnica psicanalítica reside no uso da transferência e da neurose de transferência. Transferência não é apenas uma questão de relacionamento ou relações. Ela se refere ao modo como fenômenos altamente subjetivos aparecem repetidamente" (p. 146). Nesse contexto, Winnicott aborda que a psicanálise consiste em fornecer as condições para que a interpretação da transferência possa acontecer. Estamos, portanto, no terreno da neurose e do conflito edípico, sem deixar de levar em conta a regra fundamental da psicanálise, em que o paciente deveria falar ao analista tudo o que lhe viesse à cabeça. Ainda sobre o texto, Winnicott vai mencionar a atitude profissional e vai trazer ao debate a questão de "como somos quando exercemos nossa profissão" (p. 147). No ambiente profissional em que os analistas se encontram, a contratransferência, par indissociável da transferência, dirá respeito aos aspectos neuróticos que perturbam o curso do processo analítico. Todavia, o próprio Winnicott fará uma ressalva e advertirá os leitores que existem dois tipos de casos que irão modificar inteiramente a atitude profissional do analista, qual seja, a dos pacientes com tendência antissocial e os que vão necessitar de uma regressão. Tais situações, então, exigirão do analista outro tipo de escuta e de relação transferencial-contratransferencial que se afastarão da interpretação do conflito, em virtude de estar lidando com pacientes que se mostram refratários ao método interpretativo clássico. O analista que se implicar nesse tipo de trabalho, necessariamente, irá utilizar a técnica do manejo, a exemplo de como Winnicott (1960/1983) conduziu o caso de Margareth Little. Ele inclusive se utiliza de um termo que ela mesmo empregou, ao adotar a ideia de que a contratransferência seria "a resposta total do analista às necessidades do paciente" (p. 50).

Acompanhando os avanços da psicanálise e os horizontes para onde ela se dirige, concordamos com Orange a respeito da co-transferência ser uma ferramenta que inclui aquilo que coincide entre analista e paciente e que se organiza na experiência mútua no setting. Como exemplo, podemos pensar em uma sensação que é captada mutuamente, uma intuição, uma percepção, um silêncio que é compartilhado. Notemos o que Orange afirma:

A co-transferência, como os termos relacionados "intersubjetividade" e "influência mútua", não significa que não existam diferenças entre a participação de analistas e a de pacientes em análise. Reconhecer, como a noção de co-transferência faz, que a psicanálise envolve plenamente duas subjetividades, não elimina as diferenças importantes entre elas (ORANGE, 1995, p. 67-68)3.

Com efeito, a co-transferência evidencia ser um conceito importante para aperfeiçoar nossa escuta, uma vez que valoriza não a produção de um terceiro, mas a possibilidade de se viver essa mutualidade da experiência, sem esquecer de manter preservadas as diferenças de analistas e pacientes. O que ela parece trazer de enriquecimento diz respeito a uma ampliação da contratransferência, para além daquilo que pertence apenas ao analista, que se expressa no corpo do analista. Ao contrário, se refere a uma experiência compartilhada e que produz afetações no analista e no analisando, justamente naquilo que coincide entre eles e que não evidencia estar claro na comunicação explícita e na interpretação da transferência.

Portanto, estamos diante de desafios significativos, que nos convidam a refletir e a olhar com atenção e interesse para a nossa prática na clínica. Essa clínica se caracteriza, entre outros aspectos, por pacientes que são refratários à palavra. Logo, vivemos um tempo em que os casos considerados difíceis dizem respeito a serem casos refratários à interpretação. Segundo a analista Ana Lila Lejarraga:

As raízes do sofrimento desses pacientes graves não podem ser entendidas a partir da férrea luta entre desejos e defesas, já que não dizem respeito a sentimentos - culpa, inveja, angústia, etc. - que correspondem aos conflitos edípicos e que possam se associar a recordações, sonhos e fantasias (LEJARRAGA, 2018, p. 18).

Concordamos com essa afirmação, pois testemunhamos na escuta dos analisandos e das analisandas a presença de outras questões que diferem e se distanciam daquilo que era a raiz do sofrimento na era vitoriana e que foi denunciado pelas histéricas. A psicanálise, certamente, não se furtando à responsabilidade que lhe cabe, acompanha os avanços e as transformações do mundo e da clínica, fazendo circular reflexões com a finalidade de se pensar a escuta, a transferência, a contratransferência, a co-transferência, as narrativas e os não-ditos em questão.

 

A experiência de análise

Sobre o começo da experiência de análise, é válido dizer que Ulysses falava pouco quando chegava. Entrava, estendia a mão para cumprimentar a analista e imediatamente baixava a cabeça para abrir sua garrafa de água. Bebia um pouco, fechava a garrafa novamente e guardava-a em sua bolsa de couro. Esse breve movimento evocava muitas sensações. Parecia, nesse gesto, demonstrar sua discrição, educação e certa elegância. Olhava para o carpete, inclinava a cabeça para o lado direito e ali ficava por uns 5, 10, 15 e às vezes 20 minutos. Nas primeiras sessões, o silêncio causava desconforto na analista pela dificuldade corporal que vai surgindo e pela angústia que brota ao se ter de sustentar tempos prolongados de ausência das palavras. Nas entrevistas posteriores, mescladas com algumas falas, Ulysses foi convidando a analista a silenciar também. Ao aceitar o seu convite, ela foi ficando mais confortável e pôde entrar em contato com o seu silêncio e com as ondas de seu mundo interior. Pôde acionar suas recordações e lembrou dos ensinamentos de uma importante supervisora que lhe recomendou, por ocasião de um outro caso semelhante, de um rapaz com depressão esquizoide, de atravessar esses momentos silenciosos, entrando em contato com seu mundo interno e tentando valorizar cada ponto do encontro em que pudesse haver algum germe de comunicação silenciosa. Ulysses costumava mexer os dedos no braço da poltrona e a analista passou a prestar atenção nesse embrião de gesto espontâneo que ali surgia. Observava ele movimentar as mãos como se, por ali, estivesse tentando expressar algo, embora ainda distante do alcance das palavras. Ela, então, disse a ele silenciosamente: Ulysses, vejo o teu movimentar de dedos como se tivesses tocando um instrumento de cordas. Hoje tu me pareces mais musical, que bom te ver assim! Alguns minutos depois, como se Ulysses tivesse captado essa comunicação silenciosa nesse nível, então falou: "-Tu sabes que esse fim de semana eu vi uma série muito interessante. Os atores são muito bons". Ao que a analista lhe disse: "-Ah, é? Qual?". Nesse caso o conteúdo não era o mais importante, mas a possibilidade de ele sair do isolamento e conseguir se comunicar evidenciava uma pequena grande conquista e, assim, uma conversa começou a se desenrolar. Foi aí que eles passaram a se comunicar de uma forma mais intensa e viva, porém silenciosa na maioria dos encontros até que a comunicação explícita pudesse ter mais vazão.

Segundo Winnicott:

No centro de cada pessoa há um elemento não-comunicável, e isto é sagrado e merece muito ser preservado. Ignorando por um momento as experiências ainda precoces e perturbadoras da falha da mãe-ambiente, eu diria que as experiências traumáticas que levam à organização das defesas primitivas, fazem parte da ameaça ao núcleo isolado, da ameaça dele ser encontrado, alterado, e de se comunicar com ele (WINNICOTT, 1983, p. 170).

Acompanhar alguém em análise requer sutileza e delicadeza. Pressupõe um palmilhar paciente e constante em direção a um ponto mais próximo do "exato" em relação a quando falar e o quê falar. Saber esperar e entregar-se ao não-saber parecem ser as duas faces de uma valiosa moeda, a moeda da técnica do manejo criada por Winnicott. Tudo isso tem valor porque estamos mexendo num terreno em que as experiências traumáticas que levaram o sujeito a erijir uma sofisticada organização de defesa é justamente tudo o que ele tem. Desde essa perspectiva, o que não se deve fazer é querer retirar isso "à forceps". O desafio, por conseguinte, com os pacientes que não trazem a palavra como centro da questão, é acompanhar um dado ritmo até que o não-dito se torne palavra, se torne um dizer e, junto com isso, a descoberta da presença possa ser fonte de troca e de vida, possa se transformar em experiência, contato, encontro profundo, relação de intimidade, alimento afetivo.

Vale a pena mencionar aqui o que o poeta Octavio Paz pensa sobre a relação entre imaginação, descoberta e presença. Atentemos ao que ele diz:

Cada lugar é o mesmo lugar e nenhum lugar está em lugar algum. A conversão do eu em tu - imagem que compreende todas as imagens poéticas - não pode ser realizada se antes o mundo não reaparecer. A imaginação poética não é invenção, mas descobrimento da presença. Descobrir a imagem do mundo naquilo que emerge como fragmento e dispersão, perceber o outro no um, será devolver à linguagem sua virtude metafórica: dar presença aos outros (PAZ, 2012, p. 267).

O silêncio possui vários deslizamentos: barulho, solidão, ausência, tristeza, introspecção, criação. No caso de Ulysses, fazia-nos pensar numa impossibilidade de ele ter experimentado a dependência na relação com sua mãe justamente porque não teve tempo de viver criativamente o descobrimento da sua presença, e, portanto, de fazer buscas em direção a outras experiências psíquicas. Para Silva, Martins e Lisbôa (2017), baseadas na clínica de Winnicott, nos momentos iniciais da vida do bebê, quando tudo segue o curso contínuo do amadurecimento, a identificação da mãe com seu filho há de ser quase perfeita. Inspiradas em Winnicott, problematizam o tema da experiência de mutualidade na relação mãe-bebê como condição fundamental tanto da experiência de dependência absoluta como o solo para que a comunicação entre duas pessoas possa acontecer. Notemos o que elas afirmam:

[...]Nesse princípio de trocas entre mãe e bebê, é possível e desejável que ocorra uma forma de comunicação inicial, primitiva e silenciosa, da qual o corpo da mãe e o do bebê tomam parte... As características de tal comunicação estão intimamente ligadas ao que configura a experiência de mutualidade. A partir de uma experiência compartilhada, de trocas mútuas, silentes, afetivas e corporais, uma dupla pode se comunicar (SILVA; MARTINS; LISBÔA, 2017, p. 256).

Entendemos que essa comunicação viva e cruzada entre Ulysses e sua mãe não ocorreu de forma satisfatória e constante no princípio da vida dele. Por uma série de razões, esse desencontro se colocou ao longo da história dessa dupla, repetindo o início entre os dois, visto que essa forma de comunicação inicial, primitiva e silenciosa entre o corpo da mãe e do bebê não pôde se concretizar. Pelo seu relato, sua mãe era uma mulher distante, dura, com muita dificuldade de expressar afeto e de estar junto. Ela o abandonou quando ele estava na pré-adolescência, ficando aos cuidados do pai.

Neste ponto, então, lançamos uma pergunta: estamos sendo convocados, pela escuta, a favorecer a inscrição de experiências psíquicas que instalem a possibilidade de formação de vínculos mais duradouros e, assim, combatam a autonomia excessiva, o isolamento e o tédio, bem como a desesperança que leva ao isolamento e à impossibilidade de se fiar ao cuidado de alguém?

Conforme o psicanalista Frédéric Worms (2015) afirma, temos uma questão angustiante que tem atravessado a medicina, a sociedade e a vida humana, que é a questão da dependência. Segundo ele, tal questão é mal traduzida, porque na verdade, concerne a algo ainda mais profundo: "Diz respeito a saber a qual cuidado devemos nos confiar, ou como se dizia antigamente, a qual santo devemos nos apegar" (p. 39).

A experiência de análise faz com que nos lancemos corajosamente na travessia de nos fiarmos a alguém. Por isso, o sigilo é tão sagrado. Também diz respeito a apostarmos num olhar e numa escuta que serão oferecidos por uma analista ou um analista na esperança de que possamos viver a metamorfose e a superação de quem somos. Implica modificarmos aquilo que sozinhas e sozinhos não conseguimos encontrar: as rotas de enfrentamento aos problemas e dilemas que não podemos suplantar com os recursos que temos.

Vale a pena mencionar um outro trecho da análise que Worms (2015) tece sobre a relação entre confiança e cuidado a partir da clínica que Winnicott nos legou. Vejamos o que ele diz: "O cuidado não supõe somente a confiança, ele a engendra. Ele é a fonte de nossas vidas, de toda a confiança e talvez de nossa confiança na vida" (p. 41).

O cuidado foi se desvelando na continuidade dos encontros como a busca silenciosa de Ulysses que a analista foi sentindo e captando através da técnica do manejo e da identificação primária.4 A ausência desse cuidado, o distanciamento da mãe, os momentos de tristeza dele, de apagamento, de não-palavra, paradoxalmente, também se manifestavam, despertando na analista a vontade de acompanhar o analisando na imprecisa caminhada de sua vida e da própria análise. Os pontos de interrogação surgiam, mas depois de um tempo, uma certa serenidade foi se instalando à medida que Ulysses foi substituindo o medo de estar junto por curiosidade. Havia momentos em que ficava claro o real interesse dele por ouvir a analista. Eles foram descobrindo juntos uma porta entreaberta de acesso à palavra, ao diálogo, às trocas: os vídeos do Youtube e os filmes e séries que ele via e comentava, sua inteligência, a motivação por querer entender o seu processo e a si mesmo deram início a uma interessante expressão: "É. Faz sentido!".

Transpostas inúmeras sessões e muita quietude, as palavras começaram a jorrar. Algo se passou na dupla que foi transformando o tédio e o retraimento de Ulysses em instantes de diálogos mais contínuos com a analista, em fluidez de palavra, em exemplos "insignificantes", segundo ele, de seu cotidiano, porém, que começaram a ter forma de narrativa, de encadeamento, de ligação. Não se sabia previamente como conduzir esse caso diante do silêncio, da dor, do desconhecido que se apresentava com esse analisando. Contudo, a analista não se furtou aos seus medos, e na travessia de sua escuta, palmilhou, passo a passo, o que cada sessão trazia, favorecendo que uma "certa experiência psíquica"se inscrevesse.

Observemos o escrito do psicanalista Tales Ab-saber (2005), que parece trazer luz ao nosso argumento:

Foi assim que durante quase todo o tempo da sessão, em que aquele homem permanecera absolutamente imóvel, de olhos abertos no nada, exatamente como se deitara, eu pensei no que vínhamos falando até aquele momento de ataque a qualquer comunicação que não fosse o próprio autocongelamento e estive na presença de muitas imagens e experiências psíquicas de outros tempos, muitas teorias possíveis sobre aquilo que às vezes me parecia como uma rebelião na transferência; simultaneamente à hipótese, que acabou se impondo lentamente, de que ali não havia rebelião alguma, mas antes uma busca de experiência psíquica, de uma certa experiência psíquica (AB'SÁBER, 2005, p. 112).

Ulysses foi demonstrando a busca de experiência psíquica que lhe faltou para deixar a tristeza operar menos no seu existir. Os fios desencapados da sua história foram se religando e começaram a apresentar tensão, não a do conflito, mas a da energia, da eletricidade, da luz e da vida.

Isso nos remete para a questão que o psicanalista Luis Claudio Figueiredo coloca acento sobre a importância de não obliterarmos a dimensão do sofrimento no tratamento analítico, uma vez que ele não se localiza de forma apartada das dimensões da cultura e da nossa época e por isso requer uma historicização. Para ele: "Essa historicização ocorre em função das demandas sempre determinadas, ao menos em parte, pelas contingências históricas e socioculturais nas quais ocorrem nossos processos de subjetivação, nossos adoecimentos psíquicos e, eventualmente, nossas curas" (FIGUEIREDO, 2003, p. 42). Então, um dos desafios à escuta na contemporaneidade diz respeito aos analistas não se eximirem da prática da psicanálise no que ela encerra de campo de afetação atrelada ao discurso metapsicológico. Passemos a esses desafios.

 

Desafios à escuta: a clínica que realmente fazemos e o tempo em que vivemos

Ao longo do acompanhamento desse caso, várias questões foram nos instigando. Tomamos de empréstimo a letra de Tales Ab'Sáber que nos possibilita ampliar o escopo de nossas indagações:

De fato, vejo agora com clareza, o grande debate que se travou comigo ao longo do tempo em que ele parecia sempre idêntico a si-mesmo - idêntico à efígie da dor, que era a própria incapacidade de fazer qualquer movimento psíquico, e em algum momento cheguei a pensar que eu não suportaria tal estado de coisas... -, percebo agora que meu debate teórico interno se desdobrou nitidamente em duas frentes, aquela que se perguntava se estávamos enfrentando uma resistência ao processo, que me convocava a solucioná-la, recuperando o que seria a representação perdida e vivida nesta negação da análise, e outra, bastante diferente, que buscava evitar a resistência em mim, buscava a suspensão do juízo e de alguma forma de intervenção que não fosse significativa para o próprio paciente, antes de ser alguma resposta dada à minha própria angústia... Eu oscilava assim entre imagens de outros tempos mais vivos de nossa experiência na transferência e suas conexões com as miríades teóricas da psicanálise na esperança de chegar a uma forma de compreensão e um lento e difícil trabalho de abandonar-me ao não saber (AB'SÁBER, 2005, p. 116).

Nesse difícil e lento trabalho de abandonar-se ao não-saber, fomos tentando reunir e dispor os elementos de um caminho de escuta que pudesse se distanciar de uma norma estabelecida, porque cada sessão é sempre única, singular, tornando impossível saber de antemão como se deve proceder. A intersubjetividade que nasce através da transferência representa um vetor de força na busca de uma passagem que contribua para que o sujeito do inconsciente tenha voz e lugar e, assim, possa reconstruir a experiência traumática. Mas para isso acontecer é indispensável que a posição dos analistas seja de abertura ao novo e ao não-sabido. Escutar, no silêncio, as palavras que ainda não são ditas parece dizer da clínica que realmente fazemos, que se apresenta repleta de dúvidas, hesitações e medos. Todavia, a disponibilidade emocional do analista é o barômetro necessário, a fim de medirmos as pressões que surgem no setting, no clima dos encontros, nas narrativas que se explicitam, "nas miríades teóricas da psicanálise", contribuindo para que as falhas possam ser diminutas frente à possibilidade daquilo que faz laço e suplanta a dor e a desesperança.

O silêncio de Ulysses, tão comum na clínica winnicottiana, difere da clínica tradicional no que diz respeito à resistência à transferência. Refere-se, por sua vez, à possibilidade de ser isolado na presença de alguém. De acordo com Winnicott, é um jogo, um paradoxo, onde está presente "um eu central que não se comunica, para sempre imune ao princípio da realidade e para sempre silencioso". Nesse contexto, a capacidade de sobrevivência do analista a esse estado silencioso dos pacientes é fundamental para que um trabalho psíquico criativo e espontâneo possa operar. Quando isso acontece: "Aí a comunicação é não-verbal; é como música das esferas, abosulutamente pessoal. Pertence ao estar vivo. E normalmente, é daí que se origina a comunicação" (WINNICOTT, 1963/1983, p. 174). É necessário dizer que Ulysses portava uma marca singular, algo que pedia leitura: eram as suas camisetas. A cada sessão, ele trazia um tema estampado que despertava na analista associações sobre o seu estado emocional. Tristeza, disposição ao diálogo, mistério, solidão, sonho, curiosidade, invenção. Às vezes ele vinha com imagens de astronautas, outras de ursos, de fantasmas e de um bonequinho isolado. Essas camisetas demonstravam ser faces ou variações da sua estruturação subjetiva e da sua história. Cogitávamos a presença, nessas vestimentas e nesse modo de exibi-las, de uma comunicação silenciosa não explícita. Atentemos ao que Winnicott afirma:

Este tipo de comunicação é, porém, silencioso. O bebê não ouve ou registra a comunicação, mas apenas os efeitos da confiabilidade; é algo que se registra no decorrer do desenvolvimento. O bebê não tem conhecimento da comunicação, a não ser a partir dos efeitos da falta de confiabilidade. É aqui que se dá a diferença entre perfeição mecânica e amor humano. Os seres humanos cometem muitos erros, e durante o tempo em que a mãe cuida normalmente do seu bebê, ela está continuamente corrigindo as suas falhas (WINNICOTT, 1968/1996, p. 87).

Nessa modalidade de comunicação, a possibilidade de contato se dava pela anatomia e fisiologia dos corpos, via identificação primária e pelo conceito winnicottiano de identificação materna primária, em que parte do psiquismo da mãe regride à pele do bebê, num estado de sensibilidade aumentada e a outra parte fica preservada em relação ao ambiente (seus ruídos e intrusões), protegendo o bebê desses perigos e incômodos para que ele possa viver a dependência e a fase da criatividade psíquica primária quando, por uma experiência de onipotência, sente-se o criador de si mesmo e do mundo. A analista, inspirada nesses conceitos, faria esse trabalho através desse tipo de comunicação silenciosa. Por aí, Ulysses também mostrava o silêncio como seu modo de ser, a sua solidão, o escuro que configurava o seu viver e o seu estado de alerta na vigília prolongada da sua existência. As camisetas eram um princípio de contato afetivo, também uma possível semente da sua condição de sonhar - a analista devaneava com as imagens das camisetas - que tinham potencial para se transformar em narrativa, em construção de algo que desliza, que faça marca, que reconstrua uma passagem. Entre muitos momentos de silêncio e alguns instantes em que a palavra podia aparecer, Ulysses passou a narrar episódios frequentes de insônia, que em geral indicam a impossibilidade de poder dormir tranquilo, de se entregar ao sono e a uma condição de confiança. Vejamos o que ele diz:

Ulysses -Tem uma coisa que tem me incomodado.
Analista -É? O quê?
Ulysses -Eu tenho ido dormir muito tarde. Não consigo dormir cedo. Essa noite eu fui dormir às 3h da manhã. Daí hoje eu não consegui acordar pra ir na aula. Eu tô faltando muito. Coloco o relógio pra despertar, mas não consigo acordar. Eu acho impressionante isso. Quando pego no celular e vejo, tem muitos alarmes perdidos. Eu fui mexendo e vi: alarme perdido, alarme perdido, alarme perdido. Já tentei deitar mais cedo, apagar as luzes. Mas quando eu vejo, tô mexendo no celular, vendo vídeos no YouTube e daí? eu me perco na hora
.

No começo da vida do bebê e de seus encontros com a mãe, é ela quem auxilia o lactente, através da sua adaptação ativa às necessidades dele - num gesto transicional - de fazer a passagem da vida de vigília para a vida do sono. Sem isso, é muito difícil que ele consiga dormir e repousar. Vejamos o que Winnicott diz a respeito disso quando analisa o caso dos dois irmãos no uso primitivo das possessões. Nesse excerto, ele trata do segundo irmão, o caçula:

Não se tratava de um "confortador", como no caso do depressivo irmão mais velho, mas de um "acalmador". Constituía um sedativo que sempre funcionava. Trata-se de um exemplo típico do que estou chamando de objeto transicional. Quando Y era bem menino, era sempre certo que, se alguém lhe desse seu "Baa", ele imediatamente o chupava e perdia a ansiedade, e, de fato, caía no sono em poucos minutos, se a hora de dormir se aproximava (WINNICOTT, 1975, p. 21).

Nesse momento nos permitiremos fazer uma breve digressão para elucidar a reflexão: num evento realizado na Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre5, a psicanalista Diana Tabakoff, da Sociedade Psicanalítica de Paris, abordou o tema da psicossomática em sua fala. Perguntamos à ela se haveria uma aproximação da psicossomática da Escola de Paris com a psicossomática de Winnicott. Diana Tabakoff então fornece um exemplo interessante: diz que "la mère suffisante" (a mãe suficiente) de Winnicott, auxilia o bebê a dormir. Já a mãe que não é suficientemente boa sacode o bebê até que ele durma. Este dorme de cansaço e não pelo suporte materno.

Levando isso em consideração, podemos pensar que Ulysses não viveu a experiência de onipotência no período da dependência absoluta, quando o bebê sente que é o criador do mundo e de si mesmo e quando a mãe responde e está lá para atender as suas necessidades no tempo que ele precisa. Os alarmes perdidos do nosso jovem analisando sugerem o trânsito pelo mundo subjetivo, numa espécie de desconexão da realidade externa, como se vivesse uma alucinação negativa, segundo o psicanalista Lucio Gutiérrez6. É assim, conforme Gutiérrez, que acontece com os jovens que jogam videogame e ficam imersos nesse mundo à parte da realidade, isto é, a alucinação negativa faz com que eles neguem todas as sensações manifestadas pelo corpo como fome, sede, sono, cansaço por exemplo. Tal desconexão é um dos aspectos que nos interessa e que nos faz pensar na clínica contemporânea em diálogo com as produções sintomáticas dos sujeitos, em especial, nos quadros esquizoides, que tanto interessavam Winnicott. O estado insone de Ulysses situa-nos nesse universo dos processos primários e das identificações primárias em que as coisas e as sensações vêm antes da palavra, em que o pré-verbal e o campo do primitivo se expressam através do corpo. Não conseguir dormir, fazendo a passagem da vigília para o sono, também sinaliza um alarme para a analista: o alarme de um pedido de ajuda para que isso venha a mudar.

Nosso paciente, na sua solidão e ausência do olhar materno, sinalizava alguns pontos das falhas do ambiente que, na presença da analista, atualizavam a sua experiência prévia de dependência. Ao que se sabe, tal experiência demonstra ter sido difícil e precária, pela sua lembrança de estar sozinho sempre ou de quando a mãe preferia sair com as amigas a estar com ele quando estavam juntos. Somado a isso, ele manifestava uma predileção por fazer as suas coisas de forma mais autônoma, mais sozinho, prescindindo do outro, porque este, muitas vezes o incomoda ou desconcentra. Observa-se uma profícua relação disso com alguém que se percebe frequentemente incomodado com a presença do outro ou pouco tolerante; faz-nos pensar na impossibilidade da mãe, no início, ter se adaptado ativamente às necessidades e gestos do lactente.

Essa adaptação se justifica porque é pelo ritmo do encontro da dupla que os processos de integração e personalização vão acontecendo e o bebê vai sentindo que o que ele vive e quem ele é tem um sentido. Guiado pela experiência de um provável desencontro com sua mãe, Ulysses foi tendo que fazer uma leitura do mundo e do ambiente antes do tempo de realizar essa descoberta espontaneamente. O efeito disso na sua vida é a sensação constante de estar em desacordo com o tempo da realidade, dos compromissos e da relação com o outro, acrescentando-se sintomas como tédio, desmotivação e uma rede de contatos mais reduzida. Isso se reflete no seu cotidiano nos atrasos às aulas, às sessões de análise e ao seu despertar matinal. A clínica do holding, dessa sustentação emocional, desse segurar o bebê nos braços e na mente, fornecendo os embriões de experiências psíquicas, sugere pensar o quanto isso é importante e necessário para que uma esperança se coloque, a partir de uma nova modalidade de encontro, que venha a alinhar esses tempos, que não são o do relógio, mas do coração, da confiança, o tempo de boas promessas, que leve os analisandos a avançarem na vida com base em um trajeto de reconstrução e de invenção de novos jeitos, mais autênticos e singulares.

Winnicott desenvolveu sua clínica atendendo os bebês e suas mães e os pacientes esquizoides. Dedicou um livro a esse tema chamado Holding e interpretação, em que se ocupa de refletir e explicitar os detalhes do atendimento a um paciente que acompanhou e que ficou conhecido como o caso B. Não nos interessa neste artigo abordar o caso propriamente, pois se tornaria muito extenso. Apenas desejamos circunscrevê-lo no horizonte da clínica winnicottiana, a fim de podermos dialogar e problematizar o tema da esquizoidia articulada à noção desse recolhimento que se reflete em excessiva autonomia e individualidade, justamente pela impossibilidade de essas pessoas se fiarem a alguém, ao cuidado de alguém. Todavia, compartilhamos um fragmento do texto introdutório assinado por Masud Khan (1972/1991) que tem desdobramentos interessantes ao presente escrito: "Na verdade, há muitas lições para todos os clínicos nessa narrativa clínica. Talvez a mais importante seja a de que não devemos tentar curar um paciente além da sua necessidade e além dos seus recursos psíquicos para sustentar essa cura e viver a partir dela" (KHAN,1972/1991, p. 20). Esse excerto serve de advertência para nos lembrarmos de que a clínica contemporânea se atualiza na medida em que a superassimetria e o saber dos analistas cedem lugar àquilo que cada analisanda e analisando intenciona criar na transferência e que isso compõe a dimensão das subjetividades contemporâneas.

Logo, convém darmos relevo a alguns assinalamentos no que se refere à dimensão das subjetividades contemporâneas. Segundo Figueiredo (2003), o polo esquizoide refere-se a um modo de gerar e administrar ideias e afetos, estabelecendo relações e legitimando padrões de sociabilidade. Por essa razão, "[...] merece mais consideração do que a que tem recebido" (FIGUEIREDO, 2003, p. 43).

Com efeito, a prática clínica nos traz a dimensão do sofrimento assegurando-nos de que o sofrimento psíquico e o conhecimento da psicanálise não se encontram distantes da sala de análise. Isto posto, trazemos ao texto uma afirmação de Figueiredo que explicita o sentido de nossa problematização:

Simpatizo ainda mais com uma perspectiva histórico-pragmática, segundo a qual, os discursos metapsicológicos nos quais fomos formados e que recriamos em nossas atividades cotidianas - sempre ao nosso modo e com a nossa cara - são em si mesmos práticas de instalação de certos campos de possibilidades para a emergência de fenômenos e a ocorrência de processos psíquicos que constituem a experiência de análise. Não pode haver uma experiência de análise sem alguma metapsicologia, pois é a metapsicologia que instaura o hiato de compreensão, o desencontro, o equívoco de pessoa (transferência), sem os quais não pode haver escuta psicanalítica; a metapsicologia é a matriz subterrânea e jamais fenomenalizável de escuta e fala da alteridade, a reserva psíquica irredutível às vivências da dupla analítica e por isso capaz de impedir que, no lugar de uma experiência de análise, se instale o jogo ilusório da "compreensão imediata", do "apoio ilimitado" e outras quimeras da tradição humanista (FIGUEREDO, 2003, p. 44).

A experiência de análise se mostra, nesse oceano, como um movimento das marés, porque faz mudar algo, porque apresenta um ritmo, assim como as ondas que vem e vão, que ora são fortes, ora são fracas, que inundam e acalmam, como os fluxos da vida. O divã, a poltrona, o corpo do analista e o corpo do analisando compõem o setting, um espaço potencial em que a intersubjetividade se configura como o motor do trabalho e da criação.

Retomando o diálogo com Ulysses, vejamos o que a analista lhe diz:

-É interessante isso que tu estás dizendo dos alarmes perdidos. Embora tu estejas chateado por estar perdendo as aulas ou chegando atrasado aqui e aproveitando menos o teu tempo comigo, tu estás podendo te conhecer e saber um pouco mais do teu ritmo e das oscilações desse ritmo, de como tu funcionas. Isso já é importante.

Passemos ao que Winnicott diz a esse respeito:

Embora a psicanálise de temas pertinentes se baseia na verbalização, todo analista sabe que, junto ao conteúdo das interpretações, a atitude por trás da verbalização tem sua própria importância, e que esta atitude se reflete nas nuanças, no ritmo e em milhares de outras formas que podemos comparar à variedade infinita da poesia (WINNICOTT, 1968/1996, p. 85).

Estar na presença de Ulysses fazia brotar sentimentos contratransferenciais que remetiam a analista à ordem de elementos estéticos, de uma dimensão sensível, bela e profunda. Sobre o que a analista lhe disse, o que se percebe é um acolhimento dedicado a Ulysses por sua condição momentânea de não poder se encarregar de todas as exigências que a vida objetiva lhe exige sendo tão jovem e se encontrando numa situação de desamparo importante, longe dos pais e do afeto materno. Ao aceitar seus atrasos, silenciosamente, a analista diz ao analisando que no seu ritmo desencontrado pode justamente residir a esperança de se encontrar e que tudo na vida é um processo que exige um tempo até que as coisas possam se constituir e amadurecer. No silêncio que surge da condição de uma solidão essencial que é não-ser, o lugar que a analista ocupa é aquele que se oferece - com as devidas proporções -, a uma dependência máxima. Isso favoreceu que ambos estivessem juntos para que o garoto pudesse fruir desse estado de não-integração do início, vivendo no mundo subjetivo o tempo de constituição de seu ser, agora acompanhado por alguém que pode estar com ele de uma forma mais plena e viva, respeitando o seu relógio interior. Segundo Winnicott (1988/1990): "No princípio há uma solidão essencial. Ao mesmo tempo, tal solidão só pode existir em condições de dependência máxima" (p. 153).

Essas condições de que Winnicott fala vão ao encontro do que Figueiredo discorre sobre o papel da contratransferência no trabalho analítico. Vejamos o que ele afirma:

"[...] há uma condição de possibilidade do psicanalisar - qualquer que seja a modalidade do trabalho em curso - que se configura como uma contratransferência primordial, um deixar-se colocar diante do sofrimento antes mesmo de se saber do que e de quem se trata. Essa contratransferência primordial corresponde justamente à disponibilidade humana para funcionar como suporte de transferências e de outras modalidades de demandas afetivas e comportamentais profundas e primitivas, vindo a ser um deixar-se afetar e interpelar pelo sofrimento alheio no que tem de desmesurado e mesmo de incomensurável, não só desconhecido como incompreensível (FIGUEIREDO, 2003, p. 128).

Vivemos um tempo de quebras, um tempo fraturado que denuncia a constância e a manifestação de muitos desencontros e, quem sabe, por essa razão, de tanta dor, de tanta solidão e de tanta vulnerabilidade. Assim, nesse tempo em que vivemos, urge que essa disponibilidade humana para funcionar como suporte de transferências e de outras modalidades de demandas afetivas se multiplique. Para que isso aconteça, torna-se indispensável que no fazer analítico, os analistas tenham a coragem de deixar-se afetar e interpelar pelo sofrimento alheio. Justamente, essa dimensão do sofrimento alheio muitas vezes fica obliterada da prática da psicanálise quando se prioriza um discurso metapsicológico desarticulado do material clínico e de que modo se dá o seu manejo. Figueiredo (2003) aprofunda a reflexão nesse sentido: "Na verdade, a intelectualização da psicanálise, a tendência a tomá-la como uma espécie de parque de diversão para filósofos, território lúdico em que a dimensão do sofrimento fica totalmente obliterada, já pode ser considerada como uma das manifestações da esquizoidia contemporânea" (p. 42).

Dentre essas manifestações, temos a dissociação esquizoide, que, na visão de Figueiredo (2003) encontramo-nos todos imersos, "entre um mundo próprio, que tende a se tornar autista ou quase delirante, e um mundo compartilhado insuportável, opressivo, angustiante, no qual a dependência se mantém inalterada, deixando-nos à mercê de objetos não confiáveis" (p. 48).

Logo, optamos por destacar a esquizoidia básica, que é "exatamente uma autonomia patológica e defensiva do psiquismo que se confunde com o próprio psiquismo. Mas o que subjaz a essa autonomia é uma permanente impossibilidade de superar de fato a condição de dependência" (FIGUEIREDO, 2003, p. 47). Tal impossibilidade diz respeito a uma falsa autonomia que se coloca, somada a uma funesta experiência da perda de contato no plano da vida social.

Nosso analisando aportou na análise explicitando essa perda de contato no plano da vida social, com uma sucessão de fracassos "na procura de objetos minimamente confiáveis e aptos a desempenhar suas funções primordiais" (FIGUEIREDO, 2003, p. 49). Depois de um período de um ano aproximadamente, a experiência de análise favoreceu que o paciente pudesse extrair, desse modo de presença, um outro espaço para conceber e desfrutar da sua vida com um colorido que o distanciava do escuro que ele chegou. Entendemos, com isso, que a experiência de análise também desvela o sinistro da cultura, os padecimentos engendrados no laço social e que não podemos mais, como psicanalistas, prescindir de um olhar que associe a singularidade do sintoma particular à dimensão sem limites e inacreditável do tempo em que vivemos, que vem nos encurralando como sujeitos e que vem retirando de nós as possibilidades de uma vida dotada de criatividade psíquica e verdadeiramente compartilhada. Com isso, desfazemos um pouco o vício, tão arraigado, de dissociar a clínica da cultura, a política e a arte da vida e da economia, o poder, da trama das relações e das políticas de sofrimento.

 

Considerações finais

Estar com Ulysses significou, entre tantascoisas, a experiência de acompanhar alguém que, apesar das suas dores, por vezes silenciadas e abafadas, teve a coragem e o desejo de apostar de uma forma mais valorosa na própria vida. A experiência da análise, pode-se afirmar, é uma experiência de identificações cruzadas numa clínica que convoca cada vez mais os analistas a serem elesmesmos e a se lançarem nas políticas e na ética dos encontros, no setting e fora dele.

Percorrer a travessia ao lado de um analisandor pode proporcionar aos analistas, a exemplo desse caso, inúmeras descobertas, como revisitar zonas e camadas psíquicas esquecidas ou esmaecidas da analista e que tornam a ganhar um colorido especial pela potência de um encontro que se configura numa verdadeira caixa de ressonâncias. Na verdade, o eco mais importante que se origina dessa caixa é o resgate ou a inscrição das nossas primeiras experiências de amor, essas que nos ligam na vida e nos enlaçam no outro, que nos emocionam e surpreendem, afastando-nos do risco de ficarmos amortecidos e de silenciarmos nossas forças pulsionais. A esse respeito, Winnicott parece nos presentear com uma interessante observação:

Estas coisas não podem ser aprendidas e tampouco podem ser feitas por máquinas. Elas dependem inteiramente do cuidado e da compreensão humanas e de uma coleção de coisas que podem ser reunidas e descritas através da palavra "amor". Pode-se dizer da psicoterapia e da fisioterapia, que faz parte daquela, que o terapeuta está fornecendo profissionalmente e em data posterior exatamente aquilo que normalmente é dado por amor em data anterior (WINNICOTT, 1994, p. 430).

Dessa caixa, dentre tantos elementos, reverbera a abertura de novos caminhos e modos de ser e fazer na transferência que se inventam ou se atualizam por esse percurso sempre único que representa escutar o outro e, então, a si mesmo, levando em conta tanto a clareza quanto a obscuridade do nosso tempo comum e singular.

 

 

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Artigo recebido em: 17/05/2019
Aprovado para publicação em: 14/10/2019

Endereço para correspondência
Renata Lisbôa Machado
E-mail: relisboa7@hotmail.com
Audrey Fernanda Blackwell
E-mail: audreywell@hotmail.com
Adriana Vignoli
E-mail: drivignoli@gmail.com
Carmem Lucia Silva
E-mail: carmenluciaxl@gmail.com
Franciela Bonacina
E-mail: franchiela@hotmail.com
Rafael Braz
E-mail: brazpsy@gmail.com

 

 

*Psicanalista. Especialista em Psicologia em Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia - Fundação Universitária de Cardiologia (IC-FUC). Formação em Psicoterapia de Orientação Psicanalítica pelo Instituto de Terapias Integradas de Porto Alegre (ITIPOA). Mestre em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pós-doutoranda do PPG em Psicanálise Clínica e Cultura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro associado, supervisora e coordenadora de seminários da Formação em Clínica Psicanalítica do Instituto Wilfred Bion. Cooordenadora do Grupo de Estudos de Winnicott "A clínica, o pensamento e a técnica" do Instituto Wilfred Bion. Porto Alegre, RS, Brasil.
**Psicóloga pela Universidade La Salle. Instituto Wilfred Bion. Porto Alegre, RS, Brasil.
***Psicóloga pela Universidade La Salle. Instituto Wilfred Bion. Porto Alegre, RS, Brasil.
****Psicóloga pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). Psicóloga da Rede de Saúde Mental da Prefeitura de Cachoeirinha, RS. Formação em Psicoterapia de Orientação Psicanalítica pelo Instituto de Terapias Integradas de Porto Alegre (ITIPOA). Curso de Especialização "Intervenção na Relação Pais-bebê" pelo Instituto de Terapias Integradas de Porto Alegre (ITIPOA). Coordenadora de Seminários e Supervisora do Estágio de Psicopatologia do Instituto de Terapias Integradas de Porto Alegre (ITIPOA). Instituto Wilfred Bion. Porto Alegre, RS, Brasil.
*****Psicóloga pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Formação em Clínica Psicanalítica e em Fundamentos da Teoria Psicanalítica pelo Instituto Wilfred Bion. Coordenadora do EEIB do Instituto Wilfred Bion. Porto Alegre, RS, Brasil.
******Psicólogo pela Universidade La Salle. Pós-graduando do Curso de Especialização em Neurociência do Desenvolvimento Humano da Universidade La Salle. Instituto Wilfred Bion. Porto Alegre, RS, Brasil.
1NEMIROWSKI, C. Winnicott y la clínica del paciente contemporáneo. In: XVII Encuentro latinoamericano sobre el pensamiento de Donald Woods Winnicott. 6, 7, 8 e 9 de dezembro de 2018. Associação Psicanalítica de Buenos Aires. Buenos Aires, Argentina (tradução livre dos autores).
2ORANGE, D. M. Emotional Understanding: studies in psychoanalytic epistemology. New York: Guilford Press, 1995. p. 63. (tradução livre dos autores).
3Tradução livre dos autores.
4Importa explicitar aqui o significado da técnica do manejo na clínica de Winnicott. Na clínica assim orientada, em que se destacam o acompanhamento a pacientes com tendência antissocial e os psicóticos (visto que são distúrbios, segundo Elsa Dias, "cuja etiologia é de deficiência ambiental"), tal técnica se mostra como um "procedimento terapêutico legítimo" porque é pelo manejo que uma situação no tempo é sustentada pelo analista até que a imaturidade do paciente possa ser vivida e então transformada em retomada do amadurecimento e no rumo à independência. Assim, o que vai contar na técnica do manejo winnicottiano dirá respeito à confiabilidade do setting e a previsibilidade do analista, visto que a imaturidade do paciente não permitirá que uma interpretação nos moldes do conflito edípico e da resistência frente à transferência estejam ao alcance dos analisandos. Estamos no terreno do objeto subjetivo, do estágio da dependência absoluta e de um tempo de ilusão em que o sujeito, regredido à dependência, funcionará no registro dos processos primários e da identificação primária. Winnicott (1956/2000) afirmará algo capital para a compreensão de tal técnica e de como se define o setting: "Quando há um ego intacto e o analista pode ter certeza sobre a qualidade dos cuidados iniciais, o setting analítico revela-se menos importante do que o trabalho interpretativo (Por setting, quero dizer a soma de todos os detalhes do manejo). Ainda assim existe um conjunto de normas de manejo na análise comum razoavelmente aceito por todos os analistas. [...]No trabalho que estou descrevendo, o setting torna-se mais importante que a interpretação. A ênfase é transferida de um aspecto para o outro (WINNICOTT, 1956/2000, p. 486).
5JORNADA DIVERSIDADES realizada e promovida pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre que aconteceu nos dias 15 e 16 de setembro de 2017 em Porto Alegre.
6GUTIERRÉZ, L. "Usos del videojugar", trabalho apresentado no painel da Aula 4 no XXVII Encuentro Latino-americano sobre el pensamiento de Donald Woods Winnicott, de 6 a 9 de dezembro de 2018 na Associação Psicanalítica de Buenos Aires. (Tradução livre dos autores).

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